ACÓRDÃO Nº 45/2011 - 07/06/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 348/2011 - 1ª SECÇÃO
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
I - RELATÓRIO
A empresa "Parque Escolar, EPE" remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada celebrado em 31 de Janeiro de 2011, com a empresa "Mota-Engil - Engenharia e Construção, SA", pelo valor de 1.169.416,66 €, acrescido de IVA, tendo por objecto a "Execução dos trabalhos decorrentes da existência de caneiro não cadastrado, na Zona do Novo Pavilhão Polidesportivo, na Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa".
II - MATÉRIA DE FACTO
Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:
A) Em 25 de Julho de 2008 foi celebrado, entre a empresa "Parque Escolar, EPE" e a empresa "HCI - Construções SA", um contrato de empreitada que tinha por objecto a execução da empreitada de "Estruturas e Fundações no Edifício do Refeitório da Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa";
B) Em 1 de Setembro de 2008 foi celebrado, entre a empresa "Parque Escolar, EPE" e a empresa "Mota-Engil, Engenharia e Construção, SA", um contrato de empreitada tendo por objecto a empreitada de "Obras de Modernização e os Serviços de Manutenção e Conservação previstos na primeira fase do Programa de Modernização do Parque Escolar destinado ao Ensino Secundário, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº1/2007 - Lote 1", na qual se integra a execução do novo pavilhão polidesportivo da Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa;
C) Os trabalhos da empreitada referida na alínea anterior foram consignados em 1 de Outubro de 2008;
D) Durante a execução da empreitada referida na alínea A), foi detectada a existência de um caneiro de grandes dimensões que atravessava toda a zona de implantação do refeitório da Escola Secundária Passos Manuel, tendo-se iniciado, de imediato, estudos com vista à resolução da situação;
E) Em 17 de Dezembro de 2008 foi elaborado um relatório de uma Inspecção Vídeo Robotizada de Condutas Enterradas, por CCTV - Circuito Fechado de Televisão - ao caneiro supra mencionado, onde se descrevia o estado de conservação deste, em diversos pontos do seu traçado;
F) Um troço do caneiro, porque interferia com a execução da empreitada mencionada na alínea A), foi demolido e substituído, com recurso a uma outra empreitada contratada por ajuste directo;
G) Em 30 de Abril de 2010, o Tribunal de Contas concedeu o visto a um contrato de empreitada cujo objecto era a "execução dos trabalhos decorrentes da existência de caneiro não cadastrado, na Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa" contrato este celebrado na sequência do procedimento indicado na alínea anterior;
H) Do mapa de trabalhos e quantidades, relativo às obras do Pavilhão Polidesportivo da Escola Secundária Passos Manuel, - a que se refere o contrato indicado na alínea B) - consta que tais trabalhos se iniciaram em 8 de Junho de 2009 e tinham o terminus previsto para o dia 17 de Março de 2010;
I) No mapa de trabalhos, referido na alínea anterior, estão incluídos os seguintes trabalhos do caneiro:
- Caneiro Norte - de 02-11-2009 a 27-11-2009
- Caneiro Nascente - de 07-09-2009 a 01-10-2009
- Caneiro Interseccção - de 29-12-2009 a 18-01-2010
- Caneiro Antigo (demolição) - de 19-01-2010 a 27-01-2010.
J) Em reunião havida em 18 de Dezembro de 2009, em que estiveram presentes a Fiscalização da Obra e o empreiteiro, foram prestadas as seguintes informações:
"09. 22OUT09: Após análise conjunta com o Projectista, encontra-se em fase de estudo e viabilidade deslocar o trajecto do actual caneiro, que intersecta a estrutura do edifício do polidesportivo, para uma solução que contorne o mesmo.
04 e 12NOV09 e 4, 11 e 18Dez: À data desta reunião, já foram estabilizados os desenhos definidores do novo traçado do caneiro e das respectivas caixas de transição e encontram-se em início de execução. Foi já solicitado ao EMP a apresentação da valorização correspondente à alteração de trajecto do caneiro.".
K) O contrato ora remetido para fiscalização prévia - mencionado supra no RELATÓRIO, deste Acórdão - foi celebrado em 31 de Janeiro de 2011 e precedido de ajuste directo, sem consulta, com invocação do disposto no artigo 24º, nº1, al. c) do Código dos Contratos Públicos (CCP);
L) A escolha do procedimento por ajuste directo, referido na alínea anterior, foi deliberada pelo Conselho de Administração da empresa "Parque Escolar, EPE", em 19 de Julho de 2010;
M) A adjudicação da obra a que se reporta o contrato mencionado na alínea K), foi efectuada por deliberação do Conselho de Administração da empresa "Parque Escolar, EPE", de 19 de Novembro de 2010
N) A consignação da obra referida na alínea anterior ocorreu 30 dias após a data de celebração do contrato e tinha um prazo de execução de 90 dias, após a consignação (Cláusula 4ª do contrato);
O) De acordo com o Caderno de Encargos, a Memória Descritiva e o Mapa de Quantidades, os trabalhos da empreitada a que respeita o contrato indicado no ponto I - RELATÓRIO, consistem em:
- Contenção periférica tipo Munique, da fundação do Polidesportivo,
- Construção de novo caneiro e demolição do antigo,
- Cortina de estacas para a escavação do Polidesportivo,
P) Os trabalhos indicados na alínea anterior reportam-se, na sua maioria, a trabalhos de contenção periférica, representando os trabalhos de demolição e substituição do caneiro, uma parcela pouco expressiva;
Q) Sobre o fundamento para a escolha do procedimento por ajuste directo, informou a "Parque Escolar, EPE" o seguinte:
"... Em 25 de Julho de 2008, foi celebrado entre a Parque Escolar e a Empresa HCI - Construções, S.A., o contrato n.º 08/358/CA/C, cujo objecto se reconduz à execução da Empreitada de "Estruturas e Fundações no Edifício do Refeitório da Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa".
Por outro lado, em 1 de Setembro de 2008, foi celebrado, entre a Parque Escolar e a empresa Mota-Engil, Engenharia e Construção, S.A., o contrato n.º 08/393/CA/C, que tem por objecto a Empreitada de "Obras de Modernização e os Serviços de Manutenção e Conservação previstos na primeira fase do Programa de Modernização do Parque Escolar Destinado ao Ensino Secundário, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 1/2007 - Lote 1", na qual se integra a Escola Secundária Passos Manuel. Os trabalhos desta empreitada foram consignados em 1 de Outubro de 2008.
Durante a execução da empreitada adjudicada à empresa HCI - Construções, S.A., foi detectada a existência de um caneiro de grandes dimensões que atravessava toda a zona de implantação do referido refeitório. De imediato iniciaram-se estudos sobre a forma de resolver esta situação.
O troço de caneiro que interferia com a empreitada adjudicada à empresa HCI foi demolido e substituído, recorrendo a uma outra empreitada, contratada por ajuste directo, ao mesmo empreiteiro.
Os estudos atrás referidos revelaram-se complexos e inconclusivos no que respeita a interferências com a construção do novo pavilhão polidesportivo, previamente à escavação deste. Durante a escavação para a execução do pavilhão, constatou-se, sem que nada o pudesse prever, que o traçado do caneiro efectivamente passava pela zona de implantação do mesmo. Verificou-se também, naquela data, que o mesmo colidia planimetricamente e altimetricamente com a obra a executar, o que impossibilitava manter a sua existência sem qualquer tipo de intervenção, revelando-se necessária a sua demolição.
Foram, assim, desenvolvidos, os projectos necessários para instalação do novo caneiro, de modo a garantir o escoamento de águas afluentes e o acesso ao quartel da GNR, contíguo à escola, entre o edifício principal desta e as obras anteriormente referidas, tendo sempre em consideração o troço já construído a jusante, bem como os trabalhos em curso para a construção do novo polidesportivo. De entre os trabalhos que se tornaram necessários para colmatar esta situação imprevista, destacam-se, para além da construção do novo caneiro e da demolição do antigo, a execução da contenção da escavação para execução das fundações e paredes enterradas do polidesportivo, cujo processo de execução teve de ser alterado, de modo a permitir a execução do novo caneiro e de modo a garantir o acesso ao quartel da GNR e a estabilidade da fachada do edifício principal da escola, classificado pelo IGESPAR.
Paralelamente, importa referir que do projecto de execução do novo pavilhão polidesportivo constava uma zona que necessitava da execução do novo pavilhão polidesportivo, constava uma zona que necessitava da execução de uma campanha de sondagens geotécnicas complementares para caracterizar o muro adjacente ao referido pavilhão - muro este de grande altura mas cujas restantes características (constituição, espessura, fundações, etc.) se desconheciam - campanha essa que seria constituída por furos sub-horizontais e poços, numa zona que estava em utilização como campo desportivo pelas aulas de educação física de escola. A realização destas sondagens inviabiliza a continuação do leccionamento das referidas aulas, pelo que, após as aulas de educação física terem sido transferidas para fora do recinto escolar, executaram-se as referidas sondagens que permitiram desenvolver o projecto de contenção nesta zona. De referir, ainda, que a existência do caneiro nas condições, entretanto, descobertas condicionou igualmente a solução adoptada.
Devido à urgência imperiosa na execução destes trabalhos, os quais resultam clara e inequivocamente de circunstâncias imprevistas que não são imputáveis ao empreiteiro e se consideram indispensáveis para a prossecução dos restantes trabalhos contratados, não era possível aguardar pelos prazos necessários para o lançamento de um procedimento. Tudo isto para evitar os graves e sérios atrasos na empreitada e consequentemente na abertura do ano lectivo que necessariamente iriam ocorrer e que, naturalmente, iriam implicar o pagamento de indemnizações por suspensões de trabalhos completas daquela zona da obra (todos os trabalhos teriam de ser suspendidos) e uma grave lesão do interesse público.
Assim, tendo em conta a implantação dos trabalhos relacionados com a relocalização do caneiro e os factos acima descritos, os trabalhos tiveram de ser executados pelo Empreiteiro encarregue da execução do novo pavilhão polidesportivo. Também a existência da maior parte dos meios já mobilizados para a execução do referido pavilhão aconselhou à referida opção assim como o facto de o Empreiteiro ser reconhecidamente habilitado para a execução deste tipo de trabalhos.
Tendo em conta a complexidade do projecto e a sua interligação com o projecto de estrutura e fundações do polidesportivo, o projecto do caneiro sofreu diversas adaptações com vista a obter a melhor solução técnica e económica. Assim, à semelhança do que já havia ocorrido no que respeita ao caneiro executado na zona do novo refeitório, os trabalhos foram desenvolvidos com o devido acompanhamento da Fiscalização da obra, tendo-se apurado as quantidades de trabalho durante a sua execução e calculados os custos no final dos trabalhos, sempre que possível utilizando preços contratuais da empreitada. Por facilidade de apresentação os orçamentos acabaram por ser apresentados pelo Empreiteiro com formato idêntico aos trabalhos a mais e a menos da Empreitada "Obras de Modernização e os Serviços de Manutenção e Conservação previstos na primeira fase do Programa de Modernização do Parque Escolar Destinado ao Ensino Secundário, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 1/2007 - Lote 1" conforme constam em anexo, estando separados em três partes, a saber: "Caneiro - Polidesportivo", "Contenção tipo Munique - Polidesportivo" e "Contenção tipo Cortina de Estacas - Polidesportivo".
A Fiscalização da obra analisou e pronunciou-se favoravelmente relativamente às quantidades e preços unitários apresentados pelo Empreiteiro para a execução dos trabalhos em questão, totalizando 1 169 416,66 €, havendo nesta data condições para formalizar a contratação destes trabalhos.
Tendo em consideração o anteriormente exposto e a existência de procedimento similar para o primeiro troço do caneiro, propõe-se a contratação por Ajuste Directo à empresa Mota - Engil, Engenharia e Construção, S.A. e o lançamento do respectivo procedimento para a "Execução dos Trabalhos Decorrentes da Existência de Caneiro não Cadastrado na Zona do Novo Pavilhão Polidesportivo, na Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa", no valor total de 1 169 416,66 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 24 do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro de acordo com o processo (Convite e Caderno de Encargos) em anexo."
R) Questionada a empresa "Parque Escolar, EPE" para que esclarecesse por que motivo não havia sido, desde logo, efectuado um estudo tendo por objectivo o conhecimento da dimensão e trajecto (início e fim) do caneiro encontrado aquando da realização da empreitada de execução do novo refeitório da Escola Secundária Passos Manuel, veio a dita empresa dizer o seguinte: (1)
"...1. Esclarece-se que o estudo foi efectuado após ter sido identificado o caneiro, tendo sido executada uma inspecção de vídeo com câmara dirigível acompanhada de topografia, o que permitiu obter aproximadamente o traçado altimétrico e planimétrico do troço principal do caneiro, bem como o seu estado de conservação. Com base nestes dados e nas restantes condicionantes locais começaram a ser desenvolvidas as abordagens possíveis para a execução do pavilhão polidesportivo, bem como a solução para o próprio caneiro. No entanto, apenas foi possível aferir com pormenor o traçado principal do caneiro, bem como as suas ramificações (condutas afluentes de grande diâmetro) aquando da escavação do polidesportivo. Refira-se também que o caneiro atravessava a única zona disponível na escola para as aulas de educação física que se puderam manter em funcionamento neste local até ao inicio da escavação do polidesportivo, o que inviabilizou a execução de qualquer tipo de sondagem vertical para aferir dados mais concretos sobre o caneiro...".
S) O consórcio responsável pela fiscalização da obra informou este Tribunal, em 12 de Maio de 2011, que as obras referentes ao caneiro não cadastrado, na zona do Novo Pavilhão Polidesportivo, na Escola Secundária Passos Manuel, tiveram início em Novembro de 2009 e conclusão em Janeiro de 2010.
III - O DIREITO
1. De harmonia com o disposto no artigo 16º, nº1, do Código dos Contratos públicos (CCP), para a formação de contratos, cujo objecto abranja prestações que estão ou sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adoptar um dos seguintes tipos de procedimentos:
a) O Ajuste directo;
b) O Concurso público;
c) O Concurso limitado por prévia qualificação;
d) O Procedimento por negociação;
e) O Diálogo concorrencial.
Como já era entendido por vários autores (2) e por este Tribunal, (3) antes do actual Código dos Contratos Públicos, o concurso público era o regime regra da escolha do co-contratante particular, na realização de despesas públicas em geral e na contratação de serviços em particular (artigo 183º do Código do Procedimento Administrativo - CPA (4)), por ser a melhor forma de promover a concorrência e de observar os demais princípios que regiam a contratação pública, consagrados nos artigos 7º a 15º do DL nº 197/99 de 8 de Junho, aplicáveis às empreitadas de obras públicas ex vi do artigo 4º, nº1, al. a) deste diploma legal. (5)
Outra regra básica era a estabelecida no artigo 48º, nºs 1 e 2 do DL nº 59/99 de 2 de Março, (6) onde se definia o procedimento pré-contratual a adoptar, em função do valor estimado do contrato.
O ajuste directo, ao abrigo do disposto no artigo 136º do mesmo diploma legal - fosse qual fosse o valor estimado do contrato - assumia-se, assim, como uma excepção a essas regras.
E, por se tratar de um excepção à regra geral, a lei, quando o admitia, rodeava-o de fortes condicionalismos e submetia-o a apertados requisitos.
Assim é que, de acordo com o disposto no citado artigo 136º, nº1, al. c), do dito DL nº 59/99, o ajuste directo podia ter lugar, independentemente do valor estimado do contrato, na medida do estritamente necessário quando, por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pelo dono da obra, não pudessem ser cumpridos os prazos exigidos pelos concursos público, limitado ou por negociação, desde que as circunstâncias invocadas não fossem, em caso algum, imputáveis ao dono da obra.
2. O actual Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008 de 29 de Janeiro, (7) manteve, no essencial, as regras acabadas de enunciar, no que concerne à adopção do concurso público e do procedimento por ajuste directo, tendentes à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas.
Efectivamente, com a entrada em vigor do actual Código dos Contratos Públicos (CCP), e sem prejuízo do disposto nos capítulos III e IV, do seu Título I, a escolha dos procedimentos de ajuste directo, de concurso público ou de concurso limitado com prévia qualificação, condiciona o valor do contrato a celebrar, nos termos do disposto nos artigos 18º e seguintes.
Assim, e de acordo com o disposto no artigo 19º, nº1, al. a) do CCP, no caso de contratos de empreitada de obras públicas, a escolha do ajuste directo só permite a celebração de contratos de valor inferior a € 150.000, ou, caso a entidade adjudicante seja o Banco de Portugal ou uma das indicadas no nº2, do artigo 2º, de valor inferior a 1.000.000 €.
Na verdade, dispõe o artigo 19º do CCP:
Artigo 19º
Escolha do procedimento de formação de contratos de empreitada de obras públicas
No caso de contratos de empreitada de obras públicas:
a) A escolha do ajuste directo só permite a celebração de contratos de valor inferior a € 150.000 ou, caso a entidade adjudicante seja o Banco de Portugal ou uma das referidas no nº2 do artigo 2º, de valor inferior a € 1.000.000.
b) A escolha do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação permite a celebração de contratos de qualquer valor, excepto quando os respectivos anúncios não sejam publicados no Jornal Oficial da União Europeia, caso em que só permite a celebração de contratos de valor inferior ao referido na alinea c) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março. (8)
Por outro lado, no que concerne à escolha do ajuste directo, para a celebração de quaisquer contratos, importa atentar ainda - no que interessa ao presente caso - no disposto no artigo 24º, nº1, al. c), do CCP:
Artigo 24º
Escolha do ajuste directo para a formação de quaisquer contratos
1 - Qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando:
..................................................................................
c) Na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante;
..................................................................................
3. No caso vertente, acontece que a empresa "Parque Escolar, EPE" adoptou o procedimento por ajuste directo, invocando o disposto na al. c), do nº1, do citado artigo 24º, do CCP, atrás transcrita.
Ora, tendo em conta o disposto na alínea c), do nº1, deste artigo 24º do CCP, o contrato de empreitada de obras públicas pode ser precedido de um procedimento por ajuste directo, quando, na medida do estritamente necessário, e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.
Ou seja, para que se possam ter por preenchidos os pressupostos necessários para a escolha do procedimento por ajuste directo, - no que concerne a empreitadas de obras públicas - exige este normativo a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- Que o procedimento por ajuste directo seja utilizado na medida do estritamente necessário;
- Que tal procedimento seja escolhido por motivos de urgência imperiosa;
- Que esta urgência imperiosa resulte de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante;
- Que a urgência imperiosa tenha por consequência a impossibilidade de cumprimento dos prazos inerentes aos demais procedimentos;
- Que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.
Como é jurisprudência pacífica deste Tribunal (9) - não basta a ocorrência de uma qualquer urgência para se poder recorrer ao ajuste directo.
Exige-se que a urgência seja imperiosa, isto é, uma urgência categórica, imposta por uma situação a que não possa deixar de se acorrer com toda a celeridade.
Trata-se, pois, de uma situação de urgência impreterível, significando-se com isto que a prestação não pode ser "adiada", sob pena de não ser mais possível realizá-la, ou que a sua não realização imediata venha a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.
Para além disto, exige-se que tal urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis.
Por "acontecimentos imprevisíveis", relevantes para efeitos da previsão da al. c) do nº1, do artigo 24º do CCP, devem entender-se as situações que surgem de forma inopinada e que um normal decisor, colocado na posição de um real decisor, não seja capaz de prever e de prevenir.
4. Ora, como resulta da matéria de facto dada por assente, na situação sub judice, para a adopção do procedimento por ajuste directo, por motivos de urgência imperiosa, resultante de acontecimentos imprevisíveis, a empresa "Parque Escolar, EPE" invocou as razões constantes da alínea Q) do probatório.
Entre as razões invocadas, avultam as seguintes:
- Durante a execução da empreitada adjudicada à empresa "HCI Construções, SA" - contrato referido na alínea A) do probatório - "foi detectada a existência de um caneiro de grandes dimensões que atravessava toda a zona de implantação do refeitório da Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa".
Tal caneiro veio a ser demolido e substituído, com recurso a uma outra empreitada, contratada por ajuste directo.
- Durante a escavação efectuada no decurso das obras do novo Pavilhão Polidesportivo da mesma Escola Secundária Passos Manuel - obras integradas no âmbito do contrato de empreitada mencionado na alínea B) do probatório - constatou-se, "sem que nada o pudesse prever", que o traçado do caneiro passava pela zona de implantação do novo pavilhão, situação que condicionou as obras a realizar e a solução a adoptar.
- Por isso, "devido à urgência imperiosa na execução destes trabalhos, os quais resultam clara e inequivocamente de circunstâncias imprevistas, que não são imputáveis ao empreiteiro e se consideram indispensáveis para a prossecução dos restantes trabalhos contratados, não era possível aguardar pelos prazos necessários para o lançamento de um procedimento.".
4. 1. Como é manifesto, as razões apresentadas não procedem.
Efectivamente, para a existência de urgência imperiosa, foi convocado o súbito aparecimento do caneiro durante as obras do Pavilhão Polidesportivo.
Ora, para que ocorra uma situação de urgência imperiosa, necessário é, como se disse atrás, que se trate de uma urgência categórica, imposta por uma situação a que não pode deixar de se acorrer com toda a celeridade, para evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação.
No caso vertente, porém, a situação não se reveste desta característica, por não se evidenciar qualquer caso de risco iminente de dano irreparável ou de difícil reparação, embora, quanto à questão do caneiro, devesse ser equacionada a solução mais adequada.
Por outro lado, além de não se tratar de uma situação de urgência imperiosa, o certo é que a mesma não resultava de acontecimentos imprevisíveis.
Na verdade, a existência do caneiro havia sido detectada durante a execução da empreitada referida na alínea A) do probatório, ou seja da empreitada de estruturas e fundações do Refeitório da Escola (vide a matéria de facto assente na alínea D) do probatório).
Além disso, a existência do caneiro - bem como o seu estado de conservação e o seu traçado - era uma situação conhecida sobejamente pois que, inclusivamente, havia sido descrita num Relatório de uma Inspecção Vídeo Robotizada, por circuito fechado de televisão, elaborado em 17 de Dezembro de 2008 (vide a matéria de facto assente na alínea E) do probatório).
Aliás, devido ao surgimento do caneiro, aquando das obras relativas ao Refeitório da Escola, já a sua substituição havia sido objecto de uma empreitada contratada por ajuste directo (vide a matéria de facto da alínea F) do probatório).
Deste modo, nunca se poderia invocar a existência de um caneiro não cadastrado, constatada durante as obras do Pavilhão Polidesportivo da Escola, para a celebração do presente contrato, pelo simples facto de tal caneiro ser conhecido há muito.
Por isso é que a existência do caneiro não constitui, como é óbvio, nenhuma circunstância imprevista, com a qual um decisor normalmente diligente não pudesse contar.
Nesta conformidade, não se mostra ter existido o fundamento invocado para a adopção do ajuste directo, a preceder o contrato aqui em causa.
4. 2. Mas a celebração do contrato submetido a fiscalização prévia deste Tribunal, para além da ilegal utilização do procedimento por ajuste directo, consubstancia uma situação que deve ter, ainda, um outro tratamento jurídico.
Na verdade, conforme resulta da matéria de facto dada por assente na alínea S) do probatório, as obras relativas ao caneiro, na zona do novo Pavilhão Polidesportivo da Escola, tiveram início em Novembro de 2009 e terminaram em Janeiro de 2010.
Isto significa que o presente contrato foi celebrado - recorde-se que a celebração do contrato ocorreu em 31 de Janeiro de 2011 - com vista a executar uma empreitada cujas obras já estavam concluídas e sem que houvesse quaisquer outras obras a realizar, no seu âmbito.
Deste modo, o contrato celebrado - e aqui em causa - tipifica um negócio jurídico com um objecto fisicamente impossível.
Ora, a impossibilidade física do objecto de um negócio jurídico, torna esse negócio jurídico nulo, atento o disposto no artigo 280º, nº1, do Código Civil.
5. Do que se disse acima decorre, por um lado, que, no caso em apreço, foi ilegalmente adoptado o procedimento por ajuste directo.
Ademais, face ao valor do contrato, e atento o disposto no artigo 20º, nº1, al. b) do CCP, era necessária, no caso vertente, a realização de um concurso público ou de um concurso limitado por prévia qualificação.
Ora, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta desta norma legal que o contrato não podia ter sido celebrado.
A ausência do concurso, quando obrigatório, - como é o caso - implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), como tem sido entendimento pacífico e reiterado deste Tribunal.
Esta nulidade, por seu turno, origina a nulidade do contrato, nos termos do disposto no artigo 284º, nº 2, do Código dos Contratos Públicos.
5. 1. Por outro lado, o contrato aqui em causa tem um objecto fisicamente impossível, uma vez que as obras que, através do mesmo, se visam realizar, estavam há muito concluídas.
A impossibilidade física do objecto de um negócio jurídico, como se deixou referido atrás, torna o mesmo nulo, de acordo com o normativo do Código Civil supra indicado.
5. 2. A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a), do nº 3, do artigo 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
6. As circunstâncias em que se desenvolveu o procedimento que antecedeu o presente contrato, bem como as vicissitudes que se verificaram quer antes da celebração do mesmo, quer com a sua própria outorga, quer ainda relacionadas com a sua remessa a este Tribunal, carecem de ser apuradas, em processo próprio, uma vez que se indicia terem sido praticadas infracções previstas e puníveis pelos artigos 65º, nº1, als. b) e h) e 66º, nº1, al. f) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.
IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em subsecção, os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas:
1- Recusar o visto ao contrato.
2 - Ordenar a remessa do processo ao Departamento de Controlo Concomitante, logo que transitada esta decisão, para a realização de uma auditoria de fiscalização concomitante à empresa "Parque Escolar, EPE", no âmbito da empreitada aqui em causa.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio.
Lisboa, 7 de Junho de 2011.
Os Juízes Conselheiros
(António M. Santos Soares, relator)
(João Figueiredo)
(Alberto Fernandes Brás)
Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
(António Cluny)