ACÓRDÃO Nº 70/2011 - 28/11/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 1197/2011 - 1ª SECÇÃO
I - OS FACTOS
1. O Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. (doravante designado também por Centro Hospitalar ou CHS), remeteu para fiscalização prévia, o "Protocolo de Fornecimento de Alimentação aos Utentes e Pessoal do CHS, bem como a exploração das áreas de restauração do público e de acesso exclusivo a pessoal" (doravante designado por protocolo), celebrado em 27 de julho de 2011 com o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (doravante designado por SUCH), para o período de 10 de agosto de 2011 a 9 de agosto de 2016, prorrogável, no valor de total de € 6.476.445,00.
2. Além do referido em 1. e noutros pontos deste Acórdão, relevam para a decisão os seguintes factos, evidenciados por documentos constantes do processo:
a) Para a celebração do protocolo foi invocado o nº 2 do artigo 5º do CCP (1)(2);
b) O protocolo, nos termos da sua cláusula primeira, tem por objeto "o Fornecimento de Alimentação aos Utentes e Pessoal do CHS, bem como a exploração das áreas de restauração do público e de acesso exlusivo a pessoal, durante o período de 10 de Agosto de 2011 a 09 de Agosto de 2016";
c) A atividade do SUCH, na execução do protocolo, compreende, em sintese, nos termos da cláusula segunda:
- A preparação, confeção e fornecimento do pequeno almoço, almoço, jantar e ceia a doentes e pessoal;
- Distribuição e fornecimento de refeições e reforços alimentares;
- Exploração dos refeitórios do CHS;
- Execução das funções inerentes à prestação de serviços;
- Manutenção das instalações e equipamentos;
d) Nos termos do nº 2 da mesma cláusula segunda, "o SUCH, no prosseguimento da sua actividade, poderá subcontratar outras entidades desde que colhido previamente e por escrito, o acordo do CHS, com especificação das tarefas que pretende contratar";
e) Nos termos do nº 1 da cláusula terceira "o CHS coloca à disposição do SUCH as instalações, equipamentos e outro material que constarão de inventário a anexar ao protocolo";
f) Nos termos da cláusula quarta, a manutenção e encargos gerais com as instalações e equipamentos são, em regra, da responsabilidade do SUCH;
g) Nos termos da cláusula quinta, é da responsabilidade do CHS o fornecimento de água, gás e electricidade, assumindo o SUCH o pagamento mensal de € 3.000,00 para consumos efectuados nas instalações concessionadas;
h) Nos termos do nº 1 da cláusula sexta, o "SUCH obriga-se a recrutar e a afectar à prestação de serviço os colaboradores necessários à satisfação das necessidades dos doentes e do pessoal do CHS em matéria de alimentação";
i) O pessoal pertencente aos quadros do CHS será integrado nas equipas de trabalho do SUCH, que exercerá as funções de gestão "no âmbito da orientação, formação e desempenho em relação aos funcionários cedidos", considerando que "os encargos com estes funcionários serão da responsabilidade do CHS" com as regalias em vigor à data da celebração do contrato, nos termos do nº 7 da mesma cláusula sexta;
j) Os preços, apresentados em tabelas, a praticar pelo SUCH incluem, nos termos da claúsula décima sétima:
- o custo da matéria-prima incorporada;
- o custo médio unitário dos bens de consumo não alimentar que o integram;
- o custo com a limpeza das instalações, equipamento e material;
- encargos com o pessoal;
- investimento;
- consumos energéticos - água, electricidade e gás;
- encargos gerais;
k) Os preços a praticar na exploração dos refeitórios estão previstos na cláusula décima oitava do protocolo;
l) O SUCH obriga-se a efectuar "o investimento inerente ao projecto e execução de obras de ampliação/remodelação/beneficiação das cozinhas do Hospital de S. Bernardo e Hospital Ortopédico Santiago do Outão e refeitório do Hospital de S. Bernardo até ao valor máximo de 300.000,00, a submeter previamente à aprovação do CHS e tendo como objectivo a centralização da produção e implementação de sistema de cozinha a frio", nos termos do nº 7 da cláusula sexta;
m) O protocolo entrou em vigor em 10 de agosto de 2011 e cessa em 9 de agosto de 2016. Refere ainda a cláusula vigésima terceira que o "SUCH até 30 dias antes do termo do protocolo, comunicará ao CHS as condições de renovação/prorrogação do mesmo" e até 15 dias antes daquele termo, o CHS comunica por escrito se aceita ou denuncia o protocolo, "sendo que se nada disser no referido prazo, o protocolo considera-se prorrogado, até decisão do CHS, nas condições propostas para o periodo de vigência seguinte";
n) O Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E., que integrou por fusão o Hospital de São Bernardo E.P.E., e o Hospital Ortopédico de Santiago do Outão, é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e foi criado pelo Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro (3);
o) Refere o artigo 1º dos Estatutos do SUCH (4), que este foi criado nos termos do Decreto-Lei nº 40668 de 24 de novembro de 1965;
p) Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, desses Estatutos, o "SUCH tem por tem finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política de saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do Sistema de Saúde Português" e, nos termos do nº 3, "constitui um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se, para o efeito, obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporciando-lhes ganhos de escala, através designadamente (...) [d]a gestão e prestação assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos,(...) [d]a exploração ou a gestão de instalações técnicas e áreas industriais, designadamente lavandarias, cozinhas, centrais e transportes (...)", promovendo ações no âmbito do desenvolvimento tecnológico e da investigação, quer dos equipamentos quer das instalações, e colaborando na formação do pessoal enquanto utilizador dos equipamentos e realizando a generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde;
q) O artigo 6º dos estatutos prevê que " o SUCH sempre que se mostre relevante para a prossecução do interesse público a seu cargo pode, sem prejudicar a sua natureza juridica, instituir ou participar na constituição de outras pessoas colectivas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, designadamente nas áreas do tratamento de resíduos hospitalares perigosos e da eficiência energética, salvaguardando a livre concorrência no exercício da actividade destas entidades";
r) O artigo 7º dos estatutos do SUCH estabelece:
"1. Podem ser associados do SUCH as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde, incluindo os serviços e instituições do Ministério da Saúde ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros ministérios.
2. O SUCH deve assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integram e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde";
s) Nos termos do artigo 8.°, nº 1, dos estatutos, "[s]ão direitos dos associados através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do SUCH, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições, designadamente as estratégias da prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória";
t) O SUCH tem (5) como associados 88 entidades públicas e particulares, entre as quais se contam serviços da administração direta do Estado, institutos públicos, entidades públicas empresariais, e instituições particulares de solidariedade social (IPSS);
u) As IPSS são 23, contando-se 20 irmandades e santas casas da misericórdia (6), a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré (7) e a Fundação Aurélio Amaro Diniz (8);
v) O CHS é um desses 88 associados;
w) Nos termos do artigo 8.º dos estatutos do SUCH, são direitos específicos dos associados:
"a) Usufruir dos serviços prestados pelo SUCH;
b) Eleger os membros não nomeados dos órgãos sociais do SUCH;
c) Apresentar todas as propostas que julguem de interesse para a melhor prossecução dos fins do SUCH;
d) Reclamar perante o Conselho de Administração dos actos que considerem lesivos dos seus interesses;
e) Recorrer para a Assembleia-Geral dos actos do Conselho de Administração que julguem irregulares;
f) Examinar, na sede do SUCH, o orçamento e o relatório e contas";
x) Nos termos do artigo 11.º dos estatutos, são órgãos do SUCH a Assembleia Geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e o Conselho Geral;
y) De acordo com o artigo 13.º dos estatutos, a Assembleia Geral é constituída por representantes de todos os associados no pleno gozo dos seus direitos;
z) Por força do artigo 16°, compete à Assembleia Geral eleger e destituir os membros não nomeados dos órgãos do SUCH bem como os membros da Comissão de Vencimentos; apreciar e aprovar os planos estratégicos e de acção bem como o orçamento anual do SUCH; apreciar e aprovar o relatório de actividades e contas do exercício do ano económico anterior; apreciar e aprovar a estratégia de prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória em proposta apresentada pelo Conselho de Administração; acompanhar e controlar a gestão do SUCH, quer estratégica quer corrente; deliberar, por maioria de três quartos dos associados presentes sobre alterações aos estatutos; deliberar, por maioria de três quartos do número total de associados, sobre a dissolução do SUCH; deliberar, por proposta do Conselho de Administração, sobre a realização de empréstimos e a aquisição, alienação ou oneração de bens imóveis; deliberar, segundo proposta do Conselho de Administração, sobre a participação do SUCH noutras pessoas colectivas, públicas ou privadas nos termos do disposto no artigo 6º; deliberar a admissão de novos associados e o cancelamento de inscrições; pronunciar-se sobre as questões que lhe sejam apresentadas nos termos regulamentares; aprovar o regulamento de quotização proposto pelo Conselho de Administração;
aa) O nº 7 do artigo 15º estabelece o número de votos de cada associado na Assembleia Geral, em função do valor percentual dos serviços adquiridos relativamente à faturação total do SUCH, nos seguintes termos:
- Um voto como mínimo;
- Dois votos para uma percentagem pelo menos igual a 1%;
- Três votos para uma percentagem pelo menos igual a 3%;
- Quatro votos para uma percentagem pelo menos igual a 5%;
- Cinco votos para uma percentagem pelo menos igual a 10%;
- Seis votos para uma percentagem pelo menos igual a 15%;
bb) Nos termos do artigo 17.º dos estatutos, o Conselho de Administração do SUCH é constituído por nove membros: um Presidente, um Vice-Presidente e 3 Vogais, constituindo o seu executivo, e 4 Vogais não executivos;
cc) O Presidente e o Vice-Presidente são nomeados pelo Ministro da Saúde, os três Vogais executivos são eleitos em Assembleia-Geral em lista proposta pelo Presidente do Conselho de Administração subscrita por um mínimo de associados que representem, no mínimo 20 % dos votos totais nos termos do nº 7 do artigo 15º. Os 3 Vogais não executivos são igualmente eleitos e propostos pelo Presidente do Conselho de Administração nos termos previstos para os vogais executivos, sendo que dois deles são obrigatoriamente designados de entre os dez associados que, no ano da eleição, detenham o maior número de votos;
dd) No dia 28 de janeiro de 2011 foram eleitos vogais não executivos do Conselho de Administração: os Hospitais da Universidade de Coimbra EPE, o Hospital de São João, EPE, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, e a União das Misericórdias Portuguesas;
ee) O artigo 18º dos estatutos estabelece as competências do Conselho de Administração, dizendo nomeadamente que a ele compete:
- Submeter anualmente à Assembleia Geral o plano de atividades, o orçamento, o relatório e contas e a estratégia de prestação de serviços e da respetiva contrapartida remuneratória;
- Propôr à Assembleia Geral alterações aos estatutos;
- Propôr à Assembleia Geral a admissão de novos associados e cancelamento de inscrições;
- Assegurar a gestão corrente;
ff) No termos do artigo 3º, "[s]em prejuízo do controlo resultante dos poderes de direcção, superintendência e tutela que o membro do Governo responsável pela área da saúde exerce sobre os seus associados públicos, o SUCH está sujeito à tutela daquele membro do Governo" que se traduz essencialmente em:
- Nomear o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração;
- Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre a contração de empréstimos que impliquem um nível endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurado no exercício do ano transacto;
- Homologar as alterações aos estatutos aprovadas em Assembleia-Geral;
- Homologar a dissolução do SUCH, aprovada em Assembleia-Geral;
gg) O artigo 5º regula as relações do SUCH com os associados, determinando o nº 1 que "[a] concretização dos termos e condições da prestação de serviços previstos no artº 2º pode ser feita através da celebração de protocolos entre o SUCH e cada associado";
hh) O nº 3 do artigo 5º estipula que "[o] SUCH, pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades públicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras (...)", devendo tal atividade, nos termos do nº 4, "ter natureza acessória no contexto da actividade do SUCH não devendo representar um volume de facturação superior a 20% do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior (...)";
ii) No orçamento do SUCH para 2011 prevê-se um volume de vendas em 2011, num total de 90,5 milhões de euros (9);
jj) O SUCH (10) tem três (11) áreas de atividade:
- SUCH Equipas: constituído por quatro unidades diferenciadas (manutenção, segurança e controlo técnico energia, projetos e obras), oferece a gestão integral dos equipamentos e das instalações, garantindo a monitorização da infeção hospitalar através de equipas técnicas especializadas. Esta área de atividade inclui as unidades de manutenção de instalação de equipamentos hospitalares, projetos e obras, energia (gestão de centrais térmicas, microgeração fotovoltaica, cogeração, auditorias de energia) e segurança e controlo técnico (controlo da qualidade da água, controlo microbiológico, avaliação de sistemas AVAC...);
- SUCH Ambiente: constituído por três unidades diferenciadas (gestão e tratamento de roupa hospitalar, limpeza hospitalar e gestão e tratamento de resíduos hospitalares) assegura a gestão do ambiente respondendo às suas necessidades logísticas com a partilha de estruturas e equipas na higienização (lavagem, tratamento e fornecimento de roupa, gestão de rouparias, higienização desinfeção e assepsia de instalações hospitalares, recolha interna de resíduos, fornecimento de contentores, transporte, tratamento de resíduos, envio a destino final);
- SUCH Nutrição: assegura a gestão alimentar especializada, restauração e "catering hospitalar", a doentes e pessoal e exploração de estabelecimentos de restauração pública nos hospitais;
kk) Para 2011, o Plano de Ação e Orçamento refere que o SUCH tem 3309 trabalhadores;
ll) Os principais indicadores da atividade do SUCH, constantes do seu "Relatório de Actividades e Contas - Ano de 2010" são, nomeadamente, os seguintes: 542 clientes, 953 contratos celebrados, 76 instalações de microgeração elétrica fotovoltaica, 22 projetos de obras, 171 contratos de segurança e controlo técnico, 1,5 milhões do horas de limpeza, 12,9 milhões de kg de resíduos processados, 29,4 milhões de kg de roupa tratada, 10,5 milhões de refeições servidas;
mm) Questionado o CHS sobre se o SUCH participa noutras entidades, referiu aquele o seguinte:"(...) o SUCH não participa em nenhuma entidade. O SUCH participa nas seguintes entidades (12):
1. Somos Ambiente, ACE;
2. SUCH-DALKIA, ACE;
3. EAS - Empresa de Ambiente na Saúde, Tratamento de Resíduos Hospitalares, Unipessoal, Lda.
4. Coimbra Inovação e Parque"
Salientam que "(...) tal participação nessas entidades (...) só acontece desde "... que se mostre relevante para a prossecução do interesse público a seu cargo (...) [e] sem prejudicar a sua natureza jurídica, (...) salvaguardando a livre concorrência no exercício da actividade destas entidades" (cfr. artigo 6.° dos Estatutos do SUCH), em nada influindo na relação in house (...) com os seus associados, situando-se, pois, completamente à sua margem".
Sobre a mesma matéria veio ainda o CHS informar o seguinte (13):
Nome/designação |
% participação SUCH |
Somos Ambiente, A.C.E. |
80% |
SUCH-DALKIA, A.C.E. |
50% |
EAS - Empresa de Ambiente na Saúde. Tratamento de Resíduos Hospitalares, Unipessoal, Lda. |
100 % |
Coimbra Inovação e Parque, S.A. |
0,32 % |
"SOMOS AMBIENTE, A.C.E. O objeto social deste ACE é construção e a exploração de um centro integrado de valorização energética, reciclagem e tratamento de resíduos hospitalares, industriais, comerciais e animais, para prestação de serviços aos associados e clientes dos agrupados, tendo em vista a melhoria da eficiência dos agrupados através do aproveitamento máximo de sinergias.
SUCH-DALKIA - Serviços Hospitalares, A.C.E. O objeto social deste ACE é a produção de energia elétrica, gerir nas condições económicas, técnicas e sociais mais favoráveis as atividades dos membros relacionados com a gestão e exploração de atividades de apoio em hospitais e outros serviços de apoio e instituições de saúde, designadamente o conjunto de serviços técnicos, de manutenção de equipamentos e exploração de lavandaria, incineração de lixos, centrais, transportes, e, ainda, gerir e explorar estas e outras atividades em relação a quaisquer outras entidades com as quais possa vir a contratar em hospitais.
EAS - Empresa de Ambiente na Saúde - Tratamento de Resíduos Hospitalares, UNIPESSOAL, Lda. O objeto social desta empresa é o tratamento e valorização de resíduos hospitalares e outros, bem como a prestação de assessoria na área do Ambiente.
COIMBRA INOVAÇÃO E PARQUE - Parque de Inovação em Ciência, Tecnologia, Saúde, S.A. O objeto social desta empresa é a exploração de atividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a gestão de concessões, designadamente, a implementação, gestão e administração de parques empresariais, científicos e tecnológicos, o apoio à atividade económica e empresarial em geral, a construção de complexos industriais e a divisão de terrenos com a inclusão de melhoramentos (arruamentos, redes de água, eletricidade, telecomunicações, redes informáticas e outras infraestruturas tecnológicas)";
nn) Questionado sobre as razões que fundamentaram a celebração do protocolo ao abrigo do nº1 do artigo 5º do CCP, e porque não se promoveu um concurso público, face ao seu valor, o CHS referiu o seguinte (14):
"A questão central suscitada pelos esclarecimentos desse douto Tribunal (...) resume-se a saber se as relações contratuais entre os associados e o SUCH se situam num plano idêntico ao das relações com terceiros ou se, ao invés, alguma especialidade se verifica que permita concluir que ao processo de formação daqueles contratos não são aplicáveis as regras da contratação pública".
Seguidamente o HCS faz uma longa exposição sobre a evolução do SUCH, sobre a sua natureza jurídica, sobre o tipo de relação estabelecida com os associados, sobre os pareceres do Conselho Consultivo da PGR de 1995 e de 2001, sobre a construção da teoria da relação in house pelo Tribunal de Justiça europeu, sobre a evolução da jurisprudência comunitária, sobre o acolhimento que lhe foi feito no CCP, sobre a concreta solução neste adotada, e sobre as diferentes posições doutrinárias nesta matéria. E, assim, refere a certo passo:
"De realçar, porém, que a noção de controlo análogo não pressupõe de forma alguma a existência de uma relação de domínio (...) e nem sequer exige que se trate de "um controlo exactamente idêntico ao que exerce sobre os seus próprios serviços, mas tão só um controlo equiparável a este ou até semelhante" (...), como de resto decorre do significado próprio do qualificativo análogo(...).
A existência de tal controlo análogo terá como consequência a falta de autonomia decisória por parte da entidade controlada.
(...)
Por outro lado, não reputa necessário que esse controlo seja efectivamente exercido: apesar de o TJCE nunca se ter pronunciado sobre esta questão concreta (...)" bastará a mera susceptibilidade de controle".
Uma última nota a este propósito para referir um requisisto "implícito" e (sobretudo) anómalo (...) trazido pelo acórdão Stadt Halle (...) a saber: a necessária inexistência de participações privadas no co-contratante in house.
Na base de tal entendimento extremo, também já apelidado de "passo em falso na interpretação do critério do controlo análogo" (...) está um preconceito do TJCE sobre o efeito contaminador que o capital privado possa assumir na condução desse ente instrumental, por aquele (capital privado) ter o lucro como propósito, ainda que a participação desse capital seja meramente residual. (15)
(...)
É possível, no entanto, avançar um pouco mais, no sentido de afirmar e comprovar que dos novos Estatutos do SUCH se extrai uma marcada tentativa (bem sucedida, aliás) de preenchimento dos requisitos da doutrina in house, quando aplicada às relações contratuais entre aquela entidade e os hospitais seus associados, para os efeitos previstos no artigo 5.°, n.° 2, do CCP (16).
(...)
Posto o que consideramos estar suficientemente provada a existência de controlo análogo do SUCH, exercido conjuntamente pelos seus associados, para os efeitos previstos na alínea a), do n.° 2, do artigo 5º, do CCP, quer seja pela adstringência do SUCH aos seus fins estatutários (o que determina que tenha obrigatoriamente que pautar a sua actividade sem ter em vista o lucro, sem prejuízo, evidentemente, de um gestão racional e eficiente), quer seja pelos intensos poderes de controlo que os associados, conjuntamente, têm, não só sobre as decisões macro de gestão (orientações estratégicas) mas também sobre a gestão corrente da actividade ao SUCH exercendo, assim, uma influência decisiva sobre a actuação desta associação, como expressamente previsto nos "Novos" Estatutos.
Do mesmo modo, e de forma a preencher, em especial o segundo requisito de uma relação in house forjado pelo TJCE e vertido na alínea b), do n.° 2, do artigo 5.°, do CCP (a saber, o essencial da actividade do SUCH ter que ser desenvolvido em benefício dos associados) .
O n.° 4 do artigo 5.° dos novos Estatutos do SUCH prevêem expressamente que a prestação do SUCH a entidades terceiras, em regime de concorrência e de mercado, "deve ter natureza acessória no contexto da actividade do SUCH não devendo representar um volume de facturação superior a 20% [porque, como antes referido, de acordo com o entendimento da Comissão Europeia e do TJCE, o adjudicatário deve prestar, pelo menos, 80% da sua actividade em favor da entidade adjudicante; assim, o SUCH apenas pode prestar serviços em ambiente de mercado em até 20% da sua actividade, e sem que isso prejudique os seus fins não lucrativos] do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior, se outro indicador não for geralmente considerado como representativo daquela acessoriedade" - a dimensão quantitativa deste princípio é corroborada pelos factos (...) supra [a saber: o SUCH facturou aos associados no ano económico de 2010 cerca de 85,01% do seu volume global anual de negócios aos associados, portanto apenas 14,99% do seu volume anual (2010) de negócios foi facturado a clientes não associados];
Por sua vez, a dimensão qualitativa deste segundo requisito também se encontra verificada, por se encontrar geneticamente ligada à constituição do SUCH, na medida em que está em causa a prestação de serviços aos associados (maxime, hospitais) num regime de auto-produção, porquanto as necessidades do SUCH são, como sempre foram, as necessidades dos associados, não outras;
Acresce que "a possibilidade de o SUCH constituir e/ou participar em entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, [pressupõem sempre e em cada caso que seja salvaguardada a] (...) livre concorrência, e sempre que se mostre relevante para a prossecução do interesse público a seu cargo, sem que esse facto prejudique a sua natureza e a possibilidade de manter relações directas e não contratuais com os associados".
Em face do exposto, resulta apodíctico que a actividade essencial (quer qualitativa quer quantitativa) do SUCH se enquadra plenamente no quadro legal (cfr. artigo 5.°, 2, alínea b), do CCP) e estatutário do (quase) exclusivo abastecimento e satisfação de necessidades dos seus associados.
Termos em que, analisadas as disposições mais relevantes dos novos estatutos do SUCH, consideramos que as dúvidas suscitadas - sobre a existência de uma relação in house entre o SUCH e os seus associados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 5.°, n.° 2, do CCP - no âmbito dos anteriores Estatutos se devem considerar ultrapassadas à luz dos novos Estatutos desta associação.
Estão, assim, reunidas as condições para se considerar existir uma relação in house entre os associados e SUCH, no que se refere às aquisições de bens e serviços que se enquadrem nos respectivos fins estatutários - mas só nestes.
É isto que explica que no âmbito das finalidades estatutárias do SUCH, os seus associados possam com este contratar directamente, sem sujeição aos procedimentos pré-contratuais juridico-públicos legalmente tipificados.
Como referido, as regras da contratação pública, designadamente as respeitantes à escolha e tramitação dos procedimentos pré-contratuais, pressupõem para a sua aplicação a necessidade de recurso a contratantes externos, visando igualmente salvaguardar os princípios da concorrência, da imparcialidade e da igualdade de tratamento dos operadores económicos que pretendam contratar com a Administração.
Todavia, quando o SUCH presta serviços aos seus associados, no âmbito dos seus Estatutos, evita-se precisamente o recurso a contratantes externos, sem que essa opção possa ser censurada, porquanto, como atrás já se deixou enunciado, o Direito Comunitário aceita que a Administração faça uso pleno da sua liberdade de auto-conformação e não recorra ao mercado (rectius, não fique sujeita às regras da contratação pública 93), suprindo as suas necessidades "em casa" (17);
oo) O CHS alega ainda: "(...) dir-se-á, poderia o CHS ter optado por abrir um procedimento concorrencial legalmente tipificado, ao invés de ter celebrado o presente Protocolo, e, porventura, obter uma redução de custos ainda maior que aquela que conseguiu em negociação directa com o SUCH.
Os preços contratados para esta prestação de serviços em caso algum seriam sequer equiparados (e muito menos inferiores) no caso de ter sido (ou vir a ser) aberto um procedimento concorrencial, porque se trata de uma prestação de serviços com natural tendência para um acréscimo de custos, devido ao aumento significativo do custo das matérias-primas e do IVA suportado pelos prestadores de serviços na aquisição daqueles bens.
Isso mesmo, de resto, pode o douto Tribunal de Contas constatar pelo histórico da evolução do custo com a prestação de serviços de alimentação, não apenas no CHS, mas em variadissimas instituições sujeitas ao seu controlo financeiro.
Assim, neste cenário (de lançamento de um procedimento concorrencial), o CHS acabaria por ter, efectivamente, um aumento da despesa ou um procedimento deserto (no caso de se estabelecer um preço base que incorporasse o valor da poupança que permitirá obter o presente Protocolo) - especialmente no actual contexto, em que, como se sabe, as margens de rentabilidade dos operadores económicos não são suficientemente "elásticas", de molde a permitir ir ao encontro dos constrangimentos orçamentais das entidades públicas.
Termos em que, apenas o SUCH, pelos motivos atrás explicitados, permitiu alcançar o referido patamar expectável de poupança (10,99%)";
pp) Considerando o disposto na cláusula 23ª do protocolo, relativamente ao prazo de execução do contrato e à sua renovação/prorrogação, solicitou-se ao CHS que esclarecesse qual o período de renovação/prorrogação do protocolo e por quantos períodos. Respondeu o CHS nos seguintes termos (18):
" (...) a Cláusula 23ª do Protocolo (mais especificamente os seus nºs 2 e 3) tem um alcance preciso, limitando-se a prever o procedimento para a determinação das condições em que o Protocolo poderá ser renovado se houver acordo expresso das partes para o efeito.
Reitera-se, ainda, que o CHS não está vinculado a aceitar as condições propostas pelo SUCH, nem tão-pouco se prevê uma renovação automática do Protocolo por qualquer período.
Naturalmente que, da parte do CHS, a decisão de renovação do Protocolo, com o mesmo fundamento legal que presidiu à sua celebração (cfr. artigo 5.°, n.° 2, do CCP), será precedida por uma aferição das condições suscetíveis de serem propostas pelos operadores económicos privados, apenas sendo renovado o Protocolo caso as condições então propostas pelo SUCH forem substancialmente vantajosas para o CHS, como sucede no caso em apreço, tal como referido nos anteriores esclarecimentos prestados a esse douto Tribunal.
O concreto prazo de uma eventual renovação do Protocolo será determinado por acordo entre as Partes, considerando, designadamente, as economias de escala que possam advir de uma contratação por um período de vigência inferior ou igual (nunca superior) ao atualmente determinado no n.° 1 da Cláusula 23ª";
qq) Suscitada a questão de saber se o SUCH é ou não uma entidade adjudicante, face ao disposto no Código dos Contratos Públicos, o CHS informou:
"Ainda que a questão possa ser controvertida, cremos que o SUCH poderá ser considerado entidade adjudicante e contraente público, à luz dos artigos 2.°, n.° 2, alínea a), e 3.°, do CCP, por prima facie comungar dos traços caracterizadores típicos de um organismo de direito público.
É isto que explica que o SUCH, para a prossecução das suas atribuições, quando necessite de contratar com terceiros (isto é, para satisfação das suas próprias necessidades de funcionamento e organização) tenha que observar as regras da legislação nacional e comunitária em matéria de aquisições de bens e serviços (cfr. artigo 34.°, n.° 4, dos Novos Estatutos do SUCH), por, neste domínio, a atividade desenvolvida pelo SUCH já se situar num plano totalmente distinto do da satisfação das necessidades dos seus associados, não comungando, aí, daquele substrato cooperativo (de cooperação material e entreajuda) que anima a atividade principal do SUCH. Todavia, e com o devido respeito, não se alcance qual a relevância desta questão formulada pelo douto Tribunal para a aferição da legalidade do Protocolo em apreço à luz da regra prevista no artigo 5°, n.° 2, do CCP. É que o reconhecimento (ou não) do SUCH como entidade adjudicante (e/ou contraente público) não reveste qualquer interesse para o reconhecimento da presente relação in house, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, do CCP".
II - FUNDAMENTAÇÃO
3. A questão central que se suscita no presente processo é a de saber se o protocolo acima identificado (19) poderia ter sido formado e celebrado ao abrigo do nº 2 do artigo 5º do CCP que consagra, como se sabe, uma exceção à aplicação da parte II do Código, com o fundamento de se estar no âmbito da "contratação interna" (20) ou de "relações internas" (ou "in house providing", na linguagem corrente comunitária) entre a entidade adjudicante e a adjudicatária.
4. Relembre-se o que a referida disposição legal estabelece:
"Artigo 5º
Contratação excluída
(...)
2 - A parte II do presente código também não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar por entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que:
a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior.
(...)".
II.A - A doutrina da contratação in house e a contratação inter-administrativa
5. A tese da contratação "in house", surgida no âmbito da aplicação das diretivas comunitárias sobre contratação pública, assenta na ideia de que uma entidade adjudicante está dispensada de cumprir as regras de concorrência quando escolhe realizar ela mesma as operações económicas de que necessita, no âmbito da sua autonomia organizativa, através de uma outra entidade que funciona como um seu prolongamento administrativo. Será, então, essa especial relação de prolongamento que, integrando, no plano substantivo, uma relação de dependência entre os entes em causa, elimina a autonomia de vontade de um deles e permite considerar que o contrato não é celebrado com um.
Assim, enquanto o regime da contratação pública pressupõe a necessidade de recurso a contratantes externos, no caso da "contratação in house" há recurso a meios organizativos que substancialmente são internos, pese embora constituam uma entidade jurídica diferente, que pode assumir as mais diversas formas.
6. Relembre-se ainda um aspeto essencial: a questão da contratação in house insere-se na questão da contratação inter-administrativa ou da contratação realizada entre entidades públicas ou entidades adjudicantes.
Na Diretiva 92/50/CEE (relativa à prestação de serviços) abordou-se a possibilidade de celebração de contratos públicos entre entidades adjudicantes a ela sujeitas. Referia-se na alínea c) do seu artigo 1º que "os prestadores de serviços são qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços". E no artigo 6º estabelecia-se que a diretiva não era aplicável à celebração de contratos de serviços "atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1º, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares, ou administrativas publicadas". Esta disposição suscitou diversas interpretações, admitindo alguma doutrina que os contratos celebrados entre entidades adjudicantes estavam excluídos da aplicação daquela diretiva (21).
É no contexto dessa polémica que a jurisprudência comunitária se pronunciou várias vezes, concluindo que as diretivas comunitárias eram aplicáveis aos contratos celebrados entre entidades adjudicantes.
Efetivamente, a jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu tem vindo a afirmar claramente que o regime de contratação pública se aplica, em princípio, aos casos em que uma entidade adjudicante celebra por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso que tenha um objeto abrangido por essas diretivas, quer esta segunda entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.
As diretivas de 2004, na senda da jurisprudência do Tribunal de Justiça, vieram clarificar que a participação de organismos de direito público como concorrentes em procedimentos pré-contratuais não pode pôr em causa a livre concorrência.
Relembre-se a propósito o 4.º considerando da Diretiva 2004/18/CE em que se afirma que "os Estados-membros devem velar por que a participação de um proponente que seja um organismo de direito público, num processo de adjudicação de contratos públicos, não cause distorções da concorrência relativamente a proponentes privados." (22)
Relembre-se ainda que a possibilidade de celebração direta de um contrato público entre entidades adjudicantes está, hoje, apenas prevista para contratos públicos de serviços e somente em caso de existência de um direito exclusivo (23).
Assim, é hoje bem claro, no plano do direito europeu dos contratos públicos, que a celebração de contratos públicos economicamente relevantes deve estar sujeita às normas de contratação pública, mesmo quando seja feita entre entidades públicas.
Por isso também, a aplicação das exceções, previstas na lei, à sujeição aos regimes de contratação pública deve ser feita com rigor e mediante interpretação estrita.
É pois neste contexto de submissão da contratação inter-administrativa aos princípios e regimes de contratação pública que é formulada a doutrina da contratação in house: precisamente como uma exceção à aplicação dos procedimentos concorrenciais de formação de contratos, porque se trataria verdadeiramente de "contratação interna" ou, em rigor, de "não contratação", estando-se pois no domínio de meras disposições internas das entidades adjudicantes relativas à sua organização produtiva de bens ou serviços. "Contratação interna" que, dada a sua especial configuração, não suscitava questões de concorrência.
Se a Administração tem o poder de se organizar, se no exercício desse poder decide ela própria adotar soluções de satisfação das suas necessidades em bens e serviços, se tais soluções configurarem a criação de entes com essa capacidade produtiva, então no estabelecimento de contratos com esses entes e com essa finalidade, a Administração não estará sujeita a observar procedimentos concorrenciais.
II.B - A jurisprudência comunitária e a doutrina da contratação in house
7. No que respeita à jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu que progressivamente foi dando corpo à doutrina da contratação in house, recordem-se os acórdãos proferidos nos processos C-107/98 (Teckal) de Novembro de 1999, C-26/03 (Stadt Halle) em Janeiro de 2005, C-84/03 (Comissão v. Espanha) também de Janeiro de 2005, C-231/03 (Coname), de Julho de 2005, C-458/03 (Parking Brixen), de Outubro de 2005, C-29/04 (Comissão v. Áustria), de Novembro de 2005, C-340/04 (Carbotermo e Consorcio Alisei), de Maio de 2006, C-410/04 (ANAV), C-295/05 (Asemfo/Tragsa), de Abril de 2007, C-337/05 (Comissão v. Itália), de Abril de 2008, C-573/07 (Sea Srl contra Comune di Ponte Nossa), de Setembro de 2008, C-324/07 (Coditel), de Novembro de 2008 e C-480/06 (Comissão vs República Federal da Alemanha), de Junho de 2009.
8. Dar breve conta desta produção jurisprudencial é importante neste processo, pois, como se sabe, a solução consagrada no CCP em matéria de contratação interna (in house) seguiu a que foi enunciada inicialmente pelo referido acórdão Teckal.
Assim:
a) O acórdão Teckal de Novembro de 1999 dispôs (24) que as diretivas comunitárias em matéria de contratação pública são aplicáveis quando uma entidade adjudicante, como uma autarquia local ou regional, pretende celebrar por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato oneroso, quer esta seja ela própria uma entidade adjudicante quer não. No entender do Tribunal, só pode ser de outro modo na hipótese de, simultaneamente, a autarquia exercer sobre a pessoa em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e de essa pessoa realizar o essencial da sua atividade com a ou as autarquias que a controlam;
b) O acórdão Stadt Halle (25) de Janeiro de 2005 manteve a orientação da decisão anterior mas acrescentou um novo aspeto: a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui de qualquer forma que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. E sobre esta matéria refere o acórdão que importa observar que "a relação entre uma autoridade pública (...) e os seus próprios serviços se rege por considerações e exigências específicas da prossecução de objectivos de interesse público. Ao invés, o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente". E a decisão relembrou ainda um aspeto da maior importância: dado que o objetivo principal das disposições comunitárias em matéria de contratos públicos é a livre circulação de serviços e a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados-Membros, a obrigação de aplicação das regras comunitárias pertinentes só pode ser afastada como resultado de uma interpretação estrita, cabendo o ónus da prova de que se encontram efetivamente reunidas as circunstâncias excecionais que justificam a derrogação a quem delas pretenda prevalecer-se;
c) No acórdão Comissão v. Espanha (26), também de Janeiro de 2005, o Tribunal de Justiça decidiu que o Reino de Espanha não tinha procedido a uma correta transposição das diretivas de 1993, na medida em que a legislação espanhola tinha excluído do seu âmbito de aplicação as relações estabelecidas entre as Administrações Públicas, os seus organismos públicos e, de um modo geral, as entidades de direito público não comerciais, qualquer que fosse a natureza dessas relações. E o tribunal relembra a sua jurisprudência referindo que tal só pode acontecer nas condições enunciadas no acórdão Teckal;
d) O acórdão Coname, de Julho de 2005, veio reafirmar (27) a necessidade de um procedimento transparente, num caso de atribuição direta por um município da gestão de um serviço de distribuição de gás a uma sociedade de capitais maioritariamente públicos (com capitais privados, portanto) o que impedia que esta sociedade fosse considerada uma estrutura de gestão "interna" de um serviço público;
e) O acórdão Parking Brixten (28), de Outubro de 2005, manteve a orientação do acórdão Teckal reafirmando que a aplicação das suas duas condições de não aplicação das regras comunitárias deve ser objeto de interpretação estrita. E a apreciação do caso "deve ter em conta todas as disposições legislativas e circunstâncias pertinentes" e, desta apreciação, deve resultar que a entidade adjudicatária está sujeita a um controlo que permite à entidade pública adjudicante influenciar as suas decisões. E acrescenta que deve "tratar-se de uma possibilidade de influência determinante, quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes". E no caso em apreciação - a concessão de um serviço público de estacionamento automóvel, por uma câmara municipal a uma empresa especial que era propriedade do município - pese embora estivesse fora do âmbito de aplicação das diretivas comunitárias, a entidade adjudicante estava vinculada a fazer observar os princípios dos tratados comunitários, em particular os da não discriminação e de igualdade de tratamento e, na sua sequência, os da transparência, da publicidade e imparcialidade dos processos de adjudicação. E, no caso, decidiu que tais princípios "devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma entidade pública atribua, sem abertura de concurso, uma concessão de serviços públicos a uma sociedade anónima resultante da transformação de uma empresa especial desta autoridade pública, sociedade cujo objecto foi alargado a novas áreas importantes, cujo capital deve ser obrigatoriamente aberto a curto prazo a outros capitais, cuja área territorial de actividades foi alargada a todo o país e ao estrangeiro e em que o conselho de administração possui amplos poderes de gestão que pode exercer de forma autónoma";
f) O acórdão Comissão v. Áustria, de Novembro de 2005, reafirma (29) que a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui, de qualquer forma, que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. Neste acórdão outro aspeto deve ser relevado: na data em que o contrato apreciado no processo foi adjudicado, sem procedimento concorrencial, a sociedade adjudicatária era ainda detida, em 100% do seu capital, pela entidade adjudicante. Mas quando o Tribunal aprecia a questão já tinha sido transmitido 49 % do capital a uma entidade privada. E o Tribunal, neste caso, considerou relevante a data em que apreciava e não a data em que o contrato fora celebrado, considerando que "as circunstancias do presente processo requerem a tomada em consideração dos acontecimentos sobrevindos posteriormente";
g) O acórdão Carbotermo e Consorcio Alisei, de Maio de 2006, traz alguns elementos inovadores a ter presentes (30): assim depois de recordar não só as condições referidas no Acórdão Teckal, como a necessidade de serem consideradas todas as disposições e circunstâncias pertinentes (na linha do acórdão Parking Brixten), afirma que a "circunstância de a entidade adjudicante deter, isolada ou em conjunto com outros poderes públicos, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária tende a indicar, sem ser decisiva, que esta entidade adjudicante exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços". E no caso concreto, apesar de o capital de entidade adjudicatária ser detido a 100% por entidades públicas, considerou não haver "controlo análogo" porque tal detenção era feita não diretamente, mas através de uma sociedade holding (embora esta também fosse de capitais integralmente públicos detidos pelas entidades públicas em causa), e os estatutos conferiam ao conselho de administração da adjudicatária os mais amplos poderes para a sua gestão ordinária e extraordinária;
h) O acórdão Asemfo/Tragsa (31), de Abril de 2007, manteve a orientação do acórdão Teckal, e reconheceu estar-se no caso concreto perante uma situação em que se verificavam as condições estabelecidas neste acórdão para afastar as regras comunitárias em matéria de contratação pública: tratava-se de adjudicação de contratos de fornecimento a uma empresa pública, com capitais integralmente públicos, obrigada a realizar as tarefas que lhe eram confiadas pelas entidades públicas detentoras do seu capital, não podendo participar nos concursos públicos por estas abertos;
i) O acórdão Comissão v. Itália (32), de Abril de 2008, retoma igualmente a orientação do acórdão Teckal, e na linha do acórdão Stadt Halle reafirma que a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade na qual também participa a entidade adjudicante exclui, de qualquer forma, que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;
j) O acórdão Sea Srl contra Comune di Ponte Nossa, de Setembro de 2008, repetindo muita da matéria de anteriores acórdãos traz contudo alguns elementos que importa realçar. Assim, recordando que a existência efetiva de uma participação privada no capital da sociedade adjudicatária afasta a verificação da condição do "controlo análogo" e que tal existência deve, em regra, ser aferida no momento da celebração do contrato, afirma que "não se pode excluir a possibilidade de acções de uma sociedade serem vendidas a terceiros em qualquer momento. No entanto, admitir que esta mera possibilidade possa manter em suspenso indefinidamente a apreciação sobre o carácter público ou não do capital de uma sociedade adjudicatária de um contrato público não seria conforme com o princípio da segurança jurídica". Assim, "a abertura do capital da sociedade a investidores privados só pode ser tomada em consideração se existir", no momento da adjudicação, "uma perspectiva concreta e a curto prazo dessa abertura". Assim, numa situação em que o capital da sociedade adjudicatária é inteiramente público e em que não há nenhum indício concreto da abertura iminente do capital a acionistas privados, "a mera possibilidade de particulares participarem no capital da referida sociedade não basta para se concluir que a condição relativa ao controlo da autoridade pública não foi preenchida";
k) O acórdão Coditel (33), de Novembro de 2008, manteve igualmente a orientação do acórdão Teckal e, tratando-se de um caso de concessão de serviço público, nele refere-se, na linha do acórdão Parking Brixen, que "devem tomar-se em consideração todas as disposições legislativas e todas as circunstâncias pertinentes" e acrescenta que, no controlo análogo, deve "tratar-se de uma possibilidade de influência determinante, tanto sobre os objectivos estratégicos como sobre as decisões importantes desta entidade". Refere ainda que de entre as circunstâncias pertinentes a ter em conta cumpre considerar "em primeiro lugar, a detenção do capital da entidade concessionária, em segundo lugar, a composição dos órgãos de decisão desta e, em terceiro lugar, a extensão dos poderes reconhecidos ao seu conselho de administração". E quanto à primeira dessas circunstâncias, o Tribunal reafirma que "está excluído que uma autoridade pública concedente possa exercer, sobre uma autoridade concessionária, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços se uma empresa privada detiver uma participação no capital dessa entidade". E acrescenta que, pelo contrário, "a circunstância de a autoridade pública deter, em conjunto com outras autoridades públicas, a totalidade do capital de uma sociedade concessionária indicia, sem ser decisiva, que essa autoridade pública exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços" (34). E o acórdão refere ainda, a propósito da entidade concessionária, que esta "está constituída não sob a forma de uma sociedade por acções ou de uma sociedade anónima susceptível de prosseguir objectivos independentemente dos seus accionistas, mas sob a forma de uma sociedade cooperativa intermunicipal" sem natureza comercial e que tem como objetivo estatutário "a realização da missão de interesse municipal (...) para a qual foi criada e que não possui qualquer interesse distinto do das autoridades públicas que lhe estão associadas". Por isso, "não goza de uma margem de autonomia que exclua que os municípios que lhe estão associados exerçam sobre ela um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços". E afirma ainda que a "jurisprudência exige que o controlo (...) seja análogo (...) mas não que lhe seja idêntico em todos os pontos". E perante o facto da entidade concessionária ser detida por várias entidades públicas refere ainda que o controlo análogo pode ser exercido pelo conjunto de tais entidades e não é necessário ser aferido para cada uma delas;
l) O acórdão Comissão v. República Federal da Alemanha (35), de Junho de 2009, mantém também a orientação do acórdão Teckal. Contudo, e estes aspetos têm particular importância, deve atender-se que o contrato controvertido neste processo fora celebrado entre quatro municípios e a cidade de Hamburgo para tratamento de resíduos em instalação pertencente a uma sociedade constituída parcialmente por capitais privados. O Tribunal considerou que era pacífico não existir controlo algum exercido pelos municípios contratantes e os serviços da cidade de Hamburgo e a sociedade gestora da instalação de tratamento de resíduos. No entanto, realçou que o contrato foi um instrumento de cooperação intermunicipal e o fundamento e o quadro jurídico para a construção e a exploração futuras de uma instalação destinada a prestar um serviço público de tratamento de resíduos. Sublinhou ainda que o contrato foi celebrado por autoridades públicas, sem a participação de privados. Finalmente, o acórdão relembra que a cooperação entre autoridades públicas, para a realização das suas missões de serviço público, deve ter presente os objetivos dos tratados em matéria de contratação pública, garantindo-se a observância do princípio da igualdade de tratamento, de modo que nenhuma empresa privada seja colocada numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes. Pese embora tenha reconhecido não existir no caso controlo análogo, o Tribunal considerou o contrato conforme com o direito comunitário.
9. Tendo explicitado os aspetos que se consideram mais relevantes nas decisões do Tribunal de Justiça em matéria de contratação "in house", é útil proceder-se a uma leitura global de tais decisões para se descobrirem linhas de tendência que possam ser úteis na presente decisão, considerando a unidade da ordem jurídica comunitária e porque "[n]as decisões a proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito" (36).
De tal leitura podem destacar-se as seguintes conclusões (37):
a) As diretivas comunitárias em matéria de contratação pública não são aplicáveis quando uma entidade pública adjudicante pretende celebrar com uma entidade dela distinta no plano formal, e dela autónoma no plano decisório, um contrato oneroso, quando aquela exercer sobre esta um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e quando esta realizar o essencial da sua atividade para aquela ou aquelas entidades que a controlam (38);
b) O controlo análogo pode ser exercido pelo conjunto de entidades públicas/adjudicantes que, de alguma forma, participam na (ou controlam a) entidade adjudicatária do contrato, não tendo que ser exercido só pela entidade pública adjudicante;
c) O controlo exercido pela entidade adjudicante, ou pelo conjunto das entidades públicas/adjudicantes, sobre a entidade adjudicatária deve ser análogo ao que exerce ou exercem sobre os seus próprios serviços, mas "não tem de ser idêntico em todos os pontos". Deve revelar que a adjudicatária pode ser considerada uma "estrutura de gestão interna de um serviço público", sobre a qual se exerce uma influência determinante, tanto sobre os objetivos estratégicos, como sobre as decisões importantes desta entidade;
d) Dado que o objetivo principal das disposições comunitárias em matéria de contratos públicos é a livre circulação de serviços e a abertura à concorrência não falseada em todos os Estados-Membros, a não aplicação das regras comunitárias à luz do que agora se referiu na alínea a) só pode ser considerada como resultado de uma interpretação estrita, cabendo o ónus da prova de que se encontram efetivamente reunidas as circunstâncias excecionais que justificam a derrogação a quem delas pretenda prevalecer-se;
e) Nessa interpretação e consequente aplicação estritas, deve ter-se em conta todas as disposições legislativas e circunstâncias pertinentes;
f) A verificação de condições que permitam admitir a derrogação das regras comunitárias à luz do que agora se referiu na alínea a), deve ser, em regra, aferida ao momento da celebração do contrato. Contudo, circunstâncias pertinentes posteriores podem ser tidas em conta, quando tais circunstâncias lançarem luz sobre as condições que efetivamente existiam no momento da celebração do contrato;
g) De entre as circunstâncias pertinentes a ter em conta cumpre considerar, designadamente, em primeiro lugar, a detenção do capital da entidade adjudicatária, em segundo lugar, a composição dos órgãos de decisão desta e, em terceiro lugar, a extensão dos poderes reconhecidos ao seu conselho de administração;
h) A participação, ainda que minoritária, de capitais privados na entidade adjudicatária do contrato exclui de qualquer forma que a entidade adjudicante possa exercer sobre aquela um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. A relação entre uma autoridade pública e os seus próprios serviços rege-se por considerações e exigências específicas da prossecução de objetivos de interesse público. Ao invés, a participação de capitais privados na entidade adjudicatária faz com que esta obedeça a considerações inerentes a interesses não públicos. Deve ter-se em conta que nenhuma empresa privada deve ser colocada numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes. Mas, por outro lado, deve igualmente atender-se que a circunstância de a entidade adjudicante deter, isolada ou em conjunto com outros poderes públicos, a totalidade do capital da entidade adjudicatária tende só a indicar, sem ser portanto decisiva, que esta entidade adjudicante exerce sobre a adjudicatária um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços.
10. Aqui chegados, deve contudo notar-se que o Tribunal europeu não se pronunciou sobre situações em que a par de entidades públicas, outras entidades não lucrativas de qualquer forma participam nas entidades adjudicatárias de contratos controvertidos.
II.C - A natureza das entidades subscritoras do protocolo: o CHS e o SUCH
11. Como se viu o CHS, criado pelo Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de dezembro, é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 2º do CCP é uma entidade adjudicante.
Tendo presente que se trata de um hospital E.P.E. justifica-se referir que, face ao seu objecto e valor, o instrumento contratual celebrado que agora se aprecia, não se enquadra no disposto no nº 3 do artigo 5º do mesmo CCP, pelo que está, à partida, integralmente sujeito à disciplina por este fixada.
12. Como se refere no artigo 1º dos estatutos do SUCH, este foi criado nos termos do Decreto-Lei nº 40668 de 24 de novembro de 1965.
Dispunha o artigo 1º deste diploma legal que "[a]s instituições particulares de assistência que exerçam actividades de natureza hospitalar (...) podem criar serviços de utilização comum, em ordem a obter o melhor rendimento económico".
E no nº 3 da mesma disposição previu-se que a este serviços "é aplicável o disposto no artigo 417º do Código Administrativo".
Face a esta disposição, o SUCH foi pois criado como pessoa coletiva de utilidade pública administrativa.
Ora, as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa, têm sido consideradas pela doutrina dominante como pessoas coletivas de direito privado (39).
Estamos pois perante um instrumento contratual celebrado entre uma entidade pública - e entidade adjudicante, nos termos do CCP - e uma entidade não pública (40).
13. Deve contudo referir-se que a natureza da entidade adjudicatária de um contrato que se pretende colocar no âmbito da contratação in house não é um fator determinante. A entidade adjudicatária poderá ser um serviço público administrativo personalizado, uma empresa pública sob forma societária, uma entidade pública empresarial, uma sociedade comercial, uma associação pública, uma associação de direito privado... E em cada uma destas soluções pode existir ou não existir controlo análogo... Deve-se analisar caso a caso, segundo as circunstâncias pertinentes.
Mas já é determinante, como se referiu, a natureza das entidades que integram a entidade adjudicatária, sendo claro que deve ser afastado o regime da contratação in house quando tais entidades têm finalidade lucrativa. Por uma especial razão: é que nesses casos não só a celebração não concorrencial de contratos afasta a possibilidade de a eles acederem outros concorrentes, como se beneficia em especial as entidades privadas participantes nas adjudicatárias de tais contratos. Neste tipo de casos há ou haveria uma dupla violação dos princípios da concorrência e da igualdade.
Mas, como se sabe, não é este o caso presente, face à natureza que atualmente assumem os associados do SUCH.
Já atrás se referiu que, mesmo entre entidades públicas que são entidades adjudicantes, o direito comunitário instaurou um clima de exigência na contratação, para preservação dos princípios da concorrência e da igualdade. E igualmente o direito nacional, também como forma de melhor se preservarem os interesses públicos. Ora, se tal solução foi adotada nesse âmbito, como já se disse não se vê razão para a "interpretação estrita" de que fala a jurisprudência do TJCE, deixe de ser adotada nos demais casos de contratação em que entidades de outra natureza estão em causa.
Relembrando o que acima já se disse, se a contratação inter-administrativa não é, como já se viu, em regra, e por si própria, considerada como uma forma de auto-satisfação de necessidades, a não ser em situações muito delimitadas, não há razões para deixar de aplicar os mesmos critérios rigorosos de avaliação quando esteja em causa a contratação entre entes públicos e entes não públicos.
14. Não estamos pois, em rigor, no domínio da contratação inter-administrativa. Deve por isso manter-se e mesmo reforçar-se uma aplicação estrita das exceções fixadas pela lei à aplicação dos princípios e regras da contratação pública, nomeadamente as exceções à adoção de procedimentos concorrenciais.
Impõe-se pois proceder, também à luz do que foi dito em matéria de contratação inter-administrativa e de evolução da doutrina da contratação in house, à avaliação sobre se o protocolo celebrado se enquadra no disposto no nº 2 do artigo 5º do CCP.
II.D - Os novos estatutos do SUCH e o disposto no CCP em matéria de contratação in house
15. Relembre-se que nos termos do artigo 2.º, n.º 1, dos seus estatutos, o "SUCH tem por tem por finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política de saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do Sistema de Saúde Português" e, nos termos do nº 3, "constitui um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se, para o efeito, obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporciando-lhes ganhos de escala".
16. Como se viu, o artigo 7º dos estatutos do SUCH estabelece que "[p]odem ser associados do SUCH as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde (...)".
No mesmo artigo se estabelece que o SUCH "deve assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integram e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde".
Nos termos do artigo 8.°, nº 1, dos estatutos, refere-se que "[s]ão direitos dos associados (41) através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do SUCH, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detém sobre as suas próprias Instituições (...)".
17. Perante tais disposições dos estatutos, tem de perguntar-se se
a) A possibilidade de serem associados entidades pertencentes ao setor social (42) , portanto, não públicas,
b) O dever que passou a impender sobre o SUCH de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde,
c) E a afirmação estatutaria de que assiste aos associados o direito de exercer sobre a gestão estratégica e corrente do SUCH um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias instituições, contribuem para se poder considerar que o protocolo celebrado - e em geral as relações contratuais estabelecidas entre o SUCH e os seus associados - se enquadra(m) no regime da contratação in house?
Deve reconhecer-se que, na redação adotada, se fez um esforço de encontro ao que está estabelecido na letra da lei e às proclamações da doutrina nessa matéria.
Mas vejamos mais em pormenor, não perdendo de vista que se trata de perceber se o protocolo em causa poderia ter sido celebrado, sem apelo à concorrência, com fundamento no exercício de controlo do SUCH pela CHS (43), análogo ao que este tem sobre os seus próprios serviços.
18. O SUCH, como se registou acima na matéria de facto, tem como associados 88 entidades públicas e particulares, sendo estas 23 instituições particulares de solidariedade social: 20 irmandades e santas casas da misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz.
Ora, as irmandades ou santas casas de misericórdia, integram-se no sector cooperativo e social, e nos termos do Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de fevereiro (44), são instituições particulares de solidariedade social, que "escolhem livremente as suas áreas de actividade e prosseguem autonomamente a sua acção", cujo contributo o "Estado aceita, apoia e valoriza", sem que tais apoios possam "constituir limitações ao direito de livre actuação".
As IPSS, nos termos do disposto no respetivo estatuto, adquirem a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública (45). E nos termos do Decreto-Lei nº 460/77, de 7 de Novembro, prosseguem fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com as administrações públicas.
Nos termos da doutrina e jurisprudência dominantes, as IPSS são pessoas coletivas de direito privado, com autonomia, não administradas pelo Estado (46).
Retenha-se igualmente que as irmandades ou santas casas da misericórdia são associações constituídas na ordem jurídica canónica, podendo ser extintas pelo ordinário diocesano e pelos tribunais (47).
A União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz são igualmente instituições particulares de solidariedade social.
19. Relembre-se, mais uma vez, que a construção da teoria das relações internas (ou in house) arrancou da constatação de que a contratação inter-administrativa justificava um regime especial, na medida em que as entidades públicas podem auto-organizar-se para a satisfação das suas necessidades. Foi perante essa constatação que inicialmente foi admitido, por alguns sectores doutrinários, que a contratação entre entidades públicas poderia não ser submetida às regras da contratação pública. Mas a essa abordagem inicial, como já se viu, sucedeu-se outra com maior exigência, visando simultaneamente a observância alargada do princípio da concorrência, mas igualmente uma melhor satisfação dos interesses públicos.
Ora, se essas exigências surgiram para sujeitar, em regra, a contratação entre instituições públicas aos princípios e regras da contratação pública, como já se disse, mais sentido faz ainda sujeitar a tais princípios e regras, a contratação entre uma entidade pública (o CHS) e uma entidade não pública, como é o SUCH.
E quando esta - uma pessoa coletiva de direito privado, como acima se viu - tem como associados, em número não despiciendo - note-se: mais de um quarto - entidades não públicas, aquelas exigências não podem aligeirar-se, sob pena de incoerência na aplicação do direito. Deve pois manter-se uma interpretação estrita do direito aplicável.
É verdade que, em rigor, não se trata de entidades privadas. Mas manda a objetividade reconhecer que não sendo privadas, e embora podendo alegar-se que prosseguem interesses públicos, também não são públicas.
Ora, como se pode invocar que o controlo exercido pela CHS (obviamente em conjunto com as demais entidades adjudicantes) sobre o SUCH é análogo ao que exerce sobre os próprios serviços, quando o SUCH não só é uma pessoa coletiva de direito privado (o que não seria por si impeditivo, embora constituísse uma circunstância pertinente a considerar), como tem como associados um número relevante de entidades não públicas que notoriamente escapam aos controlos públicos.
Relembre-se que na contratação interna, a entidade adjudicatária deve poder ser considerada uma "estrutura de gestão interna de um serviço público" (48) ou materialmente um prolongamento administrativo da entidade adjudicante. Pode considerar-se o SUCH, com 23 associados não públicos - com larguíssima autonomia legalmente consagrada, a maior parte dos quais erguidos no âmbito da ordem canónica, com reflexo na ordem jurídica - como uma estrutura de gestão interna do CHS e das demais entidades públicas associadas?
Ora, parece evidente que na relação entre as entidades públicas e o SUCH aquelas não podem comportar-se relativamente a este como se de uma estrutura interna se tratasse. A condução dos destinos do SUCH e a sua gestão - face aos próprios poderes que resultam dos estatutos - não poderão ignorar a participação de um relevante número de instituições particulares de solidariedade social (49).
20. É verdade que foi consagrado nos estatutos o dever que passou a impender sobre o SUCH de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde.
Mas tendo em conta que a observância dos princípios e regras da contratação pública mesmo na contratação entre entidades públicas devem ser observados - a já muito referida contratação inter-administrativa - tal disposição leva-nos necessariamente a afirmar que o SUCH é um mero prolongamento das estruturas das entidades públicas? Não parece. É que se fosse assim, qual o "papel" desempenhado no SUCH pelas entidades particulares?
21. Tal "papel" não pode ser, nem é, despiciendo. Sintoma disso é o facto de no Conselho de Administração do SUCH ter assento a União das Misericórdias Portuguesas, como se assinalou na matéria de facto.
Pergunta-se: o CHS e as demais entidades sujeitas aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde relacionam-se com o SUCH como se este fosse um seu prolongamento administrativo, quando no Conselho de Administração tem assento uma entidade não sujeita àqueles poderes? Não seria lógico dar-se uma resposta afirmativa a esta pergunta.
22. Mas voltemos à nova orientação constante dos estatutos de que sobre o SUCH passou a impender o dever de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde. Tal disposição, pretendendo colocar em minoria na Assembleia Geral os associados do SUCH que pertencem ao setor social da economia, permite considerar definitivamente que, assim, os associados que são entidades adjudicantes exercem um controlo análogo sobre o SUCH como o fazem sobre os seus próprios serviços?
Relembrando que devemos fazer uma interpretação estrita das exceções consagradas na lei à observância dos procedimentos que salvaguardam os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, a resposta àquela pergunta deve ser: não.
É que, naquela matéria, muito depende da dinâmica concreta de funcionamento das assembleias gerais - das concretas presenças verificadas em cada uma, por exemplo - e do tipo de maiorias exigidas para a decisão. Assim, por exemplo, a exigência estatutária de uma maioria de ¾ para aprovação de alteração dos estatutos, permite considerar que as entidades publicas adjudicantes que são associadas do SUCH se relacionam com este, como se de um seu serviço se tratasse, quando para a constituição daquela maioria poderão ter de contar com a posição dos associados que são IPSS? A resposta é de novo: não. Isto é: há especificidades no relacionamento entre as entidades adjudicantes públicas e o SUCH que não permitem obter-se a conclusão, numa interpretação estrita da lei, de que este pode ser considerado uma "estrutura de gestão interna de um serviço público".
23. Deve referir-se que aquela norma estatutária de exigência de uma maioria de ¾ para alteração dos estatutos é bem compreensível numa entidade associativa. Aliás, tal disposição vai na linha de muitas das alegações feitas a propósito dos novos estatutos do SUCH: estes pretendem reforçar a natureza associativa do SUCH.
Crê-se que se caminhou nessa direção, por forma a vincar as finalidades altruísticas e de auto-satisfação de necessidades que o SUCH configurará.
O problema é que tal orientação, fragilizando a intervenção dos poderes do Estado, reforça o papel dos associados e, de entre estes, também, o dos associados que não são entidades adjudicantes publicas, prejudicando-se assim a verificação do requisito do controlo análogo, por aquelas que o são.
24. A conclusão de que efetivamente as entidades adjudicantes públicas não podem exercer um controlo análogo sobre o SUCH, quando este tem como associados instituições do setor social, é alterada pela disposição estatutária de que "[s]ão direitos dos associados através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do SUCH, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições"?
Não parece. Porque se trata de uma proclamação claramente feita por forma a se alegar que se verifica o pressuposto legalmente fixado na alínea a) do nº do 2 do artigo 5º do CCP. Ora, a verificação deste pressuposto deve resultar da análise de muitas circunstâncias (parte da qual já se fez) e não da aceitação indiscutida de uma disposição estatutária.
Aliás, seguindo à letra o que a disposição diz, dela resulta o seguinte: que tanto as entidades públicas como as particulares exercem sobre o SUCH um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços. Tendo tais instituições tão diferente natureza pode tal situação - simultâneo controlo análogo - ocorrer? Não parece que possa.
25. Em conclusão: a natureza dos associados do SUCH - entidades públicas e não públicas, em particular as santas casas da misericórdia, canonicamente eretas e com a autonomia que legalmente lhes está reconhecida - não milita a favor de se considerar que as relações entre CHS e o SUCH sejam análogas à que aquele estabelece com os seus serviços. Assim, o facto de o SUCH ser uma associação privada com associados com larga autonomia e independência face aos poderes públicos é indício de que se não pode considerar que as entidades adjudicantes públicas tenham sobre o SUCH um controlo análogo ao que têm sobre os seus próprios serviços.
II.D - O SUCH, na sua concreta dimensão e organização, os princípios da contratação pública e a contratação in house
26. Como inúmeras vezes já se disse, a verificação dos pressupostos da contratação in house deve ser objeto de interpretação estrita e ter em consideração todas as circunstâncias pertinentes.
E há outras circunstâncias que, no nosso entender, devem ser tidas em conta na avaliação que se está a fazer sobre a observância dos pressupostos da contratação in house.
Na aplicação do direito e na decisão judicial, não pode deixar de se olhar friamente a realidade, sob pena do exercício da justiça ser um mero articulado de raciocínios fundados nos textos normativos, mas desligado da realidade, de difícil compreensão pelos cidadãos em nome dos quais ela é exercida.
27. Note-se friamente: o SUCH tem 88 associados, dos quais 65 são entidades adjudicantes públicas.
Face aos pressupostos legais da contratação in house e à doutrina e jurisprudência que sobre ela tem sido desenvolvida, podemos considerar que de facto - não só de direito - aquelas 65 entidades, através dos poderes que detêm na Assembleia Geral, exercem efetivamente sobre o SUCH, um controlo análogo ao que exercem sobre os seus serviços?
Poderemos de facto afirmar que o SUCH é uma entidade que funciona como um prolongamento administrativo daquelas 65 entidades?
Vejamos.
28. Como acima se viu nas alíneas ii) a mm) do nº 2, o SUCH é uma grande organização de natureza empresarial:
a) Com um volume de vendas previsto na ordem de 90 milhões de euros;
b) Com um negócio que envolve variadas e complexas áreas de atividade;
c) Com indicadores de atividade muito impressivos (vide a alínea ll) do nº 2;
d) Com mais de 3300 trabalhadores;
e) Participando em dois agrupamentos complementares de empresas e em duas sociedades comerciais, nas percentagens indicadas e com atividades cuja natureza confirma a complexidade empresarial da organização SUCH (50).
29. É aceitável considerar-se que uma organização com esta dimensão possa ser tida como uma "estrutura de gestão interna de um serviço público", como um "prolongamento administrativo" das entidades adjudicantes associadas?
A esta pergunta responder-se-ia: sim, porque os associados, mediante a sua participação na Assembleia Geral, têm os poderes, nomeadamente, de apreciar e aprovar os planos estratégicos e de acção bem como o orçamento anual do SUCH, de apreciar e aprovar o relatório de actividades e contas do exercício do ano económico anterior, de apreciar e aprovar a estratégia de prestação de serviços e a respectiva contrapartida remuneratória, de acompanhar e controlar a gestão do SUCH, quer estratégica quer corrente, de deliberar sobre alterações aos estatutos e sobre a admissão de novos associados e o cancelamento de inscrições.
A esta resposta poderia contrapôr-se: sim, é verdade que os estatutos assim o prevêm. Mas, deve igualmente relembrar-se que compete ao Conselho de Administração submeter anualmente à Assembleia Geral o plano de atividades, o orçamento, o relatório e contas e a estratégia de prestação de serviços e a respetiva contrapartida remuneratória; propôr à Assembleia Geral alterações aos estatutos e a admissão de novos associados e cancelamento de inscrições.
É natural que assim seja, dir-se-á. Sim, de facto, é natural que numa organização com a complexidade e a dimensão do SUCH o poder de iniciativa nas matérias de maior relevo da gestão estratégica e corrente repousem no executivo da organização.
Mas esta constatação, vai ao arrepio de considerar o SUCH como uma mero prolongamento administrativo das entidades adjudicantes.
Pelo contrário: o SUCH é uma organização de apreciável dimensão e complexidade que naturalmente vive de forma autónoma relativamente aos seus associados, estando destes dependente em algumas decisões fulcrais que o executivo - o Conselho de Administração - de facto, prepara.
Ainda que as decisões sejam juridicamente tomadas pela Assembleia Geral, é o Conselho de Administração que, jurídicamente e de facto, as prepara e condiciona.
E um dado da maior relevância para atestar que efetivamente quem controla o SUCH é o seu Conselho de Administração, resulta do seguinte: compete à Assembleia Geral eleger os vogais não nomeados do Conselho de Administração. Mas compete ao Presidente do Conselho de Administração propôr as listas de vogais a eleger pela Assembleia Geral.
Seguindo a própria argumentação do CHS que afirma (51) que "[a] existência de tal controlo análogo terá como consequência a falta de autonomia decisória por parte da entidade controlada", perante estes factos, poderemos afirmar que o SUCH padece de autonomia decisória? Não parece...
No plano fáctico não se pode igualmente afirmar como faz o CHS que existem "intensos poderes de controlo que os associados, conjuntamente, têm, não só sobre as decisões macro de gestão (orientações estratégicas) mas também sobre a gestão corrente da actividade ao SUCH exercendo, assim, uma influência decisiva sobre a actuação desta".
30. Tais conclusões que apontam para o real poder que o Conselho de Admistração tem na organização, é aliás reforçada por dois aspectos:
a) O elevado número de associados: 88 no total, sendo 65 entidades adjudicantes;
b) A estrutura de votos consagrada nos estatutos de que se deu também conta acima, na matéria de facto, na alínea aa) do nº 2.
Esta estrutura de votos aponta para uma grande dispersão e volatilidade dos poderes no âmbito da Assembleia Geral.
Note-se que no Acórdão nº 30/17.Dez.2010/1ª S/PL, proferido no Recurso Ordinário nº 6/2010 (Processo nº 1825/2009), se deu como provado, na matéria de facto que, à época, "o SUCH [tinha], na verdade, apenas 99 associados, correspondendo o número 138 ao cômputo total dos votos detidos por esses associados em sede de Assembleia-Geral".
Aqueles dois factos - elevado número de associados e estrutura de votos - apontam para uma dispersão de poderes no âmbito da Assembleia Geral que naturalmente contribui para o reforço dos poderes de facto do Conselho de Administração, apoiado nos poderes que lhe são dados nos estatutos. Isto é: os poderes fácticos do Conselho de Administração são muito superiores aos seus poderes jurídicos.
Aliás, diga-se que esta conclusão não é, em nada, inovadora: há mais de quarenta anos que a sociologia das organizações o demonstra, nos estudos realizados nas organizações de média e grande dimensão.
Relembre-se que na própria jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu é dada relevância à dimensão dos poderes do Conselho de Administração como circunstância pertinente a ter em conta na aferição se na relação entre entidade adjudicante e entidade adjudicatária se verifica o pressuposto do "controlo análogo".
Em conclusão: o SUCH na sua concreta dimensão e na sua concreta dinâmica de funcionamento - com relevo para o papel desempenhado pelo Conselho de Administração - não pode considerar-se como um mero prolongamento das entidades públicas adjudicantes que dele são associadas.
O SUCH é uma organização empresarial complexa que funciona com larga autonomia relativamente aos seus associados.
Entre o SUCH e os seus associados não existe uma relação de dependência em que se elimina a autonomia de vontade daquele e permita considerar que os instrumentos contratuais celebrados não o foram com um terceiro.
O SUCH não se subordina aos associados e a cada um dos associados: o SUCH negoceia com os associados. E os instrumentos contratuais celebrados são um encontro de vontades autónomas.
Evidente sinal disso é o que o próprio CHS refere a propósito da prorrogação do protocolo e que se revela acertado, enquanto posição defensiva dos seus interesses: "[r]eitera-se, ainda, que o CHS não está vinculado a aceitar as condições propostas pelo SUCH, nem tão-pouco se prevê uma renovação automática do Protocolo por qualquer período" e "a decisão de renovação do Protocolo (...) será precedida por uma aferição das condições suscetíveis de serem propostas pelos operadores económicos privados, apenas sendo renovado o Protocolo caso as condições então propostas pelo SUCH forem substancialmente vantajosas para o CHS".
31. Note-se que esta matéria já foi abordada, nos seus aspetos essenciais noutros acórdãos deste tribunal (52). Por exemplo, no citado Acórdão nº 30/17.Dez.2010/1ª S/PL dizia-se: "[o] modelo organizativo que o SUCH atingiu e a actividade desenvolvida dificilmente se compaginam com a tradicional visão de um instrumento de pura "cooperação e interajuda", de "colocação em comum de meios para a obtenção de directas vantagens comuns, dentro do mesmo círculo pessoal dos associados", (...) como se referia nos pareceres da Procuradoria-Geral da República".
Aquela conclusão, portanto, não milita igualmente a favor da verificação do pressuposto do controlo análogo que deve verificar-se para aplicação do nº 2 do artigo 5º do CCP e consequente não aplicação da Parte II do mesmo código.
32. Mas há um outro aspeto essencial a ter em conta em toda esta avaliação: a questão da observância de princípios.
Não percamos de vista que os procedimentos de contratação pública existem para salvaguardar a observância de princípios consagrados no direito interno (quer no plano constitucional, quer no do direito ordinário) e no direito comunitário.
As exceções legalmente consagradas à observância dos procedimentos de formação dos contratos - designadamente nas situações de contratação in house - fundam-se na constatação de que tal observância, nessas situações não está em causa.
E de entre esses princípios destacam-se os da igualdade, da imparcialidade e da concorrência, com consagração na Constituição e no CCP e no direito comunitário originário e derivado.
A exceção consagrada para a contratação in house - de dispensa de observância de procedimentos contratuais legalmente fixados - funda-se na constatação de que não sendo verdadeira contratação - ou sendo, numa abordagem substancial e não formal, uma "contratação interna" ou uma "contratação consigo mesmo" - não está em causa a observância daqueles princípios.
A obrigatoriedade de observância dos princípios mantém-se, simplesmente naquele caso a exceção não os belisca.
Por isso, entendeu o legislador fixar os pressupostos de aplicação da exceção. Por isso, a jurisprudência advoga que na sua aplicação se sigam critérios estritos de interpretação.
Já vimos que
§ a natureza das instituições envolvidas na celebração do protocolo,
§ a natureza das entidades que, como associados, participam na entidade adjudicatária do protocolo (o SUCH),
§ a concreta dimensão e complexidade da entidade adjudicatária,
§ os efetivos poderes de gestão estratégica e corrente da entidade adjudicatária se centram no seu órgão executivo (o Conselho de Administração), não militam a favor de se considerar que se está no âmbito da contratação in house, por não se verificar o primeiro pressuposto legalmente fixado.
33. Mas embora as seguintes constatações não pesem, na economia do presente acórdão, para se retirarem conclusões, devemos observar ainda o seguinte: de entre os associados do SUCH, como vimos, contam-se 65 entidades do sistema público de saúde. De entre elas, contam-se as maiores unidades hospitalares do país: por exemplo, os Centros Hospitalares de Lisboa Central, de Lisboa Norte, de Lisboa Ocidental, de São João, o Centro Hospitalar do Porto, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o Hospital Garcia de Horta, o Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, os IPO de Lisboa e do Porto. Contam-se ainda todas as ARS, IP do país.
Admitir que a contratação estabelecida entre o SUCH e todas estas entidades - e as demais - ainda que só nas áreas de atividade daquele, é uma mera contratação interna, é retirar parte significativa dos mercados públicos da área da saúde da observância dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.
Ora, só com tal observância, nos termos constitucionais, legais e comunitários, é possível às administrações públicas obter as melhores propostas, aos melhores preços. Só com tal observância é possível que funcione um mercado concorrencial e respeitador de todos os operadores económicos.
E diga-se ainda: só com observância de tais princípios o próprio SUCH poderá progredir, na procura das melhores soluções, em termos de economia, de eficácia e de eficiência.
34. Nesta linha atenda-se ainda ao seguinte: como se fixou na matéria de facto, o nº 3 do artigo 5º dos estatutos do SUCH prevê que este" pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades publicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras (...)", devendo tal atividade, nos termos do nº 4, "ter natureza acessória no contexto da actividade do SUCH não devendo representar um volume de facturação superior a 20% (53) do seu volume global anual de negócios apurados no exercicio económico anterior (...)".
Se se admitir que a contratação realizada entre o SUCH e as entidades adjudicantes associadas é contratação interna, e portanto não sujeita aos procedimentos concorrenciais de contratação, conduzirir-se-ia a uma situação em que o SUCH pode, à partida, contar com um segmento muito significativo dos mercados públicos de saúde - o correspondente ao dos seus associados que, como se viu, são dos mais relevantes no país - em que sem concorrência se desenvolve e, por essa via, obter vantagens muito apreciáveis, quando por via daquela disposição estatutária, concorre com outros operadores económicos para a produção de bens ou prestação de serviços noutros segmentos.
Admitir-se esta situação era também permitir-se uma nova distorção no funcionamento equilibrados dos mercados públicos.
35. Diga-se a propósito que as alegações feitas a propósito das vantagens da contratação direta com o SUCH feitas pelo CHS e que acima se retomaram (54), só se poderiam confirmar se as concretas propostas do SUCH fossem avaliadas em regime de concorrência. Noutra situação, trata-se de mera suposição que precisa de ser demonstrada.
II.E - CONCLUSÕES
36. Em face do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CCP, da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e dos princípios que enformam as regras de contratação pública, em especial os da transparência, da igualdade e da concorrência, não pode, pois, considerar-se que a relação entre o SUCH e os seus associados públicos, e, em particular, entre o SUCH e o CHS, seja uma relação "interna" equiparada à que é estabelecida pela entidade adjudicante com os seus próprios serviços.
Consequentemente, não pode aplicar-se ao caso a exceção prevista no artigo 5.º, n.º 2, do Código.
É também claro que não foi estabelecido a favor do SUCH qualquer direito exclusivo de prestação do serviço em causa, nos termos da alínea a) do nº 4 do artigo 5.º do CCP.
Não se vislumbra outra qualquer exceção à aplicação das regras de contratação pública ao caso.
37. Sendo o protocolo em causa, um contrato público de aquisição de serviços; sendo o contrato celebrado por um Hospital EPE, de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Diretiva n.º 2004/18/CE, previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 5º do CCP, é-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 2, alínea a), e 5.º, n.º 3, alínea b), do referido Código.
De acordo com o estipulado no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
Não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta desta norma legal que o contrato não podia ter sido celebrado.
A ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respetiva nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, como tem sido entendimento deste Tribunal.
Esta nulidade, que pode ser declarada a todo o tempo, origina a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 44º da LOPTC (55).
D - DECISÃO
38. Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao protocolo acima identificado.
39. Decide-se ainda remeter o presente acórdão ao Senhor Ministro da Saúde.
40. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (56).
Lisboa, 28 de novembro de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo, relator)
(Alberto Fernandes Brás)
(Helena Abreu Lopes)
Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal)