ACÓRDÃO Nº 33/2011 - 10/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 1697/2010 - 1ª SECÇÃO
I - RELATÓRIO
A Câmara Municipal de Mangualde remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para "Requalificação da Av.ª Senhora do Castelo", celebrado entre aquele Município e a Sociedade "Embeiral - Engenharia e Construção, S.A.", em 25.11.2010, no valor de € 1 380 000,01, acrescido de IVA à taxa legal aplicável.
II. DOS FACTOS
Para além da materialidade referida em I., consideram-se assentes, com relevância, os seguintes factos:
1.
O contrato em apreço foi precedido de concurso público urgente, invocando-se, para tanto, o disposto no art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., e os art.os 155.º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos;
2.
O anúncio de abertura do concurso foi publicado no Diário da República n.º 202, II Série, de 18.10.2010;
3.
A escolha do tipo de procedimento pré-contratual acima referido assentou na circunstância de o projecto em causa ser co-financiado por fundos comunitários, abrigando-se, assim, ao teor da norma contida no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06.;
4.
Em 15.10.2010, a Câmara Municipal de Mangualde, em reunião extraordinária, deliberou, por unanimidade, a abertura do procedimento de concurso público urgente, a autorização da despesa, o projecto, o programa do procedimento e caderno de encargos, tudo em ordem à execução da empreitada referida em I.;
5.
A minuta do contrato de empreitada foi aprovada em reunião da Câmara Municipal ocorrida em 08.11.2010;
6.
Ao concurso em causa apresentaram-se 10 [dez] concorrentes;
7.
A adjudicação da empreitada à concorrente "Embeiral - Engenharia e Construção, S.A.", foi efectuada em 25.10.2010 e mediante deliberação da Câmara Municipal de Mangualde;
8.
O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;
9.
O prazo de execução da obra é de 450 dias;
10.
A obra ainda não foi objecto de consignação;
11.
O contrato de financiamento do projecto foi celebrado 31.03.2011, entre o Município de Mangualde e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, sendo que a comparticipação desta última, não reembolsável, atinge o valor máximo de € 1 298 820,57;
O prazo de execução do contrato de financiamento em apreço expira em 29.06.2012;
12.
O preço-base da empreitada orça os € 2 300 000,00;
13.
No ponto 9. do Anúncio de abertura do concurso estabelece-se que o prazo para a apresentação das propostas é de 48 horas "a contar da data e hora de envio" do referido Anúncio, que, como se documenta, ocorreu em 18.10.2010, pelas 16h31;
14.
Questionada a Câmara Municipal de Mangualde sobre as razões em que assentava a adopção do procedimento pré-contratual [de natureza urgente], a mesma aduziu o seguinte:
(...)
"O n.º 2 do art.º 51.º, do D.L. n.º 72-A/2010, permite adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
Verifica-se que:
- A obra de "Requalificação da Av. Sr.ª do Castelo" foi submetida a candidatura do QREN - Programa Operacional do Centro - Mais Centro - Eixo prioritário 3 - Consolidação e Qualificação dos Espaços Sub-Regionais - (Doc. Anexo - Comprovativo de submissão de candidatura);
- O valor do preço base nos termos do disposto no art.º 47º do CCP é de 2.300.000,00€, conforme consta do n.º 16 do Programa de Procedimento, valor este, inferior a 4.845.000,00€, previsto na alínea c) do n.º 1 do Artigo 2º do Regulamento (CE) n.º 1177/2009 da Comissão, de 30 de Novembro de 2009 - (Doc. Anexo - Anúncio de Abertura do Concurso em Diário da República); (doc. 1)
- Foi adoptado o critério de adjudicação respeitante ao mais baixo preço, plasmado no n.º 17 do Programa de Procedimento - (Doc. Anexo - Páginas 4 e 5 do Programa de Procedimento). (doc. 2)".
III. O DIREITO
A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação e centralmente, a seguinte questão:
- Fundamento [ou não] legal da adopção do concurso público urgente enquanto procedimento pré-contratual.
- Das Ilegalidades e o Visto.
Passaremos à necessária análise.
1. Enquadramento normativo.
Breve análise.
Como é sabido, o procedimento reportado ao concurso público urgente mostra-se regulado na Secção VII, do Código dos Contratos Públicos.
Aí, e sob o art.º 155.º, do C.C.P., dispõe-se que, "em caso de urgência na celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante", pode adoptar- -se aquele tipo de procedimento, desde que, por um lado, o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos no art.º 20.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.C.P., e, por outro, o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
O regime em causa não abrangia, assim, a celebração de contratos de empreitada, situação que, no entanto, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06. [de execução orçamental].
Na verdade, o art.º 52.º, n.º 2, deste último diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010], veio possibilitar, no ano de 2010, a adopção do procedimento de concurso público urgente, previsto no art.º 155.º, do C.C.P., também no domínio dos contratos de empreitada e sempre que:
- Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
- O valor do contrato seja inferior ao referido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. ,
e
- O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
Ainda de acordo com esta última norma, os concursos públicos urgentes no âmbito dos contratos de empreitada reger-se-ão pelas regras constantes do Código dos Contratos Públicos, excepto em matéria reportada à prestação de caução. E, sublinhe-se, é, ainda, aplicável, aos contratos de empreitada o disposto no art.º 158.º, do C.C.P., que fixa, para a apresentação de propostas, um prazo mínimo de vinte e quatro horas.
1.1.
Atenta a materialidade tida por provada, indagaremos, agora, se, no caso em apreço, ocorrem os pressupostos vertidos no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e que, negativa ou positivamente, condicionarão a adopção do concurso público urgente enquanto procedimento.
1.2.
Conforme se fixou em I. e II., deste acórdão, e também resulta do processo, o presente contrato de empreitada destina-se à execução de trabalhos relacionados com a requalificação da Avenida Senhora do Castelo, em Mangualde, sendo que se nos depara um projecto co-financiado no âmbito do Programa Operacional Regional do Centro, 2007-2013 QREN, sequente a uma candidatura apoiada pelo FEDER, tendo o correspondente contrato de financiamento sido celebrado em 21.07.2010.
Trata-se, pois, de um projecto financiado por fundos comunitários.
Acresce que o valor do contrato é inferior ao valor estabelecido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. .
E, por último, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
Ocorrem, assim, os pressupostos exigidos na referida norma - art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - e que viabilizam a adopção [excepcional] do concurso público urgente enquanto procedimento, também no domínio da formação dos contratos de empreitada.
1.3.
Mas bastará a verificação daqueles pressupostos para concluirmos pela legalidade do procedimento adoptado [concurso público urgente]?
A resposta conter-se-á na análise que encetaremos, de seguida.
1.3.1.
Previamente, vincaremos que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010 é um diploma legal que disciplina a execução do Orçamento de Estado para 2010 e não a regulação de matérias respeitantes à contratação pública.
Por outro lado, e ainda como nota preliminar e introdutória, importa esclarecer que o art.º 155.º, do C.C.P., definindo os pressupostos da convocação do concurso público urgente, não detém, contudo, suficiente aptidão para disciplinar matéria relativa aos contratos de empreitada de obras públicas, atenta a maior complexidade que envolve o procedimento neste último domínio, bem distinto, seguramente, do reportado ao citado concurso público urgente.
Em abono do afirmado, e em ilustração comparativa, bastará adiantar que, segundo o art.º 157.º, n.º 2, do C.C.P., o programa de concurso e o caderno de encargos devem integrar o anúncio do concurso, solução impensável no âmbito do procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas. E, ainda no reforço das especificidades que envolvem os procedimentos tendentes à celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis e serviços, de um lado, e à celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, do outro, impõe-se lembrar que, no concernente aos primeiros, o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas [vd. art.º 158.º, do C.C.P.], ao passo que, no tocante aos segundos, tal prazo [também mínimo] é de 20 dias a contar do envio do anúncio do concurso para publicação [vd. art.º 135.º, 1, do C.C.P.] .
Acentua-se, no entanto, que no âmbito da formação dos contratos de empreitada, mas apenas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, se estabelece um prazo mínimo para a apresentação de propostas que, apesar de tudo, se fixa em nove [9] dias.
Percorrida a diversidade de regimes, intui-se, desde já, a necessária prudência na aferição da legalidade do procedimento adoptado no caso que nos ocupa, sendo manifesto que, para tanto, não bastará aplicarmos, crua e linearmente, as regras privativas do concurso público urgente ao procedimento dirigido aos contratos de empreitadas de obras públicas.
Prudência essa que obrigará a um esforço interpretativo suplementar, repudiando orientações meramente sustentadas na literalidade da normação directamente aplicável. O que exercitaremos, de seguida.
1.3.2.
Conforme exigência ínsita ao art.º 157.º, n.º 1, e o C.C.P., a publicitação do concurso público urgente no Diário da República deverá ser efectuada mediante anúncio, a elaborar nos termos da Portaria n.º 701-A/2008, de 29.07 [vd. art.º 1.º, n.º 1, al. b) e Anexo II], devendo deste constar informação sobre o objecto do contrato [incluindo-se aí a respectiva designação e descrição abreviada do objecto].
«In casu», reconheça-se, mostra-se cumprida a injunção contida no sobredito art.º 157.º, n.º 1, do C.C.P. Pelo que, nesta parte, nenhuma censura suscita o procedimento adoptado e sob apreciação.
Porém, a aferição da [in] conformação legal do procedimento adoptado [concurso público urgente] impõe a dilucidação do conceito de "urgência" que, obviamente, deverá suportar, também, o recurso ao tipo de procedimento em causa, ou seja, o concurso público urgente.
1.3.3.
Como já assinalámos, o apelo ao concurso público urgente no domínio dos contratos de empreitadas de obras públicas apenas é possível por força da norma contida no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., que, em rigor, introduz no ordenamento uma solução marcada pela excepcionalidade.
Mas a situação em apreço denuncia urgência?
Cumpre indagar.
1.3.4.
A expressão (1) "urgente", tal como referem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, sendo um conceito indeterminado, envolve uma definição normativa imprecisa que, em sede de aplicação, adquirirá significação específica.
A "urgência", constituindo um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos (2), obriga a que averiguemos se, no caso em apreço, o recurso a procedimento diverso [dito "normal"] seria, ainda, idóneo para alcançar os fins definidos pela entidade adjudicante.
Desde logo, e apartando equívocos, importará distinguir a "urgência" da "celeridade". Esta última, na acepção de dever imposto à Administração [vd. art.º 57.º, do C.P. Administrativo], reconduz-se à prontidão e eficácia administrativa, ao passo que a "urgência" sobrevém, em regra, a circunstâncias dominadas pelo risco ou perigo iminente de que o interesse público prioritário não seja satisfeito.
Deslocando tais definições conceptuais para a caracterização da situação em apreço, afigura-se-nos que esta não reveste carácter urgente.
Senão, vejamos.
1.3.5.
A Câmara Municipal de Mangualde, instada a pronunciar-se sobre as razões que determinaram a opção pelo concurso público urgente, limita-se a invocar e transcrever os requisitos legais que legitimam o apelo a tal tipo de procedimento e que se inscrevem no art.º 51.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, para além de enfatizar a circunstância de tal projecto ser co-financiado por fundos comunitários, após submissão da correspondente candidatura ao QREN.
Muito embora a justificação apresentada legitime alguma compreensão, é, no entanto, seguro que a mesma não contem algum motivo que imponha o recurso ao tipo de procedimento com carácter urgente.
Assim, e apesar da verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 28.06., para a adopção do concurso público urgente, não vislumbramos alguma razão que sustente a opção por tal via procedimental.
Ousamos, assim, afirmar que a entidade adjudicante em causa [Município de Mangualde] terá recorrido ao concurso público urgente, não em razão da exiguidade do tempo, mas porque tal opção constituía um meio procedimental menos complexo na sua tramitação e mais curto na respectiva duração.
1.4.
Para além do exposto, o procedimento sob apreciação, permite, ainda, constatar que o prazo para apresentação da proposta [vd. anúncio de abertura do concurso] foi fixado em 48 horas e a contar do dia e hora do envio do referido anúncio para o Diário da República.
A manifesta exiguidade de tal prazo colide, obviamente, com o preceituado no art.º 57.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, o qual, no domínio do procedimento de formação do contrato de empreitada, obriga a que as propostas apresentadas pelos concorrentes sejam constituídas por uma lista de preços unitários alusivos a todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução, por um plano de trabalhos definido nos termos do art.º 361.º, do Código dos Contratos Públicos [sempre que o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução] e, ainda, por um estudo prévio [situação prevista no art.º 43.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos].
Estes elementos já denunciam a complexidade da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.
Mas, embora não olvidemos os limites mínimos legalmente fixados para a apresentação das propostas, tal prazo não se harmoniza, ainda, com o disposto no art.º 63.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, o qual impõe às entidades adjudicantes a obrigação de, na indicação do mesmo [prazo], considerarem, obrigatoriamente, o tempo necessário para a sua elaboração [dependente da natureza, volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar] e ainda a eventual abordagem, em concreto, dos locais e equipamentos.
Em suma, um prazo de quarenta e oito horas [previsto, mas não imposto, pelo art.º 158.º do CCP], sendo aceitável no âmbito da apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente insuficiente no âmbito da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitada.
Ademais, invoca-se, de novo, o art.º 135.º,n.º 1, do CCP, o qual, no âmbito da formação dos contratos de empreitada, apenas admite um prazo mínimo de 9 [nove] dias para a apresentação das propostas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos.
Ora, a empreitada em causa visa a requalificação da Avenida Senhora do Castelo, que envolve intervenções, nomeadamente, no âmbito das infra-estruturas eléctricas e das canalizações. E o correspondente valor cifra-se em € 1 380 000,01.
Trata-se, assim, de um projecto que já revela alguma complexidade [vd., a propósito, o teor do programa de Procedimento], compreendendo trabalhos que, seguramente, não devem ser caracterizados como manifestamente simples.
Daí que, e repetindo-nos, não se nos afigure harmonizável o prazo [48 horas] fixado para a apresentação das propostas com a normal e expectável complexidade inerente à respectiva elaboração.
E este juízo encontra conforto no teor do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 01 de Março [diploma que rege a execução orçamental], o qual, embora mantenha a admissibilidade do concurso público urgente no domínio da celebração dos contratos de empreitada [ainda, ao abrigo do art.º 52.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010], prevê, no seu art.º 35.º, n.º 6, que o prazo mínimo de apresentação de propostas no âmbito de tal tipo de procedimento é de 15 dias.
1.4.1.
A final, diremos, ainda, que a celeridade constitui referência de seguimento obrigatório nos domínios da actividade administrativa em geral, mas a mesma não poderá sobrepor-se ao cumprimento da lei estabelecida ou afrontar os princípios que a enformam, sob pena de perigarem os esteios que suportam o estado de direito.
2. Das ilegalidades.
2.1.
O art.º 38.º, n.º 1, da Directiva n.º 2004/18/CE, prescreve que as entidades adjudicantes, ao fixarem o prazo de recepção das propostas e dos pedidos de participação, devem considerar, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
E, cotejando os considerandos iniciais da citada Directiva, aí se salienta que a adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, autarquias locais..., reger-se-á pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, transparência e concorrência, os quais, de resto, já se mostram plasmados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
A doutrina, ainda, no reforço e explicitação daquele "enunciado" normativo, alicerça a observância do princípio da concorrência (3) na necessidade de satisfazer os interesses públicos pela forma mais vantajosa possível, substancia o princípio da proporcionalidade pela proibição do Estado-administrador configurar medidas que se revelam desnecessárias ou excessivamente restritivas (4) e define o princípio da igualdade pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e da respectiva tramitação.
Ora, a adopção do procedimento em apreço [concurso público urgente], para além de não assentar numa situação de urgência, afronta, claramente, os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. E, desde logo, porque o prazo estipulado para a apresentação das propostas, sendo manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, detém aptidão para restringir o número dos concorrentes e eventuais futuros contratantes, impedindo-se, assim, e ainda, a optimização das propostas.
É certo que as entidades adjudicantes detêm margem de liberdade na fixação de obrigações e deveres ínsitos ao procedimento concursal, mas tal liberdade, para além de dever ajustar-se ao objecto do contrato, é ainda limitada pelos aludidos princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, a cuja observância se mostram legalmente vinculadas.
A violação de tais princípios e, por consequência, da normação que os consigna [vd. art.o 1.º, n.º 4, aliada, ainda, à inobservância das normas contidas nos art.os 155.º e 135.º, n.º 1, também do Código dos Contratos Públicos, constituem ilegalidades susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do contrato.
3. Do Visto
Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa do visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a densificação da expressão " ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades enunciadas, porque susceptíveis de determinar a alteração do resultado financeiro do contrato em apreço, fundam a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08].
IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao presente contrato.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05.].
Lisboa, 10 de Maio de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(Helena Maria Abreu Lopes)
(António Manuel dos Santos Soares
Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(Jorge Leal)
(1) Vd. C.P. Administrativo, Anotado, ED. 1996.
(2) Vd. Ac. Da 1.ªS/SS, de 17.12.2010, in Proc. 1373/2010 e Maria da Glória Garcia, in "O Estado de Necessidade e Urgência em Direito Administrativo", R.OA. 59.º II.
(3) Esteves de Oliveira, in Contratos Públicos - D.A. Geral, Tomo III.
(4) Ac. do TCAN, de 25.03.2010, Proc. 01257/09.7BEPRT.