ACÓRDÃO Nº 33/11 - 06.DEZ. 2011 - 1ª S/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 10/2011-R
(Processo de fiscalização prévia nº 55/2011)
SUMÁRIO:
1. O procedimento de concurso público urgente é um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional. Por isso, carece de ser devidamente justificado, devendo ainda ter-se presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.
2. O disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 deve ser conjugado com o regime constante dos artigos 155.º do CCP quanto à necessidade de demonstrar que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual.
3. O acto de escolha do procedimento deve ser fundamentado nos termos estabelecidos no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA, contendo os motivos de facto que provocam a actuação administrativa.
4. Nos termos do artigo 158.º do CCP, a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação do prazo para apresentação de propostas, mas o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação. Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas.
5. As propostas para a realização de empreitadas envolvem uma análise aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias. Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada.
6. Não se pode afirmar, sem dúvidas, que o prazo de 5 dias para apresentar propostas, contendo-se nos limites da discricionariedade então aplicáveis, é, em concreto, manifestamente violador do princípio da proporcionalidade. No entanto, a sua fixação carecia de ser devidamente fundamentada.
7. De acordo com o disposto no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho, o anúncio dos concursos públicos urgentes deve integrar o teor do respectivo Programa de Concurso e do respectivo Caderno de Encargos.
8. As ilegalidades assinaladas eram susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadravam o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC. Não obstante, as justificações entretanto apresentadas e as circunstâncias concretas do caso permitem e aconselham a utilização do mecanismo previsto no artigo no n.º 4 do mesmo artigo.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2011
Relatora: Helena Abreu Lopes
ACÓRDÃO Nº 33/11 - 06.DEZ. 2011 - 1ª S/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 10/2011-R
(Processo de fiscalização prévia nº 55/2011)
RELATÓRIO
I.1. Pelo Acórdão n.º 13/11 - 15.MAR.2011- 1.ª S/SS, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato de empreitada para a "Ponte Metálica de Praia do Ribatejo sobre o Rio Tejo. Reabilitação e Reforço Estrutural do Tabuleiro Rodoviário para Veículos Ligeiros e de Emergência", celebrado em 11 de Janeiro de 2011, entre o Município de Constância e a sociedade "TECNOVIA - SOCIEDADE DE EMPREITADAS, SA", pelo valor de € 1.849.657,19, acrescido de IVA.
I.2. A recusa do visto, proferida, em 15 de Março de 2011, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artº 44º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (1), teve por fundamento ilegalidades na utilização da figura do concurso público urgente, tal como previsto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP) (2).
A decisão recorrida considerou que não se mostrava existir uma situação de urgência na efectivação da obra que justificasse a adopção do concurso público urgente, que foi fixado um prazo insuficiente para a apresentação das propostas e que o anúncio do concurso não obedeceu ao modelo legalmente fixado.
I.3. Inconformado com o Acórdão, o Município veio dele interpor recurso, em 1 de Abril de 2011, pedindo a concessão de visto ao contrato.
Em defesa do pretendido apresentou as alegações processadas de fls. 2 a 13 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, e de que se destacam as seguintes conclusões:
"(...) VI. Encontra-se verificado o pressuposto da urgência, na medida em que se verificou o encerramento da ponte devido à gravidade das patologias detectadas que representava uma situação de perigo eminente e actual para a segurança da circulação rodoviária, o que determinava que se agisse de imediato para se repor as condições de segurança da referida obra de arte.
VII. Este encerramento originou de imediato problemas graves na vida das populações, uma vez que esta obra de arte constitui o único atravessamento local, entre as duas margens do Tejo, que liga Constância-Sul e Praia do Ribatejo (Vila Nova de Barquinha), sendo atravessada diariamente por cerca de 4.000 viaturas.
VIII. Constituindo a única via, numa extensão de cerca de 40 Km do Tejo, de acesso às valências hospitalares de Tomar e de Torres Novas, bem como a viaturas pessoais e de serviço das instalações do complexo militar de Santa Margarida, e ainda o acesso mais fácil para viaturas de socorro a vítimas de acidentes, incêndios e outras catástrofes, a partir do Quartel de Bombeiros de Constância, para a margem sul, incluindo zonas de Abrantes e Chamusca.
IX. Tendo afectado profundamente as ligações de complexos industriais como a CAIMA e a Mitsubishi para além de outras pequenas indústrias situadas na margem sul e dificultando seriamente a mobilidade de pessoas entre as duas margens para acederem aos serviços municipais, aos de saúde e a outros serviços públicos como o acesso à única Escola Secundária do Concelho e ainda à grande via de ligação que é a A23.
X. Atingindo também os serviços de apoio social da Santa Casa da Misericórdia de Constância que ficaram extraordinariamente onerados pela necessidade de efectuar percursos alternativos, através das pontes de Abrantes e Chamusca (mais de 40 Km) ou efectuar travessias de barco com equipamentos e acessórios de transporte para apoios domiciliários.
XI. À Câmara Municipal ficaram cometidos elevados encargos adicionais com viaturas e pessoal em deslocações entre as duas margens para garantir os transportes escolares e de outras actividades, vendo ainda reduzir drasticamente o número de utilizadores de equipamentos como piscinas, ginásio e pavilhão desportivo que, mantendo as mesmas despesas de funcionamento, viram, substancialmente, reduzidas as receitas provenientes do número de utilizadores, que diminuiu.
XII. Para minimizar o desconforto e os constrangimentos sofridos pelas populações, causados pelo encerramento da ponte, tornou-se ainda indispensável assegurar a permanência de um barco para a travessia do Tejo (com riscos e encargos materiais e humanos), durante 19h diárias consecutivas - desde as 05h30 às 00h30 - e ainda um comboio especial para assegurar o reforço do transporte rodoviário de alunos da margem sul para a Escola Secundária.
XIII. Estava assim perante uma situação de urgência de celebração de um contrato que viabilizasse a empreitada necessária, de forma a restabelecer o acesso por aquela infra-estrutura, com segurança, o mais rapidamente possível, evitando a escalada de encargos financeiros, económicos e sociais que o encerramento da ponte estava a provocar.
XIV. Demonstrada a urgência que fundamenta a adopção do concurso público urgente em causa, fica prejudicado o entendimento do douto Acórdão quanto à desproporcionalidade e ilegalidade do prazo de 5 dias conferido no anúncio publicado para apresentação das propostas.
XV. O prazo mínimo legal para apresentação de propostas no concurso público urgente para contratação de empreitadas é de 24 horas - artigos 156.º e 158.º do CCP.
XVI. Acrescentando ainda que a obra objecto do presente contrato não é tecnicamente complexa como resulta do Caderno de Encargos, melhor desenvolvido nos artigos 37.º e 38.º supra, será forçoso concluir que o prazo de 5 dias é legal e adequado e proporcional à apresentação de propostas para a execução do contrato, não representando qualquer restrição ao exercício da livre concorrência.
XVII. No que respeita ao facto de quer o programa do concurso quer o caderno de encargos não constarem do anúncio publicado, há que referir que tal não obstou a que os concorrentes tivessem um acesso livre e gratuito a estas peças, por referência expressa do anúncio - pontos 12 e 13, à plataforma electrónica onde estas peças se encontravam publicadas, podendo qualquer interessado aceder-lhes.
XVIII. Estando assim respeitados os princípios da publicidade, da transparência, liberdade e igualdade de acesso de todos os interessados.
XIX. A paragem da obra resultante da manutenção da recusa do visto implica avultados prejuízos e encargos económicos, financeiros e sociais, salientando-se a perda do financiamento no âmbito do QREN com todas as consequências daí decorrentes para as populações que utilizam aquela infra-estrutura rodoviária (...)"
I.4. Pelo ofício n.º 03774, de 9 de Agosto de 2011, o Município veio invocar o visto entretanto concedido em processos similares e acrescentar:
"(...) a fixação de um prazo mais curto, mas dentro da lei, foi determinada fundamentalmente pela necessidade de permitir o enquadramento da obra no QREN, e ao abrigo do disposto no artigo 52.º do DL n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, aproveitando a oportunidade imperdível para se restabelecer a ligação entre as margens sul e norte, que fora interrompida, havia meses, por razões técnicas."
I.5. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal de Contas emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, uma vez que o procedimento não evidenciou respeito pelos princípios gerais da contratação pública, designadamente quanto ao prazo concedido para a apresentação das propostas, o qual inviabilizou um procedimento verdadeiramente aberto e concorrencial.
I.6. Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DOS FACTOS
Da factualidade fixada no Acórdão recorrido e constante do processo de 1.ª instância ressaltam-se os seguintes aspectos:
A) O contrato foi precedido de concurso público urgente, com invocação do disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP;
B) A abertura do procedimento pré-contratual foi autorizada por deliberação da Câmara Municipal de Constância, de 9 de Dezembro de 2010, tendo por base uma informação produzida pelos serviços camarários, de 6 de Dezembro de 2010, não contendo nenhum destes documentos qualquer explicitação das razões factuais para a escolha do procedimento de concurso público urgente;
C) Questionada a autarquia sobre as razões em que se baseou para a adopção do procedimento pré-contratual de natureza urgente, veio a mesma referir no ofício n.º 749, de 8 de Fevereiro de 2011:
"(...) A obra em causa foi considerada urgente nos termos das Resoluções da Assembleia da República, respectivamente n.º 124/2010, de 12/11/2010, e n.º 6/2011, de 26/01/2011, de que se juntam cópias.";
D) Através da Resolução nº 124/2010, publicada no Diário da República, 1ª série, de 12 de Novembro de 2010, A Assembleia da República resolveu recomendar ao Governo que desse "prioridade à resolução da situação da Ponte de Constância" e definisse a "reabilitação e reabertura da Ponte de Constância, enquanto infra-estrutura de interesse regional, como um investimento prioritário, assegurando a sua gestão e manutenção";
E) Com a Resolução nº 6/2011, publicada no Diário da República, 1ª série, de 26 de Janeiro de 2011, a Assembleia da República resolveu recomendar ao Governo "uma solução calendarizada, célere e definitiva para a reabertura da Ponte de Constância, enquanto investimento prioritário para a região", o que passaria pela concretização célere e eficaz de um protocolo para o início das obras, pela rápida pronúncia das entidades tuteladas pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (REFER e EP) e, ainda, pela nomeação de uma comissão de acompanhamento e o envio de relatórios periódicos à Comissão Parlamentar de Obras Públicas, Transportes e Comunicações da Assembleia da República;
F) O anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, 2.ª Série, em 13 de Dezembro de 2010, e foi publicado nesse mesmo dia;
G) O ponto 9 do anúncio de abertura do concurso estabeleceu que as propostas deveriam ser apresentadas no prazo de 5 dias a contar da data do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
H) Desse anúncio constavam, entre outros aspectos, a indicação do serviço onde se encontravam disponíveis as peças do concurso para consulta dos interessados, a informação de que o meio electrónico para a apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.vortalgov.pt) e a informação de que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos se encontravam integralmente disponibilizados, de forma gratuita, na referida plataforma electrónica;
I) O critério de adjudicação era o do mais baixo preço;
J) Ao concurso apresentaram-se seis concorrentes;
K) A adjudicação foi efectuada em 22 de Dezembro de 2010 e o contrato celebrado em 11 de Janeiro de 2011;
L) O prazo de execução da obra é de 540 dias;
M) A obra dispõe da concessão de um apoio financeiro, no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro/FEDER, de 80% do investimento elegível, aprovado em 17 de Fevereiro de 2011;
N) Questionada a autarquia sobre a compatibilidade da complexidade da obra a executar com o prazo de 5 dias concedido para a apresentação de propostas, a mesma referiu:
"O projecto e respectivo caderno de encargos foram desenvolvidos sob a responsabilidade directa da Estradas de Portugal, S.A., tendo sido considerado como adequado o prazo de 5 dias para apresentação de propostas, face à urgência na execução da empreitada em apreço, conforme já foi justificado através do nosso ofício n.º 749, de 8/02/2011, nos termos das Resoluções da Assembleia da República, respectivamente n.º 124/2010, de 12/11/2010 e n.º 6/2011, de 26/01/2011, das quais se juntaram cópias.
Mais se informa que, apesar do valor da empreitada em causa, o mapa de quantidades de trabalho, e consequentemente a lista de preços unitários constante na proposta da empresa adjudicatária é de apenas 6 páginas, pois existem artigos de medição com grandes quantidades, que se traduzem em valores finais elevados, que justificam plenamente o prazo exigido...".
O) No documento a fls. 102 do processo de 1.ª instância, relativo à aprovação da candidatura a financiamento comunitário, referia-se, como antecedentes da presente obra, que a ponte em causa havia sido encerrada ao tráfego rodoviário em Julho de 2010, na sequência de inspecções que concluíram que a mesma apresentava:
" (...) elevado grau de corrosão disperso por todos os elementos da estrutura, em especial nos banzos das vigas principais, onde se verifica corrosão intersticial acentuada originando empenos significativos (...) e a existência de anomalias de carácter estrutural nos montantes originada por danos mecânicos, ao nível da lage e da zona superior do tabuleiro que poderá pôr em causa o pleno desempenho da estrutura (fracturas e empenos). Face ao elevado estado de degradação dos materiais e rotura dos elementos estruturais, o colapso poderá ocorrer sem aviso prévio."
O mesmo documento referia os constrangimentos decorrentes do encerramento da ponte e a urgência de proceder à reabertura da mesma.
II.2. DO PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO
II.2.1. Da modalidade de concurso público urgente
Conforme já foi acima referido, a empreitada em apreço foi contratada através de um procedimento de concurso público urgente.
Vejamos em que consiste esta modalidade de procedimento.
O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspectos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objectivos de selecção e a fundamentação da escolha.
Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.
Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:
- O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
- O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
- Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
- Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
- Não se prevêem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
- Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
- Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
- Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
- Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
- Não há lugar à prestação de caução para garantia da celebração do contrato e do exacto e pontual cumprimento das obrigações dele decorrentes;
- O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
- Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
- Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
- O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.
Como facilmente se conclui, esta procedimentação envolve riscos acrescidos para a administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, sendo o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou rectificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correcções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projectos) mais elaborados, não é possível à entidade pública co-responsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (3), recaindo todos os custos de correcções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Estes riscos são ainda agravados pela não prestação de caução que garanta a boa execução contratual.
Em suma, a administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correcções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter rectificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objectivo de garantir efectivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excepcional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efectiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excepcional.
Mas mais.
Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adopção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (4), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adoptar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (5).
Ou seja, previu-se que, excepcionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excepcional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adoptado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excepcionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excepcional que carece de ser devidamente justificado e devem ter presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da actuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.
II.2.2. Dos pressupostos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente às empreitadas de obras públicas
Como acima apontámos, a autarquia adoptou, no caso, o concurso público urgente, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e nos artigos 155.º e seguintes do CCP.
Como também já referimos, o artigo 52.º do referido Decreto-Lei n.º 72-A/2010 permitiu que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, pudesse adoptar-se aquela modalidade de procedimento para a formação de contratos de empreitada de obras públicas, o que, normalmente não seria consentido pelo regime do CCP.
Ora, estando nós precisamente perante um contrato de empreitada, importa apurar se, no caso, se verificaram as circunstâncias previstas naquela norma legal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, a aplicação do regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP a procedimentos de contratação de empreitadas só poderia ter lugar desde que cumulativamente:
a) Estivesse em causa um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato fosse inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP;
c) O critério de adjudicação fosse o do mais baixo preço.
Tanto os factos elencados como o teor do Acórdão recorrido apontam para a verificação, no caso, dos requisitos referidos (6).
II.2.3. Dos pressupostos específicos para a aplicação da modalidade de concurso público urgente
Mas é suficiente a verificação objectiva do co-financiamento comunitário para dar por constatada a situação de urgência que justifica o recurso a esta modalidade procedimental?
A verdade é que continua a dever aplicar-se ao caso o regime dos artigos 155.º e seguintes do CCP, com ele necessariamente articulando o estabelecido no referido artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010.
Ora, este artigo estabelece que o procedimento de concurso público urgente só pode adoptar-se em caso de urgência, como, aliás, é de óbvio bom senso e é imposto pela excepcionalidade do instituto e pelo aplicável princípio da proporcionalidade.
Como refere o acórdão recorrido, no seu ponto III.4, este requisito exprime-se por um conceito indeterminado, a preencher pelo recurso a valores e às circunstâncias de cada caso.
Considerando que estamos perante um desvio à tramitação normal do concurso público, que, como acima apontámos, implica o sacrifício de relevantes interesses públicos e de relevantes interesses dos concorrentes, acompanhamos o entendimento da 1.ª instância no sentido de que só poderia dar-se por verificada a exigida situação de urgência se se demonstrasse que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária a uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que se deva sobrepor àqueles interesses, por ameaçar seriamente a satisfação de um interesse público de maior relevo ou prioridade.
Ora, o acto de autorização da abertura do concurso em causa não continha qualquer fundamentação factual que explicitasse por que razão era imprescindível adoptar um concurso público urgente.
Por outro lado, no entender do Acórdão recorrido, as invocadas resoluções da Assembleia da República apontavam tão só para a prioridade da obra, mas não para uma situação de manifesta urgência, como seria pressuposto da adopção do concurso público urgente.
Em sede de recurso, vêm agora explicitar-se as razões para a urgência da obra (7).
Para além do que consta das conclusões, e que foi acima transcrito, as alegações de recurso explicam ainda o âmbito dos vários pareceres técnicos emitidos sobre as alternativas de substituição do tabuleiro rodoviário actual em comparação com a reabilitação e reforço do mesmo, os fundamentos da opção pela reabilitação e pelos condicionamentos de trânsito inerentes a essa solução, a entrega do projecto apenas em 19 de Novembro de 2010 e a fixação de um prazo parcelar vinculativo para os trabalhos da primeira fase, o qual permitiria a rápida reabertura da ponte ao tráfego, muito antes da conclusão integral da obra.
No entender da autarquia, as circunstâncias descritas configuravam efectivamente uma situação de "perigo iminente e actual que ameaça a satisfação de certo interesse público", caracterizadora de uma situação de urgência na actuação da Administração Pública, a qual tornava admissível o recurso ao concurso público urgente.
Nas alegações referem-se ainda a incapacidade financeira do município para proceder a lançamento de novo concurso, uma vez que em 2011 já não dispõe de financiamento do QREN, cuja eventual candidatura, na conjuntura actual, não seria admitida pela CCDRC, bem como os custos financeiros e sociais inerentes ao eventual encerramento da ponte por falta de execução das intervenções necessárias a assegurar as condições de segurança da estrutura.
Não obstante a inexistência de fundamentação atempada, consideramos que a análise da situação perante os factos agora expostos permite concluir pela urgência da empreitada e pela necessidade de adoptar um concurso público urgente como via de obter e manter o imprescindível financiamento comunitário da mesma, o que se compatibiliza com as finalidades prosseguidas pelo legislador do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e com o princípio da proporcionalidade.
No entanto, assinala-se a ilegalidade do acto de escolha do procedimento, por violação do dever de fundamentação estabelecido no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
II.2.4. Do prazo para a apresentação de propostas
O acórdão recorrido referiu ainda outros vícios, como seja a insuficiência do prazo fixado para apresentação de propostas.
Como se refere nesse acórdão, o artigo 158.º do CCP estabelece que, num concurso público urgente, o prazo mínimo fixado para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas.
Daqui decorre que a entidade adjudicante tem uma razoável margem de liberdade na fixação desse prazo, mas, como também bem se assinala, o enquadramento sistemático, as finalidades prosseguidas, os valores prejudicados e os princípios aplicáveis impõem que a Administração observe cuidados e princípios nessa fixação.
Tratando-se de um concurso, que visa assegurar o mais amplo acesso possível ao procedimento por parte dos interessados em contratar, tanto no seu interesse como no interesse público, o prazo deve ser fixado de tal modo que sejam observados os princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo em conta a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração de propostas.
E, como já acima referimos, se nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas se limitam, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado, para tanto podendo ser suficiente um prazo de vinte e quatro horas, já o mesmo não sucede nas empreitadas.
As propostas para a realização de obras envolvem uma análise mais aprofundada dos requisitos pretendidos e dos projectos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso. Ora, esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias.
Por isso, este Tribunal tem considerado que o prazo mínimo de vinte e quatro horas é manifestamente inadequado aos concursos de empreitada.
O artigo 35.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, veio reconhecer este desajustamento e fixou um prazo mínimo de 15 dias para apresentação de propostas nos concursos públicos urgentes para a realização de empreitadas de obras públicas, exigência que, no entanto, não podemos aplicar de forma retroactiva.
A questão que se coloca é, então, a de saber se, no caso, um prazo de 5 dias era, ou não, manifestamente insuficiente para a identificação da existência do concurso por parte de potenciais concorrentes e para que os mesmos elaborassem propostas sérias.
A recorrente veio alegar que a obra em causa, apesar de exigente quanto ao controlo da qualidade dos trabalhos e condições especiais de execução, não é tecnicamente complexa, "uma vez que se trata de uma reabilitação da estrutura metálica com reforços pontuais das chapas metálicas, danificadas por corrosão ou embate, fundamentalmente no tabuleiro", "trabalhos esses que são da experiência comum das empresas habilitadas neste sector de mercado", o que se relaciona com a pouca extensão do mapa de quantidades e com o número razoável de propostas apresentadas antes do termo do prazo.
Termos em que a recorrente considera que o prazo de 5 dias conferido no procedimento em causa, para além de admitido legalmente, se apresentou como suficiente e proporcional à formação de propostas adequadas à execução da obra, não ferindo os princípios da contratação pública aplicáveis.
Posteriormente veio ainda referir que a fixação desse prazo era fundamental para "permitir o enquadramento da obra no QREN" (8).
Embora não o tendo esclarecido nos actos que fixaram os termos do concurso, o que constitui falta de fundamentação nos termos explicitados no ponto anterior, a autarquia veio fundamentar a fixação do prazo de apresentação de propostas, dentro dos limites da sua discricionariedade e com base na sua imprescindibilidade e adequação.
Ora, sendo certo que o prazo fixado se conteve nos limites da discricionariedade então aplicáveis, estando a sua imprescindibilidade justificada para este caso concreto e não podendo afirmar-se com certeza que o tempo dado não tenha sido suficiente para a apresentação de propostas por parte dos interessados em concorrer, não é possível a este Tribunal afirmar que o prazo é, em concreto, manifestamente violador do princípio da proporcionalidade.
Não obstante, careceu, no momento em que foi fixado, da devida fundamentação.
II.2.5. Do anúncio de abertura do concurso
De acordo com o disposto no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho, o anúncio dos concursos públicos urgentes deve integrar o teor do respectivo Programa de Concurso e do respectivo Caderno de Encargos.
Compreende-se esta exigência, estabelecida para compensar a redução do prazo de candidatura e as eventuais demoras para acesso a esses documentos, essenciais à elaboração das propostas.
Resulta claro da conjugação do disposto nos artigos 157.º, n.º 2, 156.º, n.º 2, e 133.º, n.º 2, do CCP, no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e na Portaria atrás referida, que o legislador pretendeu que as peças procedimentais fossem, no concurso público urgente, transcritas no anúncio do concurso e não disponibilizadas em plataforma electrónica, como normalmente sucede.
No caso, esses documentos não foram transcritos no anúncio, tendo-se indicado que se encontravam disponíveis para consulta no serviço e na plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante.
A recorrente invoca que o programa do concurso e o caderno de encargos das empreitadas têm, pela sua natureza, uma extensão e um conteúdo que se revela incompatível com a sua transcrição no anúncio, a qual envolveria um custo financeiro significativo.
Mais invoca que o facto de ter disponibilizado essas peças livre e gratuitamente na plataforma electrónica, assegurando aos eventuais interessados o imediato acesso às mesmas, respeitou os princípios da publicidade, transparência e livre e igual acesso ao concurso.
Nesta matéria importa observar que o legislador terá certamente tido estes aspectos em consideração e, ainda assim, considerou que nos concursos públicos urgentes a disponibilização em plataforma electrónica não é suficiente, devendo proceder-se à referida transcrição.
II.3. Das ilegalidades verificadas
Conclui-se, assim, que, no caso, se verificaram as seguintes ilegalidades:
- Falta de fundamentação do acto de abertura do concurso público urgente, em violação do disposto no artigo 38.º do CCP e dos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
- Falta de fundamentação da decisão de fixação do prazo de apresentação de propostas, em violação do disposto nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
- Não transcrição do Programa de Concurso e do Caderno de Encargos no anúncio do concurso, em violação do estipulado no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho.
O dever de fundamentação dos actos administrativos traduz a externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivos essenciais os de habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a respectiva lesividade e assegurar a transparência e imparcialidade das decisões administrativas.
Como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (9), um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, bem como das razões de facto e de direito que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa.
Como refere Allan R. Bewer-Carlas (10) a fundamentação consiste na necessária expressão formal dos motivos do acto, tanto os que são de direito e que configuram a base legal, como os motivos de facto que provocam a actuação administrativa. A fundamentação é, portanto, a expressão formal da causa dos actos administrativos, quer dizer, dos fundamentos de facto e de direito dos mesmos.
A fundamentação, por seu lado, e de harmonia com o disposto no artigo 125º, nº1, do CPA, deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto.
Ora, como acima vimos, o município não expressou atempadamente, nem nos actos que consubstanciaram as respectivas decisões, nem nas informações que os precederam, as razões factuais concretas para a imprescindibilidade do recurso ao concurso público urgente e para a fixação do prazo de apresentação das propostas, o que era necessário para aferir da sua conformidade com os respectivos pressupostos e princípios aplicáveis.
A falta de fundamentação de um acto administrativo, ou a sua insuficiente fundamentação (11), como também é jurisprudência consolidada do STA, determina a anulabilidade do acto.
As ilegalidades assinaladas eram susceptíveis de alterar o resultado financeiro e, desse modo, enquadravam o fundamento de recusa de visto previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Verifica-se, no entanto:
- Que foi possível, com base na fundamentação feita posteriormente, inclusive em sede de recurso, dar por preenchidos os pressupostos da escolha do procedimento;
- Que o prazo fixado para a apresentação das propostas não pode ser considerado manifestamente insuficiente;
- Que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos eram acessíveis electronicamente, em endereço claramente indicado, o que mitigou a sua não transcrição no anúncio.
Assim, não obstante as ilegalidades verificadas e o seu enquadramento no disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC, consideramos que as circunstâncias concretas do caso permitem e aconselham a utilização do mecanismo previsto no artigo no n.º 4 do mesmo artigo.
III. DECISÃO
Assim, pelos fundamentos expostos, acorda-se em Plenário da 1ª Secção em:
1. Dar provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e concedendo o visto ao contrato.
2. Recomendar ao Município de Constância que, em futuros procedimentos:
a. Fundamente, de facto e de direito, os actos de escolha dos procedimentos de contratação, em respeito pelo disposto no artigo 38.º do CCP e nos artigos 124º, nº1, e 125º, nº1, do CPA;
b. Nesse sentido, quando recorra a procedimentos de concurso público urgente, explicite, de forma clara e por referência aos respectivos pressupostos, por que razões esse recurso é imprescindível;
c. Fundamente, nos concursos públicos urgentes, as decisões de fixação dos prazos de apresentação de propostas, tornando perceptíveis as razões por que esses prazos não podem deixar de ser encurtados relativamente aos prazos normais dos procedimentos de concurso;
d. Dê cumprimento ao estipulado no artigo 157.º, n.º 2, do CCP e no artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e Anexo II da Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de Julho.
São devidos emolumentos nos termos dos artigos 17.º, n.º 3, e 5.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(Helena Abreu Lopes - Relatora)
(António Santos Carvalho)
(Manuel Mota Botelho)
O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal)
(1) Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de Dezembro.
(3) Cfr. artigo 378.º do CCP.
(4) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010.
(5) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas.
(6) O valor referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP era, para 2010, de € 4 845 000. Cfr. Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009, publicado no JOUE de 1 de Dezembro de 2009.
(7) Vide pontos 1.3 e 1.4 deste Acórdão.
(8) Vide ponto I.4. acima.
(9) Vide, entre muitos, os Acórdãos do STA de 30 de Outubro de 1990, in Acórdãos Doutrinais (AD) 351, pág.339; de 11 de Outubro de 1988, in AD 329, pág. 620; de 11 de Maio de 1989 (Pleno), in AD 335, pág.1398; de 12 de Fevereiro de 1987, in AD 317, pág. 581; de 30 de Outubro de 1990, in AD 353, pág. 607; de 7 de Março de 1995, in Proc. nº 30 275; de 26 de Março de 1996, in Proc. nº 34 024 e de 21 de Maio de 2008, in Proc. nº742/07.
Note-se que, no mesmo sentido, decidiu também o Acórdão nº 92/08, de 7 de Julho de 2008, da 1ª Secção do Tribunal de Contas.
(10) In "Princípios del procedimiento administrativo", pág. 105.
(11) Vide o artigo 125º, nº2 do Código do Procedimento Administrativo que dispõe que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.