Acórdão n.º 3/2011 de 1 de Março de 2011 do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1229/2010)

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ACÓRDÃO Nº 03/2011 - 01/03/2011 - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 18/2010-R

PROCESSO Nº 1229/2010

 

I. RELATÓRIO

1. A Câmara Municipal de Viana do Castelo, inconformada com o teor do acórdão n.º35/2010, de 19.10., 1.ª Secção/SS, deste Tribunal e que recusou o visto ao contrato de empreitada para "Remodelação e Ampliação do Centro Escolar de Alvarães - Viana do Castelo", celebrado entre o Município de Viana do Castelo e a sociedade "Valentim José Luís e Filhos, Lda.", em 27.08.2010, pelo valor de € 976 442,07 [s/IVA], veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, alegando o seguinte:
(...)
"1. No ponto 8 do Acórdão é referido existir uma ambiguidade entre o momento da contagem do prazo constante nos pontos 9 e 14 do anúncio, circunstância esta que se ficou a dever ao facto de não ser possível alterar o ponto 9 do modelo, e que é de preenchimento obrigatório, de modo a compaginá-lo com o ponto 14. De qualquer modo, perante tal ambiguidade, qualquer concorrente medianamente diligente optaria pela contagem do prazo mais favorável.
Acresce ainda o facto das peças do procedimento, que deveriam ficar disponíveis no acto da publicação do anúncio, no presente caso não foi possível, visto ter que se disponibilizar também o projecto da empreitada, o que daquele modo não era possível, razão pela qual se optou pela contagem do prazo de 24 horas a partir da disponibilização do processo e respectivas peças processuais na plataforma electrónica, julgando assim não prejudicar nenhum dos potenciais concorrentes, tanto mais que a plataforma electrónica dos concursos é o único meio possível para apresentação das correspondentes propostas.
2. No ponto 9 do acórdão põe-se em causa a adopção do prazo mínimo de 24 horas para apresentação das propostas, considerando tratar-se de uma obra com alguma dimensão, e com um prazo de execução de 12 meses.
A Câmara Municipal, ao adoptar o prazo mínimo, ponderou aspectos relativos à complexidade da análise dos elementos concursais, especialmente o projecto, e foi justamente por entender que o mesmo era de grande simplicidade e facilidade de exame, além de estar particularmente bem detalhado, que optou pela fixação de tal prazo de 24 horas.
Como prova do que se deixou expresso, sucede que quatro dos concorrentes não tinham sido convidados no âmbito do primeiro concurso, o que é demonstrativo de que o prazo, se bem que curto, não era impeditivo da formulação e apresentação das respectivas propostas, pelo que pensamos não terem sido postos em causa os princípios da igualdade e da concorrência fixados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
De resto, não nos parecem razoáveis as conclusões extraídas no acórdão relativamente à exclusão de quatro dos cinco concorrentes, porquanto um [Predilethes - Construções, Lda.] foi excluído por ter apresentado preço superior ao preço base, outro [Sociedade de Construções do Bico, Lda.] por não ter apresentado o Plano de Segurança e Saúde da empreitada e os outros dois [Edimarco - Construções Lda., e Habigranja - Construções e Obras Públicas Lda.] por terem apresentado as respectivas propostas extemporaneamente, mas por motivos atinentes ao funcionamento da própria plataforma e não pelo facto de o prazo ser de apenas 24 horas."
A final, e peticionando, a recorrente requer a revogação do acórdão recorrido e a respectiva substituição por um outro que conceda o visto ao contrato em apreço.
2. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, advogando, ainda, a confirmação do acórdão recorrido.
3. Foram colhidos os Vistos legais.
 

II. FUNDAMENTAÇÃO


Ao longo do Acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito daquele aresto e, ainda, a seguinte:
1. O contrato acima referido foi precedido de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e dos artigos 155.º e seguintes, do CCP (1);
2. Na proposta apresentada pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo para decisão deste órgão diz-se:
«(...) Por acórdão do Tribunal de Contas de 6 de Julho de 2010, foi recusado o visto ao contrato da empreitada relativo à obra de "Remodelação e ampliação do Centro Escolar de Alvarães - Viana do Castelo", com os fundamentos que do mesmo melhor constam, o que obriga esta Câmara Municipal a, em execução do mesmo acórdão, sanear o procedimento dos vícios apontados pelo Tribunal de Contas e a lançar novo concurso para adjudicação da referida empreitada. Considerando, todavia, que a obra em questão é co-financiada por Fundos Comunitários, concretamente pelo Programa ON2 - Novo Norte, tornando-se urgente dar execução física e financeira à respectiva obra, sob pena de ser posto em risco tal financiamento (...)».
Na acta da reunião da Câmara Municipal de Viana do Castelo em que a proposta foi apresentada e aprovada diz-se ainda:
"O Presidente da Câmara esclareceu que todo este processo foi dado conhecimento às empresas concorrentes e as mesmas concordaram com esta opção sendo que as mesmas têm hipótese de voltar a ser-lhes adjudicada a empreitada (2)".
3. O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;
4. Foi fixado um prazo de apresentação das propostas de 24 horas;
5. O anúncio de concurso público urgente foi publicado no D.R. n.º 150, II Série, de 4 de Agosto de 2010, tendo sido utilizado o modelo de anúncio de concurso público [não urgente];
6. Questionou-se a Câmara Municipal de Viana do Castelo quanto à não observância neste procedimento do disposto no nº 2 do artigo 157º do CCP. A Câmara Municipal de Viana do Castelo referiu:
"Aquando da publicação do anúncio do presente concurso urgente de empreitada no Diário da República, ainda não estava acessível o respectivo modelo na INCM, tendo-se utilizado o modelo de concurso público normal.
Por isso, e conforme se pode verificar pelo anúncio publicado, no ponto 14, o prazo de 24 horas contava-se após o lançamento do procedimento na plataforma electrónica, na qual foram disponibilizadas todas as peças do procedimento, nomeadamente projecto [peça essencial para a preparação da proposta], programa de procedimento e caderno de encargos";
7. O prazo de 24 horas, nos termos do nº 9 do anúncio, contava-se a partir da data e hora do envio do anúncio, mas nos termos do seu nº 14 contava-se após o lançamento do procedimento na plataforma electrónica utilizada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo (3);
8. O anúncio foi enviado para publicação no dia 4 de Agosto de 2010, pelas 11:30:04 [11h 30min 04seg] (4) e foi disponibilizado na plataforma às 15h 54min 43seg (5);
9. No concurso apresentaram propostas cinco empresas: Valentim José Luís & Filhos, S.A. [a adjudicatária], Predilethes - Construções. Lda., Sociedade de Construções do Bico, Lda. E Habigranja - Construções e Obras Públicas, Lda.
Foram excluídos do concurso quatro concorrentes;
10. Dois concorrentes foram excluídos por terem entregado as propostas fora do prazo [às 16:01:12 e às 16:02:11];
11. Dois concorrentes que, no entender do júri, entregaram a proposta dentro do prazo [às 14:24:20 e às 15:44:51] foram excluídos, um por ter apresentado na sua proposta valor superior ao preço base, e o outro por não ter apresentado plano de segurança e saúde da empreitada;
12. O procedimento de formação do contrato «sub judicio», seguiu a seguinte cronologia:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 26 de Julho de 2010;

§ Publicação do anúncio - 4 de Agosto de 2010;

§ Apresentação de propostas - 5 de Agosto de 2010;

§ Elaboração do relatório de avaliação - 9 de Agosto de 2010;

§ Adjudicação pelo Presidente da Câmara Municipal - 11 de Agosto de 2010;

§ Ratificação da adjudicação pela Câmara Municipal - 23 de Agosto de 2010;

§ Celebração do contrato - 26 de Agosto de 2010;  

13. O prazo de execução da obra é de 12 meses.

III. O DIREITO 
 

Como decorre do acórdão recorrido, a decisão de recusa do visto ao contrato de empreitada, celebrado entre o município de Viana do Castelo e a sociedade "Valentim José Luís e Filhos, Lda.", assenta, básica e essencialmente, no seguinte:

§ No caso em apreço, que se reputa de urgente, ocorrem os pressupostos fixados nas als. a) a c), do n.º 2, do art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.6., e que legitimam o recurso ao procedimento do concurso público urgente, previsto nos art.ºs 155.º e seguintes, do Códigos dos Contratos Públicos;

Porém,

§ O Anúncio do procedimento, publicitado segundo o preceituado no art.º 157.º, do Código dos Contratos Públicos, não refere, expressamente, a notícia de que as peças do procedimento estavam disponibilizadas na plataforma electrónica, e evidencia, mesmo, alguma ambiguidade, pois, enquanto no seu n.º 14 se adianta que o prazo para a apresentação das propostas se conta após o lançamento do procedimento na plataforma electrónica utilizada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, já nos termos do seu n.º 9, se indica que tal prazo se conta a partir da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
Tal contradição, aliada, ainda, ao prazo [24 horas] curtíssimo para apresentação de propostas, poderá ter contribuído para a redução do universo de potenciais concorrentes;
Verifica-se, assim, a violação do disposto no art.º 157.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos;

§ A fixação de um prazo de 24 horas para a apresentação de propostas, neste concreto procedimento, viola os princípios da igualdade e da concorrência, previstos no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos;

§ Só, formalmente [e não substancialmente], ocorreu um procedimento concorrencial;

§ As violações da lei indicadas, porque ofendem os princípios da igualdade e da concorrência, são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato;

E, daí, a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08.].

Por sua vez, a entidade recorrente impugna o decidido, sustentando, no essencial, o seguinte:

§ A contradição ínsita aos pontos 9 e 14 do anúncio deve-se à impossibilidade de alterar o ponto 9 do modelo, que é de preenchimento obrigatório;

§ Reconhece-se a não disponibilização das peças do procedimento no acto da publicação do anúncio, o que se deve à impossibilidade de disponibilizar, também, e para tal modo, o projecto de empreitada;  

Optou-se, assim, pela disponibilização de tais peças na plataforma electrónica, aí se prevendo que o prazo para a apresentação de propostas se contava a partir da referida disponibilização;

§ O prazo fixado para a apresentação, embora curto, não ofende alguma regra ou princípio procedimentais, pois harmoniza-se com a grande simplicidade e facilidade de exame do projecto;

§ Pelo que, e em suma, ocorrem os pressupostos da concessão do visto ao contrato em causa.

Sumariada a matéria sob controvérsia, urge esclarecer as questões daí emergentes e que, com relevância para a análise em curso, são as seguintes:

§ Concurso público urgente e Respectivo enquadramento normativo;

§ O anúncio do procedimento no domínio do concurso público urgente e respectiva conformação legal;

§ Prazo de apresentação das propostas e [in] observância dos princípios da concorrência, igualdade e da proporcionalidade;

§ [I]legalidade do procedimento. 
 

Do visto.

1. Do concurso público urgente.
Enquadramento normativo.

Como é sabido, o procedimento reportado ao concurso público urgente mostra-se regulado na Secção VII, do Código dos Contratos Públicos.
Aí, e sob o art.º 155.º, do C.C.P., dispõe-se que, "em caso de urgência na celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante", pode adoptar- -se aquele tipo de procedimento, desde que, por um lado, o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos no art.º 20.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.C.P., e, por outro, o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
O regime em causa não abrangia, assim, a celebração de contratos de empreitada, situação que, no entanto, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06. [de execução orçamental].
Na verdade, o art.º 52.º, n.º 2, deste último diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010], veio possibilitar, no ano de 2010, a adopção do procedimento de concurso público urgente, previsto no art.º 155.º, do C.C.P., também no domínio dos contratos de empreitada e sempre que:

§ Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;

§ O valor do contrato seja inferior ao referido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. ,

e

§ O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.  

Ainda de acordo com esta última norma, os concursos públicos urgentes no âmbito dos contratos de empreitada reger-se-ão pelas regras constantes do Código dos Contratos Públicos, excepto em matéria reportada à prestação de caução. E, sublinhe-se, é, ainda, aplicável, aos contratos de empreitada o disposto no art.º 158.º, do C.C.P., que fixa, para a apresentação de propostas, um prazo mínimo de vinte e quatro horas.
À luz do quadro normativo acima invocado, passaremos a conhecer da bondade ou não do alegado pelo recorrente e, bem assim, da procedência ou não do recurso interposto. 

2. Do Anúncio do Procedimento.
Prazo de apresentação das Propostas.

Ao longo do acórdão recorrido sublinha-se que o anúncio publicado obedeceu ao modelo de concurso público [não urgente], porquanto a Portaria prevista no n.º 1, do art.º 157.º, do Código dos Contratos Públicos, ainda não teria sido publicada. E, prosseguindo na análise aí vertida, afirma-se que, para além de não constar do anúncio, expressamente, que as peças do procedimento [programa de concurso e caderno de encargos] seriam disponibilizadas na plataforma electrónica, também as formas de contagem do prazo para a apresentação das propostas contidas nos pontos 14 e 9, do Anúncio, longe de coincidirem, até se contradizem [sob o ponto 14 anuncia-se que o prazo se conta a partir do lançamento do procedimento na plataforma electrónica, ao passo que, sob o n.º 9, se refere que o mesmo prazo se conta a partir da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República.].
Na impugnação do decidido, o recorrente salienta, por um lado, a impossibilidade de compaginar os conteúdos dos pontos 9 e 14, do Anúncio, e, do outro, evidencia, também, a impossibilidade de disponibilizar as peças do procedimento no acto de publicação do anúncio, uma vez que, por tal via, não era possível a divulgação do projecto de empreitada.
Cumpre analisar.

2.1. Corrigindo, importa adiantar que, ao invés do afirmado no acórdão recorrido, ao tempo da publicação do anúncio em causa já se encontrava publicada a Portaria a que alude o art.º 157.º, n.º1, do Código dos Contratos Públicos, a qual, realce-se, aprova os modelos de anúncio para os diversos tipos de procedimento, aí se incluindo o reportado ao concurso público urgente. Tal Portaria tem o n.º 701-A e foi publicada em 29.07.2008.
Daí que a recorrente - Câmara Municipal de Viana do Castelo - devesse adaptar e seguir o modelo de anúncio adequado ao concurso público urgente e já então disponível.
Reconhece-se, no entanto, que a orientação seguida, para além de suprida, também não funda a recusa do visto e, acrescente-se, também não se ergue, ainda, como questão a dilucidar no domínio do presente acórdão.

2.2. Questão diversa, e com relevância, será a que atenta no teor do anúncio e, mais particularmente, dirigida ao prazo fixado para a apresentação das propostas.
A propósito, diremos que não restam dúvidas quanto à contradição ínsita aos pontos 14 e 9 do Anúncio, pois, sob o primeiro, refere-se que o prazo de apresentação das propostas se conta a partir do lançamento do procedimento na plataforma electrónica, enquanto que, sob o segundo, [ponto 9] o prazo se conta a partir da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República.
É sabido [e a recorrente esclarece!] que o ponto 9 do modelo de Anúncio, de preenchimento obrigatório e inalterável, é inconciliável com o teor do ponto 14, de igual modelo.
E também não se ignora, até por experiência adquirida, que as disponibilizações do projecto de empreitada no acto da publicação do anúncio se revela impraticável, em razão da dimensão, formato e complexidade do referido projecto. E, daí, a inevitabilidade da sua disponibilização na plataforma electrónica.
Apesar do exposto, importa adiantar que a Câmara Municipal de Viana do Castelo poderia suprir a contradição evidenciada no Anúncio e contida nos citados pontos 9 e 14. Bastaria, para tanto, harmonizar o teor do ponto 14 com o teor do ponto 9.
Não o fazendo, e tal como se escreve no acórdão recorrido, a entidade adjudicante «pode ter contribuído para a redução do universo de potenciais concorrentes, confundidos com indicações diferentes em matéria de contagem do prazo».
Nesta parte, mostra-se, assim, infringido o disposto no art.º 157.º, n.º 2, do CCP. 

3. Dos Pressupostos Legitimadores do recurso ao Concurso Público Urgente.
Da [I]legalidade do Procedimento.

3.1. Conforme se fixou em I e II, deste acórdão, e também resulta do processo, o presente contrato de empreitada destina-se à "Remodelação e Ampliação do Centro Escolar de Alvarães - Viana do Castelo", constituindo um projecto co-financiado pelo Programa ON2 - Novo Norte. Trata-se, pois, de um projecto financiado por fundos comunitários.
Por outro lado, o valor do contrato - € 976.442,07 [s/IVA] - é inferior ao valor estabelecido na al. b), do art.º 19.º, do Código dos Contratos Públicos.
E, por último, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
Ocorrem, assim, os pressupostos exigidos na referida norma - art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - e que viabilizam a adopção [excepcional] do concurso público urgente enquanto procedimento, também no domínio da formação dos contratos de empreitada.

Mas bastará, «in casu», a verificação daqueles pressupostos para concluirmos pela legalidade do procedimento adoptado e observância dos princípios que regem a contratação pública?
A resposta conter-se-á na análise a que procedemos, de seguida.

3.2. Percorrida a tramitação do procedimento em apreço e, mui particularmente, o respectivo Anúncio de abertura, verificamos que o prazo para a apresentação das propostas foi fixado em 24 horas, contado após o lançamento do procedimento na plataforma electrónica [ponto 14], ou, ainda [atente-se na contradição evidenciada em III.2.1.] a contar do dia e hora do envio do referido anúncio para publicação.
Aprioristicamente, a fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas suscita óbvia apreensão.
Desde logo, porque se nos depara um contrato de empreitada, onde as propostas apresentadas pelos concorrentes são constituídas por uma lista de preços unitários alusivos a todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução, substanciadas, ainda, por um plano de trabalhos devidamente estruturado sempre que o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução e, ainda, por um estudo prévio (6).
Tais exigências e elementos já denunciam a complexidade da formação de tais contratos [de empreitada].
Por outro lado, embora relevemos os limites mínimos [legalmente fixados] para a apresentação das propostas [vd. art.º 63.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos,] é seguro que as entidades adjudicantes, na fixação de tal prazo, deverão ponderar, obrigatoriamente, o tempo necessário para a sua elaboração [sempre dependente da natureza, volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar] e, ainda, a eventual abordagem, em concreto, dos locais e equipamentos.
A empreitada em causa visa a "Remodelação e Ampliação do Centro Escolar de Alvarães - Viana do Castelo", a qual, pela sua natureza e espectável dimensão, face ao custo contratualizado e, também em razão do conteúdo das peças do procedimento [programa de concurso e caderno de encargos] e da proposta adjudicada, cedo convence da sua considerável complexidade.
Neste contexto, a fixação de um prazo de 24 horas para a apresentação das propostas, contado após o lançamento do procedimento na plataforma electrónica [vd. ponto 14 do Anúncio] ou a partir da data e hora do envio do Anúncio para publicação em Diário da República, sendo aceitável no âmbito de uma qualquer apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente inadequado à formação do contrato de empreitada em apreço.

3.3. Ademais, e no conforto do afirmado, importará lembrar que, no âmbito da formação dos contratos da empreitada, caracterizados por uma manifesta simplicidade dos trabalhos, a Lei aplicável [vd. art.º 135.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos], ainda assim, fixa um prazo mínimo de nove dias para a apresentação das propostas.
«In casu», a complexidade da empreitada em presença, porque não negligenciável, aconselhava a que, em conformidade, fosse fixado um prazo para a apresentação de propostas que permitisse a todos os potenciais concorrentes uma rigorosa elaboração das mesmas. E, por imperativo do princípio da transparência a que a contratação pública se subordina, tal prazo, em nenhuma circunstância, deveria ser quantificado em 24 horas.   

4. Das Ilegalidades.

4.1. O art.º 38.º, n.º 1, da Directiva n.º 2004/18/CE, prescreve que as entidades adjudicantes, ao fixarem o prazo de recepção das propostas e dos pedidos de participação, devem considerar, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
E, cotejando os considerandos iniciais da citada Directiva, aí se salienta que a adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, autarquias locais..., reger-se-á pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, transparência e concorrência, os quais, de resto, já se mostram plasmados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
A doutrina, ainda, no reforço e explicitação daquele "enunciado" normativo, alicerça a observância do princípio da concorrência (7) na necessidade de satisfazer os interesses públicos pela forma mais vantajosa possível, substancia o princípio da proporcionalidade pela proibição do Estado-administrador configurar medidas que se revelam desnecessárias ou excessivamente restritivas (8) e define o princípio da igualdade pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e da respectiva tramitação.
Ora, não questionando o apelo ao concurso público urgente enquanto tipo de procedimento destinado à execução da empreitada em causa [no acórdão recorrido reconheceu-se a urgência do procedimento e a mesma não foi questionada em alegações de recurso], é indubitável que o prazo de apresentação das propostas, em razão da argumentação acima expendida, afronta, sem equívoco, os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. E, desde logo, porque tal prazo, não se adequando ao grau de complexidade e natureza do projecto em causa, se mostra apto a restringir o número de concorrentes e eventuais futuros contratantes, impedindo-se, assim, e ainda, a optimização das propostas e, inerentemente, a prossecução do interesse público.
É certo que as entidades adjudicantes detêm margem de liberdade na fixação de obrigações e deveres ínsitos ao procedimento concursal, mas tal liberdade, para além de dever ajustar-se ao objecto do contrato, é, ainda, limitado pelos aludidos princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, a cuja observância se mostram legalmente vinculadas.

4.2. Por outro lado, a contradição ínsita aos pontos 9 e 14 do Anúncio e acima [vd. III. 2., 2.1. e 2.2.] analisada, pelo seu teor e eventuais consequências, mostra-se apta a reduzir o universo dos oponentes ao concurso.
Deste modo, para além de infringir o disposto no art.º 157.º, n.º 2, do CCP, a referida contradição induz, ainda, a violação do princípio da concorrência, previsto no art.º 1.º, n.º 4, do CCP, e pedra angular de toda a contratação pública. E a preterição deste princípio constitui, como já referimos, uma ilegalidade susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato.

5. A violação dos princípios acima indicados [igualdade, proporcionalidade e da concorrência] e, em consequência, da normação que os acolhe [vd. art. 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos], constitui ilegalidade susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato

6. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.8., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa do visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência firmada neste Tribunal de Contas, a densificação da expressão "legalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro" basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
A verificação das ilegalidades evidenciadas [vd. III.4.] conduz, inevitavelmente, à recusa do visto.
Inexiste, pois, motivo para alterar ou revogar o aresto recorrido.
 

IV. DECISÃO 
 

Pelos fundamentos expostos, acordaram os juízes da 1.ª Secção, em Plenário, negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa 01 de Março de 2011. 

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (António Augusto dos Santos Carvalho)  - (Manuel Roberto Mota Botelho)

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril.
(2) No procedimento anterior foram admitidas as propostas apresentadas por: Valentim José Luís & Filhos, S.A. (a então adjudicatária), Sá Machado & Filhos, S.A., Vodul - Sociedade de Construções, S.A., Habitilima - Sociedade de Construções e José Gomes Borlido, Lda. (vide processo nº 543/2010, ps. 127).
(3) No nº 7 do programa estabeleceu-se também esta regra.
(4) Vide nº 11 do anúncio publicado.
(5) Vide relatório de avaliação a p. 15 do processo.
(6) Vd. art.os 57.º, n.º 1, 361.º e 43.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos.
(7) Esteves de Oliveira, in Contratos Públicos - D.A. Geral, Tomo III.
(8) Ac. do TCAN, de 25.03.2010, Proc. 01257/09.7BEPRT.