Acórdão n.º 36/2010, de 21 de Outubro de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1046/2010)

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ACÓRDÃO Nº 36 /2010 - 21 /OUT./2010 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 1046/2010

 

I. RELATÓRIO

O Município de Ovar remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, um contrato de empreitada, celebrado em 24.05.2010 com a firma "Paviazeméis" - Pavimentações de Azeméis, Ldª", e com o valor de € 386.349,74, acrescido de IVA.
A referida empreitada traduz-se na realização de trabalhos relativos ao Loteamento do Estudo Urbanístico do Furadouro - Terreno entre a Capela de N.ª S.ª da Piedade e a Discoteca Fénix-Furadouro e, mais particularmente, na execução de infra-estruturas urbanas e arranjo paisagístico da operação de loteamento. 

II. DOS FACTOS

Para além da factualidade referida em I., dão-se ainda por assentes os seguintes factos:

1. O contrato referido em I., foi precedido de concurso público e o correspondente aviso de abertura publicado no Diário da República, II Serie, de 10.08.2009;

2. O preço-base, para efeitos de concurso, é de € 550.000,00, acrescido de IVA;

3. O prazo de execução da obra situa-se em 180 dias;

4. No ponto 12. Do Programa de Concurso estabeleceu-se que o critério de adjudicação é o do preço mais baixo;

5. Dos 14 concorrentes que apresentaram propostas, apenas foi excluído o concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", que apresentou proposta no valor de € 369.124,33, acrescido de IVA;

6. A exclusão do concorrente mencionado em 5., teve lugar em sede de relatório preliminar de análise das propostas, tendo o júri adiantado a seguinte fundamentação:
"Não apresenta lista de erros e omissões, conforme alude o nº 7, do artº 61º, sendo motivo de exclusão, nos termos da alínea j), do nº 2, do artº 146º, conjugado com alínea b), do nº 1, do artº 57º, ambos do CCP.";

7. Em sede de audiência prévia dos concorrentes, o concorrente excluído - "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", apresentou, tempestivamente a sua pronuncia, fazendo-o nos termos seguintes:
"... Reclamação Jasfec - Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª, NIF 505959330, com sede na Rua da Tôrtela, Lugar de Pinhão, Freguesia de Pindelo, 3720-454 - Pindelo, vem por este meio, ao abrigo do nº 1 do artigo 271º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Dec.- -Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, apresentar impugnação da decisão de exclusão de concurso público relativo á empreitada de "Loteamento Urbanístico do Furadouro - Terreno entre a capela de Nª Srª da Piedade e a Discoteca Fénix - Foradouro", que consta do relatório preliminar, de acordo com os seguintes pontos:

1º A lista de erros e omissões foi apresentada na plataforma electrónica em 03/09/2009.
2º A nossa empresa foi a única a apresentar a lista de erros e omissões.
3º Em 10/09/2009, foi aceite a lista de erros e omissões, conforme relatório colocado na plataforma electrónica.
4º Não existem erros e omissões de outros concorrentes, pelo que estão aceites todos os erros e omissões, de acordo com a alínea a) do nº 7 do artigo 61º do CCP.
5ºNão existe violação da alínea J) do nº 2 do artigo 146º uma vez que estão aceites todos os erros e omissões de acordo com o disposto nº nº 7 do artigo 61º do CCP.
6º Os documentos da proposta estão de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 57º, do CCP, dado que estão aceites todos os erros e omissões, de acordo com o disposto no nº 7, do artigo 61º do CCP.
7º Face ao exposto, solicitamos a inclusão da nossa proposta nos resultados apurados do relatório preliminar, no nº 9, quadro 2: 

Quadro n.º2

Concorrente

Valor da proposta

1

M. DOS SANTOS & CA., S.A.

519.269,31

2

URBIPLANTEC - URBANIZAÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDª

520.000,00

3

CARLOS GIL - OBRAS PUB. CONST. CIV. M. ELÉCTRICAS, LDª

525.042,22

4

DURVIA - CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS

454.885,04

5

ANTONIO PIMENTA, CONSTRUÇÕES, LDª

392.778,68

6

TEOTÓNIO & FILHOS, LDª

430.000,01

7

PAVIAZEMÉIS - PAVIMENTAÇÕES DE AZEMÉIS, LDª

386.349,71

8

CONSTRUÇÕES E OBRAS PUBLICAS DE CARDOSO & GONÇALVES

545.118,77

9

MANUEL FRANCISCO DE ALMEIDA, S.A.

545.449,54

10

JASFEC - SOC. DE CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDª

369.124,23

11

SEGOSAL - SOC. DE EMPREITADAS GOMES DE SÁ, LDª

413.997,40

12

CONSTRUÇÕES CARLOS PINHO, LDª

398.192,83

13

SINOP - ANTÓNIO MOREIRA DOS SANTOS, LDª

464.704,42

14

VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A.

467.992,73

 

8º Face ao exposto, solicitamos a alteração da ordenação das propostas, atendendo às pontuações finais obtidas, de acordo com o quadro nº 3:

Quadro n.º3

Concorrente

Ordenação

10

JASFEC - SOC. DE CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDª

7

PAVIAZEMÉIS - PAVIMENTAÇÕES DE AZEMÉIS, LDª

5

ANTONIO PIMENTA, CONSTRUÇÕES, LDª

12

CONSTRUÇÕES CARLOS PINHO, LDª

11

SEGOSAL - SOC. DE EMPREITADAS GOMES DE SÁ, LDª

6

TEOTÓNIO & FILHOS, LDª

4

DURVIA - CONSTRUÇÕES E OBRAS PÚBLICAS

13

SINOP - ANTÓNIO MOREIRA DOS SANTOS, LDª

14

VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A

1

M. DOS SANTOS & CA., S.A

10º

2

URBIPLANTEC - URBANIZAÇÕES E TERRAPLANAGENS, LDª

11º

3

CARLOS GIL - OBRAS PUB. CONST. CIV. M. ELÉCTRICAS, LDª

12º

8

CONSTRUÇÕES E OBRAS PUBLICAS DE CARDOSO & GONÇALVES

13º

9

MANUEL FRANCISCO DE ALMEIDA, S.A

14º

 

8. O júri, face à "Reclamação" mencionada em 7., e no âmbito do Relatório Final, manteve a exclusão do concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", aduzindo, com relevância e em resumo, as razões seguintes:

§ "A lista de preços unitários apresentada pela concorrente, com base no mapa de quantidades fornecido pela Câmara Municipal, não identifica, de forma expressa e inequívoca, os termos do suprimento dos erros aceites pela entidade adjudicante, nem respectivo valor, em clara violação do disposto no nº 7 do artigo 61º do CCP.
§ É irrelevante o facto de terem sido aceites todos os erros e omissões, porquanto a obrigatoriedade de apresentação de uma lista de erros e omissões resulta da própria lei, concretamente do disposto no nº 7 do artigo 61º do CCP, sendo que a sua falta implica a exclusão da proposta nos termos do disposto na alínea j) do nº 2 do artigo 146º do CCP, que prescreve: "2. No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: j) Que identificando erros ou omissões das peças do procedimento, não cumpram o disposto do nº 7 do artigo 61º".
§ Como refere José Manuel Oliveira Antunes in Código dos Contratos Públicos, Regime de Erros e Omissões, Almedina, Janeiro de 2009, pág. 115 e 116, "Os documentos que contenham os atributos da proposta têm necessariamente de incluir os erros e omissões identificados pela própria entidade adjudicante após inicio do procedimento e/ou pelos interessados e aceites expressamente pelo órgão competente para a decisão de contratar.
É o que consta do nº 7 do artigo 61º do CCP, que determina a inclusão nos atributos da proposta (alínea b), nº 1 artigo 57º) da identificação expressa e inequívoca dos termos do suprimento dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante, bem como ovalor incorporado no preço ou preços indicados na proposta atribuído a cada um desses suprimentos.
Parece assim claro, que os atributos da proposta referidos na alínea b) do nº 1 do artigo 57º, terão - sempre que um procedimento tenha erros e omissões identificados - de conter dois grupos distintos: um que diga respeito à proposta das condições do concorrente quanto aos atributos - preço, prazo, condições de pagamento, condições de execução, etc. - referentes aos trabalhos constantes do projecto inicialmente patenteado. E outro de documentos referentes aos erros e omissões aceites, os quais igualmente terão de ser objecto de proposta das condições do concorrente.
Tudo isto, independentemente da organização do modelo de ficheiro da entidade adjudicante, solicitar explicitamente ou não, a separação desses atributos em diferentes grupos, uma coisa é certa: Tem de ser evidente na proposta, nos termos e valores dos erros e omissões, por via do disposto nº 7 do artigo 61º do CCP.
Do exposto se conclui pela obrigatoriedade de apresentação de lista de erros e omissões, quando identificados, pelo que é de excluir a proposta da firma Jasfec, uma vez que a respectiva proposta não indica expressa e inequivocamente os erros e os valores correspondentes."

9. O concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", objecto de exclusão, apresentou a proposta com o valor mais baixo - € 369.124,33, acrescido de IVA;

10. Em reunião da Câmara Municipal de Ovar, ocorrida em 3.12.2009 [vd. Acta nº 25/2009, a fls. 134] foi deliberado, por unanimidade, aprovar o Relatório Final deduzido pelo Júri e adjudicar a empreitada em apreço à Firma "Paviazeméis, Pavimentações de Azeméis, Ldª", e pelo valor de € 386.349,71.

11. A Firma "Jasfec", impugnou a decisão de adjudicação referenciada em 10., pugnando no sentido desta ser declarada sem efeito, sendo que esta pretensão foi desatendida em reunião da Câmara ocorrida em 11.03.2010, alegando-se, para tanto, a respectiva apresentação para além do prazo legalmente previsto para o efeito [vd. artºs 270º e 267º, nº 2, ambos do CCP].

  

III. O DIREITO

  

Atenta a materialidade dada como assente em II., é imperioso admitir que a questão evidenciada e de que importa conhecer se traduz na aferição da [i]legalidade da deliberação que exclui o concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª".
E tal exercício impõe, inerentemente, o apuramento, via interpretativa, do melhor sentido extraível da norma contida no artigo 61º, nº 7 do Código dos Contratos Públicos.
Procederemos, de seguida, à abordagem da mencionada questão.  

1. Do art.º 61º, n.º 7, do C.C.Públicos
Respectiva interpretação   

1.1.
O art.º 61.º, n. os 5 e 7, do Código dos Contratos Públicos, dispõe o seguinte:

" Art.61.º
Erros e omissões do Caderno de Encargos
...
5 - Até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos interessados, considerando-se rejeitados todos os que não sejam por ele expressamente aceites.
6 - A decisão prevista no número anterior é publicitada em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante e junta às peças do procedimento que se encontram patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham adquirido ser imediatamente notificados do facto.
7 - Nos documentos previstos na al. b), do n.º 1, do art.º 57.º, os concorrentes devem identificar, expressa e inequivocamente:
a) Os termos do suprimento de cada um dos erros ou das omissões aceites nos termos do disposto no n.º5, do qual não pode, em caso algum, resultar a violação de qualquer parâmetro base fixado no Caderno de Encargos;
b) O valor, incorporado no preço ou preços indicados na proposta, atribuído a cada um dos suprimentos a que se refere a alínea anterior.

Face ao conteúdo das normas transcritas, revela-se inquestionável que o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos concorrentes até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas.
Por outro lado, é ainda indubitável que a decisão reportada aos erros e omissões apresentados pelos concorrentes deve ser publicitada pela entidade adjudicante e junta às peças do procedimento patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham adquirido ser notificados do facto.
Nesta parte, a clareza das normas transcritas e constantes do art.º 65.º, n.ºs 5 e 6, do C.C.P., não suscita controvérsia.
Diversamente ocorre com a norma constante do nº 7, do artigo 61º, de igual diploma legal [CCP], facto que obrigará a particular e a adequada análise.

1.2.
Como este Tribunal vem decidindo [vd., entre outros, o Ac. nº 18/2010, de 15.06., I Secção/PL, in Recurso Ordinário nº 35/2009], a norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, apenas obriga a que os documentos constitutivos da proposta e indicados no artigo 57º, nº 1, alínea b) daquele mesmo diploma legal, contenham o modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra. E tal exigência cumpre-se mediante a indicação, expressa e inequívoca, dos "items" e preços corporizadores da proposta e resultantes da correcção efectuada e aceite pela entidade adjudicante.
Não se retira, pois, da norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, a obrigação de seguimento de alguma fórmula especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões. Importa, isso sim, que da proposta resulte, expressa e inequivocamente, o modo de efectivação do referido suprimento, sendo que, para tanto, bastará a indicação, nas atinentes propostas, dos elementos requeridos e já em conformidade com os erros e omissões identificados e aceites pela entidade adjudicante.
Ainda em linha com o afirmado, e na esteira de entendimento já expresso por este Tribunal em outro lugar, adiantaremos que a expressão "identificação expressa e inequívoca" contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, até poderia sugerir o recurso a algum destaque "físico/gráfico" dos "items" a alterar, aquando da apresentação ao dono da obra por parte dos concorrentes, dos erros e omissões.
Porém, e seguramente, tal "cautela" mostra-se desnecessária aquando da apresentação da proposta, já integrada dos erros e omissões aprovados e aceites pelo dono da obra.

1.3.
No reforço do concluído em III. 1.2., e na apreensão do melhor sentido contido na norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, adiantam-se ainda as considerações seguintes:
a.
O artigo 57º, nº 1, alínea b) do CCP, manda que a proposta seja integrada por documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham atributos com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
E o nº 2, daquela norma, dispõe, entre o mais, que caso o procedimento se reporte à formação do contrato de empreitada ou de concessão de obras publicas, a proposta deve ainda incluir uma lista de preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução;
O carácter exemplificativo da norma citada [artº 57º, do CCP] permite, assim, concluir que a expressão legal "identificação expressa e inequívoca" contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, se dirige a uma multiplicidade de contratos com natureza diversa e até questões de índole meramente técnica, mas ainda inseridas no domínio da contratualidade;
E este facto legitima, de um lado o apelo do legislador à expressão legal "identificação expressa e inequívoca" e, do outro, justifica a injunção daí decorrente;

b.
Por outro lado, a apreensão do sentido e fundamento das expressões "expressa e inequivocamente" contidas no artigo 61º, nº 7, do CCP, impõe também a convocação dos elementos "responsabilidade e responsabilização".
Nesta parte, e na explicitação da inovação normativa decorrente do CCP, diz José Manuel de Oliveira Antunes (1) :
"Todos os diplomas anteriores sobre o regime de empreitadas de obras públicas, responsabilizam expressamente a entidade adjudicante - o dono da obra - pelos erros e omissões do projecto que ele próprio se encarregou de elaborar ou mandou elaborar.
O empreiteiro era subsidiariamente responsável por tais erros e omissões, apenas e tão-só, na medida em que depois da adjudicação e consignação da obra, teria um prazo para os detectar e identificar junto do dono da obra. Isto, ainda assim, se os erros e omissões fossem detectáveis nesse prazo, pela leitura e análise do projecto, conjugada com a posse dos locais pelo empreiteiro".
Trata-se, pois, de uma solução que compromete os concorrentes com a detecção de erros e omissões já na fase pré-contratual (2) e, sublinhe-se, ainda em fase concorrencial.
A solução legal vertida no art.º 61.º, n.º 1, do C.C.P., ao disciplinar a identificação dos erros e omissões ainda em fase pré-contratual e balizar, temporalmente, a respectiva apresentação [até ao quinto sexto do prazo fixado para a apresentação das propostas], está, assim, em linha com a necessidade de, definitivamente, viabilizar a justa responsabilização dos intervenientes que, de alguma forma, contribuem para uma tramitação procedimental destituída do rigor exigido e geradora de prejuízo. Preocupação que, de resto, se mostra consagrada e adequadamente regulada no Código dos Contratos Públicos [vd. art.os 376.º e 378.º].

c.
Por último, e ainda na consolidação do fundamento que subjaz ao emprego das expressões "expressa e inequivocamente", cumpre adiantar que estas também se suportam na ingente necessidade de prevenir e evitar os bem conhecidos "trabalhos a mais" ou trabalhos adicionais, fórmula "expedita" de suprir projectos e programas sem o rigor técnico exigido, a que se seguiam substanciais agravações de preço a suportar pelas entidades adjudicantes.
Do exposto [vd. alíneas a), b) e c)] se conclui que as expressões "expressa e inequivocamente" contidas no artigo 61º, nº 7, do CCP, não se cingem à adopção de meras formalidades, porventura relacionadas com a forma [exclui-se a substancia] de apresentação da proposta, mas visam, isso sim, a salvaguarda da posição titulada pela entidade adjudicante e, mui particularmente, na vertente material ou financeira.

2.
O caso em apreço

2.1.
Conforme se inscreveu em II., a deliberação excluidora da concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", funda-se no seguinte:

§ A lista de preços unitários apresentada pelo concorrente, com base num mapa de quantidades fornecido pela Câmara Municipal, não identifica, de forma expressa e inequívoca, os termos do suprimento dos erros aceites pela entidade adjudicante, nem o respectivo valor, em clara violação do disposto no nº 7, do artigo 61º, do CCP (3); 

E, mais adiante (4), o júri do concurso conclui:
"... do exposto se conclui pela obrigatoriedade de apresentação de lista de erros e omissões, quando identificados, pelo que é de excluir a proposta da firma "Jasfec" uma vez que a respectiva proposta não indica expressa e inequivocamente os erros e os valores correspondentes".
Muito embora a citada deliberação, depois aprovada (5) pela Câmara Municipal em 3.12.2009, não se revele particularmente clara quanto ao modo de apresentação da proposta para se lograr o cabal cumprimento [na perspectiva do júri e da Câmara Municipal!] do disposto no artigo 61º, nº 7, do CCP, é possível, ainda assim, concluir que a exclusão e a proposta apresentada pela firma "Jasfec" assentou na circunstancia de esta não ter apresentado, de um lado, uma lista respeitante às condições do concorrente no domínio dos atributos - descrição, quantidades, preço, prazo, condições de pagamento, condições de execução ... - e, do outro, ainda uma lista reportada à identificação dos erros e omissões aceites, que integrará a proposta (6).

2.2.
Tal como se inscreve no acervo argumentativo expresso em III.1., deste acórdão, que se dá aqui por inteiramente reproduzido, da norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, na interpretação que aí lhe concedemos, não decorre para o concorrente a obrigação de, separadamente, juntar [no âmbito da proposta] uma lista identificadora dos erros e omissões aceites e uma outra, definitiva e global, respeitante às condições do concorrente no domínio dos vários atributos.
Na verdade, e como decorre ainda do sustentado em III.1., o cumprimento da citada norma basta-se com a apresentação de proposta que, de modo explícito e inequívoco, consagre os valores corrigidos, correcta e rigorosamente inseridos nos capítulos e items de medição e sem recurso a listas separadas.
Ora, vista a proposta (7) a firma "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", logo se intui que as quantidades aí indicadas e os preços unitários globais referentes aos artigos constantes da lista de erros e omissões já repercutem aos valores corrigidos.
A proposta apresentada pela firma "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", dá, assim, integral cumprimento ao disposto no artigo 61º, nº 7 do CCP.

Por último, e no reforço da concluída conformação legal da proposta excluída adianta-se:

§ Sendo o caderno de encargos a peça do procedimento que contem as clausulas a incluir no contrato a celebrar, incidindo os erros e omissões sobre o referido Caderno de Encargos e impendendo sobre a entidade adjudicante o dever de patentear um mapa de quantidades já incorporado pelos erros e omissões identificados e aceites [mapa de concurso tido por definitivo], cedo se conclui pela inutilidade da integração no procedimento das exigências preconizadas pelo júri do concurso.  
A exigência da adjudicante [traduzida na apresentação de listas separadas] até poderá facilitar a aferição do suprimento dos erros e omissões e conferir maior perfeição ao procedimento.
Porém, e seguramente, dificultará o enquadramento e identificação dos trabalhos e não se ajusta à literalidade e sentido da norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP.
A deliberação do Júri que propôs a exclusão da proposta da concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", e a subsequente aprovação da mesma por deliberação da Câmara Municipal de Ovar, tomada em 3.12.2009, violam, assim, o disposto no artigo 61º, nº 7, do CCP.
Sublinha-se, por último, que o critério de adjudicação definido no procedimento se traduz no preço mais baixo, sendo que, entre todos os concorrentes, a firma "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", apresentou uma proposta cujo valor é inferior a todas os demais entregues pelos restantes concorrentes.

3.
Do Visto

O art.º 44.º, n.º 3, da Lei n.º 98/97, de 26.08, dispõe que a recusa do visto basta- -se com a desconformidade dos actos e contratos com as leis em vigor e que implique:

§ Nulidade;
§ Encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras;
§ Ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro.  

Considerada a natureza da ilegalidade evidenciada, é de concluir que esta não consubstancia alguma nulidade, por não subsunção à previsão do art.º 133.º, do Código de Procedimento Administrativo.
Também não ocorre a assunção de encargos sem a necessária cabimentação.
Contudo, a exclusão da concorrente "Jasfec, Sociedade de Construções e Terraplanagens, Ldª", sem o necessário e adequado suporte legal, já fundamentado, conduz à alteração do resultado financeiro do contrato.
Na verdade, e demonstrando, importa reter, por um lado, que o critério de adjudicação previsto no Programa do Concurso é o do preço mais baixo e, por outro, lembrar que a firma [Jasfec] excluída apresentou proposta com preço [€369.124,33, acrescido de IVA] bem inferior ao indicado pelos demais concorrentes, incluindo a empresa adjudicatária [a firma "Paviazeméis - Pavimentações de Azeméis, Ldª, apresentou proposta no valor de €386.349,71].
Verifica-se, assim, o fundamento de recurso do visto constante da alínea c), do nº 3, do artº 44, da Lei nº 98/97, de 26.8.  

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes, em Subsecção, em recusar o visto ao contrato em apreço.
São devidos emolumentos [artº 5º, nº 3, do R.J.E. do Tribunal de Contas, anexo ao DL nº 66/96, de 31.5.
Lisboa, 21 de Outubro de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (João Alexandre T. Gonçalves de Figueiredo) - (António Manuel dos Santos Soares) 

Fui presente, - (Procurador-Geral Adjunto) (Daciano Pinto)

DECLARAÇÃO

Processo nº 1046/2010

1. Concordo, no essencial, com a interpretação do Direito feita no acórdão e sua aplicação aos factos dados como assentes. Concordo, pois, com a decisão.
2. Como fundamento importante, destaco o facto de, no processo, estar demonstrado que a CMO, durante o procedimento - por impulso do concorrente excluído com fundamento em violação do nº 7 do artigo 61º do CCP - tomou conhecimento do acórdão nº 166/09, de 20/11, deste Tribunal, proferido em subsecção, e que posteriormente veio a ser confirmado, em sede de recurso, pelo acórdão nº 18/2010. Ora, naquele acórdão decidiu-se recusar o visto a um contrato, com os fundamentos que, no essencial, se verificam no presente processo.
3. Embora advogue que neste tipo de casos se deva conceder o visto com recomendação (8), considero que no presente processo já a CMO estava suficientemente alertada para a posição deste Tribunal, quanto à aplicação do referido dispositivo legal, não se justificando fazer novo alerta, através de recomendação. 

Lisboa, 21 de Outubro de 2010.

O Juiz Conselheiro


(1) O qual é, de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1177/2009, de € 193.000,00.
23 Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.
(2) Vd., ainda, José Manuel Oliveira Antunes, obra citada, pág. 88.
(3) VD. Relatório final deduzido pelo Júri.
(4) VD. Relatório final deduzido pelo Júri.
(5) VD. Acta nº 25/2009, da reunião da Câmara Municipal de 3.12.2009
(6) VD. Acta nº 6/2010, relativa à reunião de 11.3.2010. 
(7) VD. Folhas 1 do [Doc. 13] do processo.
(8) Vide o Acórdão Nº23 /2010- 15.JUN.2010/1ª S/SS.