Acórdão n.º 5/2010, de 25 de Fevereiro de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 20/2009)

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ACÓRDÃO Nº5/25.FEV.10/1ªS/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 20/2009

(Processo nº 38/2009)

 

DESCRITORES

1. Empreitada de obra pública

2. Estudos geológicos e geotécnicos

3. Edifícios

SUMÁRIO  

1. Do disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 43º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, resulta que os estudos geológicos e geotécnicos devem acompanhar o caderno de encargos, sempre que tal se revele necessário. O nº 7 do mesmo artigo dispõe que o caderno de encargos deve seguir o conteúdo obrigatório fixado em portaria. No caso de o caderno de encargos não respeitar tal conteúdo obrigatório ou aqueles estudos não o acompanharem, sempre que tal se revele necessário, o caderno de encargos é nulo, como estabelecem as alíneas c) e d) do nº 8 do citado artigo.

2. Em cumprimento do referido nº 7 do artigo 43º, a Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho, aprovou o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução. Dela resultam diferentes níveis de obrigatoriedade no que respeita à realização de estudos geológicos e geotécnicos: desde situações em que eles são obrigatórios, até às que o dispensam, passando por situações em que a exigência depende da concreta obra a realizar.

3. O legislador ao referir que os estudos devem ser juntos ao caderno de encargos, sempre que tal se revele necessário, confere à Administração um poder discricionário para decidir quanto à sua imprescindibilidade.

4. A lei dá uma margem de apreciação ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir, perante o caso concreto, se é ou não necessário, proceder-se à realização de estudos geológicos e geotécnicos e impor a sua junção ao projecto de execução.

5. Contudo, um poder discricionário não é um poder arbitrário: a margem de apreciação e decisão da Administração está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício dos poderes discricionários, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a actividade administrativa designadamente o da fundamentação dos actos administrativos, que constituem a dimensão vinculada no exercício daqueles poderes. E o seu exercício está igualmente, nessa sua dimensão vinculada, também sujeito a controlo jurisdicional.

6. A norma que estabelece a obrigatoriedade de realização dos estudos geológicos e geotécnicos visa salvaguardar uma boa execução das obras, segundo critérios de "boa construção", salvaguardando-se assim os interesses públicos, designadamente o da segurança, e os específicos interesses financeiros públicos associados aos bons investimentos.

7. No que respeita aos estudos geológicos e geotécnicos que devem acompanhar os projectos de execução de obras públicas, a Administração desenvolveu critérios de vinculação a que submete os seus órgãos e serviços no exercício daquele poder discricionário. Através da Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho, a Administração auto-vinculou-se: estreitou, em certos casos, a dimensão discricionária da decisão e, noutros casos, alargou-a.

8. No caso de obras de e em edifícios, a exigência de realização de estudos geológicos e geotécnicos depende da concreta obra a realizar, devendo a decisão que os dispense, no exercício de um poder discricionário consagrado pela lei, ser fundamentada, respeitar as finalidades da norma e os demais princípios gerais a que se subordina a actividade administrativa.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010 - O Juiz Conselheiro - (João Figueiredo)

 

ACÓRDÃO Nº 5 /25.FEV.2010/1ª S/PL

Recurso Ordinário nº 20/2009

(Processo nº 38/2009 da SRATC)

  

I - RELATÓRIO

1. A "Ribeira Grande Mais - Empresa Municipal de Habitação Social, Requalificação Urbana e Ambiental, Sociedade Unipessoal, S.A, E.M., inconformada com a Decisão nº9/2009-SRTCA, de 29 de Junho, que, no acima referido processo, recusou o visto ao contrato de empreitada para "Reabi1itação e requalificação da praia do Porto Formoso", veio dela interpor recurso.

2. A recusa de visto fundamentou-se na alínea a) do nº3 do artigo 44º da LOPTC (1), por se ter considerado que "sendo necessários, neste tipo de obras, os estudos geológicos e geotécnicos, os mesmos devem acompanhar o projecto de execução (alínea b) do n.º 5 do artigo 43.º do CCP). A falta destes elementos gera a nulidade do caderno de encargos, nos termos da alínea c) do n.º 8 do artigo 43.º do CCP. A nulidade do caderno de encargos tem como consequência a nulidade do contrato, conforme decorre do n.º 1 do artigo 283.º do CCP. A desconformidade dos contratos com as leis em vigor que implique nulidade constitui fundamento de recusa do visto".

3. A decisão recorrida baseou-se, nos seus aspectos essenciais, nos seguintes fundamentos:

a) O projecto de execução da empreitada não foi precedido do reconhecimento geotécnico e do estudo geológico;
b) Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CCP, o caderno de encargos do procedimento integra dois elementos da solução da obra: o programa e o projecto de execução (2);
c) A alínea b) do n.º 5 do artigo 43.º do CCP determina que o projecto de execução deve ser acompanhado, sempre que tal se revele necessário, dos estudos geológicos e geotécnicos;
d) A Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de Julho, aprovou as Instruções para a elaboração de projectos de obras, nas quais fixa o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução (3);
e) Assim, de acordo com estas Instruções, o programa preliminar - que corresponde ao programa previsto no n.º 1 do artigo 43.º do CCP (4) - exigido em obras relativas a edifícios há-de incluir o reconhecimento geotécnico do terreno nos termos definidos pelo autor do projecto no programa base (alínea d) do artigo 15.º);
f) As Instruções para a elaboração de projectos de obras prevêem que o projecto de execução se possa desenvolver em diversas fases, a saber: programa base; estudo prévio; anteprojecto, projecto de execução e assistência técnica (artigo 3.º);
g) As referidas Instruções procedem à definição de cada um destes documentos (artigo 1.º, alíneas m), j), a), t) e b), respectivamente) e fixam também os elementos que os devem integrar;
h) No que diz respeito aos estudos geológico e geotécnico em obras relativas a edifícios, as Instruções impõem:
i. no programa base, a definição e justificação do programa de reconhecimento geotécnico, incluindo as respectivas especificações, necessário ao desenvolvimento dos estudos geológico e geotécnico (alínea f) do artigo 16.º);
ii. a inclusão, no anteprojecto, do reconhecimento geológico e o estudo geotécnico, fornecidos pelo dono da obra (alínea c) do artigo 18.º);
iii. finalmente, no projecto de execução devem constar os resultados da análise do reconhecimento geológico e do estudo geotécnico, fornecidos pelo dono da obra (alínea a) do n.º 1 do artigo 19º);
i) Nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 43.º do CCP, a Portaria n.º 701-H/2008 define o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução que integram o caderno de encargos. A definição do conteúdo destes documentos tem, assim, carácter imperativo, não ficando na disponibilidade do dono da obra ou do projectista a determinação da eventual necessidade de apresentar os estudos geológico e geotécnico;

j) Na avaliação do procedimento em causa, impõe-se ter em conta o disposto na alínea c) do n.º 8 do artigo 43.º do CCP, que sanciona com nulidade o caderno de encargos em que faltam os estudos geológicos e geotécnicos (cfr. alínea b) do n.º 5 do artigo 43.º do CCP e artigos 16.º, alínea f), 18.º, alínea c), e 19.º, n.º 1, alínea a), das Instruções para a elaboração de projectos de obras, aprovadas pelo n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 701-H/2008, de 29 de Julho).

4. Na sua petição de recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Ribeira Grande Mais, não contesta os factos dados como assentes na decisão recorrida e alega e conclui fundamentalmente o seguinte:
a) "O prazo de execução da empreitada (90 dias), cujo inicio ocorreu a 27 de Março de 2009, foi pontualmente cumprido pelo empreiteiro;
b) Não se verificou, durante a fase de execução da obra, nenhum constrangimento decorrente da falta de estudos geológicos e geotécnicos nem tão pouco o empreiteiro, invocou em sede de erros e omissões, a falta de tais estudos;
c) A elaboração desses estudos para acompanharem o caderno de encargos da empreitada objecto do contrato, cujo visto foi recusado, além de não serem necessários, colidiria com uma das principais finalidades que se pretende alcançar com o Código dos Contratos Públicos, (adiante CCP): a contenção da despesa pública e como princípio da prossecução do interesse público;
d) A constituição do solo já era conhecida e do conhecimento da equipa projectista, porquanto, já existiam construções no solo onde decorreram os trabalhos de execução da empreitada, pelo que a reacção do solo à construção era também já conhecida;
e) A realização dos estudos geológicos e geotécnicos implicaria o dispêndio de erário público, que na prática, uma vez que a empreitada foi executada dentro da normalidade, se viria a demonstrar desnecessário;
f) Além de que, a elaboração do mesmo irremediavelmente atrasaria o inicio da execução da empreitada, que urgia fosse concluída em data que não prejudicasse o inicio da época balnear, numa das praias mais frequentadas no concelho de Ribeira Grande, de modo a não provocar incomodidade aos seus frequentadores;
g) A salvaguarda do princípio da contenção da despesa pública, por um lado, e a protecção do princípio da prossecução do interesse público, por outro lado, justificam que na presente empreitada se considerem desnecessários os estudos geológicos e geotécnicos;
h) Ademais, uma aplicação imediata, imponderada e automática da lei, nomeadamente da alínea a) do artigo 19° da Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho, introduzirá em algumas situações, como a que resulta da decisão ora em crise, subversões aos objectivos pretendidos com o CCP;
i) Assim, a decisão ora em crise ao aplicar de forma automática a alínea a) do art. 19º da Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho, desconsiderou o disposto nº 5 do art. 43º do CCP, que determina que os estudos geológicos e geotécnicos devem acompanhar o projecto de execução, sempre que tal se revele necessário;
j) A decisão ora em crise, ao estribar os fundamentos para determinar se tais estudos se revelam necessários inverte a lógica sistemática do art. 43° do CCP, ao desconsiderar a expressão "sempre que tal se revele necessário" prevista no n°5, referindo-se apenas ao previsto nas Instruções para a elaboração de projectos de obras, para as quais remete o nº7 do referido preceito legal;
k) A salvaguarda efectuada pelo legislador pretende exactamente abranger as empreitadas como a aqui presente, em que já é conhecida a constituição do solo e a reacção deste à construção e que, portanto, torna desnecessária a elaboração de tais estudos, pelo que outro entendimento que não este retira todo e qualquer sentido à expressão "sempre que tal se revele necessário" efectuada pelo legislador;
l) O entendimento advogado na decisão ora em crise de que "a Portaria nº 701-H/2008 define o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução que integram o caderno de encargos" e que "A definição do conteúdo destes documentos tem, assim, carácter imperativo, não ficando na disponibilidade do dono da obra ou do projectista a determinação da eventual necessidade de apresentar os estudos geológico e geotécnico" retiram todo o sentido à salvaguarda do legislador de que os estudos geológicos devem acompanhar o projecto de execução sempre que tal se revele necessário;
m) Na verdade, a manter-se a decisão ora em crise, implicaria que se considerassem obrigatórios estudos geológicos e geotécnicos em obras de reconstrução, obras de ampliação, obras da alteração, obras de conservação, porque são "obras relativas a edifícios", donde resultaria aumento da despesa pública e demora nos procedimentos de contratação pública, incongruentes com os objectivos pretendidos pelo CCP;
n) Ora, na empreitada em assunto de "reabilitação e requalificação", tais estudos não se mostram necessários;
o) Não existe, deste modo, razão para a recusa do visto com fundamento na alínea a) do nº 3 do art. 44° da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto;
p) Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão de recusa do visto ser revogada por outra que o conceda, deferindo o presente recurso tempestivamente interposto, como é de Direito e de Justiça".

5. O Ministério Público pronunciou-se pela procedência do recurso, assim fundamentando o seu parecer:
a) "Suscita-se, no caso em apreço, a questão da eventual ou aparente divergência de soluções que poderão resultar da aplicação de dois diplomas: a disciplina que decorre do art. 43º do CCP concretamente os seus n°s 5 e 7; e os art°s. 16º e 18º da Portaria nº. 701-H/2008, que definem o conteúdo do programa base e projecto de execução, com carácter vinculativo, exigindo o reconhecimento geológico e estudo geotécnico;
b) Numa sumária abordagem do problema dir-se-á que a possível contradição entre normas desses diplomas terá de ser decidida de acordo com o princípio do valor hierárquico dos diplomas, ou seja, dando prevalência ao disposto nas normas do Decreto-Lei nº 18/2008, que aprovou o Código dos Contratos Públicos, já que a Portaria não poderá exceder os limites do acto legislativo habilitante;
c) E, nessa perspectiva, a leitura do nº 5 do art. 43º parece-nos suficientemente clara quando limita a obrigatoriedade dos elementos ali referidos, aos projectos de execução em "que tal se revele necessário";
d) Ora, conjugando esta interpretação com os restantes elementos factuais resultantes dos autos, que não se mostram infirmados, (conhecimento da natureza e constituição do solo, construções anteriores, execução integral da obra sem dificuldades ou consequências inerentes à falta dos estudos em causa e dentro do prazo contratual), afigura-se-nos que se estará perante um caso em que tais estudos poderiam ser dispensados, de acordo com a salvaguarda estabelecida no citado nº 5(...)".

6. Foi determinada a elaboração de parecer técnico de engenharia, fundado exclusivamente em critérios de "arte de bem construir", quanto à necessidade de serem elaborados estudos geológicos e geotécnicos para a realização da obra em causa. Tal parecer diz (5):

a) Os trabalhos da presente empreitada destinam-se à construção de áreas de apoio aos banhistas pelo que a mesma se integra no tipo de obra "Edifícios" nos termos dos artigos 15º a 20º da Portaria nº 701-H/08, de 29 de Julho de 2008;
b) No caso presente não estamos perante uma edificação isolada, nem de dimensão considerável, mas apenas de instalações de apoio a banhistas, que englobam instalações sanitárias, arrecadações e um espaço destinado ao ISN;
c) Refira-se também que a obra se localiza numa praia onde existem edificações à cota superior e adjacente (conforme se pode verificar do artigo publicado no Correio dos Açores e publicado na Internet, em 27-06-09), pelo que não devem ser desconhecidas as características da constituição do solo, onde vai ser implantada a obra;
d) Em sede de recurso o projectista, veio alegar que  "(...) considerou desnecessário a elaboração dos referidos estudos por se tratar de uma praia cuja constituição do solo era conhecida à partida e do conhecimento da equipe projectista. Assim, e de acordo com o previsto no projecto de estabilidade, adoptou-se uma solução de laje de fundação calculada para um solo com uma tensão de contacto de 0,10 MPa, ficando salvaguardado que durante a fase das escavações, e caso se confirmassem dúvidas relativamente à natureza do solo em causa, dever-se-ia proceder a ensaios de verificação da sua tensão (...). Após o início dos trabalhos referentes à escavação e preparação do terreno, verificou-se que o solo era constituído por materiais granulares características boas geomecânicas (deformabilidade e resistência corte) conforme demonstram as fotografias anexas";
e) Efectivamente o que se verificou foi que o tipo de solo encontrado após escavação para implantação da obra (rocha compacta) conforme se verifica do registo fotográfico -06 de Abril - Corte geológico das camadas atravessadas no terreno após a conclusão das escavações "Verificação da compacidade do terreno a tardoz do edifício", veio confirmar que a tensão admissível do terreno, de 0,10 MPa considerada a quando da realização do projecto de estabilidade se mostrou suficiente. A tensão de rotura do solo é superior à tensão aplicada;
f) Concluindo, na obra em apreço tendo em atenção o tipo de obra (construção de área de apoio a banhistas), dimensão e conhecimento por parte da equipa projectista do tipo de solo onde foi implantado o edifício e que se veio a confirmar nos trabalhos de escavação, não se revela necessário a elaboração do estudo geológico e geotécnico.

7. Foram colhidos os vistos legais.
 

II - FUNDAMENTAÇÃO  

8. Os factos dados como assentes na decisão recorrida não foram postos em causa. E, de entre eles, destaque-se que não foi contestado o facto de o caderno de encargos do procedimento e o respectivo projecto de execução não terem sido acompanhados por estudos geológicos e geotécnicos.
As questões a elucidar são, assim, de interpretação e de aplicação do Direito.   

II.A - A exigência de estudos geológicos e geotécnicos no Código dos Contratos Públicos

9. Trata-se fundamentalmente de determinar o conteúdo e o alcance da expressão "sempre que tal se revele necessário" que o legislador adoptou na redacção do nº 5 do artigo 43º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro e que, no trecho que importa para a causa, reza assim: " (...) o projecto de execução deve ser acompanhado, sempre que tal se revele necessário (...) [d]os estudos geológicos e geotécnicos".
Em tal determinação deve ter-se presente que a alínea c) do nº 8 do mesmo artigo 43º determina que o "caderno de encargos é nulo quando (...) o projecto de execução nele integrado não esteja acompanhado" dos estudos geológicos e geotécnicos.
Registe-se pois que a lei fere com a mais gravosa forma de invalidade - a nulidade - um caderno de encargos quando, sempre que tal se revele necessário, o projecto de execução nele integrado não esteja acompanhado dos estudos geológicos e geotécnicos.

10. Atenda-se igualmente que, nos termos do nº 7 do já citado artigo 43º, o "conteúdo obrigatório" do programa e do projecto de execução "é fixado por portaria".
E a alínea d) do nº 8 volta a cominar a nulidade do caderno de encargos, quando os "elementos da solução da obra nele integrados não observem o conteúdo obrigatório" previsto na referida portaria. 

II.B - A exigência de estudos geológicos e geotécnicos na regulamentação do Código dos Contratos Públicos  

11. Em cumprimento do referido nº 7 do artigo 43º, a Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho, aprovou o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução.
Impõe-se uma breve análise do que se dispõe neste regulamento, em particular nas instruções que lhe estão anexas.

12. Resulta do disposto nas definições constantes do artigo 1º e no artigo 3º das instruções, quanto às fases do projecto (6), que ao programa preliminar (7), se segue o programa base (8), o estudo prévio (9) ou anteprojecto (10) e o projecto de execução (11).

13. No que respeita à sua sistemática, destaque-se que as instruções se organizam em dois capítulos:
- O primeiro, com disposições gerais em que se consagram as definições e as fases do projecto, a que se fez já alusão, mas também, em especial, nele se definem já as características e os elementos que devem ser tidos em conta, em geral, na elaboração do programa preliminar, do programa base, do estudo prévio, do anteprojecto e do projecto de execução;
- O segundo, com disposições especiais em que se estabelece que, "[a]lém dos elementos referidos no Capítulo I, o Programa preliminar e as diversas fases do Projecto devem conter os elementos especiais constantes" nas várias secções que o integram e que respeitam aos diversos tipos de obras: edifícios, instalações, equipamentos e sistemas em edifícios (águas e esgotos, sistemas eléctricos, sistemas de comunicações, sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado, transporte de pessoas e cargas, segurança integrada, gestão técnica centralizada, condicionamento acústico), pontes, viadutos e passadiços, estradas, caminhos-de-ferro, aeródromos, obras hidráulicas, túneis, abastecimento e tratamento de água, drenagem e tratamento de águas residuais, resíduos urbanos e industriais, obras portuárias e de engenharia costeira, espaços exteriores, produção, transformação, transporte e distribuição de energia eléctrica e redes de comunicações.
De tal sistematização resulta ser evidente uma preocupação em serem abordadas os mais relevantes tipos de obras, susceptíveis de serem desenvolvidas no âmbito dos mercados públicos e, igualmente, um retrato da complexidade e variedade de tais obras.

14. No primeiro capítulo, em matéria de estudos geológicos e geotécnicos, há que reter:
a) Quanto ao programa preliminar, elaborado pelo dono da obra e que desencadeia, como se sabe, a elaboração do projecto, diz-se que "contém (...) elementos topográficos, cartográficos e geotécnicos", "podendo alguns destes ser dispensados consoante a obra a projectar" (12);
b) Quanto ao programa base refere-se que caso "o contrato não especifique outras condições (...) inclui (...)" a "[i]ndicação dos condicionamentos principais relativos à ocupação do terreno, nomeadamente os legais, topográficos, urbanísticos, geotécnicos (...)"e "[i]nformação sobre a necessidade de obtenção de elementos topográficos, geológicos, geotécnicos (...)" (13).

Podemos pois concluir que as disposições gerais para todo o tipo de obras fazem referência genérica a elementos geológicos e geotécnicos e, no programa preliminar, "podendo ser dispensados consoante a obra a realizar".

Vejamos pois o que resulta das disposições especiais do regulamento, para os vários tipos de obras.  

15. No que respeita às exigências que resultam do segundo capítulo daquelas instruções, em matéria de estudos geológicos e geotécnicos, destaque-se que as determinações relativas à realização de estudos geológicos e geotécnicos são muito incisivas e claras nos seguintes casos (14):
a) Pontes, viadutos e passadiços: em que se estabelece que é elemento especial do anteprojecto o estudo geológico e geotécnico, e do projecto de execução, o estudo geológico e geotécnico complementar, quando necessário (15);
b) Estradas: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do estudo prévio, do anteprojecto e do projecto de execução (16);
c) Caminhos-de-ferro: em que se estabelece que é elemento especial do anteprojecto o estudo geológico e geotécnico, e do projecto de execução o estudo geológico e geotécnico complementar, se necessário (17);
d) Aeródromos: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do estudo prévio, do anteprojecto e do projecto de execução (18);
e) Obras hidráulicas: em que se estabelece que os estudos geológicos e geotécnicos são elemento especial do estudo prévio e do anteprojecto (19);
f) Túneis: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do estudo prévio, do anteprojecto e do projecto de execução (20);
g) Abastecimento e tratamento de água: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do projecto de execução (21);
h) Obras portuárias e de engenharia costeira: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do estudo prévio (22).

16. Todavia, as exigências que resultam daquelas instruções em matéria de estudos geológicos e geotécnicos, são menos incisivas nos casos de:
a) Drenagem e tratamento de águas residuais: em que se estabelece que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do anteprojecto, quando aplicável (23);
b) Resíduos urbanos e industriais: em que se estabelece também que o estudo geológico e geotécnico é elemento especial do anteprojecto, quando aplicável (24).

17. Não há, contudo, neste capítulo de disposições especiais, exigências em matéria de estudos geológicos e geotécnicos nos casos de instalações, equipamentos e sistemas em edifícios, espaços exteriores, produção, transformação, transporte e distribuição de energia eléctrica e redes de comunicações.

18. No que diz respeito a edifícios, as determinações que resultam das instruções neste capítulo de disposições especiais, em matéria de estudos geológicos e geotécnicos, são as seguintes:
a) No Programa preliminar a fornecer pelo Dono da Obra, o "reconhecimento geotécnico do terreno nos termos definidos pelo Autor do projecto no Programa base" (25);
b) No Programa base a elaborar pelo Projectista, a "definição e justificação do programa de reconhecimento geotécnico, incluindo as respectivas especificações, necessário ao desenvolvimento dos estudos geológico e geotécnico" (26);
c) No Estudo prévio, a elaborar pelo Projectista, o "relatório com os resultados do reconhecimento geológico do terreno, fornecido pelo Dono da Obra (27);
d) No anteprojecto a elaborar pelo Projectista, o "reconhecimento geológico e o estudo geotécnico, fornecidos pelo Dono da Obra" (28);
e) No projecto de execução, a elaborar pelo Projectista, em geral, os "resultados da análise do reconhecimento geológico e do estudo geotécnico, fornecidos pelo Dono da Obra" (29) e no projecto de escavação e de contenção periférica, a "memória deverá incluir, nomeadamente (...) uma informação geológica e geotécnica (...) (30).

19. Uma análise destas determinações relativas às obras de e em edifícios permite afirmar que:
a) Diferentemente do que resulta das determinações relativas a outras obras, em que sempre se prescreve claramente "estudo geotécnico" e "estudo geológico", neste caso refere-se "reconhecimento geotécnico","reconhecimento geológico","estudo geotécnico", "estudo geológico" e "informação geológica e geotécnica";
b) Há um, pelo menos aparente, anacronismo na determinação referida na alínea a) do número anterior, na medida em que no Programa preliminar a fornecer pelo Dono da Obra, se prevê o "reconhecimento geotécnico do terreno nos termos definidos pelo Autor do projecto no Programa base", quando este surge em momento posterior àquele programa preliminar;
c) Enquanto no Anteprojecto e no Projecto de Execução - que constituem as fases mais desenvolvidas dos projectos - se fala em "reconhecimento geológico e estudo geotécnico" e em "reconhecimento geotécnico e estudo geológico", é no Programa Base, momento anterior àqueles, que expressamente se faz uma referência a "estudos geológico e geotécnico" que devem ser realizados, mas que depois não voltam a ser referidos com esta precisão terminológica. Isto é: prevê-se no Programa base um "programa de reconhecimento geotécnico (...) necessário ao desenvolvimento dos estudos geológico e geotécnico" mas nos documentos posteriores não se prevê, com esta designação, a junção destes estudos (31).
Ainda que se defenda - e é defensável - que "reconhecimento geológico" e "reconhecimento geotécnico" e " estudo geológico"e " estudo geotécnico" são, respectivamente, conceitos idênticos, há-de reconhecer-se, por isso e pelo que de mais se disse, que na secção relativa a "edifícios", o regulamento ou não primou pelo rigor terminológico - o que não aconteceu nas demais secções - ou, reconhecendo-se a extrema variedade que as obras de e em edifícios podem configurar, se pretendeu expressamente não ser excessivamente rigoroso nesta matéria, para que a regulamentação melhor pudesse abarcar a complexidade da realidade. De facto, as obras de e em edifícios podem apresentar uma extrema diversidade e uma complexidade muito diversa: desde a construção de um edifício de pequena dimensão à construção de um grande imóvel; desde a construção de um edifício num terreno onde outro com a mesma dimensão e as mesmas características tenha sido demolido, até à construção de edifícios em terrenos com composição geológica e comportamento geotécnico desconhecido, desde obras de construção de raiz até obras de mera recuperação, de beneficiação ou de adaptação, desde obras que afectam elementos estruturais até obras que incidem sobre elementos secundários... Por exemplo, o conceito de "edificação" no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (32) espelha bem essa diversidade, quando no seu artigo 12º se diz que é -"edificação" a "actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel (...) bem como de qualquer outraconstrução que se incorpore no solo com carácter de permanência". O mesmo sentido se retira do disposto no nº 2 do artigo 343º do CCP onde se considera obra pública "o resultado de quaisquer trabalhos de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou adaptação, conservação, restauro, reparação, reabilitação, beneficiação e demolição de bens imóveis executados por conta de um contraente público".

20. Concluindo esta análise, bem se poderá dizer que:
a) Do regulamento resultam incisivas orientações no sentido de serem realizados estudos geológicos e geotécnicos no que respeita a pontes, viadutos e passadiços, estradas, caminhos-de-ferro, aeródromos, obras hidráulicas, túneis, abastecimento e tratamento de água, obras portuárias e de engenharia costeira;
b) Também se poderá dizer que do regulamento não resulta necessidade de se proceder a tais estudos nos casos de instalações, equipamentos e sistemas em edifícios, espaços exteriores, produção, transformação, transporte e distribuição de energia eléctrica e redes de comunicações;
c) Também resulta que esses estudos são necessários, se aplicáveis, nos casos de drenagem e tratamento de águas residuais e de resíduos urbanos e industriais;
d) Em contraste, não resulta do regulamento uma orientação linear e incisiva sobre que tipo de estudos geológicos e geotécnicos devem ser feitos e a sua imprescindibilidade, no caso de obras de e em edifícios. 

II.C - Conclusões quanto às exigências de estudos geológicos e geotécnicos na lei e no regulamento

21. Quanto ao direito aplicável, no que respeita à exigibilidade de estudos geológicos e geotécnicos, resulta pois, fundamentalmente, o seguinte:

a) Da lei retira-se a indicação de que tais estudos devem acompanhar o caderno de encargos, sempre que tal se revele necessário. Contudo, a mesma lei diz que o caderno de encargos deve seguir o conteúdo obrigatório fixado no regulamento. No caso de o caderno de encargos não respeitar tal conteúdo obrigatório ou aqueles estudos não o acompanharem, sempre que tal se revele necessário, o caderno de encargos é nulo;
b) Do regulamento resultam diferentes níveis de obrigatoriedade para a inclusão daqueles estudos: desde situações em que eles são obrigatórios, até às que o dispensam, passando por situações em que a exigência depende da concreta obra a realizar.

22. Mas não pode ser ignorada a aparente contradição entre a obrigatoriedade legalmente fixada de serem seguidas as determinações do regulamento e a previsão, também fixada na lei, de que os estudos em causa devem ser feitos, sempre que tal se revele necessário

II.D - O exercício de um poder discricionário

23. Ora, considera-se que o legislador ao referir que os estudos devem ser juntos ao caderno de encargos, sempre que tal se revele necessário, está a conferir à Administração um poder discricionário para decidir quanto à sua imprescindibilidade.
Deve reconhecer-se que a lei dá uma margem de apreciação ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir, perante o caso concreto, se é ou não necessário, proceder-se à realização de estudos geológicos e geotécnicos e impor a sua junção ao projecto de execução.
Contudo, um poder discricionário não é um poder arbitrário. "A discricionariedade não dispensa, pois, o agente de procurar uma só solução para o caso: aquela que considere, fundadamente, a melhor do ponto de vista do interesse público" (33).
A margem de apreciação e decisão da Administração está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício dos poderes discricionários, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a actividade administrativa, que constituem a dimensão vinculada no exercício daqueles poderes.
E, como é mais que reafirmado na doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes arbitrários - até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa, devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios - o seu exercício está igualmente, nessa sua dimensão vinculada, também sujeito a controlo jurisdicional.
Assim uma entidade adjudicante, perante o caso concreto, seguindo os critérios fixados pela lei, observando a finalidade da norma e respeitando princípios a que se subordina a actividade administrativa, pode decidir quanto à imprescindibilidade daqueles estudos. E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências que a lei lhe confere.

24. Se não se justifica agora explanar os princípios a que se subordina a actividade administrativa - designadamente o da prossecução do interesse público, o da Boa Administração, o da competência, o da responsabilidade, o da imparcialidade, et caetera - e que devem ser respeitados no exercício do poderes discricionários, impõe-se sobretudo enfatizar o princípio da fundamentação dos actos administrativos, muito especialmente no caso de exercício de poderes discricionários.
Mas convém igualmente explicitar a finalidade da norma que impõe a obrigatoriedade de estudos geológicos e geotécnicos na realização de obras públicas, sempre que tal se revele necessário. Trata-se, como é fácil de ver, de salvaguardar uma boa execução das obras segundo as melhores soluções da "boa construção", salvaguardando-se assim os interesses públicos, designadamente o da segurança, e os específicos interesses financeiros públicos associados aos bons investimentos.
Assim, ao exercer aquele poder discricionário, a Administração deve não só observar os princípios gerais a que se aludiu, e particularmente o da fundamentação, mas também prosseguir esta finalidade. E aos órgãos de controlo jurisdicional - este Tribunal neles incluído - compete avaliar se o exercício daquele poder respeitou a lei.

25. Contudo, neste concreto domínio dos estudos geológicos e geotécnicos que devem acompanhar os projectos de execução de obras públicas, a Administração foi mais longe na vinculação a que submete os seus órgãos e serviços no exercício daquele poder discricionário. De facto, através do regulamento, a Administração auto-vinculou-se: estreitou, em certos casos, a dimensão discricionária da decisão e, noutros casos, alargou-a.
Assim, nos casos referidos acima na alínea a) do nº 20, a dimensão de discricionariedade foi praticamente restringida, estando-se praticamente perante situações de actos auto-vinculados: isto é, só uma fortíssima e clara fundamentação, demonstrando que a finalidade das normas está observada e os princípios respeitados, permitirá naqueles casos ao aplicador administrativo da lei invocar a cláusula constante do nº 5 do artigo 43º: "sempre que tal se revele necessário".
Ao invés, nos casos referidos nas alíneas c) e d) do mesmo nº 20 a margem de discricionariedade foi alargada, devendo o aplicador explicitar também sempre por que não foram realizados os estudos. E nos casos referidos na alínea b), nada impede que, se "se revelar necessário", face aos princípios e às finalidades prosseguidas pelas normas, a entidade adjudicante exija a realização de tais estudos.
E em todos os casos, tratando-se do exercício do poder discricionário, naqueles aspectos vinculados está a acção da Administração sujeita a controlo jurisdicional de apreciação sobre o respeito do Direito.
Face à matéria do presente processo, conclua-se pois que, no caso de obras de e em edifícios, a exigência de realização de estudos geológicos e geotécnicos depende da concreta obra a realizar, devendo a decisão que os dispense, no exercício de um poder discricionário consagrado pela lei, ser fundamentada, respeitar as finalidades da norma e os demais princípios gerais a que se subordina a actividade administrativa. 

II.E - A avaliação do caso concreto: conclusões

26. Voltemos então ao caso concreto que é objecto do recurso e da presente decisão.
É incontestável que a obra em causa se insere no domínio dos "edifícios".
Tal enquadramento, claramente afirmado na decisão recorrida não foi contestado pelo recorrente. O parecer de engenharia junto aos autos também o reafirma.
Mas como acima se defendeu, a redacção da lei e do regulamento que suporta a fixação da disciplina normativa que agora importa seguir e a diversidade de obras que se podem enquadrar nesse domínio, apoiam uma interpretação que aponta para o alargamento da margem de discricionariedade da Administração no estabelecimento de exigências em matéria de estudos geológicos e geotécnicos.
Sublinhe-se que se trata de uma obra de reabilitação e requalificação de uma praia, envolvendo percursos pedonais e a construção de áreas de apoio a banhistas, nomeadamente instalações sanitárias e duches e áreas de apoio à manutenção e um espaço destinado ao Instituto de Socorros a Náufragos.
Relembre-se que na matéria de facto da decisão recorrida, constam as alegações da entidade adjudicante (34) de que "a implantação da obra se localiza numa praia, são conhecidas as características da constituição do solo, pelo que, estes estudos não se mostram necessários à execução da empreitada" e que "(...) a entidade promotora deste investimento considerou desnecessário a elaboração dos referidos estudos por se tratar de uma praia cuja constituição do solo era conhecida à partida e do conhecimento da equipe projectista. Assim, e de acordo com o previsto no projecto de estabilidade, adoptou-se uma solução de laje de fundação calculada para um solo com uma tensão de contacto de 0,10 MPa, ficando salvaguardado que durante a fase das escavações, e caso se confirmassem dúvidas relativamente à natureza do solo em causa, dever-se-ia proceder a ensaios de verificação da sua tensão e posteriormente contactar-se o Projectista para implementar as medidas necessárias".
Retenha-se ainda da petição de recurso que "já existiam construções no solo onde decorreram os trabalhos de execução da empreitada, pelo que a reacção do solo à construção era também já conhecida", e que, portanto, na "empreitada em assunto de "reabilitação e requalificação", tais estudos não se mostram necessários".  

27. Tenha-se igualmente em conta o que é afirmado no parecer técnico de engenharia (35) em que se conclui que "na obra em apreço tendo em atenção o tipo de obra (construção de área de apoio a banhistas), dimensão e conhecimento por parte da equipa projectista do tipo de solo onde foi implantado o edifício e que se veio a confirmar nos trabalhos de escavação, não se revela necessário a elaboração do estudo geológico e geotécnico".

28. Face à interpretação que acima se defendeu para o regime jurídico aplicável, face aos factos apurados, ao parecer técnico de engenharia e à fundamentação apresentada pela entidade pública adjudicante, após questionamento realizado pela Secção Regional do Tribunal de Contas e particularmente já na petição de recurso, considera-se agora que a Administração exerceu, no caso, o poder discricionário que a lei lhe confere, com respeito pelos princípios atinentes a que se devia subordinar aquela decisão e observando a finalidade das normas que exigem a realização de estudos geológicos e geotécnicos, sempre que tal se revele necessário.

29. Não se vê pois fundamento para considerar que neste caso se revelava necessário proceder á realização dos estudos geológicos e geotécnicos. Por isso, considera-se que o caderno de encargos não é nulo. Por isso também, se considera não haver fundamento para recusa do visto.

IV - DECISÃO

30. Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes, em plenário da 1ª Secção, em julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e conceder o visto ao contrato.
31. Alerta-se contudo a entidade adjudicante para, em futuros procedimentos, apresentar sólida e expressa fundamentação, no caso de, no exercício do poder discricionário acima caracterizado, decidir considerar não necessário fazer acompanhar o projecto de execução de estudos geológicos e geotécnicos, nos casos em que resulta do regulamento a sua obrigatoriedade.
32. São devidos emolumentos nos termos do nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de Agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de Abril. 

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (João Figueiredo - Relator) - (António Santos Soares) (Helena Abreu Lopes) - (Helena Ferreira Lopes)

Fui presente - (Procurador Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, e 35/2007, de 13 de Agosto.
(2) Diferentemente do regime anterior, em que o projecto constituía uma peça que servia de base ao procedimento, mas era tratado de forma autónoma relativamente ao programa do concurso e ao caderno de encargos (cfr. n.º 1 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março).
(3) A Portaria n.º 701-H/2008 revogou a Portaria de 27 de Fevereiro de 1972, publicada no Diário do Governo, 2.ª série, n.º 35 (suplemento), de 11 de Fevereiro de 1972, que aprovara as Instruções para o Cálculo dos Honorários Referentes aos Projectos de Obras Públicas.
(4) Cfr. alínea m) do artigo 1.º das Instruções.
(5) Trechos seleccionados sob nossa responsabilidade.
(6) E "projecto" é, nos termos da alínea q) do artigo 1º, o conjunto de documentos escritos e desenhados que definem e caracterizam a concepção funcional, estética e construtiva de uma obra, compreendendo designadamente o projecto de arquitectura e projectos de engenharia.
(7) O "programa preliminar" é o documento fornecido pelo Dono da Obra ao Projectista para definição dos objectivos, características orgânicas e funcionais e condicionamentos financeiros da obra, bem como dos respectivos custos e prazos de execução a observar. Corresponde ao programa previsto no artigo 43º do CCP (vide alínea n) do artigo 1º).
(8) O "programa base" é o documento elaborado pelo Projectista a partir do programa preliminar, resultando da particularização deste (vide alínea m) do artigo 1º).
(9) O "estudo prévio" é o documento elaborado pelo Projectista, depois da aprovação do programa base, visando a opção pela melhor solução, essencialmente no que respeita à concepção geral da obra (vide a alínea j) do artigo 1º).
(10) O "anteprojecto" é o documento elaborado pelo Projectista, correspondente ao desenvolvimento do estudo prévio aprovado pelo Dono da Obra, destinado a estabelecer, em definitivo, as bases a que deve obedecer a continuação do estudo sob a forma de projecto de execução (vide a alínea a) do artigo 1º).
(11) O "projecto de execução" é o documento elaborado pelo Projectista, a partir do estudo prévio ou do anteprojecto aprovado pelo Dono da Obra, destinado a facultar todos os elementos necessários à definição rigorosa dos trabalhos a executar (vide a alínea t) do artigo 1º).
(12) Vide artigo 2º, nº1 alínea d).
(13) Vide artigo 4º nº 2, alíneas c) e g).
(14) Outras determinações existem ainda, mas que não assumem a forma conclusiva como as que se referem de seguida.
(15) Vide artigo 79º alínea i) e artigo 80º alínea t).
(16) Vide artigo 85º alínea i), artigo 86º alínea g) e artigo 87º nº 2 alínea h) e alínea c) do último número.
(17) Vide artigo 93º alínea b) e artigo 94º alínea e).
(18) Vide artigo 111º alínea l), artigo 112º alínea f) e artigo 113º alínea h).
(19) Vide artigo 123º alínea b) e artigo 124º alínea b).
(20) Vide artigo 129º alínea a), artigo 130º alínea a) e artigo 131º alínea a).
(21) Vide artigo 136º alínea c).
(22) Vide artigo 153º alínea e).
(23) Vide artigo 142º alínea b).
(24) Vide artigo 148º alínea c).
(25) Vide alínea d) do artigo 15º.
(26) Vide a alínea f) do artigo 16º.
(27) Vide alínea f) do artigo 17º.
(28) Vide a alínea c) do artigo 18º.
(29) Vide a alínea a) do nº 1 do artigo 19º.
(30) Vide a alínea a) do nº 4 do artigo 19º.
(31) Noutras secções do regulamento também se prevê a realização de "programas de reconhecimento" para posterior realização dos estudos geológicos e geotécnicos, mas depois nas disposições relativas a outras fases do projecto consagram-se expressamente tais estudos (vide as alíneas d) do artigo 129º, p) do artigo 130º, d) do artigo 135º, c) do artigo 136º e as alíneas c) dos artigos 147º e 148º, a título exemplar).
(32) Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, várias vezes alterado, mas republicado em anexo à Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro.
(33) In Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2003, p. 80.
(34) Destaque-se contudo que os fundamentos da decisão de não elaborar os estudos geológicos e geotécnicos só foram explicitados após devolução feita pela Secção Regional do Tribunal de Contas.
(35) Vide acima o nº 6.