Acórdão n.º 63/2011, de 12 de Outubro de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 815/2011)

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ACÓRDÃO Nº 63/2011 - 12/10/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 815/2011 - 1ª SECÇÃO

 

 I. RELATÓRIO  

A Câmara Municipal de Santarém remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para "Execução do Pavilhão Gimnodesportivo de Pernes", celebrado entre aquele Município e a empresa denominada "Luis Mina, S.A.", em 10.05.2011, pelo valor de € 749 789,67 [s/IVA], sendo que o prazo de execução se estendia por 240 dias.

II. DOS FACTOS

Para além da factualidade referida em I., consideram-se assentes, com relevância, os seguintes factos:

1.
Em razão da deliberação da Câmara Municipal de Santarém de 14.03.2011, teve lugar a abertura de procedimento por ajuste directo, o qual se funda no art.º 5.º e seguintes, do Decreto-Lei n.º 34/2009, de 06.02, e visou a construção do já mencionado Pavilhão Gimnodesportivo de Pernes.
Aquela deliberação ratificou despacho do Sr. Presidente da Câmara de Santarém, datada de 01.03.2011;

2.
Da deliberação referida em II.1. decorre, além do mais, que a execução do Pavilhão Gimnodesportivo de Pernes se integra no Plano de Pormenor do Complexo Desportivo de Pernes e visa a modernização do parque escolar daquela localidade [Escola D. Manuel I, que não tem equipamento desportivo];

3.
Aquela deliberação foi objecto de publicação no Diário da República, 2.ª Série, de 09.11.2010;

4.
O preço-base do procedimento foi de € 750 000,00;

5.
Em 01.03.2011, e através da plataforma electrónica Construlink, foi enviado convite a três entidades para a apresentação de propostas;

6.
Apenas a empresa "Luis Mina, S.A." apresentou proposta;

7.
O critério de adjudicação era o do mais baixo preço;

8.
A adjudicação sobreveio à deliberação da Câmara Municipal de Santarém, de 14.03.2011;

9.
A empreitada em causa ainda não foi objecto de consignação;

10.
Em 14.12.2009, já havia sido aberto um primeiro procedimento por ajuste directo para a execução da empreitada em causa;
Contudo, no âmbito deste procedimento, foi determinada a não adjudicação, pois a única proposta apresentada foi objecto de exclusão, por não apresentação do plano de trabalhos [vd. fls. 4, 15 e 72 do processo]

III. O DIREITO

A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação e centralmente, as seguintes questões:
- Localização temporal da decisão de contratar, ainda em face do Código dos Contratos Públicos;
- [In]admissibilidade legal da adopção do ajuste directo enquanto procedimento e eventual repercussão no contrato celebrado.

Passaremos à necessária análise.

A. Da decisão de contratar relevante.

1.
Conforme se mostra documentado no processo em apreço, em 14.12.2009, implementou-se um procedimento por ajuste directo, em ordem à adjudicação e subsequente execução da empreitada para construção do Pavilhão Gimnodesportivo de Pernes.
Porém, aquela adjudicação não teve lugar, pois, a única proposta apresentada foi excluída em razão da não apresentação do plano de trabalhos [vd. fls. 15 e 72, do processo].
A entidade adjudicante - Câmara Municipal de Santarém - sustenta que a decisão de contratar subjacente ao contrato sob fiscalização prévia se situa em 14.12.2009. Entendimento que, obviamente, não merece acolhimento, por carência, em absoluto, de fundamento legal.
Na verdade, e sem desnecessárias delongas, importará atentar no preceituado no art.º 80.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, o qual, com clareza, dispõe que "a decisão de não adjudicação prevista no art.º 79.º, de igual diploma legal, determina a revogação da decisão de contratar" (1).
Dito de outro modo, e explicitando, a decisão de não adjudicação, ao suprimir a prévia decisão de contratar, destitui-a, obviamente, de quaisquer efeitos, não permitindo, por maioria de razão, o seu "aproveitamento" ou consideração em procedimento futuro.
Ao presente contrato, ora sob fiscalização, corresponde, pois, uma prévia, nova e autónoma decisão de contratar, corporizada, de resto, na deliberação da Câmara Municipal de Santarém de 14.03.2011, que, conforme resta documentado [vd. fls. 16 a 18 do processo], acordou na contratação da empreitada em causa, fixou o procedimento [ajuste directo] a adoptar, ordenou o convite a empresas propostas, anuiu à proposta de composição do júri, e, por incumbência legal, autorizou a despesa.  

B. Da [in]admissibilidade legal da adopção do ajuste directo enquanto procedimento.

1.
Conforme aludimos em I., do probatório, a deliberação tendente ao recurso ao ajuste directo enquanto procedimento fundou-se nos art.os 1.º, n.º1, al. a) e 5.º e seguintes, do Decreto-Lei n.º 34/2009, de 06.02, que, como é sabido, fixa medidas excepcionais de contratação pública aplicáveis no âmbito da formação de contratos de empreitada de obras públicas dirigidas à modernização do parque escolar.
A celebração destes contratos, ainda nos termos dos art.os 1.º, n.º2 e 5.º, n.º1, do sobredito Decreto-Lei n.º 34/2009, poderia ser precedida de procedimento por ajuste directo quando o respectivo valor fosse inferior ao montante fixado no art.º 7.º, al. c), da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março (2).
Acresce que o art.º 11.º, n.º 2, daquele diploma legal [Decreto-Lei n.º 34/2009], na sua redacção primitiva, estabelecia, também, que o procedimento por ajuste directo aí previsto era aplicável aos procedimentos para formação de contratos públicos, cuja decisão de contratar tivesse lugar até 31.12.2009.

2.
Sucede que o Decreto-Lei n.º 29/2010, publicado em 01.04, introduziu alterações ao mencionado Decreto-Lei n.º 34/2009, sendo que uma destas se traduziu na prorrogação do regime excepcional estabelecido no Decreto-Lei n.º 34/2009.
Assim, e de acordo com o art.º 11.º, n.º1, do mencionado Decreto-Lei n.º 34/2009, agora sob a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 29/2010, de 01.04, o regime excepcional previsto naquele diploma legal seria aplicável aos procedimentos de formação de contratos de empreitada para modernização do parque escolar, desde que o respectivo valor fosse inferior ao fixado no art.º 7.º, al. c), da Directiva n.º 2004/18/CE e a decisão de contratar fosse tomada até 31.12.2010.

3.
Porém, e sublinhe-se, em 07.06.2010, na 1.ª Série do Diário da República, foi publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 52/2010, a qual determinava a cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 29/2010, de 01.04, e, bem assim, a "repristinação" das normas contidas no Decreto-Lei n.º 34/2009 que aquele [Decreto-Lei n.º 29/2010] havia revogado por forma expressa.
Aquela Resolução foi proferida no domínio das competências e funções constitucionalmente atribuídas à Assembleia da República e plasmadas nos art.os 169.º, n.os 1 e 4, 166.º, n.º5, 162.º, al. c) e 169.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Segundo a normação ora invocada, a Assembleia da República pode apreciar os Decretos-Lei (3) nas vertentes da respectiva vigência e eventual alteração, a requerimento de dez deputados apresentada nos trinta dias subsequentes à sua publicação.
Em reforço e explicitação do legislado, os Prof. s Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao art.º 169.º, da Constituição da República Portuguesa, reconhecendo à Assembleia da República a supremacia legislativa, afirmam que a Constituição submete os Decretos-Lei a um processo de fiscalização parlamentar específico, susceptível de determinar a sua imediata cessação e sem que a Assembleia da República tenha de apelar ao seu próprio poder legislativo e ao processo próprio das Leis; ainda segundo aqueles autores, os Decretos-Lei não carecem de confirmação parlamentar mas ficam transitoriamente sob condição de não utilização por parte da Assembleia da República do seu poder de alteração ou de cessão de vigência daqueles diplomas legais.
Nos termos do art.º 169.º, n.º 4, da C.R.P., caso a Assembleia da República aprove a cessação de vigência do Decreto-Lei [tal como no caso em apreço], "o diploma legal deixará de vigorar desde o dia em que a Resolução foi publicada no Diário da República".
Assim, e atento o teor da Resolução da Assembleia da República n.º 52/2010 acima mencionada, o Decreto-Lei n.º 29/2010, de 01.04, deixou de vigorar, na ordem jurídica, desde 7 de Junho de 2010. E, em conformidade com o disposto no art.º 11.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 34/2009, de 06.02, repristinado com efeitos a partir de 07.06.2010, o procedimento por ajuste directo, excepcionalmente permitido para a execução de empreitadas de obras públicas dirigidas à modernização do parque escolar, só era, assim, aplicável a procedimentos para formação de contratos públicos cuja decisão de contratar tivesse ocorrido até 7 de Junho de 2010.

4.
Em face do preceituado no art.º 36.º, do Código dos Contratos Públicos, "o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar".
«In casu», e considerando o montante [€ 749 789,67, acrescido de IVA] da despesa em causa, a decisão de contratar recaía sobre a Câmara Municipal de Santarém, atento o disposto no art.º 18.º, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 08.06, norma vigorante aquando da deliberação que determinou a abertura do procedimento [vd. II.1., do probatório] (4).
Como expendemos e concluímos em III.A., deste Acórdão, a deliberação da Câmara Municipal de Santarém, corporizadora da decisão de contratar, foi tomada em 14.03.2011, ou seja, em momento posterior à data da publicação da referida Resolução da Assembleia da República n.º 52/2010.
Logo, aquando da implementação do procedimento de formação do contrato em apreço, o Decreto-lei n.º 29/2010 já não se encontrava em vigor, e, consequentemente, a disciplina normativa aí prevista já não era susceptível de aplicação.
Do exposto, e explicitando, importa concluir pela impossibilidade do apelo ao disposto no art.º 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2009, de 06.02, enquanto fundamento do recurso ao ajuste directo, pois, de acordo com o art.º 15.º, n.º 2, daquele diploma legal, [repristinado por força da Resolução n.º 52/2010], tal procedimento só era aplicável caso a decisão de contratar tivesse lugar até à publicação da referida Resolução [07.06.2010]. Circunstância que não se verificou.
Impunha-se, assim, a realização de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, em cumprimento do preceituado no art.º 19.º, al. b), do Código dos Contratos Públicos e face ao valor contratual apurado [€ 749 789,67, acrescido de IVA].

Norma que não mereceu observância.  

C. DAS ILEGALIDADES.
O Visto.

Considerando as razões aduzidas em III., A e B, deste Acórdão, logo se intui a inverificação dos pressupostos legais legitimadores do recurso ao procedimento por ajuste directo.
Na verdade, atento o valor do contrato em análise e perante o disposto no art.º19.º, al. b), do Código dos Contratos Públicos, impunha-se, no caso vertente, a realização de concurso público ou limitado por prévia qualificação.
Porque não foi adoptado um destes procedimentos, não só o contrato em causa não deveria ter sido celebrado, como a ausência de concurso, porque obrigatória, enforma a falta de um elemento essencial da adjudicação, que, por seu turno, determina a respectiva nulidade [vd. art.º 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo].
Nulidade que, para além de poder ser declarada a todo o tempo, se transmite ao contrato ora submetido a fiscalização prévia.
A nulidade é, ainda, fundamento de recusa de Visto, conforme decorre do art.º 44.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 98/97, de 26.08.  

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção, do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao presente contrato.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05].
Lisboa, 12 de Outubro de 2011 

Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(Helena Maria Abreu Lopes)
(Manuel Roberto Mota Botelho)

Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(Jorge Leal) 


(1) Sublinhado nosso. 
(2) Em 2009, o valor era de € 5 150 000,00 [Res.(CE)n.º 1422/2007, da Comissão, de 04.12.2007, JOUE, de 05.12.2007; Após 01.01.2010, o montante passou a cifrar-se em € 4 845 000,00 [Res. (CE) n.º 1177/2009, da Comissão, de 30.11.2009, in JOUE, de 01.12]
(3) Excepto os elaborados no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo. 
(4) O art.º 18.º, do Decreto-Lei n.º197/99, de 08.06, foi revogado pelo art.º 14.º, do Decreto-lei n.º 40/2011, de 22.02.