Acórdão n.º 4/2011, de 25 de Janeiro de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1550/2010)

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ACÓRDÃO Nº 4 /2011 - 25.JAN.11-1ª S/SS

Processo nº 1550/2010

 

I - OS FACTOS

1. A Câmara Municipal de Vila Verde (doravante designada por CMVV ou por CM) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para "Construção do Centro Educativo de Moure", celebrado entre o Município de Vila Verde e a Sociedade Carmage-Engenharia e Construção, S.A., em 18 de Outubro de 2010, pelo valor de 1.513.601,48 €, ao qual acresce o correspondente valor em IVA, à taxa legal aplicável.

2. Para além dos factos referidos no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes:
a) O contrato acima referido foi precedido de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e dos artigos 155.º e seguintes, do CCP (1);
b) O concurso foi autorizado por deliberação da CM de 1 de Setembro de 2010, com base nos seguintes fundamentos invocados na informação da Divisão de Obras Municipais de 27 de Agosto de 2010:
"(...) Tendo presente a urgência em se proceder à adjudicação da obra até 29 de Outubro de 2010, com vista ao co-financiamento por fundos comunitários e de acordo com o disposto  no nº 2 do artigo 52º do decreto-lei 72-A/2010, de 18 de Junho, proponho que o procedimento a adoptar seja o do concurso público urgente, deixando à consideração superior o prazo a fixar para efectuar a consulta, sendo certo que o mínimo previsto é de 24 horas.
Caso esta proposta de procedimento de concurso público seja aceite, em anexo, junto o programa de concurso, o caderno de encargos e o projecto para aprovação pelo executivo municipal, face ao valor da empreitada" (2);
c) O anúncio de concurso público urgente foi publicado no D.R. n.º 173, II Série, de 6 de Setembro de 2010;
d) O prazo de execução da obra é de 330 dias;
e) O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;
f) Foi fixado um prazo de apresentação das propostas de 48 horas;
g) Nove concorrentes apresentaram proposta;
h) Tendo-se questionado a CMVV sobre como considerava ser admissível "a fixação de um prazo de 48 horas para apresentação de propostas numa empreitada cujo valor é superior 1,5 milhões de euros e com um prazo de execução de 330 dias", aquela CM veio referir o seguinte (3):
"(...)  Os concursos em análise foram objecto de um procedimento concursal lançado ao abrigo do disposto no art. 52º do Dec.Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho, que vem alargar o âmbito de aplicação do concurso público urgente previsto e descrito nos artºs 155º e 161º do Código dos Contratos Públicos.
Assim, e de acordo com o previsto no art. 52º do supracitado Decreto-Lei, pode-se adoptar o concurso público urgente previsto nos artigos 155º e 161º do CCP, na celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, desde que cumpridos os seguintes pressupostos:
a) Se trate de uma empreitada enquadrada num projecto cofinanciado porfundos comunitários;
b) O valor dos contratos seja inferior a 4.845.000,00 euros (limiar da UE em vigor desde 01.01.2010);
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
Acresce, que a este procedimento do concurso público urgente são aplicáveis as disposições específicas dos artigos 155º e 161º, bem como, com as devidas adaptações, as disposições que regulam  o concurso público (artigos 130º a 154º), e, ainda, os artigos 88º a 91º no que respeita à exigência de caução.
Assim sendo, este Município, devido à urgência em concorrer a fundos comunitários cujo prazo terminava precisamente em finais de Setembro, entendeu lançar mão deste procedimento concursal, optando embora por alargar o prazo de 24 para 48 horas em nome do princípio da concorrência. Com esta possibilidade pretendeu-se que o maior número possível de empresas pudessem concorrer, tendo efectivamente concorrido 9 empresas para o concurso do "Centro Escolar de Moure" e 11 ao Centro Escolar de Prado. Destas ganharam o concurso aquelas que apresentaram o mais baixo preço.

Em conclusão:

Foi entendimento deste Município aproveitar a opção legal colocada ao dispor pelo legislador, para fazer face à urgência existente em concorrer a financiamento comunitário, sob pena de se perderem os fundos comunitários elegíveis";

i) O procedimento de formação do contrato  sub judicio, seguiu a seguinte cronologia:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 1 de Setembro de 2010;

§ Publicação do anúncio - 6 de Setembro de 2010;

§ Apresentação de propostas - 8 de Setembro de 2010;

§ Elaboração do relatório de avaliação - 10 de Setembro de 2010;

§ Deliberação de adjudicação pela CM - 15 de Setembro de 2010;

§ Celebração do contrato - 18 de Outubro de 2010;

j) A obra foi consignada em 17 de Novembro de 2010;
k) No mapa de quantidades posto a concurso, nos itens 9.1 a 9.29 e

17.7.13 fez-se referência às marcas  FTP, Steelcávado, Friemo, DIRH, Efapel, Apolo 9000;
l) Questionada, a entidade adjudicante sobre os factos indicados na alínea anterior, veio informar o seguinte:
"Os documentos do procedimento apresentam expressões "do tipo", "ou equivalente" e "ou similar" no mapa de quantidades dos trabalhos a realizar ou nas memórias descritivas/caderno de encargos, podendo efectivamente existir algumas designações de marcas comerciais sem estas menções devendo estas ser entendidas como um lapso que não tem por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou bens, e que em futuros procedimentos não se irá repetir. No nosso entender, a informação ao ser cruzada por necessidade de melhor percepcionar o trabalho a realizar e o material a utilizar, está salvaguardada a não obrigatoriedade de utilização a referências a marcas comerciais, uma vez, por um lado, tal está referenciado nos documentos do procedimento e por outro, sempre foi nosso propósito não impor marcas a nenhum concorrente, aceitando qualquer tipo de marca se tal corresponder às especificações e realizar a função/uso para que está definida".

II - FUNDAMENTAÇÃO

  

3. Estabelecia o nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho:
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a)Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b)O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c)O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço."

4. Como se sabe, nos artigos 155.º e seguintes do CCP, estabelece-se um procedimento de concurso público urgente para, em caso de urgência, se proceder à celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente.
Entendeu o legislador alargar a possibilidade de se recorrer ao mesmo procedimento, para a celebração de contratos de empreitada, durante a vigência do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, desde que se verifiquem os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do seu artigo 52º, agora transcrito.
O recurso a esta possibilidade  pressupõe, naturalmente, face ao disposto no artigo 155º do CCP, que se esteja em caso de urgência.

5. Tenha-se ainda presente que o artigo 157º  do CCP estabelece que o anúncio do concurso público urgente deve seguir modelo a aprovar por portaria e que o programa do concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio.
Relembre-se ainda que o artigo 158º do mesmo código dispõe que o prazo mínimo para apresentação de propostas é de 24 horas.
Estes dois aspectos do regime aplicável ao concurso público urgente, que agora se relevam, permitem sublinhar a prudência com que aquele regime deve ser usado no caso de formação de contratos de empreitadas de obras públicas. Neste caso a integração do programa do concurso e do caderno de encargos no anúncio é uma solução impensável. E a definição do prazo para apresentação de propostas deve ser particularmente acautelada, tendo presente que, no concurso público, o prazo mínimo admitido por lei é o de nove dias para os casos de patente simplicidade dos trabalhos a executar. Isto é: tendo a lei admitido a aplicação deste procedimento à formação de contratos de empreitadas de obras públicas, tal aplicação deve ser feita com as adaptações e a prudência necessárias, com respeito do regime legal e dos princípios fundamentais que o enformam.

6. Analisado o processo, pode concluir-se que os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do citado e transcrito artigo 52º se encontram verificados: trata-se de um projecto co-financiado por fundos comunitários, o seu valor é inferior ao limiar que releva no caso, e o critério de adjudicação foi o do mais baixo preço.

7. Verificados os pressupostos do citado artigo 52º, impõe-se saber se se está perante  um caso de urgência. Para esse efeito, releva o que foi dito na proposta para decisão de autorização do procedimento e que acima foi transcrito na alínea b) do nº 2: tornava-se urgente proceder à adjudicação da obra, sob pena de ser posto em risco o financiamento comunitário.
As questões do financiamento comunitário surgem assim, no presente processo, invocadas na verificação de dois pressupostos. No da alínea a) do nº 2 do artigo 52º (é um projecto co-financiado por fundos comunitários) e no do artigo 155º do CCP (o risco de se perderem os financiamentos comunitários, tornava o procedimento de formação deste contrato um caso de urgência).
Se o pressuposto da alínea a) do artigo 52º está objectivamente verificado, numa primeira abordagem podemos admitir estar-se igualmente perante um caso de urgência.
Contudo, deve dizer-se que a urgência invocada não está factual e documentalmente demonstrada, no processo. Contudo, como o procedimento de formação do contrato está afectado  por violação, no nosso entendimento, já bem evidente, não se justifica continuar a indagar sobre tal demonstração.

Continuemos, pois, na análise do processado.

8. Foi fixado um prazo de 48 horas para apresentação de propostas.
Relembre-se que se trata de um concurso para a celebração de um contrato de empreitada. Sublinhe-se que o valor do contrato é superior a 1,5 milhões de euros. Tenha-se em conta que o prazo de execução da obra é de 330 dias. Isto é: trata-se de uma obra com alguma dimensão.
Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que para a formação de um contrato com estas características se estabeleça um prazo de 48 horas para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado projecto e a um concreto caderno de encargos? 
Dir-se-á: a lei admite que o prazo mínimo nos concursos urgentes seja de 24 horas. E afirmou a CMVV que alargou tal prazo mínimo para 48 horas "em nome do princípio da concorrência".
É verdade que a lei estabeleceu aquele prazo. Contudo, a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo, mas também as necessárias condições de observância de outras disposições legais e dos princípios básicos da contratação pública. Designadamente, os princípios da igualdade e da concorrência (este, como foi invocado pela CMVV, no que alegou no processo), fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (4).
A adopção de um prazo de 48 horas, em vez do de 24 horas, altera substancialmente a questão de observância dos princípios? É evidente que não.
Também parece ser evidente que para a formação de um contrato de empreitada, é impossível num prazo de 48 horas para apresentação de propostas estarem asseguradas condições de igualdade e de leal concorrência entre os potenciais interessados em apresentar propostas.

Mais: parece ser evidente que para uma correcta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos e para que não surjam sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é manifestamente insuficiente.

Aliás, da cronologia do procedimento que acima se destacou na alínea i) do nº 2 - e que poderia igualmente suscitar alguma reflexão sobre se se estava efectivamente  perante um caso de urgência  - resulta que entre a deliberação para abertura do procedimento (1 de Setembro) e a celebração do contrato (18 de Outubro) decorreram 33 dias úteis. E nesse período temporal, só 48 horas foram destinadas à publicitação do procedimento e à apresentação de propostas. É manifestamente desequilibrado!
E relembre-se que o motivo de urgência que justificava a adopção deste concreto procedimento  - "proceder à adjudicação da obra até 29 de Outubro de 2010, com vista ao co-financiamento por fundos comunitários"  - permitia claramente, dentro do tipo de procedimento adoptado, a fixação de um prazo bem mais alargado para apresentação de propostas. E relembre-se que a deliberação de adjudicação foi tomada em 15 de Setembro.
A fixação de um prazo de 48 horas, para apresentação de propostas, neste concreto procedimento, viola pois os princípios da igualdade e da concorrência, fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP.

9. Como acima se viu na matéria de facto[5], no mapa de quantidades  foram feitas exigências relativas a marcas comerciais, em vários artigos necessários à concretização da empreitada, sem que fossem acompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente".

10.Determinam os nºs 12 e 13 do art.º 49º do CCP que não é permitida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou a uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens. São, no entanto, excepcionalmente autorizadas tais indicações quando acompanhadas da menção "ou equivalente", sempre que não seja possível descrever de forma  suficientemente precisa e inteligível as prestações objecto do contrato.

11.Visam estas disposições normativas proibir que, mesmo por via indirecta, se dificulte ou afaste a participação na empreitada de empresas que não preencham determinados requisitos. E, impedir, que por esta via, certos agentes económicos adquiram vantagens no mercado, com violação de sãs regras de concorrência.
As exigências de "marcas" são pois violadoras dos princípios de livre concorrência e de igualdade de oportunidades dos operadores económicos.
São igualmente susceptíveis de alterar o resultado financeiro do procedimento e, consequentemente, do contrato.

12.Tais disposições normativas estão em consonância com as que resultam das directivas da Comunidade Europeia. Veja-se o disposto no nº 8 do artigo 24º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento  Europeu e do Conselho, de 31 de Março.

13.E não colhem os argumentos produzidos pela CM sobre esta matéria. O facto de, segundo a CM, se tratar de um lapso não afasta a ilegalidade cometida.

14.Conclui-se, assim, que ocorreu a violação dos referidos nºs 12 e  13 do artigo 49º do CCP. Embora não resulte dos autos que da violação referida tenha resultado a alteração efectiva do resultado financeiro, é preciso ter presente que aquele vício é susceptível de alterar aquele resultado.

15.As violações de lei  acima  identificadas ofendem os princípios da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos. Princípios cuja observância permitem também obter as melhores propostas para melhor prossecução dos interesses públicos.
Tais violações, podendo ter  restringido o universo de potenciais interessados e concorrentes, são igualmente susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e consequentemente do contrato.
Enquadram-se, pois, tais violações no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC (6), quando aí se prevê  "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro."Refira-se, a propósito, que quando se diz  "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro"  pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração dos resultados financeiros.

 

III - DECISÃO

 

16.Pelos fundamentos indicados, por força do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
17. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações. 

Lisboa, 25 de Janeiro de 2011

Os Juízes Conselheiros, - (João Figueiredo - Relator) - (Alberto Fernandes Brás) - (Helena Abreu Lopes)

Fui presente - (Procurador Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


 (1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de Dezembro.
(2) Vide fl. 5 dos autos.
(3) Vide ofício nº S/885/2011 de 18 de Janeiro de 2011.
(4) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP.
(5) Vide alíneas k) e l)  do nº 2.
(6) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.