ACÓRDÃO Nº33/10 - 12.OUT. 2010/1ª S/SS
Proc. nº 831/2010
Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:
I - RELATÓRIO
A Administração Regional de Saúde do Norte, IP (ARSN) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de prestação de serviços celebrado em 17 de Junho de 2010, com o consórcio formado pelas empresas "Fase - Estudos e Projectos, SA" e " Aidhos Arquitec SA", pelo valor de € 893.800,00 acrescido de IVA, tendo por objecto a "Prestação de Serviços de Estudos e Projectos do Hospital de Fafe"".
II - MATÉRIA DE FACTO
Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:
A) Pelo Despacho nº 19/2009, de 24 de Abril de 2009, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde autorizou a abertura de um concurso público internacional para a elaboração do projecto para o novo Hospital de Fafe;
B) O contrato supra referido foi precedido de um concurso limitado por prévia qualificação, cujo anúncio de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 4 de Junho de 2009 e no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) de 5 de Junho do mesmo ano;
C) Ao concurso apresentaram-se 14 concorrentes, tendo sido todos admitidos;
D) Em 27 de Outubro de 2009, o júri do procedimento elaborou o Relatório Final da fase de apresentação de candidaturas e qualificação dos candidatos, tendo proposto a exclusão de dois concorrentes e verificado o cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, por parte dos restantes;
E) O artigo 13º do Programa de Concurso estabelece os requisitos mínimos de capacidade técnica para os técnicos apresentados pelos concorrentes, nas suas candidaturas;
F) O artigo 14º, nº1, do mesmo Programa de Concurso, define que os candidatos devem cumprir a condição mínima de capacidade financeira exigida no nº2, do artigo 165º do Código dos Contratos Públicos (CCP);
G) O critério de adjudicação previsto no artigo 18º do Programa de Concurso e no Anexo X a este Programa, contempla a ponderação dos seguintes factores e subfactores:
1. Solução Técnica
1.1.Arquitectura
1.1.1. Organização Funcional - 0.15
1.1.2. Inter-relações funcionais dos serviços - 0.12
1.1.3. Flexibilidade de reorganização funcional, reconversão do espaço interior e de expansão - 0.07
1.1.4. Integração na envolvente - 0.07
1.1.5. Concepção arquitectónica - 0.07
1.2. Condições de manutenção - 0.05
1.3. Concepção dos espaços exteriores - 0.08
1.4. Instalações técnicas especiais e gestão técnica centralizada - 0.18
1.5. Fundações e estrutura - 0.11
1.6. Estudo de segurança integrada - 0.07
2. Metodologia de controlo da qualidade - 0.03
H) O artigo 4º, nº1, do Caderno de Encargos (CE), estabelece que a prestação de serviços de estudos e projecto abrange os seguintes trabalhos:
a) A elaboração do projecto, nos termos do caderno de encargos e das instruções para a elaboração de projectos de obras, incluindo os serviços previstos nas alíneas b), c), d) e f) do artigo 10º da Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho;
b) A elaboração da prospecção geológica e geotécnica detalhada e do estudo geotécnico;
c) Os serviços da área de segurança e saúde na fase do projecto;
d) O desenvolvimento do estudo de incidências ambientais;
e) A gestão e concretização de todos os processos de licenciamento do projecto;
I) O artigo 4º, nº2, do CE, estipula que o projecto deve ser desenvolvido de acordo com as seguintes fases:
a) Estudo prévio;
b) Anteprojecto;
c) Projecto de execução;
d) Assistência técnica e assistência técnica especial prevista na alínea a), do nº1, do artigo 4º;
J) O prazo global para a realização dos serviços objecto do contrato, excepto os serviços de assistência técnica, é de 42 semanas, contado a partir da data da assinatura do contrato;
K) O artigo 10º, do CE, sob a epígrafe "Prémios", estabelece o seguinte:
"No caso de a obra da EMPREITADA ser executada e após a recepção provisória da obra, a entidade adjudicante deve pagar ao adjudicatário um prémio de 10% do preço contratual se se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
a) Se não se verificar qualquer das situações de incumprimento de obrigações emergentes do contrato referidas no Artigo 20º;
b) Se o preço atribuído, acrescido do preço atribuído aos erros e omissões durante o concurso da EMPREITADA, acrescido do preço atribuído aos erros e omissões durante o contrato de EMPREITADA, não exceder a 2% do preço contratual da empreitada.".
L) Por deliberação do Conselho Directivo da ARSN, de 13 de Maio de 2010, foi adjudicada ao consórcio formado pelas empresas "Fase - Estudos e Projectos, SA" e "Aidhos, Arquitec, SA", a Prestação de Serviços de Estudos e Projecto do Hospital de Fafe;
M) O contrato, ora submetido a fiscalização prévia, contém um artigo 6º, sob a epígrafe de "Forma de pagamento" que, no seu nº1, estabelece que o preço contratual é pago, após a aprovação dos serviços objecto do contrato, por parte da entidade adjudicante, na percentagem indicada no quadro seguinte:
Alínea |
Serviço prestado |
Pagamento |
a) |
Cronograma de trabalhos, conforme alínea a) do nº8 do Artigo 2º |
10% do preço contratual |
b) |
Versão definitiva do estudo prévio, conforme alínea a) do nº2 do Artigo 2º Versão definitiva do relatório de estudo geotécnico, conforme alínea b) do nº1 do Artigo 2º |
20% do preço contratual |
c) |
Versão definitiva do anteprojecto, conforme alínea b) do nº2 do Artigo 2º |
25% do preço contratual |
d) |
Versão definitiva do projecto de execução, conforme alínea c) do nº2 do Artigo 2º |
35% do preço contratual |
e) |
1ª Fase da assistência técnica, conforme alínea a) do nº4 do Artigo 2º |
2% do preço contratual |
f) |
2ª Fase da assistência técnica, conforme alínea b) do nº4 do Artigo 2º |
8% do preço contratual |
N) O contrato aqui em causa, no seu artigo 8º, (sob a epígrafe "Prémios") estabelece o seguinte:
"No caso de a obra da EMPREITADA ser executada e após a recepção provisória da obra, a entidade adjudicatária deve pagar ao adjudicatário um prémio de 10% do preço contratual se se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
a) Se não se verificar qualquer das situações de incumprimento de obrigações emergentes do contrato referidas no Artigo 9º;
b) Se o preço atribuído aos erros e omissões durante o concurso da EMPREITADA, acrescido do preço atribuído aos erros e omissões durante o contrato de EMPREITADA, não exceder a 2% do preço contratual da empreitada.".
O) Questionada a ARSN, acerca do fundamento legal da atribuição dos prémios mencionados na alínea anterior, veio a mesma entidade referir, em síntese, o seguinte:
"... O contrato prevê no seu art. 8º que, após a recepção provisória da obra, a entidade adjudicante deve pagar ao adjudicatário um prémio de 10% do preço contratual se se verificarem cumulativamente as seguintes condições:
§ Não se verificar qualquer das situações de incumprimento de obrigações emergentes do contrato referidas no Artigo 20º do caderno de Encargos;
§ O preço atribuído aos erros e ás omissões durante o concurso da empreitada, acrescido do preço atribuído aos erros e às omissões durante o contrato da empreitada, não exceder a 2% do preço contratual da empreitada.
O prémio descrito tem como intuito incentivar a minimização dos erros e das omissões por parte do adjudicatário (responsável pela elaboração do projecto de execução), ou seja, uma melhor qualidade do projecto de execução. Esta solução justifica-se pelos benefícios que irão decorrer de se minimizarem os erros e omissões, em várias vertentes da gestão do empreendimento, nomeadamente:
§ No procedimento pré-contratual da empreitada, induzindo uma redução dos erros e das omissões apresentados nas listas previstas no n.º 1 do artigo 61º do CCP e consequentemente uma minimização dos próprios erros da sua análise com vista à pronúncia prevista no n.º 5 do mesmo artigo;
§ Na execução da empreitada, induzindo uma minimização de erros e omissões adicionais que podem induzir:
- A negociação de preços das omissões durante a obra, em situação desfavorável para o dono da obra com vista à obtenção de preços competitivos, induzindo assim custos potencialmente muito mais elevados para o dono da obra;
- Atrasos na obra e acréscimos de custos na sua execução pelos quais o empreiteiro exigirá ressarcimento, na situação em que diversos erros foram apresentados pelos concorrentes em fase de formação do contrato não tendo sido aceites pela entidade adjudicante mas o deveriam ter sido, sendo gravosa a sua gestão em fase da obra;
§ Na gestão da garantia da obra e na qualidade da obra, no caso de erros e omissões não terem sido identificados, podendo induzir custos elevados de manutenção associados a má qualidade da obra.
Deste modo, um projecto de execução com menos erros e omissões traduz-se numa clara poupança nas fases posteriores do empreendimento, que se revela francamente superior quando comparada como valor do prémio. Com efeito, enquanto o valor do prémio corresponde a 10% do preço do contrato de aquisição dos serviços de elaboração do projecto de execução (ou seja, cerca de 0,5% do preço contratual da empreitada), a poupança estimada da adopção deste tipo de medida pode, pelos motivos expostos, atingir valores superiores a 5% do preço contratual da empreitada, nas situações em que é identificado um elevado número de erros e omissões durante a obra e após a sua execução. Assim sendo, o prémio adoptado no contrato é uma medida de mitigação do risco associado à incerteza inerente aos erros do projecto de execução, com claros benefícios financeiros na grande maioria dos casos face à alternativa de não incentivar a redução dos erros e omissões do projecto de execução....".
III - O DIREITO
1. Suscita-se, neste processo, a questão da legalidade da atribuição de um prémio ao adjudicatário, nas circunstâncias previstas no artigo 10º do Caderno de Encargos (vide a matéria de facto dada por assente na alínea K) do probatório) e no artigo 8º do Contrato submetido a fiscalização prévia (vide a factualidade dada por assente alínea N) do probatório).
2. Vejamos, então, o tratamento a dar a esta questão, começando por fazer uma breve excursão histórica sobre a evolução do regime legal da atribuição de prémios, no âmbito da contratação pública, e, mais especificamente, no âmbito da prestação de serviços e das empreitadas de obras públicas.
2. 1. No que concerne à atribuição de prémios, no âmbito de contratos de prestação de serviços, nem o DL nº 211/79 de 12 de Julho, nem o DL nº 24/92 de 25 de Fevereiro, nem o DL nº 55/95 de 29 de Março, nem, ainda, o DL nº 197/99 de 8 de Junho continham qualquer disposição que sustentasse a possibilidade de atribuição de prémios aos adjudicatários de tais contratos.
2. 2. De modo diverso, no domínio dos contratos de empreitada de obras públicas, já o DL nº 36 917, de 16 de Julho de 1948, permitia, em casos muito especiais, - reconhecidos como tal por despacho do Ministro das Obras Públicas - que os cadernos de encargos estabelecessem a possibilidade de atribuição de prémios por antecipação dos prazos fixados para a conclusão dos trabalhos.
Por seu turno, o DL nº 48 871, de 19 de Fevereiro de 1969, permitia, igualmente, a atribuição de prémios por antecipação dos prazos estabelecidos para a conclusão dos trabalhos.
Na senda desta legislação, igualmente o DL nº 235/86 de 18 de Agosto, no seu artigo 63º, nº1, estabelecia que, em casos especiais, no caderno de encargos se podia prever a concessão de prémios pecuniários ao empreiteiro, por antecipação dos prazos estabelecidos para a execução dos trabalhos, contanto que, em conjunto, não excedessem 10% do valor da obra, sendo que tais prémios seriam pagos depois da recepção provisória (artigo 210º, nº5, do mesmo diploma legal).
Ao DL nº 235/86 de 18 de Agosto, sucedeu o DL nº 405/93 de 10 de Dezembro, que, no seu artigo 61º, nº3, também estipulava que o caderno de encargos podia prever, em casos especiais, a atribuição ao empreiteiro de prémios pecuniários, pela qualidade invulgar da execução da obra, ou por antecipação dos prazos estabelecidos para a execução dos trabalhos.
Porém, fixava para tais prémios, em qualquer dos casos, um montante máximo de 20% do valor da obra.
O DL nº 405/93 de 10 de Dezembro veio, por seu turno, a ser revogado pelo DL nº 59/99 de 2 de Março, o qual veio estabelecer um novo regime jurídico do contrato de empreitada de obras públicas.
Analisando este diploma legal, verifica-se que, no seu artigo 64º (normativo correspondente ao artigo 61º, nº3 do DL nº 405/93), foi suprimido o número que possibilitava a atribuição dos aludidos prémios.
A intenção do legislador foi, claramente, a de os suprimir, como resulta, sem margem para dúvidas, do ponto 5.4 do caderno de encargos tipo, em Anexo à Portaria nº 104/2001 de 21 de Fevereiro, onde se pode ler: "Prémios - em caso algum haverá lugar à atribuição de prémios".
Nessas circunstâncias, importa sublinhar que, também ANDRADE DA SILVA (1) defendia que, com a redacção do artigo 64º do DL nº 59/99, de 2 de Março, o dono da obra não tinha "base legal" para a concessão dos referidos prémios.
Porém, como sustentava ANDRADE DA SILVA, (2) e como se referiu no Acórdão nº 44/02, de 2 de Maio de 2002, da 1ª Secção, deste Tribunal, em subsecção, (3) o artigo 233º corresponde "ipsis verbis" ao artigo 214º do DL nº 405/93 de 10 de Dezembro, não se tendo atendido ao facto de, na altura, não ser já possível a concessão de prémios ao empreiteiro. (4)
3. O DL nº 59/99, de 2 de Março, veio a ser revogado pelo DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, diploma este que aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP), actualmente em vigor. (5)
O artigo 97º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), sob a epígrafe "Preço contratual", no seu nº1, define o preço contratual como sendo "o preço a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato".
Por seu lado, a alínea c), do nº3, deste artigo 97º, estabelece que não está incluído no preço contratual o acréscimo de preço a pagar em resultado de "prémios por antecipação do cumprimento das prestações objecto do contrato".
Ora, sobre a matéria da atribuição de prémios, há que observar o que dispõe o artigo 301º, do CCP, o qual, sob a epígrafe "Prémios por cumprimento antecipado", estabelece o seguinte:
Artigo 301º
Prémios por cumprimento antecipado
1 - Salvo quando a natureza do contrato ou a lei não o permitam, o contraente público pode atribuir ao co-contratante, prémios por cumprimento antecipado das prestações objecto do contrato.
2 - A possibilidade de atribuição dos prémios a que se refere o número anterior, as condições da sua atribuição e o respectivo valor, devem constar do contrato.
Este preceito, ao arrepio da legislação imediatamente anterior, veio, pois, estabelecer um princípio de livre estipulação contratual, no que concerne à atribuição de prémios por optimização do prazo fixado para a execução do contrato, salientando-se, até, que não se define um montante máximo para tais prémios, deixando-se essa definição para o dono da obra, numa clara afirmação da autonomia da vontade contratual. (6) Por outro lado, não se prevê aqui a possibilidade de atribuição de outros prémios, designadamente com fundamento em invulgar qualidade do objecto da prestação, - como se admitia no domínio do DL nº 405/93 de 10 de Dezembro - ou quando a lei, ou a natureza do contrato, o não permitirem.
4. No caso que ora nos ocupa, colhe-se, quer do Caderno de Encargos, quer do texto do contrato, (vide a matéria de facto dada por assente nas alíneas K) e N) do probatório), que se atribui, ao adjudicatário, um prémio de 10% do preço contratual, quando se verificarem, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Se não se verificar qualquer das situações de incumprimento de obrigações emergentes do contrato referidas no artigo 9º;
b) Se o preço atribuído aos erros e omissões durante o concurso de empreitada, acrescido do preço atribuído aos erros e omissões durante o contrato de empreitada, não exceder a 2% do preço contratual da empreitada.
Tendo em conta os dispositivos legais atrás mencionados, verifica-se que não tem qualquer fundamento legal a atribuição do prémio previsto no artigo 8º do contrato aqui em causa, como não tem fundamento legal a sua previsão no artigo 10º do caderno de encargos.
Quando questionada sobre a legalidade da atribuição do citado prémio, a ARSN, depois de invocar o artigo 42º, nº1, do CCP, veio referir que o mesmo tem por intuito incentivar a minimização dos erros e das omissões por parte do adjudicatário, responsável pelo projecto de execução, e, assim, obter uma melhor qualidade deste projecto.
Deste modo, segundo a ARSN, este prémio "justifica-se pelos benefícios que irão decorrer de se minimizarem os erros e omissões, em várias vertentes da gestão do empreendimento".
Ora, como é evidente, as razões aduzidas pela ARSN não colhem:
Em primeiro lugar, porque o artigo 42º, nº1, do CCP, apenas refere que o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
Assim, nenhum fundamento estabelece para que o caderno de encargos contenha a previsão do aludido prémio.
Em segundo lugar, apenas é possível a atribuição de prémios por cumprimento antecipado das prestações objecto do contrato, nas condições estipuladas no artigo 301º do CCP, o que não é o caso aqui em apreço.
Para além disso, e, finalmente, não se entende como deve ser premiado aquilo que deve constituir uma obrigação do projectista: elaborar o projecto, que deve subjazer a uma obra, de forma rigorosa e em conformidade com as regras técnicas vigentes, desse modo contribuindo para não virem a ocorrer erros e omissões, bem como trabalhos a mais.
No fundo, com este prémio, vai ser compensado o adjudicatário por aquilo que é uma obrigação que lhe advém da celebração de um contrato que ele deve rigorosamente cumprir.
Por outro lado, não pode deixar de se ter em conta que a atribuição de um prémio é algo que se vai reflectir no preço do contrato, agravando-o.
Constitui, assim, como que um suplemento do preço do contrato. (7)
No Direito Privado, e, especificamente, no âmbito da contratação privada, a concessão de prémios compreende-se tendo em conta a garantia da liberdade contratual, como expressão da autonomia privada e da livre iniciativa económica.
No Direito Público a situação é diferente: o princípio da legalidade ou da juridicidade, postula a natureza cogente ou imperativa das normas jurídicas administrativas e das normas que regem a contratação pública, em particular.
Assim, ao estabelecer-se, no contrato, a possibilidade de conceder ao adjudicatário um prémio que a lei não autoriza, nem prevê, verifica-se a existência de uma ilegalidade susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato.
A desconformidade dos contratos com as leis em vigor, que implique ilegalidade que altere ou possa altera o respectivo resultado financeiro, constitui fundamento de recusa de visto, nos termos do artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.
A expressão económica do prémio e a forte probabilidade de o mesmo poder vir a ser atribuído - para o que basta o escrupuloso cumprimento do contrato por parte do adjudicatário - são circunstâncias que podem acarretar uma efectiva alteração (com agravamento) do resultado financeiro do contrato e que não consentem o uso da faculdade prevista no nº4, do artigo 44º, da citada Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.
IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao contrato em apreço.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.
Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás)
Fui presente, - O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)
(1) In "Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas", 6ª edição, Coimbra, 2000, pág. 171.
(2) In ob. cit., pág. 545.
(3) In Proc. nº 639/2002.
(4) SÉRVULO CORREIA e BERNARDO AYALA, ao contrário, entendiam que se mantinha a possibilidade legal da concessão destes prémios e até sem a limitação do seu montante a 20% do valor da obra (Vide "Obras Públicas - Do Pagamento do Prémio por Antecipação da Empreitada", ed. Azeredo Perdigão-Advogados, 2001, pág. 79).
(5) De assinalar que o Código dos Contratos Públicos, além de ter sido objecto de rectificações efectuadas pela Declaração de Rectificação nº 18-A/2008, publicada no Suplemento ao Diário da República, 1ª série, de 28 de Março de 2008, sofreu as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro, pelo DL nº 278/2009 de 2 de Outubro e pela Lei nº 3/2010.
(6) Neste sentido, veja-se ANDRADE DA SILVA, in "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado", 2008, ed. Almedina, pág. 674.
(7) Sobre a atribuição de prémios no âmbito das empreitadas de obras públicas, veja-se MARCELO CAETANO, "Pagamento de prémios por antecipação da conclusão de obras" in "Estudos de Direito Administrativo", Lisboa, 1974, págs. 406 e seg..