ACÓRDÃO Nº 34/2011 - 10/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 194/2011 - 1ª SECÇÃO
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
I - RELATÓRIO
A Câmara Municipal de Vouzela remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 18 de Janeiro de 2011, com a empresa "Embeiral - Engenharia e Construção, SA", pelo valor de 780.000,01 €, acrescido de IVA, tendo por objecto as "Zonas Industriais do Concelho - Zona Industrial de Queirã".
II - MATÉRIA DE FACTO
Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:
A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos (CCP), sendo que o respectivo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 26 de Outubro de 2010;
B) A abertura do procedimento pré-contratual, mencionado na alínea anterior, foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Vouzela, de 22 de Outubro de 2010;
C) Ao concurso apresentaram-se oito concorrentes, tendo sido excluído um;
D) O prazo de execução da obra é de 450 dias;
E) A consignação da obra ainda não ocorreu;
F) O preço base da empreitada foi de 1.300.000,00 € acrescido de IVA;
G) O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;
H) O ponto 9 do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas até às 17 horas do 3º dia, a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
I) O Anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, no dia 26 de Outubro 2010, pelas 12:30:22 horas;
J) Do anúncio de abertura do concurso constam a informação do serviço da Autarquia onde se encontravam disponíveis as peças do concurso, para consulta dos interessados (Divisão de Obras Municipais, Ambiente e Apoio à Produção), e a de que o meio electrónico de apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.compraspublicas.com), sendo que, no que concerne à informação relativa ao Programa de Concurso e ao Caderno de Encargos, o anúncio apenas contém a indicação de que estão disponíveis na plataforma electrónica;
K) Questionada sobre o fundamento da urgência que justificou a adopção do concurso público urgente, veio a Câmara Municipal de Vouzela, invocar o seguinte: (1)
"A adopção do concurso público urgente resultou das constantes solicitações junto deste Município, com uma maior frequência ao longo dos últimos tempos, por parte de um conjunto de investidores, visando a obtenção de espaços destinados à edificação de indústrias. Face á plena ocupação das zonas industriais do Concelho, o Município encontra-se impossibilitado de disponibilizar tais espaços, sendo imperativo a construção de uma zona industrial visando suprimir esta necessidade. Por outro lado tendo presente o estado actual da economia, outro aspecto que também pesou, prendeu-se com a necessidade de contribuir para o seu estímulo, quer durante a execução do presente contrato, quer durante a fase de exploração, nomeadamente através da criação de postos de trabalho. Este último aspecto, resume-se na opção de dinamizar a economia actual, criando condições para a potenciação da actividade industrial, através do investimento público, aproveitando, no momento, o recurso ao financiamento comunitário, com uma comparticipação de 80%, traduzindo-se isto numa postura pró-activa de contributo positivista em relação à situação actual do estado da economia, e cuja urgência foi determinada pelo incremento das solicitações, conforme acima indicado.
Também não menos importante, é a constatação da apresentação de oito propostas, circunstância que salvaguarda os princípios da igualdade e da concorrência a que se refere o nº 4 do art.º 1º do CCP, sendo este último princípio reforçado ainda, pelo benefício económico obtido com o presente procedimento.
A eventual rescisão contratual significaria o desaproveitamento de um co-financiamento no âmbito do Programa Operacional Regional do centro de 80% sobre o valor elegível do projecto (...) que tem uma vigência que poderá cessar a todo o tempo, sendo retomado um co-financiamento de 60%, o que se traduziria numa grande perda para o Município, podendo até conduzir ao abandono deste projecto e projectos futuros, pois conforme resulta do "Segundo Memorando de Entendimento celebrado entre a República Portuguesa e a ANMP para promover a execução dos investimentos de iniciativa municipal no âmbito do QREN, que no caso de não serem rapidamente aproveitados, poderão ter de ser devolvidos à União Europeia".
L) Para a realização da empreitada, a que se reporta o presente contrato, a Câmara Municipal de Vouzela apresentou uma candidatura a financiamento comunitário, a qual foi aprovada em 21 de Abril de 2011, pela Comissão Directiva do Programa Operacional Regional do Centro "Mais Centro", mas ainda não foi celebrado o respectivo contrato de financiamento com a Autoridade de Gestão do dito Programa;
III - O DIREITO
1. Suscita-se, no presente processo, a questão de ter sido adoptado um procedimento de concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), a anteceder a celebração do contrato, ora submetido a fiscalização prévia deste Tribunal.
Vejamos, então, em que se traduz esta questão:
2. 1. O artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, (2) sob a epígrafe "Disposições especificas na aquisição de bens e serviços", dispõe o seguinte, no seu nº 2:
Artigo 52º
Disposições especificas na aquisição de bens e serviços
............................................................................
2 - Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b), do artigo 19º, do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
............................................................................
Por seu lado, o artigo 155º do CCP, integrado na Secção VII (Concurso público urgente), do Capítulo II, do Título III, da Parte II do mesmo Código, sob a epígrafe "Âmbito e pressupostos", estabelece o seguinte:
Artigo 155º
Âmbito e pressupostos
Em caso de urgência na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante, pode adoptar-se o procedimento de concurso público nos termos previstos na presente secção, desde que:
a) O valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos na alínea b) do nº1 e no nº2, do artigo 20º, consoante o caso; e
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
Uma das particularidades mais salientes do regime do concurso público urgente é a que consta do artigo 158º do CCP, relativamente ao prazo para a apresentação das propostas.
É a seguinte a redacção deste artigo 158º:
Artigo 158º
Prazo mínimo para a apresentação das propostas
O prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
2. 2. Verifica-se, assim, que, durante a vigência do citado DL nº 72-A/2010, o legislador entendeu estender o regime do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, aos contratos de empreitada, desde que ocorressem os pressupostos definidos nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 52º daquele diploma legal.
Analisemos, então, esta ampliação do regime do concurso público urgente às empreitadas de obras públicas, - e o caso em apreço em particular - começando por observar se se verificam os pressupostos exigidos pelo nº2, deste artigo 52º, do DL nº 72-A/2010, tendo em conta a matéria de facto dada por assente no probatório:
a) Um dos pressupostos da adopção do concurso público urgente, estabelecidos no nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010, de 18 de Junho, para a celebração de contratos de empreitada, é o de que o valor do contrato seja inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19º, do CCP.
No caso em apreço, o valor do contrato é de 780.000,01 €, o que significa que está abaixo do valor atrás referido, pelo que se mostra preenchido o dito pressuposto.
b) Outro pressuposto exigido para a adopção do citado concurso público urgente, é o de que o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
É o caso dos autos, em que, de harmonia com o Programa de Concurso, o critério de adjudicação da empreitada, é o da proposta de mais baixo preço, apresentada pelos concorrentes.
Está, pois, igualmente satisfeita a verificação deste requisito.
c) O terceiro dos pressupostos exigidos pelo nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010, de 18 de Junho, é o de que se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários.
Ora, face ao que consta da matéria de facto dada por assente, designadamente a que consta da alínea L) do probatório, temos que, no caso em apreço, já foi aprovada a candidatura a financiamento comunitário apresentada pela Câmara Municipal de Vouzela, no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro ("Mais Centro") embora ainda não tenha sido celebrado o respectivo contrato de financiamento com a Autoridade gestora do mencionado Programa.
Verifica-se, assim, que estão cumpridos todos os pressupostos que, no domínio do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010, de 18 de Junho, eram exigíveis para a adopção do mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP.
2. 3. Dissemos atrás que a adopção do procedimento de concurso público urgente, no caso vertente, constituía um mecanismo excepcional.
Ora a afirmação de que a previsão do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, constitui um mecanismo excepcional de aplicação do procedimento de concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP, tem por base o seguinte:
Por um lado, o DL nº 72-A/2010 é um diploma que visa estabelecer disposições relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 e não matérias relativas à contratação pública.
Por outra banda, o artigo 52º, deste diploma legal, tem por epígrafe, como se disse, "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços" e, não obstante, regula, num dos seus números, matéria concernente a empreitadas de obras públicas.
Além disso, se é certo que o artigo 155º do CCP define o âmbito e os pressupostos de aplicação do concurso público urgente, logo se vê que esta modalidade de concurso não está vocacionada, nem prevista, para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, o que, aliás, bem se compreende, dado que a apresentação de propostas, para este tipo de obras, se insere num procedimento pré-contratual mais elaborado e demorado, que se não compagina com o procedimento "aligeirado" que se encontra previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP.
Por isso, é que, ao prever a adopção do concurso público urgente, este artigo 155º estabelece que tal procedimento é aplicável em caso de urgência, e, por outro lado, na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou ainda de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante.
Ora, uma vez que o artigo 157º, nº2, do CCP, estabelece, relativamente ao concurso público urgente, que o programa de concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio do concurso, manifesto é que tal regime não é compatível com o conteúdo de um anúncio de abertura de um procedimento respeitante à celebração de um contrato de empreitada, pois que, como é óbvio, não é possível, designadamente, incorporar no anúncio os elementos de solução da obra que devem integrar o caderno de encargos, em conformidade com o que estabelece o artigo 43º, do mesmo Código.
Por outro lado, o artigo 158º do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
Ora, se repararmos na redacção do artigo 135º, nº1, do mesmo Código, logo verificamos que, de acordo com o seu nº1, para a apresentação de propostas num concurso público cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) não pode ser fixado um prazo inferior a 9 dias.
Além disso, e no que concerne, especificamente, ao procedimento para a formação de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo para a apresentação de propostas é de 20 dias, a contar do envio do anúncio do concurso para publicação no Diário da República.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, é que o CCP, no nº2, do mesmo artigo 135º, estabelece que aquele prazo mínimo, para a apresentação de propostas, pode ser reduzido em 11 dias, ou seja, pode a apresentação de propostas ser efectuada num prazo de apenas 9 dias.
Assim é que um prazo mínimo de 24 horas, para a apresentação de propostas - tal como fixado no artigo 158º, do CCP - podendo ser admissível num procedimento que tenha em vista à prestação de certos serviços, ou ao fornecimento de bens móveis, não se coaduna com a natureza dos contratos de empreitada.
É que tal prazo de 24 horas não se mostra conforme com as exigências que decorrem da observância do princípio da proporcionalidade - com assento constitucional - nem com o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência, nem ainda com o disposto no artigo 63º, nº 2, do CCP.
Na verdade, nos termos deste artigo 63º, nº2, do CCP, na fixação do prazo para a apresentação de propostas deve ser tido em conta o tempo necessário para a sua elaboração, em função da natureza, características, complexidade das prestações que constituem o objecto do contrato a celebrar.
Aliás, os elementos exigidos pelo artigo 57º, nºs 1 e 2, do CCP, para o conteúdo das propostas, mostram amplamente a complexidade que está associada à celebração de contratos de empreitada de obras públicas e que não é comparável, sequer, com o procedimento inerente à celebração de contratos de aquisição de serviços ou de aquisição de bens móveis.
Efectivamente, num procedimento conducente à formação de contratos de empreitada de obras públicas, as propostas dos concorrentes são constituídas pelos documentos mencionados no nº1, do artigo 57º do CCP e ainda pelos elementos referidos no nº2, deste normativo, ou seja: i) uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no projecto de execução; ii) um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do mesmo Código, quando o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução; iii) um estudo prévio, nos casos previstos no nº3, do artigo 43º do CCP, competindo a elaboração do projecto de execução ao adjudicatário.
2. 4. De acordo com o estabelecido no artigo 156º, nº1, do CCP, o procedimento de concurso público urgente rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes, ou que com estes seja incompatível.
Uma das formalidades essenciais a observar, no concurso público urgente, é, como se dispõe no artigo 157º, nº1, do CCP, a publicitação do mesmo no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
Por outro lado, devem constar do anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos, de harmonia com o definido no nº2, do mesmo artigo 157º, do CCP.
Acontece que a portaria, atrás referida, é a Portaria nº 701-A/2008 de 29 de Julho, a qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº1, al. b), contém no seu Anexo II, o modelo de anúncio de concurso público urgente.
Tal modelo especifica que o anúncio deste concurso deve incluir informação, designadamente, sobre o "objecto do contrato" (nº 2 do Anexo II), e, dentro deste, a designação do contrato, (3) com a descrição sucinta do seu objecto, bem como o tipo de contrato (4) (locação de bens imóveis/aquisição de bens móveis/aquisição de serviços), (5) para além do Programa de Concurso (nº12 do Anexo II) e do Caderno de Encargos (nº 13 do Anexo II), os quais são de preenchimento obrigatório.
Ora, no caso em apreço, o anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, mas não obedeceu ao modelo previsto na citada Portaria nº 701-A/2008 uma vez que não incluiu o Programa de Concurso, nem o Caderno de Encargos, tal como exigido no seu Anexo II., pelo que violado foi o disposto no citado artigo 157º, nº2, do CCP.
2. 5. Embora, como vimos, ocorram todos os pressupostos para a adopção, no caso sub judice, de um procedimento de concurso público urgente, tal como exigido pelo artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010, vejamos se se verifica um outro relevante pressuposto para a adopção do citado procedimento, qual seja o da ocorrência de uma situação de urgência.
Já vimos que se trata, aqui, de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas, que só pode ser objecto de um concurso público urgente, em face da existência de uma norma (artigo 52º, nº2, do DL nº 72- A/2010 de 18 de Junho) que o consente, mas, excepcionalmente, e dentro dos apertados termos a que acima aludimos.
Todavia, a adopção de um procedimento de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 155º e seguintes do CCP, tem, desde logo, um pressuposto prévio, que é determinante da sua admissibilidade, ou não, no caso em apreço: a circunstância de se estar perante um caso de urgência na celebração do contrato a que se destina.
O termo urgente veicula um conceito indeterminado.
Conceitos indeterminados ou conceitos standard, são, como referem J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, (6) aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa a que, na fase de aplicação, se deverá dar uma significação específica, em face de factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis.
Por isso, constituindo a urgência um conceito com esta natureza, torna-se necessário proceder a operações tendentes à sua concretização específica, o que passa pelo recurso a valores e após ponderação das circunstâncias de cada caso.
A urgência, como fundamento de um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos constitui, como salienta ANDRADE DA SILVA, (7) uma excepção à regra da concorrência nos termos gerais.
Uma vez que a caracterização e o preenchimento do conceito de urgência, carece apreciação casuística, pode afirmar-se que, para que uma situação possa ser considerada de urgência, terá que se estar perante um caso em que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária.
Há que assinalar, aliás, que a urgência se distingue da celeridade, dever que impende sobre a Administração, nos termos do disposto no artigo 57º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Na verdade, a celeridade procura atingir outros valores, designadamente a prontidão e a eficácia da acção administrativa.
Ao invés, uma situação de urgência tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses públicos. (8)
No caso sub judice, porém, não se configura qualquer situação de urgência, com estes contornos, que tenha sido determinante da adopção do modelo de concurso público urgente.
Como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea K) do probatório, quando questionada sobre a urgência justificativa da adopção do procedimento de concurso público urgente, a Câmara Municipal de Vouzela veio dizer que a adopção do concurso público urgente resultou das constantes solicitações de um conjunto de investidores, junto do Município, visando a obtenção de espaços para edificação de indústrias, e que, dada a plena ocupação das zonas industriais do concelho, o Município estava impossibilitado de disponibilizar tais espaços.
Por outro lado, invocou a mesma Câmara o estado actual da economia e a necessidade de contribuir para o seu estímulo.
Referiu, ainda, a Edilidade de Vouzela a circunstância de ter interesse em aproveitar o financiamento comunitário para a obra e que a o desaproveitamento desse financiamento se traduziria numa grande perda para o Município.
Ora, as razões apresentadas pela Câmara Municipal de Vouzela, podendo justificar a realização da empreitada aqui em causa, bem como as diligências empreendidas para o aproveitamento do financiamento comunitário, não evidenciam a existência de uma situação de urgência, com os contornos acima descritos, que justifique a premência da realização da obra e o recurso ao procedimento pré-contratual utilizado.
Assim, não se mostrando existir uma situação de urgência na efectivação da empreitada relativa às "Zonas Industriais do Concelho - Zona Industrial de Queirã", a que se refere o presente contrato, motivo não havia para a adopção do concurso público urgente previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, não obstante essa modalidade poder ser utilizada ex vi da verificação dos pressupostos indicados nas alíneas a), b) e c) do nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho.
2. 6. No caso em apreço, e com a utilização do concurso público urgente, foi estabelecido, no respectivo Anúncio de abertura, que a apresentação de propostas deveria ser efectuada no prazo de três dias a contar da data do envio, para publicação, do dito anúncio.
Embora, como se disse acima, o artigo 158º do CCP estabeleça que o prazo mínimo, para a apresentação de propostas, num concurso público urgente, é de vinte e quatro horas, cabe aqui indagar da admissibilidade e da conformidade legal de tal prazo, no caso vertente.
Na verdade, como vimos atrás, por ausência de verificação de uma situação de urgência, não era possível, para a celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, recorrer-se a um procedimento de concurso público nos termos previstos na Secção VII, do Capítulo II, do Título III, da Parte II, do CCP.
Assim, cabe perguntar se, para a apresentação de propostas para um concurso de empreitada de obras públicas, é suficiente o prazo de três dias, tal como foi estabelecido no caso em apreço.
É que será questionável se o referido prazo de três dias permite a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas para a realização da obra posta a concurso.
Além disso, também se pode questionar se aquele prazo de três dias permite o acesso, ao concurso, do mais vasto leque possível de concorrentes e, com isso, a observância dos princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.
Para estas questões, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, importa recordar que, como se assinalou atrás, o artigo 135º, nº1, do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, no caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, é de 20 dias, a contar do envio, para publicação, do respectivo anúncio de abertura.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos é que a lei consente que tal prazo mínimo pode ser diminuído, e, ainda assim, não pode ser inferior a 9 dias.
Ora, tratando-se, no caso em apreço, de uma empreitada relativa a zonas industriais, e tendo presente quer o valor do contrato aqui em causa, quer o prazo de execução da empreitada, não poderá, de modo algum, dizer-se que se está perante trabalhos com manifesta simplicidade.
Mas, ainda que assim fosse, o certo é que o prazo para a apresentação das propostas, que foi fixado, é bastante inferior, até, ao prazo mínimo de 9 dias, definido legalmente para a apresentação de propostas relativas a uma obra que tenha essa natureza!
Reconhecendo-se, porém, à entidade adjudicante, alguma margem de liberdade na fixação do prazo de apresentação de propostas, pelos operadores económicos que desenvolvem a sua actividade no mercado, tal liberdade está, todavia, limitada pela observância dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser utilizada de modo a assegurar e respeitar estes princípios.
Aliás, e a este respeito, não pode deixar de se referir que o já citado artigo 63º, do CCP, que tem por epígrafe "Fixação do prazo para a apresentação das propostas", estabelece no seu nº2 que "na fixação do prazo para a apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar ... bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou a equipamentos por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência".
Por outro lado, como acentuou o Acórdão de 25 de Março de 2010, do Tribunal Central Administrativo Norte,[9] na concretização dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devem ainda ser observados os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes, por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos, por parte dos interessados em contratar.
Além disso, importa reter que o prazo para apresentação de propostas é uma matéria a que a Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, dá especial relevo.
Na verdade, o artigo 38º, nº1, desta Directiva, determina que as entidades adjudicantes, ao fixarem os prazos de recepção das propostas e dos pedidos de participação, deverão ter em conta, especialmente, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas. A este propósito deve, também lembrar-se que o nº4, do mesmo artigo 38º, estabelece que no caso de as entidades adjudicantes terem publicado um anúncio de pré-informação, o prazo mínimo para a recepção das propostas pode ser reduzido, mas nunca para menos de 22 dias.
Por outra banda, deve salientar-se que o recentemente publicado decreto-lei de execução orçamental para 2011 - o DL nº 29-A/2011 de 1 de Março - continuando, embora, a permitir a adopção do procedimento de concurso público urgente, na celebração de contratos de empreitada, verificados que sejam os pressupostos que já eram exigidos pelo nº2, do artigo 52º do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, - o que, como se disse acima, não é uma solução compatível com o formalismo e a disciplina dos contratos de empreitada de obras públicos, previstos no CCP - estabelece, no seu artigo 35º, nº6, que a tal procedimento é aplicável o prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas.
A celeridade é um elemento essencial de um Estado de Direito.
Porém, como resulta da lição de MARTIN BULLINGER, (10) a necessidade de celeridade, pode, também, ser olhada como um perigo para este mesmo Estado de Direito, já que pode conduzir a uma consideração da factualidade e da situação jurídica, sem a profundidade exigida para uma correcta aplicação da lei, e, dizemos nós, ao atropelo de princípios fundamentais que a lei - e as Directivas Comunitárias - entenderam salvaguardar sem tibiezas.
2. 7. Nesta conformidade, resulta de todo o exposto que, no caso em apreço, foi utilizado um procedimento que não garante, para além do princípio da proporcionalidade, o respeito pelos princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade previstos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos e desrespeita ainda o disposto no artigo 63º, nº2, do CCP.
3. Vejamos, agora, as consequências jurídicas das violações de lei atrás indicadas:
As ilegalidades verificadas, sendo susceptíveis de restringir o universo de potenciais concorrentes, são, do mesmo modo, susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato.
Assim, enquadram-se tais ilegalidades no disposto no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, quando este prevê a existência de uma "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro".
Ora, quando a lei - referindo-se a um acto, ou contrato ou outro instrumento gerador de despesa ou representativo de responsabilidades - alude a uma "ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", pretende significar, como é jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal, que basta o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
Por isso é que tal ilegalidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea c), do nº 3, do artigo 44º, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3 do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 10 de Maio de 2011.
Os Juízes Conselheiros
(António M. Santos Soares, relator)
(Helena Abreu Lopes)
(João Figueiredo)
Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal)