Acórdão n.º 8/2010, de 2 de Março de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 2218/2009)

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ACÓRDÃO N.º 8/2010 - 02.Mar.2010 - 1ª S/SS

(Processo n.º 2218/09)

 

DESCRITORES:

Acolhimento de Recomendações / Alteração do Resultado Financeiro por Ilegalidade / Competência / Delegação de Competência / Erro / Empreitada de Obras Públicas / Júri / Marcas e Patentes / Omissão / Recomendação Anterior / Recusa de Visto

SUMÁRIO:

1. A inclusão, no mapa de quantidades de quantidades, de marcas comerciais, não acompanhadas da menção "ou equivalente", sempre que não seja possível formular uma descrição do objecto da empreitada com recurso as especificações suficientemente precisas e inteligíveis por todos os interessados, viola o disposto no art.º 49.º, n.ºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.

2. A pronúncia sobre os erros e omissões, identificados pelos interessados, efectuada pelo júri do procedimento - e não pelo órgão competente para a decisão de contratar - viola o disposto no art.º 61.º, n.º 5 do CCP, sem prejuízo do disposto nos arts. 109.º, n.º 1 e 69.º, n.º 2 do mesmo código.

3. As ilegalidades mencionadas são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato, o que constitui fundamento da recusa de visto nos termos do art.º 44.º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

4. Não estando demonstrada a efectiva ocorrência da alteração do resultado financeiro do contrato, mas tendo a entidade adjudicante sido objecto de várias recomendações anteriores relativas à matéria de inclusão de marcas comerciais, o não acatamento reiterado das mesmas impede o uso da faculdade prevista no n.º 4 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

ACÓRDÃO Nº 8 /10 - 02.MAR.2010 - 1ª S/SS

Proc. nº 2218/09

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Oeiras remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 14 de Outubro de 2009, com a empresa "Arlindo Correia & Filhos, SA.", pelo valor de € 1.498.991,85 acrescido de IVA, tendo por objecto a "Recuperação da Quinta dos Sete Castelos em Santo Amaro de Oeiras".

II - MATÉRIA DE FACTO

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato foi precedido de concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 01-09-2008 e nos jornais "Diário Económico", de 04-09-2008 e "Diário de Notícias", também de 04-09-2008;
B) Ao concurso apresentaram-se 4 concorrentes, tendo sido excluídos dois na fase de análise das propostas;
C) O prazo de execução da obra é de 540 dias;
D) A consignação da obra ainda não ocorreu;
E) O preço base da empreitada foi de 1.500.000,00 €;
F) De harmonia com o ponto 12 do Anúncio do Concurso, o critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa e contempla a ponderação dos seguintes factores:

1 - Preço - 40%;

2 - Valia e exequibilidade técnica da proposta - 40%;

3 - Planeamento e cumprimento de prazos - 20%.

G) O mapa de quantidades posto a concurso, nos seus artigos 4.5.1.2.1 e 4.5.1.2.8, contém a referência a marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", designadamente as seguintes:

- Luminária "INDALUX";

- Luminária "PARALUX";

- Luminária "Ing. CASTALDI MEGARIM";

H) Os artigos referidos na alínea anterior têm um valor de € 57.907,60 e representam 3,86% do valor do contrato;
I) Questionado o Município de Oeiras sobre a matéria referida na alínea G), face ao disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP), veio o mesmo dizer, em síntese, o seguinte (1):
"... Mais informo que pude infelizmente constatar que os artigos em causa não foram redigidos com precedência da expressão "tipo ou equivalente", mas chamo a atenção para o facto de que no restante mapa foi observada aquela exigência legal. Como é sabido, todas as pessoas cometem erros e lapsos, sendo este precisamente o caso, o que não deixamos desde logo, de lamentar, bem como atestar que fazemos o possível para que estes lapsos ocorram cada vez menos.
Contamos com a compreensão desse douto Tribunal e coloco-me à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais...".
J) Em 16 de Outubro de 2008 (2), o júri do procedimento, "em nome do órgão competente para a decisão de contratar", pronunciou-se sobre os erros e omissões identificados pelos interessados e ordenou a publicitação da sua decisão através da notificação aos interessados que adquiriram o processo, bem como através de anúncio a publicar no Diário da República.
K) Questionado o Município de Oeiras para que remetesse cópia do despacho através do qual havia sido delegada, no júri do procedimento, a competência para efectuar a pronúncia sobre os erros e omissões, indicada na alínea anterior, veio a Autarquia dizer, em síntese, o seguinte (3):   
"... O processo sub judicio foi o primeiro procedimento concursal, público, lançado pela Câmara Municipal de Oeiras, e pelo que então foi apurado, um dos primeiros (de empreitada) ao abrigo do Código dos Contratos Públicos.
Note-se que foi lançado logo após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos e, como é do conhecimento geral, ainda se estava perante o "estudo" do referido diploma, sobrando questões quer de interpretação, quer de aplicação.
Pese embora a maior diligência desta Edilidade, verifica-se que aquando da nomeação do júri do procedimento, na proposta de deliberação, de abertura do procedimento (cuja cópia integra o processo remetido a V. Exas.), o órgão executivo municipal, enquanto entidade competente para autorização da despesa e do procedimento conforme o disposto nos artigos 36º e 38º do Código dos Contratos Públicos, não delegou, efectivamente, no júri, a competência para decidir sobre erros e omissões apresentados pelos interessados.
Note-se, pelo teor das respostas dadas aos interessados, que nenhum deles veio a contestar a legitimidade da decisão do júri, quanto mais quando uma listas propostas foi rejeitada liminarmente por não corresponder aos imperativos do nº 1 do artº 61º do Código dos Contratos Públicos.
Quando tal falha foi detectada, o órgão executivo municipal passou a delegar, expressamente, nas propostas de deliberação de abertura de procedimento, as competências, para além da realização de audiência prévia, para responder a pedidos de esclarecimentos, proceder a rectificações das peças por sua iniciativa ou a pedido dos interessados, e deliberar sobre a aceitação/rejeição de erros e omissões.
Assim, como se pode ver, a Câmara Municipal de Oeiras foi no sentido de prevenir novas situações como a ora em crise, nas quais, note-se, o tempo de resposta é curto, sob pena de rejeição tácita.
Por isso, apelamos à compreensão desse douto Tribunal, pois trata-se de um processo pioneiro ao abrigo da nova legislação, com todos os problemas inerentes, mas que se tem vindo a detectar e corrigir, para não dizer mesmo prevenir situações semelhantes...".
L) O Município de Oeiras foi objecto de recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do dispositivo legal que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente" (artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março, então vigente), recomendações essas que foram transmitidas pelos Acórdãos nºs 48/04, de 13-04-1004; 123/05, de 28-01-2005 e pela Decisão, em sessão diária de visto, nº 754/06, de 11-10-2006.
 

III - O DIREITO 
 

1. Suscitam-se, no presente processo, duas questões:
a) Uma relacionada com a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente";
b) Outra, concernente ao facto de a pronúncia sobre os erros e omissões, identificados pelos concorrentes, ter sido efectuada pelo júri do procedimento.
2. Vejamos, em primeiro lugar, a questão relativa à inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente".
O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13:

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.
............................................................................

Tem este normativo por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99, de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (4).
Verifica-se, assim, a violação dos nºs 12 e 13, do mencionado artigo 49º, do CCP.

3. Vejamos, de seguida, a questão relativa ao facto de a pronúncia sobre os erros e omissões, identificados pelos concorrentes, ter sido efectuada pelo júri do procedimento.
Dispõe o nº 5 do artigo 61º do CCP que "Até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e as omissões identificados pelos interessados, considerando-se rejeitados todos os que não sejam por ele expressamente aceites.".
Por outro lado, e nos termos do nº 1, do artigo 109º, do mesmo Código, "Todas as competências atribuídas pelo presente Código ao órgão competente para a decisão de contratar podem ser delegadas, sem prejuízo do disposto na parte final no nº 2 do artigo 69º (5).
No caso vertente, e como resulta da matéria de facto, dada por assente na alínea J) do probatório, foi o júri do procedimento - e não o órgão competente para a decisão de contratar - quem se pronunciou sobre os erros e omissões identificados pelos interessados.
Além disso, e como, também, emerge da matéria factual dada por adquirida na alínea K) do probatório, a competência para a pronúncia sobre os erros e omissões, identificados pelos interessados, não havia sido delegada, no júri, pelo órgão com competência para a decisão de contratar.
Verifica-se, pois, que foi violado o disposto no artigo 61º, nº5, do CCP.

4. Vejamos, de seguida, as consequências decorrentes da violação do disposto nos normativos atrás mencionados.
4. 1. As ilegalidades cometidas poderão ser geradoras de nulidade ou de mera anulabilidade, sendo que o visto apenas poderá ser recusado, no caso em apreço, com fundamento em nulidade, atento o disposto no artigo 44º, nº3, al. a) da Lei nº98/97 de 26 de Agosto.
Ora, não estamos, seguramente, perante casos de nulidade:
Efectivamente, os vícios atrás mencionados não se encontram previstos no artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispositivo este que se refere aos actos administrativos feridos de nulidade.
Efectivamente, nem se encontram incluídos no elenco dos actos indicados no nº2 daquele normativo, nem, por outro lado, existe qualquer norma que, para tais vícios, comine expressamente tal forma de invalidade dos actos administrativos (vide o nº1, do mesmo artigo 133º do CPA).
Por outro lado, o acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se como "elementos essenciais" os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torna inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide o nº1, 1ª parte, do citado artigo 133º do CPA) (6).
Não sendo as ilegalidades verificadas, geradoras de nulidade, só podem as mesmas conformar mera anulabilidade, o que afasta o fundamento de recusa de visto enunciado na alínea a), do nº3, do artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

4. 2. Por outro lado, como, no caso sub judice, não estão em causa encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem violação directa de norma financeira, afastado está, também, o fundamento de recusa de visto mencionado na alínea b) do citado normativo, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

5. Importa, então, cuidar de saber se as ilegalidades atrás referidas preenchem o fundamento de recusa de visto indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.
A resposta a esta questão só pode ser positiva:
De acordo com o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, constitui fundamento de recusa de visto, a ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Muito embora não resulte do processo que, da violação do disposto nos normativos indicados nos pontos 2. e 3., supra mencionados, tenha decorrido a alteração do resultado financeiro do contrato, não há dúvida de que os vícios verificados são susceptíveis de alterar tal resultado financeiro.
É que, a inclusão de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente", é uma circunstância que pode afectar, negativamente, a concorrência, dado poder beneficiar alguns concorrentes, em detrimento de outros, com o consequente risco de alteração do resultado financeiro do contrato.
Deve acrescentar-se, aliás, que o Código dos Contratos Públicos aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro continua a proibir uma prática que já era interdita pelo artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março.
Por outra banda, a pronúncia sobre os erros e omissões, identificados pelos interessados, efectuada pelo júri do procedimento - e não pelo órgão com competência para a decisão de contratar - é uma circunstância que pode, igualmente, ter repercussões assinaláveis no resultado financeiro do contrato, dado poder determinar uma alteração das quantidades previstas e/ou dos preços contratuais.

6. No caso em apreço, não está adquirida a efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato.
Resulta, todavia, dos autos (vide a matéria de facto dada por assente na alínea L) do probatório), ter o Município de Oeiras sido já objecto de recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do normativo que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente" (o citado artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99 de 2 de Março, então vigente) normativo este cuja disciplina se encontra, actualmente, plasmada no artigo 49º, nºs 12 e 13 do CCP.
Ora, tendo em conta o reiterado não acatamento das várias recomendações efectuadas por este Tribunal, relativamente à matéria atrás referida, não se mostra útil, nem aceitável, voltar a efectuar outra recomendação à citada Autarquia.
É que o comportamento da Autarquia de Oeiras, consubstanciado no persistente não acatamento das recomendações efectuadas, não permite que se forme a convicção de que nova recomendação seria suficiente para que, definitivamente, fosse cumprida a lei, como determinado por este Tribunal.
Assim, entende-se não estar reunido o condicionalismo que permite o uso da faculdade prevista no nº4, do dito artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 02 de Março de 2010. 

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Vide fols. 529 dos autos.
(2) Vide a Acta constante de fols. 389 e 390 dos autos.
(3) Vide fols. 533 dos autos.
(4) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº 36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.
(5) Trata-se da exclusão da delegação da competência para a decisão de qualificação dos candidatos, ou para a decisão de adjudicação.
(6) Neste sentido, v. g., os Acórdãos nºs 30/05, de 15-11-2005, 27/07, de 13-2-2007 e 108/07, de 24-7-2007, da 1ª Secção, em subsecção, deste Tribunal.