ACÓRDÃO Nº43 /2011-7.JUN-1ª S/SS
PROCESSO Nº 331/2011
I - OS FACTOS
1. A Câmara Municipal da Azambuja (doravante designada por CMA ou por CM) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada relativo ao "Centro Escolar de Vila Nova da Rainha", celebrado entre o Município de Azambuja e a empresa "Nogueira e Matias, Lda.", em 10 de Fevereiro de 2011, pelo valor de 979 757,26 €, ao qual acresce o correspondente valor em IVA, à taxa legal aplicável.
2. Para além dos factos referidos no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes que constam do processo:
a) A adjudicação foi precedida de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e dos artigos 155.º e seguintes, do CCP (1);
b) A abertura do concurso público urgente foi autorizada, por despacho do presidente da CM de 23 de agosto de 2010, ratificado por posterior deliberação do executivo municipal (2);
c) O anúncio de concurso público urgente foi enviado e publicado no D.R. n.º 229, II Série, em 26 de agosto de 2010;
d) O prazo de execução da obra é de 360 dias;
e) O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço (3);
f) O financiamento comunitário foi objeto de decisão favorável da CM à apresentação de candidatura em 17 de agosto de 2010 (4), aprovado em 27 de outubro de 2010 (5) e consta de contrato de financiamento (6) celebrado em 7 de janeiro de 2011;
g) No anúncio do procedimento foi fixado um prazo de apresentação das propostas de 5 dias, a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação;
h) Contudo, no n.º 1 do art.º 10.º do programa do procedimento, estabelecia-se que "[a]proposta pode ser entregue, até ao 5.º dia a contar da data do envio do anúncio, desde que estes decorram integralmente em dias úteis". E no nº 2 dispunha-se que "[n]ão serão admitidas, em caso algum, as Propostas entregues depois de terminado o prazo fixado no n.º 1";
i) Doze concorrentes apresentaram propostas, tendo sido excluída uma;
j) A proposta adjudicatária está datada de 2 de setembro de 2010;
k) Em 7 de Dezembro de 2010 foi feita a adjudicação (7);
l) A consignação ocorreu em 2 de março de 2011 (8);
m) Tendo-se questionado a CMA para que justificasse qual o fundamento da urgência para a adopção da modalidade de concurso público urgente, veio (9) aquela entidade adjudicante informar o seguinte:
"A adopção da modalidade de concurso público urgente utilizada teve por base a necessidade de agilizar os procedimentos de natureza administrativa relacionados com a respectiva adjudicação de forma a garantir o indispensável financiamento das obras através dos fundos do QREN estando em causa o aproveitamento da circunstância excepcional de existir um co-financiamento no âmbito dos POR de 80% sobre o valor elegível dos projectos (no âmbito do Memorando de Entendimento assinado entre o Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento e a ANMP), cujo âmbito de vigência poderia cessar a todo o tempo, voltando-se a um co-financiamento de 60%, o que resultaria numa grande perda para o município e para a sustentabilidade financeira da obra.
Ateste-se, ainda, para o prejuízo que poderia decorrer para o município no caso do não cumprimento de determinadas taxas de execução do QREN, podendo o mesmo ficar excluído da utilização de fundos comunitários. A situação é tanto mais grave quanto a exclusão da utilização de fundos do QREN se iria reflectir em todos os municípios que integram a respectiva Comunidade Intermunicipal.
Por fim, há que ter em conta o interesse nacional dos fundos do QREN, que, no caso de não serem rapidamente aproveitados, poderão ter que ser devolvidos à União Europeia";
l) Quanto às razões justificativas da fixação de um prazo de cinco dias para apresentação de propostas, a CMA veio dizer o seguinte (10):
"A opção pela modalidade de concurso público urgente com a fixação de um prazo de cinco dias (superior ao mínimo legal) para entrega de propostas, prendeu-se com a necessidade de agilizar os procedimentos necessários à adjudicação dos trabalhos em causa, por forma a aproveitar o regime de excepção que viabilizava o co-financiamento de 80% do valor elegível dos projectos candidatados ao POR (no âmbito do Memorando de Entendimento assinado entre o Ministério da Economia, Inovação e Desenvolvimento e a ANMP).
Por outro lado, o elevado número de propostas apresentadas (12) parece confirmar que a adopção do prazo fixado no âmbito do disposto no n.º 2 do art.º 63 do CCP não terá sido desadequado, garantindo o respeito pelos princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade previstos no art.º 1.º, n.º 4 do citado diploma.
A suportar esta justificação foi junto um excerto da acta n.º 6/2010, do Conselho Executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, do dia 24 de Junho de 2010, onde se diz que "(...) as Operações a candidatar devem demonstrar um grau de maturidade adequado comprovado pela apresentação de (...) Publicitação de Aviso de Concurso e/ou envio de convites (...)" e que "(...) apenas será assegurada a taxa máxima de co-financiamento de 80%, para as Candidaturas submetidas até 30 de Setembro de 2010 e aprovadas até 31 de Dezembro de 2010 (...)";
n) Na formação do contrato sub judicio, deve atender-se aos seguintes marcos temporais:
- Reunião do Conselho Executivo da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, em 24 de Junho de 2010, em que se explicitam condições mais favoráveis para obtenção de financiamento comunitário;
- Decisão da CM relativa à apresentação de candidatura ao financiamento comunitário tomada em 17 de agosto de 2010;
- Decisão de abertura do procedimento em 23 de agosto de 2010;
- Data de submissão da candidatura ao financiamento comunitário, em 29 de setembro de 2010;
- Anúncio enviado e publicado em 26 de agosto de 2010;
- Fim do prazo de apresentação de propostas: 1 de setembro de 2011;
- Deliberação de adjudicação em 7 de Dezembro de 2010;
- Contrato celebrado em 10 de fevereiro de 2011;
- Remessa do contrato para visto no dia 23 de Fevereiro de 2011;
- Consignação efetuada em 2 de Março de 2011.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.A - A formação do contrato mediante concurso público urgente
3. Estabelecia o nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho:
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço."
4. Como se sabe, nos artigos 155.º e seguintes do CCP, estabelece-se um procedimento de concurso público urgente para, em caso de urgência, se proceder à celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente.
Entendeu o legislador alargar a possibilidade de se recorrer ao mesmo procedimento, para a celebração de contratos de empreitada, durante a vigência do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, desde que se verificassem os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do seu artigo 52º, agora transcrito.
O recurso a esta possibilidade pressupõe, naturalmente, face ao disposto no artigo 155º do CCP, que se esteja em caso de urgência.
5. Tenha-se ainda presente que o artigo 157º do CCP estabelece que o anúncio do concurso público urgente deve seguir modelo a aprovar por portaria e que o programa do concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio.
Relembre-se ainda que o artigo 158º do mesmo código dispõe que o prazo mínimo para apresentação de propostas é de 24 horas.
Estes dois aspectos do regime aplicável ao concurso público urgente, que agora se relevam, permitem sublinhar a prudência com que aquele regime deve ser usado no caso de formação de contratos de empreitadas de obras públicas, como sucede no caso sub judicio.
Nestas situações, a integração do programa do concurso e do caderno de encargos no anúncio é uma solução impensável, dada a dimensão destas peças documentais. Daí que os serviços públicos, como aconteceu no presente caso, tenham adoptado a solução de remissão dessa informação para as plataformas eletrónicas. Contudo, como abaixo se verá, a propósito do prazo para apresentação de propostas e da sua contagem, neste procedimento, esta remissão para os documentos constantes da plataforma pode ter perturbado a observância do princípio da concorrência.
Também a definição do prazo para apresentação de propostas deve ser particularmente acautelada, tendo presente que, no concurso público, o prazo mínimo admitido por lei é o de nove dias para os casos de patente simplicidade dos trabalhos a executar.
Em conclusão: tendo a lei admitido a aplicação deste procedimento à formação de contratos de empreitadas de obras públicas, tal aplicação deve ser feita com as adaptações e a prudência necessárias, com respeito do regime legal e dos princípios fundamentais que o enformam.
6. Analisado o processo, conclui-se que os pressupostos fixados nas alíneas b) e c) do nº 2 do citado e transcrito artigo 52º se encontram verificados: trata-se de um projeto cujo valor é inferior ao limiar que releva no caso, e o critério de adjudicação foi o do mais baixo preço.
7. Todavia, em rigor, o pressuposto fixado na alínea a) da referida disposição legal não se verificava à data da abertura do procedimento.
Efetivamente, a lei exige como pressuposto de abertura de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada que o projecto tenha o financiamento assegurado.
Ora, os atos relativos ao início do procedimento foram praticados em data anterior ao da aprovação da candidatura a financiamento comunitário (11).
Contudo, deve reconhecer-se e, face ao direito aplicável, como este tribunal inúmeras vezes tem feito, valorizar-se positivamente o facto de a aprovação do financiamento comunitário já estar assegurada.
Pode pois considerar-se que os pressupostos fixados no nº 2 do citado e transcrito artigo 52º se encontram verificados.
8. Verificados os pressupostos do citado artigo 52º, impõe-se saber se se estava perante um caso de urgência.
Efetivamente, a verificação dos pressupostos fixados no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, não constitui por si só fundamento suficiente para a adoção do procedimento de concurso público urgente para a formação de contratos de empreitada. Deve entender-se que foi intenção do legislador que, verificados aqueles pressupostos, e havendo urgência, podiam as entidades adjudicantes fazer uso daquele tipo de procedimento em empreitadas.
Para demonstrar a urgência necessária para adoção de concurso público urgente na formação do presente contrato, alegou a CMA que era necessário "garantir o indispensável financiamento das obras através dos fundos do QREN estando em causa o aproveitamento da circunstância excepcional de existir um co-financiamento no âmbito dos POR de 80% sobre o valor elegível dos projectos", apelando ainda " para o prejuízo que poderia decorrer para o município no caso do não cumprimento de determinadas taxas de execução do QREN, podendo o mesmo ficar excluído da utilização de fundos comunitários" com reflexo em todos os municípios que integram a respectiva Comunidade Intermunicipal".
Embora a CMA não o tenha feito, poderemos ainda ter em conta o que foi alegado por ela para responder a outra questão, quando juntou documento da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo onde se leu que "as Operações a candidatar devem demonstrar um grau de maturidade adequado comprovado pela apresentação de (...) Publicitação de Aviso de Concurso e/ou envio de convites (...)" e que "(...) apenas será assegurada a taxa máxima de co-financiamento de 80%, para as Candidaturas submetidas até 30 de Setembro de 2010 e aprovadas até 31 de Dezembro de 2010".
Perante tais alegações poderemos concluir que, a partir de 24 de junho de 2010, a CMA passou a saber que poderia usufruir de maior comparticipação de fundos comunitários (80%) para candidaturas submetidas até 30 de setembro de 2010 e aprovadas até 31 de dezembro de 2010 e desde que se comprovasse maturidade do projeto, designadamente pela apresentação de publicitação de aviso de concurso.
Ora, perante tais datas, pode considerar-se que para obtenção daquelas vantagens seria muito arriscada a adoção de concurso público não urgente.
Pode pois concluir-se que estava a CMA perante uma situação de urgência que permitia adotar o procedimento de concurso público urgente para a formação do contrato de empreitada.
Mas, próximas destas questões, outras se suscitam no processo. Continuemos, pois, na sua análise.
II.B - O prazo para apresentação de propostas no concurso público urgente
9. Foi fixado um prazo de cinco dias para apresentação de propostas.
Relembre-se que se trata de um concurso para adjudicação de uma empreitada cujo valor é de quase um milhão de euros. Tenha-se em conta que o prazo de execução da obra é de 360 dias. É pois uma obra de dimensão considerável.
10. Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que, para a formação de um contrato, com estas características, suportando uma obra com estas dimensões, se estabeleça um prazo de cinco dias para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado programa, a um projecto de execução, lista de todas as espécies de trabalhos e mapa de quantidades? E refira-se que, no caso, estas lista e mapa apresentam alguma complexidade, com desenvolvida pormenorização dos elementos de execução da obra.
Relembre-se que o CCP exige, no concurso público, em casos de manifesta simplicidade - o que obviamente não é o caso - um prazo de, pelo menos, nove dias.
Dir-se-á: a lei admite que o prazo mínimo nos concursos urgentes seja de 24 horas.
É verdade que a lei estabeleceu aquele prazo. Contudo, a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo, mas também as necessárias condições de observância de outras disposições legais e dos princípios básicos da contratação pública. Designadamente, os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (12).
Parece ser evidente que, no caso de empreitadas de obras públicas, sobretudo com esta dimensão física e financeira, não é razoável admitir que num prazo de cinco dias para apresentação de propostas estejam asseguradas condições de efetiva igualdade e de leal concorrência entre os potenciais interessados em apresentar propostas. E não estão certamente asseguradas condições de transparência na condução do procedimento.
11. Mas atente-se noutro aspeto fundamental: parece ser evidente que para uma correcta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos e, sobretudo, para que não surjam sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é manifestamente insuficiente.
Faz sentido perguntar: alguém, gerindo recursos financeiros próprios, admitiria adjudicar e realizar uma obra com aqueles montantes e aqueles prazos de execução, exigindo a apresentação de propostas em cinco dias? Pensa-se que ninguém o admitiria.
Ficaria tranquilo com as propostas que iria receber? Seria sensato fazê-lo? Pensa-se que não.
Então, como admitir esses factos na gestão financeira e patrimonial públicas?
Não é admissível.
Como que secundando este entendimento, o legislador - em momento posterior ao do presente procedimento, é certo - veio a dizer no nº 6 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 29-A/2011, de 1 de março, que neste concurso públicos urgentes para a formação de contratos de empreitada, "é aplicável o prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas".
12. Nesta linha, relembre-se o que dispõe o CCP no nº 2 do seu artigo 63º:
"Na fixação do prazo para a apresentação das propostas deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, em especial dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência."
Ora, parece ser evidente que a fixação de um prazo de cinco dias para apresentação de propostas, no procedimento de formação de um contrato de empreitada com esta dimensão, viola o disposto nesta disposição legal.
13. Da cronologia do procedimento que acima se destacou na alínea n) do nº 2, resulta que em data próxima posterior a 24 de Junho de 2010 (13) estava a CMA alertada para a urgência de lançar o procedimento e que o passo essencial da adjudicação vem a ser dado em 7 de Dezembro de 2010. Entre tais marcos temporais reservaram-se apenas cinco dias (14)para apresentação de propostas.
Neste contexto reforça-se a inadmissibilidade de um prazo tão curto numa empreitada desta dimensão e complexidade.
14. Dir-se-á que o facto de se terem apresentado 12 concorrentes é demonstração que não houve restrição de concorrência e que perante tal dado igualmente foi assegurada a igualdade entre todos os potenciais interessados. Mas tais conclusões não poderão nunca ser demonstradas.
De facto, houve concorrência. Mas não se pode afirmar que toda a concorrência possível tenha sido salvaguardada. O julgador não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas em que a empreitada decorre, com a emergência de uma forte crise económica e retracção do investimento, público e privado e que podem, embora só em parte, explicar tão elevado número de concorrentes.
E, sobretudo, diga-se que um prazo tão reduzido, numa empreitada desta natureza, faz fraquejar a certeza, que deve imperar na gestão pública, de que a transparência foi assegurada e as formalidades no procedimento - que na Administração de um Estado de Direito são garantia de observância de valores essenciais - foram efetivamente conduzidas de acordo com a lei.
E, como já atrás se referiu, a fixação do prazo deve adequar-se à complexidade da obra e deve permitir por parte dos serviços públicos obter as melhores propostas que garantam uma boa execução da obra. Ora prazos tão curtos, como o que foi fixado, não permitem a adequada proteção de todos os interesses públicos em causa.
15. A fixação de um prazo de cinco dias, para apresentação de propostas, neste concreto procedimento, viola pois o nº 2 do artigo 63º do CCP e os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência, fixados no nº 4 do artigo 1º do mesmo código.
Dado que o que está sobretudo em causa é a fixação do prazo para apresentação de propostas, deve atender-se ainda a outras circunstâncias que rodearam o procedimento, nesse domínio.
II.D - A contagem do prazo para a apresentação de propostas
16. Relembre-se que, em matéria de prazos, do artigo 470º do CCP, resultam três regras com relevância neste procedimento:
a) Os prazos de apresentação das propostas "são contínuos, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados";
b) No caso de concurso público urgente o dia da publicação do anúncio é considerado na contagem;
c) "O termo do prazo que caia em dia em que o serviço (...) não esteja aberto ao público (...) transfere-se para o primeiro dia útil seguinte" (15).
17. Como se viu na matéria de facto elencada no nº 2, o anúncio de concurso público urgente enviado e publicado em 26 de agosto de 2010, fixou um prazo de apresentação das propostas de 5 dias que, seguindo as referidas regras resultantes do artigo 470.º do CCP, terminaria no dia 30 de agosto de 2010. E tal interpretação era perfeitamente aceitável, dado que o anúncio nada mais referia nessa matéria.
Assim, o que acima se disse em matéria de inadmissível exiguidade do prazo fixado - cinco dias - sai reforçado, na medida em que nos cinco dias previstos, dois coincidiam com o sábado e domingo imediatos.
A possibilidade de um prazo tão curto ter distorcido a concorrência sai assim reforçada: potenciais interessados podem logo ter desistido de apresentar proposta em tais condições, sem cuidarem de consultar os documentos do procedimento.
18. Contudo, como se viu, no programa do procedimento fixaram-se outras regras de contagem do prazo: "[a]proposta pode ser entregue, até ao 5.º dia a contar da data do envio do anúncio, desde que estes decorram integralmente em dias úteis".
Não se censura o facto de nos documentos dos procedimentos se fixarem regras diferentes, mas claras, das constantes na lei, em matéria de contagem de prazos, desde que se respeitem normas com conteúdo imperativo e os princípios da contratação pública.
E o facto de haver divergência entre a orientação fixada no anúncio e a que resulta do programa do procedimento também é superável por via do disposto no nº 6 do artigo 132º do CCP (16): "[a]s normas do programa do concurso prevalecem sobre quaisquer indicações constantes dos anúncios com elas desconformes".
Tanto mais que, em rigor, o programa do procedimento veio estabelecer uma regra de interpretação do prazo fixado no anúncio.
19. Assim, a disposição constante do programa do procedimento fixou uma regra: na contagem do prazo só deveriam considerar-se os dias úteis e, assim, afastou a orientação do CCP que determina a contagem contínua (acima referida na alínea a) do nº 16).
Mas o programa do procedimento nada dispôs quanto ao dia da publicação do anúncio. Disse simplesmente "até ao 5.º dia a contar da data do envio do anúncio". Contava-se ou não se contava o dia da publicação? Perante tal dúvida, o programa não esclarecia. Teria pois de se aplicar o disposto no CCP (acima referido na alínea b) do nº 16): tal dia deveria ser considerado na contagem. Assim, o prazo terminava no dia 1 de setembro de 2010.
Ora, relembre-se que a proposta adjudicatária está datada de 2 de setembro.
20. Concluamos: face ao disposto no programa do concurso e, supletivamente, ao que a lei dispõe e se aplica ao caso, o prazo terminava pois em 1 de setembro de 2010.
Assim, a proposta adjudicatária deveria ter sido excluída com base no disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 146º aplicável por força do 160º, todos do CCP, que assim foram violados.
21. Poderá também dizer-se que esta asserção é contraditória com o que acima se referiu quanto à exiguidade do prazo de cinco dias: isto é, quanto mais dias melhor! Bem: quanto a isso relembre-se simplesmente que os procedimentos devem reger-se por normas claras, só assim sendo possivel assegurar transparência, igualdade e independência de decisão.
22. Ainda que na plataforma eletrónica porventura se tenha referido expressamente o dia 2 de setembro como o de fim do prazo de entrega de propostas, o que se disse e concluiu mantém validade.
Tal facto, a ter ocorrido, para além de não poder ser considerado face ao que a lei dispõe (veja-se designadamente o já invocado nº 6 do artigo 132º do CCP que determina a prevalência do programa e não de outras informações), só revelaria a falta de rigor no estabelecimento de um pressuposto da maior importância: a fixação do prazo para apresentação de propostas.
II.E - A relevância das violações de lei identificadas para efeitos de concessão de visto
23. As violações de lei identificadas nos nºs 15 e 20 - do nº 4 do artigo 1º, nº 2 do artigo 63º e do artigo 160º do CCP - podendo ter, por um lado, restringido o universo de potenciais interessados e concorrentes e, por outro, tendo ofendido o rigor e a transparência que devem imperar no procedimento, são suscetíveis de ter alterado, ou alteraram mesmo, o resultado financeiro do procedimento.
Enquadram-se, pois, tais violações no disposto na alínea c) do nº 3 do mesmo artigo 44º da LOPTC (17), quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro."
Refira-se, a propósito, que quando se diz "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração dos resultados financeiros.
III - DECISÃO
24. Pelos fundamentos indicados, por força do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato.
25. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (18).
Lisboa, 7 de Junho de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Alberto Fernandes Brás)
(António Santos Soares)
Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(António Cluny)
___________________________________________
(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de dezembro.
(2) Vide fl. 8 do processo e documento 5 a fl. 30.
(3) Vide artigo 15º do programa do procedimento.
(4) Vide documentos 1.2 e 1.3 a fl. 7 do processo.
(5) Vide documento 9 a fl. 30.
(6) Vide documento 8 a fl. 30.
(7) Vide documento 3.3 a fl. 7 do processo.
(8) Vide documento 6 a fl. 30.
(9) Vide fls. 25 e 26 do processo.
(10) Vide fl. 34 do processo.
(11) Vide acima as alíneas b), c) e f) do nº 2.
(12) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP.
(13) Note-se, como se viu na alínea f) do nº 2, que em 17 de agosto de 2011 foi tomada decisão favorável à apresentação de candidatura a financiamento comunitário.
(14) Ou sete ou oito dias, como se verá a seguir?
(15) Vide a alínea c) do nº 1 do artigo 72º do CPA.
(16) Aplicável por força do artigo 156º do CCP.
(17) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, e 3-B/2010, de 28 de abril.
(18) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de abril.