Acórdão n.º 34/2010, de 14 de Outubro de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 810/2010)

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ACÓRDÃO Nº 34 /10 - 14.OUT. 2010/1ª S/SS

Proc. nº 810/2010

 
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
 

I - RELATÓRIO
  

A Câmara Municipal de Fafe remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de prestação de serviços celebrado em 28 de Maio de 2010, entre o Município de Fafe e o consórcio formado pelas empresas "Ecoambiente - Consultores de Engenharia, Gestão e Prestação de Serviços, SA" e "Horto Casimiro - Espaços Verdes, Lda.", pelo valor de € 5.895.140,00 acrescido de IVA, tendo por objecto a "Recolha de resíduos sólidos e limpeza e higiene urbana do concelho de Fafe".
 

II - MATÉRIA DE FACTO 
 

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) Por deliberação tomada em 16 de Julho de 2009, a Câmara Municipal de Fafe aprovou a abertura de um concurso público internacional para a aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos e limpeza e higiene urbana do concelho de Fafe;
B) O contrato supra referido foi precedido de um concurso público cujo anúncio de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 8 de Setembro de 2009 e no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) de 9 de Setembro do mesmo ano;
C) Ao concurso apresentaram-se 9 concorrentes, tendo sido excluídos dois;
D) Em 3 de Março de 2010, o júri do procedimento elaborou o Relatório Final onde, apreciando as propostas apresentadas pelos concorrentes, veio a propor que a adjudicação fosse efectuada ao consórcio indicado no ponto I;
E) Em 18 de Março de 2010 a Câmara Municipal de Fafe deliberou adjudicar a prestação de serviços ao citado consórcio pelo valor de 5.895.140,00 €;
F) Nos termos do artigo 5º, nº1, do mesmo Programa de Concurso, o prazo de execução do contrato é de 8 anos, podendo ser prorrogado por uma única vez, por igual período, desde que não seja denunciado por uma das partes até 12 meses da data de conclusão prevista;
G) O critério de adjudicação previsto no artigo 22º do Programa de Concurso é o da proposta economicamente mais favorável e contempla a ponderação dos seguintes factores:

1. Regime dos preços - 50%

2. Mérito técnico da proposta - 50%.

H) A cláusula 5ª do Contrato prevê que este vigora durante um prazo de 8 anos, prorrogável por igual período, desde que não seja denunciado por nenhum dos outorgantes até doze meses da data de conclusão prevista, nos termos do artigo 5º do Programa do Procedimento;
I) Questionada a Câmara Municipal de Fafe sobre a legalidade do prazo fixado para a execução do contrato, face ao estabelecido no artigo 440º, nº1, do CCP, aplicável ex vi do artigo 451º do mesmo Código, veio a mesma entidade juntar um documento elaborado, pelos seus Serviços, no qual se conclui o seguinte (1):

"Como conclusão, somos de parecer que, face ao montante de investimento financeiro que é necessário fazer para prestar o serviço, o prazo de 8 anos para a vigência será aquele que mais se coaduna com o princípio da prossecução do interesse público, tendo em conta que será o período necessário para a amortização e remuneração do investimento que o particular tem de realizar para a adequada prestação do serviço.".

J) A Câmara Municipal de Fafe foi, de novo, interpelada, questionando-se a legalidade do prazo estabelecido para a execução do contrato e para reponderar uma alteração da cláusula 5ª do contrato, no que se refere, designadamente, à possibilidade de prorrogação do citado prazo, tendo vindo a responder, em síntese, o seguinte (2):

"... Pelas razões já referidas nas comunicações anteriores, o Município de Fafe lançou o concurso em causa pelo período de 8 anos, eventualmente prorrogável por mais oito anos, na convicção de que só desta forma estaria salvaguardado o interesse público e a estabilidade da execução das prestações, tendo presente que o volume de recolha de RSU's poderá ser inferior ao previsto no Caderno de Encargos, face ao reflexo que a crise económica e financeira tem no consumo das famílias, e de que nas prestações de serviço há necessidade de assegurar condições de estabilidade, não esquecendo que ao Município terá de assegurar também em permanência a prestação desses serviços essenciais aos munícipes.
A execução do contrato ao longo destes oito anos dará ao Município um conhecimento mais preciso das suas implicações e habilitá-lo-á a tomar uma decisão quanto à prorrogação ou não do prazo, faculdade salvaguardada na Cláusula Quinta do contrato, que permite ao Município o direito de denunciar o contrato, com a antecedência de doze meses, o que fará por certo se estiver em causa ou houver razões de interesse público, que o justifiquem.
Reponderar tal cláusula de prorrogação como pretende esse Douto Tribunal, nesta fase, obrigaria a que o Município tivesse já em seu poder razões de interesse público ou que não estivesse garantido o equilíbrio financeiro do contrato, sobre o qual também não tem indícios para sequer se pronunciar.
Mais grave, ainda, é no nosso entender, a legitimidade e a fundamentação legal para tal alteração da cláusula, já que redundaria numa modificação contratual, que só se justificaria por razões iminentes de interesse público.
A doutrina e jurisprudência são unânimes a defender que qualquer alteração ou modificação aos contratos ou condições de concurso, após procedimentos concorrenciais, põe por em causa os interesses da transparência e da objectividade acautelados nesse concurso.
E que, as modificações, a efectuar-se, mesmo que existam razões de interesse público e respeito pelo objecto do contrato pelo equilíbrio financeiro do mesmo, terão de respeitar os princípios constitucionais e legais da concorrência, igualdade e transparência.
Ao fazer-se uma alteração à cláusula do contrato e do Programa do procedimento do Concurso, estaríamos a alterar um dos pressupostos que estiveram na base do procedimento competitivo através do qual foi feita a escolha da proposta adjudicada.
O prazo constante do procedimento foi, por certo, condicionante da proposta apresentada e também para o repensar de outros operadores económicos poderem eventualmente terem concorrido ou não.
O prazo de duração é uma das condições essenciais de um contrato de aquisição de serviços e a sua alteração no caso presente, não estava prévia e expressamente autorizada e como tal, a fazer-se, não seria indiferente à luz dos critérios do procedimento de adjudicação e dos interesses económicos em jogo.
Daí, no nosso entender, a alteração do prazo só deverá ser efectuado quando houver razões de interesse público ou seja imperioso equilibrar a protecção do interesse público com a protecção da concorrência, o que, no caso presente e face ao estado do processo, deverá ter lugar antes de findo o prazo de oito anos e aquando do exercício do direito de denúncia previsto...".

III- O DIREITO 
 

1. Suscita-se, neste processo, a questão da legalidade do prazo estabelecido para a vigência do contrato de prestação de serviços celebrado entre o Município de Fafe e o consórcio formado pelas empresas indicadas no ponto I (Relatório), deste Acórdão.

2. Vejamos, então, o tratamento a dar a esta questão:

Como se alcança da matéria de facto dada por assente na alínea H) do probatório, a cláusula 5ª do contrato prevê que este vigore por um prazo de 8 anos, prorrogável por igual período, desde que não seja denunciado por nenhuma dos outorgantes até doze meses da data de conclusão prevista, nos termos do artigo 5º do Programa do Procedimento.
Ao prazo de vigência dos contratos de aquisição de serviços, é aplicável o disposto no número 1, do artigo 440º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), ex vi do artigo 451º, do mesmo Código.
Ora, dispõe o artigo 440º, nº1, do CCP o seguinte: 

Artigo 440º
Prazo
1 - O prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que constituem o seu objecto, salvo se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução.
2 - ....................................................................

Quando foi questionada sobre a legalidade do prazo de vigência do contrato e, designadamente, para reponderar a redacção da cláusula 5ª do contrato, sobretudo quanto à possibilidade de prorrogação do mesmo por novo período de oito anos, a Câmara Municipal de Fafe veio aduzir as razões que constam, da alínea J) do probatório.
Entre as justificações apresentadas figura o facto de que a Autarquia entende que só daquela forma estava salvaguardado o interesse público e a estabilidade da execução das prestações.
Além disso, referiu que nas prestações de serviço havia a necessidade de assegurar condições de estabilidade, não esquecendo que o Município tem que assegurar também em permanência a prestação desses serviços essenciais aos munícipes.
Por outro lado salientou que a jurisprudência e a doutrina eram unânimes em defender que qualquer alteração ou modificação aos contratos ou às condições do concurso, após procedimentos concorrenciais, põe em causa os interesses da transparência e da objectividade acautelados nesse concurso.
Concede-se que um prazo de três anos de vigência do contrato, - incluindo prorrogações - como estabelece o artigo nº1, do artigo 440º do CCP, aplicável ex vi do artigo 451º do mesmo compêndio normativo, seria, no caso em apreço, um prazo demasiado curto e inadequado para garantir, quer a estabilidade do contrato, quer a amortização e a rentabilidade do investimento a efectuar com vista à prestação dos serviços que aqui estão em causa.
Por isso, será possível recorrer ao disposto no nº1, do mencionado artigo 440º do CCP, que, contemplando a eventualidade de uma situação deste género, possibilita um alargamento deste prazo, quando tal se revele necessário ou conveniente, em face da natureza das prestações.
Nesta linha de pensamento, poderia ser possível o estabelecimento de um prazo como aquele que foi estabelecido para a duração inicial do contrato, ou seja, um prazo de oito anos, tendo em conta precisamente o volume deste investimento e a amortização do seu montante.
Todavia, a possibilidade de prorrogação da vigência do contrato é que é manifestamente excessiva, face ao espírito e à letra do mencionado artigo 440º, nº1, do CCP.
Com tal prorrogação, o prazo de vigência do contrato poderia atingir os 16 (dezasseis ) anos, o que ultrapassa largamente o período consentido pela lei, sendo que tal prazo já deverá incluir as suas eventuais prorrogações.
A eternização da vigência do contrato tem como consequência a compressão do princípio da concorrência, e, por arrastamento, a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato.
Efectivamente, nada garante que, após os oito anos iniciais de vigência do contrato, e após o adequado procedimento pré-contratual, e com a publicidade que este asseguraria, não apareceria um ou mais concorrentes a apresentar propostas mais convenientes e atractivas para a prestação dos serviços aqui em causa.
Deve, até, acrescentar-se que, num tempo em que é acentuado o desenvolvimento tecnológico, e forte a concorrência entre as empresas, é grande a probabilidade de virem a ser obtidas, após os oito anos, melhores condições (quer económicas, quer tecnológicas e de eficiência) de prestação dos serviços ora contratados.
Estamos, pois, perante a violação do disposto no artigo 440º, nº1 do CCP - aplicável por força do disposto no artigo 451º do mesmo código - bem como no artigo 1º, nº4, ainda do mesmo diploma legal.
Atendendo ao que se referiu atrás, esta ilegalidade tem potencialidade suficiente para alterar o resultado financeiro do contrato, com agravamento do seu valor.
Ora, deve referir-se que o fundamento de recusa do visto estabelecido no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, se verifica no caso de existência de "... ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro" do contrato.
Com esta expressão literal, pretendeu o legislador dizer que basta o simples risco ou perigo de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do resultado financeiro do contrato.

É , pois, este o caso sub judice.

IV - DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao contrato em apreço.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio). 
Lisboa, 14 de Outubro de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator)- (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás) 

Fui presente, - O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Vide fols. 255 a 259 dos autos.
(2) Pelo ofício nº 12859/2010 de 12-10-2010.