ACÓRDÃO Nº 47/2011 - 07/06/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 555/2011 - 1ª SECÇÃO
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
I - RELATÓRIO
A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada celebrado em 18 de Março de 2011, com a empresa "Luseca - Sociedade de Construções, SA", pelo valor de 548.400,92 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "Construção do Polidesportivo coberto e trabalhos complementares na Escola Básica Dr. Vasco Moniz - Vila Franca de Xira".
II - MATÉRIA DE FACTO
Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:
A) Por deliberação da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira de 15 de Dezembro de 2010, foi determinada a abertura de um procedimento por ajuste directo, com fundamento nos artigos 1º, nº1, al. a) e 5º e seguintes, do DL nº 34/2009 de 6 de Fevereiro, com vista à construção de um Polidesportivo coberto e trabalhos complementares na Escola Básica Dr. Vasco Moniz;
B) A deliberação referida na alínea A) refere, além do mais, que o investimento em causa se insere no âmbito da prioridade da modernização do parque escolar;
C) A deliberação referida nas alíneas anteriores foi publicitada no Diário da República, 2ª série, de 19-01-2011;
D) O preço base do procedimento foi de 550.000,00 €;
E) Em 5 de Janeiro de 2011, e através da plataforma electrónica "www.bizgov.pt", foi enviado convite a três empresas, para a presentação de propostas;
F) Foram apresentadas três propostas;
G) Nos termos do ponto 15 do convite, o critério de adjudicação era o do preço mais baixo;
H) A adjudicação foi efectuada através de deliberação da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, de 9 de Fevereiro de 2011;
III - O DIREITO
1. Suscita-se, no presente processo, a questão de saber se o contrato, aqui em apreço, podia ser celebrado na sequência do procedimento de ajuste directo que foi adoptado.
2. Como se disse nas alíneas A) e B) do probatório, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira fundou-se nos artigos 1º, nº1, al. a) e 5º e seguintes do DL nº 34/2009 de 6 de Fevereiro, para deliberar a escolha do procedimento por ajuste directo tendo em vista a construção do Polidesportivo coberto e trabalhos complementares na Escola Básica Dr. Vasco Moniz em Vila Franca de Xira, inserindo-se tal investimento no eixo prioritário relativo à modernização do parque escolar.
Efectivamente, o DL nº34/2009 estabeleceu medidas excepcionais de contratação pública aplicáveis, designadamente, aos procedimentos destinados à formação de contratos de empreitada de obras públicas necessários à modernização do parque escolar.
Nos termos dos seus artigos 1º, nº 2, e 5º, nº 1, para a celebração desses contratos podia ser adoptado um procedimento por ajuste directo quando os contratos fossem de valor inferior ao montante referido na alínea c) do artigo 7º da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março. (1)
Todavia, o nº 2 do artigo 11º, do mesmo diploma legal, na sua primitiva redacção, estabelecia que o procedimento por ajuste directo, nele previsto, era aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos, cuja decisão de contratar fosse tomada até 31 de Dezembro de 2009.
3. O DL nº29/2010, de 1 de Abril, veio, entretanto, introduzir alterações ao referido DL nº 34/2009, a mais relevante das quais incidiu sobre o mencionado artigo 11º, deste diploma legal, daí resultando uma prorrogação do regime excepcional criado pelo mesmo DL nº 34/2009.
Na verdade, de acordo com o artigo 11º, nº1, do citado DL nº 34/2009, na redacção dada pelo DL nº 29/2010 de 1 de Abril, o regime excepcional previsto naquele DL nº 34/2009 seria aplicável aos procedimentos de formação de contratos de empreitada, destinados à modernização do parque escolar, desde que esses contratos fossem de valor inferior ao estabelecido na alínea c) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE e a decisão de contratar fosse tomada até 31 de Dezembro de 2010.
4. Acontece, porém, que, na 1ª série do Diário da República, de 7 de Junho de 2010, foi publicada a Resolução da Assembleia da República nº 52/2010, a qual determinou a cessação da vigência do DL nº 29/2010 de 1 de Abril, bem como a repristinação das normas do DL nº 34/2009, que aquele havia expressamente revogado.
A Resolução, atrás referida, foi proferida nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 169º e do nº5, do artigo 166º, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no âmbito das funções de fiscalização da Assembleia da República, reguladas nos artigos 162º, al. c) e 169º, nº1, da mesma CRP.
Ora, de acordo com o disposto, conjugadamente, nestes últimos normativos constitucionais, a Assembleia da República pode apreciar os decretos-leis, (2) para efeitos de cessação de vigência, ou de alteração, a requerimento de dez deputados, apresentado nos trinta dias subsequentes à sua publicação.
Como referem J. J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em anotação ao artigo 169.º da Constituição, (3) "(...)reconhecendo à AR a supremacia legislativa, a Constituição submete os DLs a um processo de fiscalização parlamentar específico, que pode conduzir à sua imediata cessação, sem que a AR tenha de recorrer ao seu próprio poder legislativo e ao processo próprio das Leis. Para serem válidos e eficazes, os DLs não carecem de confirmação parlamentar; mas ficam transitoriamente sob condição de não utilização por parte da AR do seu poder de alteração ou de cessação de vigência de decretos-leis.".
Referem, ainda, estes autores que os decretos-leis ficam, até ao decurso do prazo para requerimento dessa fiscalização, ou até que se conclua o processo da mesma, (4) em vigência condicionada.
Caso a Assembleia da República aprove a cessação de vigência do decreto-lei, como sucedeu no caso vertente, "o diploma deixará de vigorar desde o dia em que a resolução for publicada no Diário da República", conforme estabelece o nº 4, do artigo 169º da lei fundamental.
A Resolução da Assembleia da República nº 52/2010, que determinou a cessação da vigência do DL nº 29/2010 e repristinou as normas por este revogadas, foi, como vimos, publicada na 1ª série do Diário da República de 7 de Junho de 2010.
Assim, e de acordo com o disposto no citado artigo 169º, nº4, da CRP, o DL nº 29/2010 de 1 de Abril deixou de vigorar, na ordem jurídica, desde 7 de Junho de 2010.
Nesta conformidade, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 11º do DL nº 34/2009 de 6 de Fevereiro, - repristinado com efeitos a partir de 7 de Junho de 2010 - o procedimento de ajuste directo, excepcionalmente permitido para a realização de empreitadas de obras públicas necessárias para a modernização do parque escolar, só era aplicável a procedimentos de formação de contratos públicos cuja decisão de contratar fosse tomada até ao dia 7 de Junho de 2010.
5. De acordo com o artigo 36º do Código dos Contratos Públicos (CCP), o procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar.
No caso presente, tendo em atenção o montante da despesa em causa (548.400,92 €), a decisão de contratar era da competência da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, nos termos do artigo 18º do DL nº 197/99 de 8 de Junho, normativo vigente à data da deliberação que determinou a abertura do procedimento referido na alínea A) do probatório. (5)
A deliberação da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira indicada na alínea A) do probatório, que corporiza a decisão de contratar, foi proferida em 15 de Dezembro de 2010, ou seja, em data posterior à publicação da Resolução da Assembleia da República nº 52/2010.
O procedimento de formação do contrato sub judice teve, pois, início numa data em que a vigência do DL nº 29/2010 havia já cessado, motivo por que não podia aplicar-se o regime jurídico por este estabelecido.
Deste modo, o disposto no artigo 5º, nº 1, do DL nº 34/2009 de 6 de Fevereiro, não pode ser aqui invocado, como permissivo do ajuste directo, uma vez que, nos termos do nº 2, do artigo 11º deste diploma, - repristinado, como vimos, pela Resolução nº 52/2010 - esse procedimento só era aplicável se a decisão de contratar tivesse sido tomada até à publicação da Resolução da Assembleia da República supra referida, o que não sucedeu no caso vertente, como vimos.
No caso em apreço, é aplicável, pois, o regime constante do artigo 19º, al. b), do CCP, de acordo com o qual um contrato, como o presente, no valor de 548.400,92 €, acrescido de IVA, devia ter sido precedido da realização de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação.
Foi, assim, violado este dispositivo legal.
6. Vejamos, de seguida, as consequências legais da violação de lei supra referida.
De acordo com o que expendemos atrás, logo se verifica que não ocorreram os pressupostos legais necessários para que, no caso em apreço, se pudesse adoptar o procedimento por ajuste directo.
Efectivamente, como se disse, face ao valor do contrato, e atento o disposto no artigo 19º, al. b) do CCP, era necessária, no caso vertente, a realização de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação.
Ora, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta desta norma legal que o contrato não podia ter sido celebrado.
A ausência do concurso, quando obrigatório, - como é o caso - implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), como tem sido entendimento pacífico e reiterado deste Tribunal.
Esta nulidade pode ser declarada a todo o tempo e origina a nulidade do contrato, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 1, do Código dos Contratos Públicos.
A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do nº 3, do artigo 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em subsecção, os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em recusar o visto ao contrato.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio.
Lisboa, 7 de Junho de 2011.
Os Juízes Conselheiros
(António M. Santos Soares, relator)
(João Figueiredo)
(Alberto Fernandes Brás)
Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
(António Cluny)
(1) Esse valor era, em 2009, de € 5.150.000,00, nos termos definidos no Regulamento (CE) n.º 1422/2007 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2007, publicado no JOUE, L 317/34, de 5 de Dezembro de 2007. A partir de 1 de Janeiro de 2010, o montante referido passou a ser de € 4.845.000,00, por força do Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE, L 314/64, de 1 de Dezembro de 2009.
(2) Excepto os aprovados no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo.
(3) In "Constituição da República Portuguesa Anotada", ed. Coimbra Editora, 2010.
(4) Em certas condições, que não relevam para o caso, pode estabelecer-se a suspensão da vigência do decreto-lei, enquanto decorre o processo de fiscalização.
(5) O artigo 18º do DL nº 197/99 de 8 de Junho veio a ser revogado pelo artigo 14º do DL nº 40/2011 de 22 de Março.