ACÓRDÃO Nº 31 /2010 - 30 /Nov./2010 - 1ª SECÇÃO/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 01/2010
PROCESSO Nº 1615/2009
I. RELATÓRIO
1. A Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., inconformada com o teor do Acórdão n.º 171/2009, proferido em subsecção da 1.ª Secção, deste Tribunal, em 4 de Dezembro de 2009, e que recusou o Visto ao denominado Protocolo de articulação entre centrais de compras celebrado entre aquela entidade e o Agrupamento Complementar de Empresas "Somos Compras, ACE", veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue:
1. No Acórdão de que ora se recorre, o Tribunal de Contas fundamenta a decisão de recusa de Visto na aparente ilegalidade do Protocolo, em virtude de o mesmo, alegadamente, envolver i) a criação de uma nova central de compras sem fundamento legal e com observância das formalidades essenciais legalmente previstas para o efeito e ii) a obrigatoriedade de recurso por todos os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde aos Sistema Comum de Compras, em violação do disposto no artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, e no Regime do Sector Público Empresarial do Estado.
2. O Acórdão recorrido assenta, porém, numa errada concepção da realidade de facto subjacente, a qual, por seu turno, conduz a uma incorrecta interpretação dos normativos legais, revelando-se consequentemente ilegal a decisão final aí proferida.
3. Desde logo, verifica-se que o Sistema Comum de Compras não dispõe de personalidade jurídica, como também nem sequer consubstancia um qualquer serviço público desprovido de personalidade jurídica, criado no interior de dada pessoa colectiva, para efeitos de prossecução das respectivas atribuições, não podendo, nessa medida, assumir a natureza de central de compras, nos termos do disposto no artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro.
4. Com efeito, o Sistema Comum de Compras consiste numa simples estrutura tecnológica e logística conjunta criada para servir de base ao simultâneo exercício das actividades cometidas à Recorrente e ao Somos Compras, sob coordenação daquela primeira entidade, bem como à participação das entidades compradoras. Consubstancia, pois, um mero instrumento de articulação - mais concretamente, um meio de exercício em comum - das actividades confiadas às duas centrais de compras instituídas pelo Decreto-Lei nº 200/2008, instrumento esse que apenas vem acrescentar e, sobretudo, complementar os meios afectos ao desempenho dessas actividades.
5. Perante isto, resulta claro que o Protocolo não tem por objecto nem sequer por efeito a criação de uma nova central de compras, visando apenas estabelecer a articulação almejada pelo Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro.
6. Ora, ao referir-se à instituição do Sistema Comum de Compras como extravasando do âmbito do disposto naquele preceito legal, o Acórdão procede a uma infundada restrição dos poderes discricionários que o legislador entendeu conferir ao Recorrente, por intermédio do artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, visto que a referida disposição legal não veda nem exclui a possibilidade de criação de uma infra-estrutura comum, segundo a forma e os critérios que a própria Recorrente entendesse que deveriam ser seguidos, por se revelarem os mais eficazes e eficientes.
7. Pelo que a implementação do Sistema Comum de Compras não extravasa do âmbito do artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, antes se inserindo na margem de discricionariedade conferida ao Recorrente através do mesmo preceito legal, não violando, por isso, o princípio da legalidade consagrado no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo, nem o artigo 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
8. Por outro lado, contrariamente ao que é defendido no Acórdão, o Protocolo não contem qualquer determinação no sentido da obrigatoriedade de recurso ao Sistema Comum de Compras. Na verdade, essa determinação foi antes estabelecida no Despacho nº 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, o qual - como é sabido - não é passível de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas [cfr. artigos 5º, nº 1, alínea c), e 46º da LOPTC].
9. Não obstante - atenta a leitura conjugada do artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, bem como o facto de o Sistema Comum de Compras não constituir mais do que uma mera infra-estrutura de suporte à centralização das compras -, verifica-se que o referido despacho pretendeu, apenas, significar que, sempre que existam contratos públicos de aprovisionamento celebrados ou aprovados pela Recorrente, a aquisição dos bens e serviços a que eles respeitam afigura-se obrigatória por parte de todos os estabelecimentos e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, devendo utilizar-se, para tanto, a rede criada pelo Sistema Comum de Compras.
10. Atento o exposto, devem improceder as considerações tecidas ao longo do Acórdão, na medida em que o Protocolo manifestamente não extravasa do disposto no artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, devendo, ainda, ter-se por escritas as considerações sobre a pretensa ilegalidade do Despacho nº 18628, de 12 de Agosto de 2009, sob pena de violação da própria delimitação constitucional e legal do âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas.
11. Noutra perspectiva, merece ser sublinhado que o próprio artigo 10º, nº2, do Decreto-Lei 200/2008, de 9 de Outubro, constitui o fundamento legal para a obrigatoriedade supra referida abranger também as entidades inseridas no Sector Empresarial do Estado, na medida em que nele se prevê a implementação de tal possibilidade "(...) para todos os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.
12. Em todo o caso, a base legal para o disposto no Despacho nº 18628/2009 decorre também de algumas disposições do regime do sector empresarial do Estado e, sobretudo, de legislação especial aplicável aos Hospitais EPE, atento o disposto no artigo 6º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro.
13. Sem prejuízo do que acima se defende, mesmo que se admitisse que tinham sido cometidas ilegalidades na criação do Sistema Comum de Compras - o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio -, cumpre salientar que os vícios que, no Acórdão recorrido, são apontados ao Protocolo não consubstanciam autenticas causas de nulidade do mesmo, nos termos previstos no artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo, não constituindo, assim, legitimo fundamento de recusa de visto, nos termos previstos na alínea a) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC.
14. Ora, a nulidade, à luz do disposto no artigo 44º, nº 3, da LOPTC - que, sublinhe-se, afigura-se taxativo -, não constitui fundamento de recusa de visto, pelo que tais ilegalidades, mesmo que se verifiquem, - o que, repita-se, apenas se admite por mero dever de patrocínio - jamais podem obstar à concessão de visto.
15. De outra parte, importa referir que o Protocolo não acarreta, de igual forma, uma violação directa de normas financeiras, não podendo, nessa medida, constituir um fundamento de recusa de visto nos termos do artigo 44º, nº 3, alínea b), da LOPTC. Com efeito, a alegada violação da norma vertida no artigo 42º, nº 6, alínea a), da Lei de Enquadramento Orçamental apenas ocorre indirectamente ou por intermédio de norma interposta (as estabelecidas no artigo 10º, nº 2 e 3, do Decreto-lei nº 200/2008).
16. Porquanto, não se logrando demonstrar nem i) a nulidade das ilegalidades de que (supostamente) o Protocolo padece, nem ii) da violação directa de normas financeiras, outra não pode ser a consequência se não a de concessão de visto ao Protocolo.
17. O Acórdão recorrido suscita, ainda algumas dúvidas quanto à conformidade com o quadro jurídico-constitucional e jurídico-comunitário do artigo 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, "ao eleger directamente o ACE Somos Compras como central de compras do sistema de saúde".
18. Porém, esta argumentação não pode deixar de improceder em face da concepção do Somos Compras como mero instrumento de prossecução da missão confiada ao SUCH e, nessa medida, das atribuições cometidas às instituições que integram o Sistema Nacional de Saúde. Com efeito, a atribuição ao Somos Compras da função de central de compras constitui mera decorrência e/ou reforço das funções já conferidas, por despacho ministerial datado de 1966, ao SUCH na qualidade de instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados.
19. Nesta medida, atento o enquadramento factual descrito, verifica-se que a constituição do Somos Compras, ACE se insere na cadeia de instrumentalidade criada entre o SUCH e os seus associados, existindo, nessa medida, uma relação de in house, ainda que por via indirecta, entre o Somos Compras e os associados do SUCH.
20. Nesta conformidade, considera-se que a designação como central de compras do sistema da saúde, materializada pelo artigo 10º, nº 1, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro, pela sua natureza e pelos serviços envolvidos, não se encontra abrangida pela aplicação das regras sobre contratação pública, ao abrigo do artigo 5º, nº 2, do CCP.
21. Por fim, importa referir que a interpretação propugnada pelo Acórdão recorrido para a norma contida no artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 200/2008, de 9 de Outubro suscita fundadas dúvidas de conformidade à luz do Direito Constitucional.
22. Em síntese, a desconformidade da interpretação defendida no Acórdão com a Constituição decorre da manifesta violação dos princípios constitucionais da i) legalidade administrativa (cfr. Artigo 266º, nº 2, da Constituição) e ii) da separação de poderes (cfr. Artigos 110º, nº 2, e 111º, nº 1, da Constituição) e iii) da garantia constitucional de uma reserva de administração (cfr. artigos 182 e 199º da Constituição).
2. O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal de Contas emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção da recusa do visto ao Protocolo em apreço, aduzindo, em resumo, o seguinte:
§ O art.º 10.º, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., onde ancora o Protocolo sob apreciação, é manifestamente ilegal, por incumprimento das exigências previstas no Código dos Contratos Públicos e aplicáveis à matéria em causa Centrais de Compras], postergando, assim, as regras direccionadas à livre concorrência e violando mesmo o preceituado no art.º 8.º, do citado Decreto-Lei n.º 200/2008, ao não preceder a criação da Central de Compras do necessário e legal estudo de viabilidade económico-financeira;
O sistema comum de compras da saúde não é uma mera plataforma logística, mas sim uma verdadeira "unidade" criada em razão do disposto no citado art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008; E esta unidade visa, afinal, a centralização das aquisições de bens e produtos para todos os serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde e na órbita do SNS;
A ACSS instituiu, assim, uma nova entidade, tendo por objecto uma "aquisição de serviços", sem o adequado concurso público e invocando, nesta parte, a conhecida contratação «in house»;
§ As observações adiantadas mostram-se reforçadas pelo teor da decisão do Conselho de Ministros, que no seguimento de indicações formuladas por este Tribunal de Contas, determina a elaboração de legislação destinada à criação da SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE, entidade que, afinal, é uma nova "Central de Compras do Sistema de Saúde".
3. Foram colhidos os Vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Ao longo do acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se fixada, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito desse acórdão e ainda a seguinte:
1. O protocolo foi precedido de autorização do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, proferida em 30 de Julho de 2009 (1);
2. O protocolo em análise foi outorgado em 30 de Julho de 2009;
3. O protocolo foi celebrado ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, enquanto protocolo de articulação entre actividades de Centrais de Compras;
4. A ACSS e o Somos Compras, ACE outorgam no protocolo na qualidade de centrais de compras, como tal reconhecidas pelo artigo 10.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei n.º 200/2008;
5. O Somos Compras, ACE é a entidade gestora da unidade de serviços partilhados denominada "Central de Compras e Logística", criada e instituída pelo SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais) com o objectivo de centralizar, optimizar e racionalizar a aquisição de bens e serviços pelos seus associados (2);
6. Nos termos da cláusula 1ª do Protocolo, constitui objecto do mesmo a criação de um "Sistema Comum de Compras" (SCC) para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), suportando as Centrais de Compras da ACSS e do Somos Compras;
7. De acordo com a mesma cláusula, esse "Sistema Comum de Compras" (SCC) é constituído pelos meios tecnológicos, logísticos e humanos da ACSS e do Somos Compras;
8. O SCC será suportado numa Plataforma Tecnológica Comum de Contratação e Compras (PTC), que integra uma plataforma electrónica a disponibilizar aos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde para a realização das suas compras electrónicas (3);
9. A gestão estratégica do SCC cabe a uma Comissão Conjunta composta por um representante da ACSS e outro do Somos Compras, à qual compete acompanhar as actividades do SCC e emitir pareceres e recomendações (4);
10. Nos termos da cláusula 2.ª do protocolo, à ACSS, enquanto Unidade Ministerial de Compras, caberá coordenar e supervisionar a actividade de compras no âmbito do SNS;
11. À ACSS caberá também elaborar e aprovar (ou submeter à aprovação quando não disponha de competência para aprovar) propostas de procedimentos e/ou projectos de regulamentos para as actividades referidas na alínea seguinte, "a fim de que possam ser aplicados vinculativamente a todos os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde".
12. A operação directa do SCC caberá ao Somos Compras, ACE, ao qual competirá (5):
i. Gerir e manter a Plataforma Tecnológica Comum (PTC);
ii. Gerir a plataforma electrónica de contratação a disponibilizar aos serviços e estabelecimentos do SNS, mediante preçário devidamente aprovado;
iii. Organizar e manter um sistema de contratos públicos de aquisição de bens e serviços para as instituições do SNS;
iv. Divulgar pelos serviços e estabelecimentos do SNS os produtos e serviços objecto de contratação pela PTC;
v. Proceder à aquisição agregada de bens e serviços para os serviços e estabelecimentos do SNS, nas modalidades consideradas mais adequadas em articulação com a ACSS;
vi. Desenvolver os procedimentos prévios aos contratos públicos para o sector da saúde, da competência da ACSS e do Somos Compras;
vii. Gerir os contratos públicos de aprovisionamento já celebrados pela ACSS;
viii. Promover o desenvolvimento de processos de contratação electrónica;
ix. Levar a cabo a compra efectiva de bens e serviços, quando determinado pelo Membro do Governo competente do Ministério da Saúde;
x. "Optar pelo modelo de contratação que lhe parecer mais adequado à satisfação das necessidades de aprovisionamento manifestadas pelos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, com cumprimento das regras legais e regulamentares aplicáveis";
13. Nos termos da cláusula 2.ª, n.º 5, para efeitos das actividades que cabem ao Somos Compras, a ACSS confere ao Somos Compras os necessários poderes para agir em seu nome e representação;
14. Serão afectos às actividades do SCC geridas pelos Somos Compras duas trabalhadoras da ACSS (6);
15. A PTC é constituída pela actual plataforma tecnológica do Somos Compras, a qual será desenvolvida com vista a suportar as actividades incluídas no protocolo (7);
16. A utilização do sistema informático designado por "CAT@LOGO", incluindo o equipamento informático e os programas que lhe estão afectos é assegurada pela Somos Compras (8);
17. Para efeitos de comparticipação no custo da PTC já em funcionamento e no seu desenvolvimento, a ACSS pagará ao Somos Compras a quantia de 4.872.000,00 € (quatro milhões, oitocentos e setenta e dois mil euros (9));
18. A ACSS suportará ainda os custos efectivos com a adaptação do sistema informático "CAT@LOGO" às alterações legislativas decorrentes da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, até ao valor máximo de 73.500 € (setenta e três mil e quinhentos euros (10));
19. Na Memória Justificativa subscrita pelo Presidente do Conselho Directivo da ACSS, junta a fls. 3 a 5 dos autos, refere-se:
"(...) Nos termos n.º 1 do artigo do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, este Instituto e o Somos Compras, ACE, agrupamento complementar de empresas, foram considerados centrais de compras públicas do sistema de saúde pelo Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, para os efeitos nesse diploma estipulados, devendo a articulação entre as actividades de ambas ser efectuada por protocolo, nos termos do artigo 10º deste diploma.
A ideia de articulação pressuposta no diploma legal visa evitar a dispersão ou sobreposição de actuações sem benefícios no contexto das entidades adjudicantes. Assim, a ACSS e o Somos Compras consideraram que a melhor solução de articulação passava por colocar em comum um conjunto de meios que realizassem a função de compra comum para o universo do Serviço Nacional de Saúde. Esta opção de articulação transforma o Protocolo de Articulação como o verdadeiro instrumento de instituição da Central de Compras do SNS (11).
A articulação a que se refere o n.º 3 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, nos termos apontados tornou evidente que a existência de um serviço de compras partilhado deve assentar numa estrutura tecnológica e logística conjunta (12), sem perda de uma orientação comum garantida pela ACSS."
20. No Despacho n.º 18628/2009, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 155, de 12 de Agosto de 2009, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, estabeleceu, designadamente, o seguinte:
" (...) justifica-se a criação de um Sistema Comum de Compras para o Serviço Nacional de Saúde, utilizando o protocolo de articulação entre a ACSS e o Somos Compras, ACE (13), o qual disponibiliza uma infra-estrutura comum para as compras de bens específicos do sector da saúde.
(...) deve ser iniciada a aquisição centralizada com determinados bens e serviços. Esta aquisição no contexto do Sistema Comum de Compras deve ser obrigatória para todos os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.
Assim, determino:
1- A instituição de um Sistema Comum de Compras (SCC), no âmbito da articulação entre as centrais de compras do sector da saúde previsto no Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro, com recurso a uma plataforma tecnológica comum de compras criada e operada pelas Centrais de Compras da Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS) e Somos Compras, ACE.
2- O Sistema Comum de Compras tem por objectivos:
a) A gestão dos contratos públicos de aprovisionamento da área da saúde;
b) A condução dos procedimentos de aquisição dos bens e serviços da área da saúde, o que inclui a execução de todos os procedimentos prévios à contratação, bem como a adjudicação das propostas em representação das entidades do Serviço Nacional de Saúde;
c) A compra efectiva de bens e serviços da área da saúde em nome do Somos Compras, ACE, para posterior disponibilização às entidades do sector, sempre que esta actuação revele benefícios económicos para o SNS;
3- No âmbito do SCC, cabe à ACSS, enquanto unidade ministerial de compras, coordenar e supervisionar a actividade de compras no âmbito do SNS, enquanto o Somos Compras, ACE, assume a responsabilidade dos procedimentos necessários à operação.
4- As aquisições das categorias de bens e serviços para os quais exista ou venha a existir um contrato público de aprovisionamento celebrado pela ACSS ou pelo Somos Compras são obrigatoriamente efectuados através do Sistema Comum de Compras (14) (...).
5- A obrigatoriedade a que se refere o número anterior abrange todos os estabelecimentos e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica (15) (...).
6- (...).
7- É vedado às entidades compradoras mencionadas no n.º 5 proceder à abertura de procedimentos de aquisição e a renovações contratuais relativas a bens e serviços abrangidos por contratos públicos de aprovisionamento celebrados pela ACSS, à medida que os procedimentos de contratação respectivos fiquem concluídos no Somos Compras ou transitem da ACSS (16).
8- As entidades referidas no n.º 5 devem colaborar com o SCC, designadamente:
a)Fornecendo as previsões de consumo anuais e demais informação sobre as compras efectivamente realizadas;
b)Realizando as aquisições de bens móveis ou serviços decorrentes de cada contratação centralizada pelo SCC, relativamente às quantidades e especificações por elas indicadas previamente e às quais ficam vinculadas;
21. Instada a juntar aos autos cópia do acto constitutivo do Somos Compras, ACE, a ACSS juntou documentos a fls. 38 e seguintes dos autos.
22. Do contrato constitutivo consta que o Agrupamento Complementar de Empresas foi criado com a seguinte composição:
"A participação de cada um dos membros do Agrupamento será, para todos os efeitos, a seguinte:
Categoria (A)
a) Hospital de Santa Maria, EPE...................................3%
b) Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE...................3%
c) Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE...............3%
Categoria (B)
d) SUCH- Serviço de Utilização Comum dos Hospitais ....86%
e) SGG- Serviços Gerais de Gestão, SA.......................5%".
23. Nos termos do artigo 7.º do contrato constitutivo, a Assembleia-Geral do ACE pode deliberar a entrada de novos membros no Agrupamento;
24. Da certidão do registo comercial, junta a fls. 74 e seguintes do processo, consta que a posição da SGG- Serviços Gerais de Gestão, SA, foi transmitida, em 17 de Março de 2009, a favor do SUCH, o qual ficou com uma participação de 91% no ACE.
25. Do contrato constitutivo consta, em artigo 2.º, que o ACE tem o seguinte objecto:
"Artigo 2.º
Objecto
1- O Agrupamento tem por objecto principal a implementação e operação para o Agrupado SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais de uma estrutura capaz de centralizar, optimizar e racionalizar a aquisição de bens e serviços por prestadores de cuidados de saúde e disponibilizar serviços de compras e logísticas aos mesmos prestadores, visando a melhoria da eficiência dos Agrupados e dos associados do SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais.
2- O Agrupamento terá ainda por fim acessório a realização e a partilha de lucros entre os seus membros."
III. O DIREITO
Como bem decorre do acórdão recorrido [n.º 171/2009], a decisão de recusa do visto ao protocolo celebrado entre a Administração central do Sistema de Saúde, I.P., doravante designada por ACSS, e o Agrupamento Complementar de Empresas, ACE, radica, básica e essencialmente, no seguinte:
§ As entidades adjudicantes podem, ao abrigo do art.º 260.º, n.º 1, do Código de Contratos Públicos, constituir Centrais de Compras para centralizar a contratação de empreitadas de obras públicas, de locação e de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços;
§ Independentemente da natureza da entidade a quem é conferida a função de Central de Compras, esta, no exercício da respectiva actividade, subordina-se às regras da contratação pública;
§ De igual modo, a atribuição da função de "Central de Compras" a um operador económico privado, porque envolve uma aquisição de serviços, submete-se também, no domínio da atinente selecção, às normas que regem a contratação pública [vd. art.º 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 200/2008];
Para além das Centrais de Compras definidas no Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., o Estado poderá constituir, excepcionalmente, outras Centrais de Compras, constituição esta que será sempre precedida de uma proposta da Comissão interministerial de Compras, de autorização prévia do membro do Governo responsável pela área das Finanças e do membro do Governo responsável pelo respectivo sector, e, por último, de um estudo prévio sobre a necessidade, vantagens, conformação legal e viabilidade económico-financeira da Central de Compras a constituir;
§ Ao instituir o Sistema Comum de Compras para o Serviço Nacional de Saúde [abreviadamente, SCC], o Protocolo ora submetido a fiscalização prévia criou, afinal, uma nova Central de Compras, e ao arrepio da disciplina contida no art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, art.º 3.º do CPA, e no art.º 266.º, n.º 2 da Constituição da República;
§ Ao transformar-se a entidade "Somos Compras" na única entidade operacional do SCC [vd. teor do Protocolo] e sendo a ACSS apenas uma entidade de coordenação e supervisão do sistema, institui-se, em boa verdade, a obrigatoriedade do recurso à Central de Compras "Somos Compras", facto que viola o disposto no art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008;
E tal obrigatoriedade [formalmente conferida ao Sistema Comum de Compras], estabelecida no Despacho n.º 18628/2009 e no Protocolo [cláusula 2.ª, n.º 3] e extensível a todos os estabelecimentos e serviços integrados no SNS, independentemente da sua natureza jurídica, viola ainda a autonomia decisória das entidades inseridas no sector empresarial do Estado e onde se incluem, entre o mais, entidades públicas empresariais [ex: hospitais] - vd. o atinente regime jurídico contido no Decreto-Lei n.º 558/99, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23.08.;
§ As ilegalidades verificadas configuram nulidades, nos termos do art.º 133.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do CPA;
O Protocolo em apreço gera ainda despesa pública, autorizada em desconformidade com as normas legais aplicáveis [de natureza financeira];
Daí que, e por força do disposto no art.º 44.º, n.º 3, alíneas a) e b), da Lei n.º 87/97, de 26.08., se recuse o visto ao protocolo em apreço.
Por sua vez, a entidade recorrente, em extensa alegação, impugna o decidido, sustentando, no essencial, o seguinte:
§ O Sistema Comum de Compras [abreviadamente, SCC], consiste numa mera estrutura tecnológica e logística criada para servir de base ao simultâneo exercício de actividades cometidas à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., não dispondo de personalidade jurídica, nem consubstanciando um qualquer serviço público desprovido da mesma;
§ O Acórdão em apreço, ao equiparar o Sistema Comum de Compras a uma real Central de Compras restringe, afinal, os poderes [discricionários] conferidos ao legislador, consagrados no art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., norma esta que não veda ou exclui a possibilidade de criação de uma infra-estrutura como o referido SCC e segundo a forma entendida como mais adequada ao desígnio perseguido;
Daí que, e ao invés do proclamado no Acórdão sob recurso, a implementação do SCC não viole o principio da legalidade vertido no art.º 3.º do CPA e bem assim no art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa;
§ O Protocolo em apreço não estipula a obrigatoriedade do recurso ao SCC, sendo que a correspondente determinação resulta, isso sim, do despacho n.º 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde [não sindicável pelo Tribunal de Contas];
E, a propósito, importa sublinhar que a obrigação ou determinação decorrente daquele Despacho operará, tão-só, quando existam contratos públicos de aprovisionamento celebrados ou aprovados pela recorrente - ACSS, IP;
§ Os vícios imputados ao Protocolo não enformam as causas de nulidade previstas no art.º 133.º, do CPA;
E, de igual modo, também não determinam a violação de normas financeiras, pois a alegada violação da norma contida no art.º 42.º, n.º 6, alínea a), da lei de Enquadramento orçamental [Lei n.º 91/2001, de 20.08.], apenas ocorre indirectamente ou por intermédio de norma interposta [as vertidas no art.º 10.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008.
Daí que insubsistam as razões que obstem à concessão do Visto;
§ A constituição da Central de Compras "Somos Compras, ACE", visa a prossecução da missão confiada ao SUCH e, inerentemente, das atribuições cometidas às instituições que integram o Sistema Nacional de Saúde, existindo, assim, uma relação «in house» entre o "Somos Compras, ACE", e os associados do SUCH;
E, assim sendo, "a Central de Compras do Sistema de Saúde", reportada no art.º 10.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., não se mostra abrangida pelas regras da contratação publica, ao abrigo do art.º 5.º, n.º 2, do CCP;
§ A interpretação concedida no acórdão à norma constante do art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., viola os princípios da legalidade administrativa e da separação de poderes, previstos, respectivamente, nos art.ºs 266º, nº 2, 110º, nº2, e 111º, nº 1, da C. R. Portuguesa, ofendendo também a garantia constitucional de uma reserva de administração, melhor reportada nos art.ºs 182.º e 199.º da referida Lei Fundamental.
Sumariada a matéria sob controvérsia, evidenciaremos as questões relevantes que dai emergem e suscitam conhecimento, as quais, desde já, se enunciam:
§ Centrais de Compras, respectiva natureza, modo de constituição e objecto funcional;
§ Centrais de Compras no domínio do Sistema de Saúde;
§ Protocolo celebrado entre a ACSS, IP, e Somos Compras, ACE, respectiva caracterização;
Qualificação do Sistema Comum de Compras como uma nova Central de Compras;
§ Despacho n.º 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 12.08.2009, Protocolo e obrigatoriedade de aquisições através do Sistema Comum de Compras;
§ Protocolo e respectiva conformidade com o art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., e, bem assim, com o Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado [RJSEE], constante do Decreto-Lei n.º 558/99, na redacção do Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23.08.;
§ Ilegalidades identificadas no Acórdão recorrido e recusa do Visto aí decidida;
§ Eventual desconformidade da interpretação seguida no Acórdão recorrido com a Constituição [eventual violação dos princípios consagrados nos art.ºs 266.º, n.º 2, 110.º, n.º 2 e 111.º, n.º 1, e ainda da garantia constitucional de uma reserva da Administração.
1. Das Centrais de Compras e O Sistema de Saúde
Generalidades
1.1.
A Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, reportando-se a matéria relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de serviços e de fornecimento, admite a possibilidade de as entidades adjudicantes contratarem empreitadas de obras, fornecimentos e serviços, recorrendo a Centrais de Compras [vd. art.º 11.º, n.º 1].
O Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01., diploma legal que aprovou o Código dos Contratos Públicos, transpondo aquela Directiva, prevê, também e em conformidade, a criação de Centrais de Compras.
Com efeito, e de acordo com o disposto no art.º 260.º, n.º 1 do CCP, as entidades adjudicantes "podem constituir Centrais de Compras para centralizar a contratação de empreitadas de obras publicas, de locação e aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços", sendo que a respectiva constituição, estrutura orgânica e funcionamento das referidas Centrais se rege por diploma próprio. E este, como é sabido, veio a ser corporizado no Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., que, no seu art.º 1.º e sob a epígrafe "objecto", fixa o estabelecimento do regime jurídico aplicável à constituição, estrutura orgânica e funcionamento das Centrais de Compras.
Nos termos deste diploma legal - Decreto-Lei n.º 200/2008 - só as entidades adjudicantes podem constituir Centrais de Compras, sendo que estas substanciam [vd. art.º 2.º, n.º 1] "Sistemas de negociação e contratação centralizados, destinados à aquisição de um conjunto padronizado de bens e serviços ou à execução de empreitadas de obras publicas", em benefício daquelas. Acresce que, ainda nos termos do art.º 2.º, n.º 2 do citado diploma legal, a função de Centrais de Compras pode ser desempenhada por quaisquer entidades, publicas ou privadas, ou serviços públicos, ainda que desprovidos de personalidade jurídica.
No que concerne, de modo específico, ao Sistema de Saúde, o Decreto-Lei n.º 200/2008, no seu art.º 10.º, considera Centrais de Compras a unidade ministerial de compras assegurada pela Administração Central do Sistema de Saúde, IP [doravante ACSS], criada pelo Decreto-Lei n.º 219/2007, de 29.05., e o agrupamento complementar de empresas Somos Compras, ACE.
1.2.
Nesta parte, e em adesão ao sustentado em alegações da recorrente [vd. art.ºs 9.º a 59.º], importa sublinhar que a criação das Centrais de Compras, visa, inequivocamente, o funcionamento mais ágil e eficiente do Serviço Nacional de Saúde, gerando, assim, ganhos de escala e eficiência que permitam, crescentemente, substanciais poupanças e consequentes reduções da despesa pública, embora sem prejuízo da qualidade dos serviços a prestar e evitando o atropelo do quadro normativo que enquadra a respectiva actividade.
2. Do Sistema Comum de Compras
[Nova Central de Compras?]
2.1.
Como resulta do probatório [vd. II. - alínea f) a t)] e bem se afirma no Acórdão recorrido o Protocolo ora submetido a fiscalização prévia, aliado ao Despacho n.º 18628/2009, do Secretario de Estado Adjunto e da Saúde, dá corpo ao Sistema Comum de Compras para o Serviço Nacional de Saúde.
E convocando as "considerações-fundamento" do Protocolo em causa e o clausulado aí inserto, daí decorre, com relevância para a análise em curso, o seguinte:
§ O Sistema Comum de Compras para o SNS suporta as Centrais de Compras da ACSS e do Somos Compras, sendo constituído pelos meios tecnológicos, logísticos e humanos da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., e do Somos Compras, cabendo a operação directa ao Somos Compras e a gestão estratégica à Comissão Conjunta criada no âmbito do Protocolo;
§ O Sistema Comum de Compras [abreviadamente, SCC] é suportado numa Plataforma Tecnológica Comum de Contratação e Compras [PTC], sendo que esta integra numa plataforma electrónica a disponibilizar aos estabelecimentos e serviços do SNS;
§ A ACSS, enquanto unidade ministerial de Compras, coordena e supervisiona a actividade de compras no âmbito do SNS, ao passo que ao Somos Compras cabe apresentar as propostas tendentes a gerir e manter as PTC, organizar e manter um sistema de contratos públicos de aquisição de bens e serviços para o SNS, implementar a compra efectiva de bens e serviços, segundo prévia determinação do Ministério da Saúde e, ainda em articulação com a ACSS, mas na vertente operacional, responsabilizar-se pelos procedimentos prévios aos contratos públicos para o sector da saúde, divulgar pelos estabelecimentos do SNS os produtos e serviços objecto de contratação, gerir os contratos públicos de aprovisionamento já celebrados pela ACSS e gerir ainda a plataforma electrónica da contratação.
§ A ACSS paga ao Somos Compras a quantia de € 4 872,00, a título de participação no custo da PTC, já em funcionamento.
Por outro lado, e atendo-nos agora ao teor do despacho n.º 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, citado em II., importará reter que, para além de aí ser justificada [em Preâmbulo] a criação de um sistema comum de compras para o SNS, utilizando, para o efeito, o protocolo de articulação entre a ACSS e o Somos Compras, fixam-se [vd. n.º 2] àquela primeira estrutura [SCC] os objectivos, a saber:
§ "A gestão dos contratos públicos de aprovisionamento da área da Saúde;
§ A condução dos procedimentos de aquisição de bens e serviços da área da Saúde, o que inclui a execução de todos os procedimentos prévios à contratação, bem como a adjudicação das propostas em representação das entidades do SNS;
§ A compra efectiva de bens e serviços da área da Saúde em nome do Somos Compras, ACE, para posterior disponibilização às entidades do Sector, sempre que esta actuação revele benefícios económicos para o SNS".
Por último, não deixaremos de atentar na "Memória Justificativa" que precede o Protocolo em apreço, subscrita pelo Presidente do Conselho Directivo da ACSS [vd. II. 19.], e onde, além do mais, se refere que a opção de articulação transforma este Protocolo num verdadeiro instrumento de instituição da Central de Compras do SNS.
2.2.
Confrontando a sumariação do Protocolo acabada de expor [III. 2.1], os objectivos fixados ao SCC no Despacho n.º 18628/2009 e o teor da "Memória Justificativa" que precede, influencia e clarifica o Protocolo sob apreciação com a definição de Centrais de Compras prevista no Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.12.2004, e, ainda, com a elencagem das actividades cometidas às Centrais de Compras por força do artigo 261.º, n.º 1, do CCP [Adjudicar propostas de execução de empreitadas de obras públicas de fornecimento de bens móveis e de prestação de serviços, a pedido e em representação das entidades adjudicantes, locar ou adquirir bens móveis ou adquirir serviços destinados a entidades adjudicantes e celebrar acordos - quadro, designados contratos públicos de aprovisionamento, que tenham por objecto a posterior celebração de contratos dirigidos a tal matéria], logo se constata que os objectivos do sistema comum de compras se identificam [e cabem mesmo!] com os conferidos às mencionadas Centrais de Compras nos diplomas legais acima invocados.
Deste modo, e afastada também a possibilidade do Sistema Comum de Compras configurar um mero agregado de Centrais de Compras [inexiste Lei que preveja tal figura e, assim, à míngua da necessária habilitação legal, o correspondente acto instituidor seria inválido, por violação do principio da legalidade contido nos artigos 3º, do CPA, e 266º, nº 2 da C. R. Portuguesa], é seguro afirmar que, mediante o Protocolo em apreço, se constituiu uma nova Central de Compras, recorrendo-se, para tanto, à norma prevista no art.º 10.º, nº 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., e que, como é sabido, apenas prevê a adopção de um instrumento [Protocolo] que corporize a articulação entre as actividades das Centrais de Compras do Sistema de Saúde aí mencionadas.
Assim, e contrariando a recorrente que, ao longo das suas alegações, insiste em definir o Sistema Comum de Compras como um mero modelo organizativo [vd. art.º 94.º] e ainda como uma simples estrutura tecnológica e logística "para servir de base ao simultâneo exercício das actividades a si cometidas e ao Somos Compras" [vd. Conclusão 4.ª], os objectivos conferidos ao SCC e a clarificação que a entidade competente verte em "Memória Justificativa" prévia ao clausulado enformador do Protocolo não deixam dúvidas quanto à qualificação acima adiantada, e que, repetindo-nos, identificou o Sistema Comum de Compras como uma nova Central de Compras e o Protocolo em apreço como instrumento da sua criação.
Em reforço do concluído, mostra-se ajustada a convocação do afirmado em Parecer deduzido pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que, a propósito e com propriedade, refere:
"Nesta matéria, uma vez mais deve fazer-se apelo ao chamado princípio da prevalência da substância em detrimento da forma; o que este Protocolo visou atingir, ainda que de forma implícita, foi a instituição de uma nova entidade que, na prática, viesse a realizar toda a centralização das aquisições de bens e produtos ..."
2.3.
Ainda ao longo das alegações [vd. art.º 68.º e segs.], a recorrente sustenta que o Sistema Comum de Compras jamais poderia assumir-se como Central de Compras, por não cumprir as exigências previstas no art.º 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 200/2008, de 09.10. Ou seja, para além de não ser pessoa colectiva a quem é reconhecida personalidade jurídica, também não se perfila como um serviço público desprovido de personalidade jurídica criado no seio de alguma pessoa colectiva e visando a prossecução das respectivas atribuições.
É certo que o Sistema Comum de Compras não se assume como pessoa colectiva dotada de personalidade jurídica.
No entanto, o Sistema Comum de Compras identifica-se, claramente, como Serviço público, ainda que desprovido de personalidade jurídica.
Na verdade, e como escreve Marcello Caetano [vd. Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª ed., fls. 237 e segs.], no âmbito das classes de serviços, identificados pelo seu objecto, surgem actividades de natureza diversa a que correspondem organizações também denominadas serviços.
E, prosseguindo, aquele autor sustenta ainda que tais serviços perseguem fins de operacionalidade e também de prestação que, afinal, justificam a sua criação e perdurabilidade.
Acresce que a recorrente - Administração Central do Sistema de Saúde - é um Instituto Público. Ou seja, trata-se de uma pessoa colectiva de direito público, a quem o estado confia tarefas relacionadas com a prossecução de determinado interesse colectivo [«in casu» a Saúde Pública], perseguindo, ainda, metas de celeridade e eficiência.
O Sistema Comum de Compras, por força do Protocolo em causa, de que a autoridade Central do Sistema de Saúde é outorgante, comunga, afinal, das funções [públicas!] cometidas a esta última e conferidas mediante aquele instrumento contratual e, inerentemente, obrigacional [Protocolo].
O Sistema Comum de Compras, até pela natureza colectiva dos interesses que salvaguarda e zela, é, indubitavelmente, um serviço público, embora destituído de personalidade jurídica.
Nada obsta, pois, a que o referido SCC assuma a condição de Central de Compras.
2.4.
Como bem se acentua no acórdão recorrido e melhor dispõe o art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., a criação de Novas Centrais de Compras pelo Estado [leia-se, ainda, entidade adjudicantes - art.º 260.º, n.º 1, do CCP] só poderá verificar-se em contexto de excepcionalidade, sendo que as mesmas devem destinar-se a um sector de actividade específico e serem vocacionadas para satisfazer necessidades especiais e diferenciadas, dependendo a sua criação de autorização prévia do membro do Governo responsável pela área das Finanças e do membro do Governo responsável pelo respectivo sector, sob proposta da Comissão interministerial de Compras.
Para além disso, e ainda de acordo com o disposto no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., a criação de Centrais de Compras deve ser sempre precedida de um estudo que incida sobre a sua necessidade, viabilidade económico-financeira e vantagens, designadamente, na perspectiva dos ganhos de qualidade e eficiência, bem com sobre a sua conformidade com o regime legal aplicável.
Acresce que, também nos termos do art.º 5.º, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., o acto constitutivo das Centrais de Compras pelas entidades adjudicantes deve respeitar a forma e a publicidade exigidas pela lei aplicável e adequadas à natureza jurídica da respectiva entidade gestora.
Ou seja, como se afirma no acórdão sob recurso, a atribuição da condição de Central de Compras a um operador económico privado [incluindo a respectiva selecção] rege-se pelas normas que enformam a contratação pública.
O exposto atesta bem o cuidado exigido pelo legislador na criação de Centrais de Compras.
«In casu», a constituição do Sistema Comum de Compras, real central de compras, não deu cumprimento às exigências inscritas nos art.ºs 7.º, n.º 2 e 8.º do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., acima enunciadas, o que constitui violação de Lei expressa e, correspondentemente, inverificação de elementos essenciais e indispensáveis à boa constituição de uma Central de Compras.
2.5.
A recorrente sustenta ainda que o acórdão recorrido procede a uma "infundada restrição dos poderes discricionários concedidos à recorrente mediante o art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., pois, ainda segundo aquela, tal disposição legal não veda nem exclui a possibilidade de criação de uma estrutura comum, segundo a forma e os critérios que entendesse ser seguidos ...". E, adiante, a recorrente afirma ter agido na margem de discricionariedade conferida por aquela norma, não violando, pois, o art.º 3.º do CPA e o art.º 266.º n.º 2 da C. R. Portuguesa.
Na relevação do exposto, adianta-se, desde já, que concedemos inteira adesão à análise realizada a propósito do conceito jurídico-administrativo da "discricionariedade".
Porém, a densificação factual de tal conceito não encontra eco na decisão sob recurso e o correspondente exercício [dissecação do conceito jurídico-administrativo da discricionariedade] não constitui argumento acolhível.
Na verdade, e indo ao encontro do alegado pela recorrente, a decisão impugnada não veda ou exclui a criação de uma estrutura comum, mediante Protocolo, que articule as actividades das Centrais de Compras.
Diversamente, acentue-se, aquele aresto exclui, isso sim, que se constitua uma nova Central de Compras ao abrigo do citado art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, norma que, manifestamente, tal não prevê e, obviamente, não consente. Decorrentemente, e agora no apelo ao bom uso dos poderes discricionários, importa que o exercício destes se contenha nos limites, a saber:
§ No exercício dos poderes e prática de actos discricionários, a decisão surge livre em alguns aspectos, mas nunca o será quanto à competência conferida por lei, nem quanto ao fim a prosseguir por esta (17);
§ O poder discricionário deriva, forçosamente, da lei, existindo apenas e na medida em que esta o atribua e só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir e para o fim conferido por esta.
Entendendo-se, como acima se desenvolveu, que o Protocolo em apreço criou uma nova Central de Compras, reafirma-se, assim, que se mostra violado o art.º 10.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10..
Logo, nesta parte, o acórdão recorrido também não merece censura.
3. Do Recurso ao Sistema Comum de Compras Do Serviço Nacional de Saúde
3.1.
Conforme resulta dos n.ºs 4 e 5, do mencionado Despacho n.º 18628/2009, todos os estabelecimentos e serviços integrados no SNS, independentemente da sua natureza jurídica, terão, obrigatoriamente, de efectuar as suas aquisições através do sistema comum de compras para as categorias de bens e serviços em relação aos quais exista ou venha a existir um contrato público de aprovisionamento celebrado pela ACSS ou pelo Somos Compras.
E tal obrigatoriedade, contrariamente ao sustentado pelo recorrente em alegações por si deduzidas, mostra-se ainda consagrada na cláusula 2.ª, n.º 3, do Protocolo em apreço, onde, como acertadamente se menciona no acórdão ecorrido, se equaciona a aplicação vinculativa a esses estabelecimentos e serviços das demais actividades do SCC, aí se inscrevendo a aquisição centralizada.
Tal vinculação, acrescente-se, viola o disposto no art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., que, a propósito, estipula:
"Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., as aquisições a efectuar ao abrigo dos contratos públicos de aprovisionamento celebrados pela ACSS, podem ser tornadas obrigatórias por despacho do membro do governo responsável pela área da Saúde, para todos os serviços e estabelecimentos do SNS".
Na verdade, a norma transcrita dispõe que só as aquisições a efectuar ao abrigo dos contratos públicos de aprovisionamento celebrados pela ACSS podem ser tornadas obrigatórias para os serviços e estabelecimentos do SNS, não conferindo tal possibilidade às aquisições feitas pelo Somos Compras ou pelo Sistema Comum de Compras.
A interpretação dirigida ao art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008 de 09.10., pela recorrente [a recorrente, em art.º 137 das alegações, considera que a "ratio" daquele preceito abarca as aquisições a efectuar ao abrigo dos contratos de aprovisionamento directamente por si celebrados e, ainda, as aquisições a efectuar ao abrigo dos contratos de aprovisionamento cuja celebração tenha sido aprovada ou, no mínimo, por si controlada] não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, substanciando, assim, um exercício interpretativo que ofende a norma contida no art.º 9.º, do Código Civil.
3.2.
Como bem resulta do Despacho n.º 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde [vd. nº 3] e ainda do Protocolo em apreço, o Somos Compras assume, inquestionavelmente, a vertente operacional do Sistema Comum de Compras, assegurando os procedimentos de selecção, aquisição, adjudicação e contratação, cabendo á recorrente a mera coordenação e supervisão do sistema.
Consagra-se, assim, o recurso obrigatório à Central de Compras "Somos Compras", ainda que mediante o Sistema Comum de Compras, sendo que, em boa verdade, as compras implementadas pelas entidades integradas no SNS, passariam a ser efectuadas pelo "Somos Compras ACE". Facto que, manifestamente, também contraria o disposto no art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008.
3.3.
Como acima se desenvolveu, o citado Despacho n.º 18628/2009 e o n.º 3, da cláusula 2.ª do Protocolo fixam a obrigação de utilização do Sistema Comum de Compras para todos os estabelecimentos e serviços integrados no SNS.
Como é sabido e a própria recorrente assinala ao longo das suas alegações, o SNS é integrado por entidades públicas empresariais [EPE's] que, afinal, resultaram da transformação das sociedades anónimas. Tais entidades publicas empresariais, prevalentemente hospitais, tem regime e estatutos aprovados no domínio do Decreto-Lei n.º 223/2005, de 29.12., e acolhem-se ao Sector Empresarial do Estado, regido pelo Decreto-Lei n.º 558/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, de 23.08. .
Ora, a referida obrigação de utilização do Sistema Comum de Compras para as entidades públicas empresariais, que traduz uma verdadeira decisão de gestão, para além de não se inscrever no elenco de poderes e competências do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, também não se mostra observada ou legitimada por alguma norma de cariz legal que a admita ou acolha aos poderes de superintendência do Estado.
Acresce que, como bem se decidiu no acórdão recorrido, aquela decisão de gestão não se integra nos poderes de orientação constantes do art.º 11.º, do Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado, que apenas prevê orientações e recomendações, nem se abriga ao art.º 29.º, do Decreto-Lei n.º 558/99, que, como é sabido, se reporta aos poderes de tutela.
A obrigação acima aludida não é, assim, legalmente admissível.
Por ultimo, e contrariando o sustentado pela recorrente, é indubitável que as competências conferidas ao Ministro da Saúde, de acordo com o Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29.12., depois delegadas no Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, e que lhe permitem definir normas de organização e de actuação hospitalar, não infirmam o acima afirmado quanto à inaptidão de um Despacho, de teor administrativo, para alterar o Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado, aprovado por Decreto-Lei, e à inexistência de norma legal que, de modo válido, sustente a imposição de tal decisão de gestão às entidades empresariais do Estado.
4. A Central de Compras "Somos Compras" e respectiva Conformidade com a Constituição e Direito Comunitário
4.1.
Previamente, anotaremos que a matéria sob epígrafe, embora aflorada no acórdão recorrido, não condiciona, sob qualquer forma, a recusa do visto.
Afigura-se-nos mesmo que a invocação e abreviada apreciação jurídica de que tal questão foi objecto no domínio do acórdão recorrido correspondam a um exercício técnico incidental e marginal às questões verdadeiramente essenciais suscitadas no processo.
Daí que, sem vinculação legal, procedamos a uma sumária e breve análise da matéria integrada nas alegações [vd. art.º 182.º e segs.] da recorrente.
4.2.
Em breve referência, assume-se no acórdão recorrido que a designação do Somos Compras. ACE, como Central de Compras, efectuada mediante o Decreto-Lei n.º 200/2008 [vd. art.º 10.º, nº 1], não se conforma com o quadro jurídico-constitucional e jurídico-comunitário estabelecido, porquanto não se mostra precedido do necessário e legalmente devido procedimento concursal.
Por seu turno, na sustentação da bondade de tal designação, a recorrente, em extenso articulado, funda esta na denominada relação «in house» estabelecida entre Somos Compras, ACE, de um lado, e os associados do SUCH, do outro, e considera-a mera decorrência das funções conferidas a este último Serviço de Utilização Comum dos Hospitais por despacho ministerial de 1996, na qualidade de instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados.
Cumpre, pois, analisar.
4.2.1.
O SUCH é, à luz dos Estatutos publicados na II Série do Diário da República em 29.12.2006, uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e tem por objecto o funcionamento mais ágil e suficiente dos seus associados através de assistência técnica no domínio do equipamento e instalações, promoção de acções no âmbito da investigação e desenvolvimento tecnológico, constituição de unidades de serviços partilhados destinadas a assegurar aos seus associados serviços de apoio à prestação dos cuidados de saúde [aqui se incluindo a gestão integrada de recursos humanos, administrativa e financeira], para além de outras atribuições inscritas no art.º 2.º dos mencionados Estatutos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
O SUCH, ainda de acordo com o art.º 2.º, n.º 2, dos Estatutos, para além do instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, pode, ainda no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados.
O SUCH pode ainda alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que verificados os pressupostos indicados nos Estatutos, e melhor elencados sob as als. a) e b) acima desenvolvidas.
Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas, que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde [vd. art.º 6.º, n.º 1, dos Estatutos].
Acresce que, ainda nos termos do art.º 2.º, n.º 3, dos Estatutos, as unidades de serviços partilhadas constituídas pelo SUCH podem assumir a forma de unidades orgânicas do SUCH ou de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades.
Ainda nos termos do art.º 3.º, dos Estatutos, sempre que interesse à prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir e alienar participações sociais.
A tutela sobre o SUCH é exercida pelo Ministro da Saúde, sendo que, como também resulta dos Estatutos, cabe a este a nomeação do Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração, a homologação das alterações aos Estatutos aprovadas em Assembleia-Geral, a homologação da dissolução do SUCH, também aprovada em Assembleia-Geral e, por fim, homologa a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto [vd. art.º 15.º].
Confrontando os Estatutos aprovados em 1996 com os Estatutos ora em vigor e reportados a 2006, mostra-se claro o enfraquecimento crescente dos poderes tutelares e de controlo do Estado, reforçando-se, ao invés, a natureza privada e associativa dos SUCH.
Assim, a consideração da componente estatutária que define a constituição, natureza e fins do SUCH, e ainda no apelo à melhor doutrina convocável na matéria sob análise, é possível concluir, com relevância, o seguinte:
§ O SUCH, sendo uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, deve ser considerada pessoa colectiva de direito privado, como, de resto, vem sendo entendido pela doutrina dominante, não integrando a Administração Pública, mas colaborando com esta (18);
§ Estatutariamente, nada impede que figurem entidades privadas como associadas do SUCH;
§ O SUCH, enquanto associação, poderá constituir unidades de serviços partilhados, as quais poderão assumir a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou terceiras pessoas.
Na materialização da referida previsão estatutária, o SUCH, certamente no sentido de consolidar a sua capacidade competitiva em diversos segmentos do mercado, passou a deter participações sociais em múltiplas entidades empresariais, onde se inclui o Somos Compras, ACE [o SUCH, sendo pessoa colectiva de direito privado, detém participação na percentagem de 86%, mas também participam várias entidades publicas empresariais ligadas à saúde e, até Março de 2009, a empresa "SGG - Serviços de Gestão, SA", do universo da "Deloitte Touch Tohmatsu"].
4.2.2. Dos requisitos da Relação «in house»
Segundo jurisprudência do T.J.C.E. [vd. o denominado processo "TECKAL" , com o n.º C-107/98] verifica-se a relação «in house», legitimadora do não apelo ao procedimento pré-contratual de natureza concursal para fornecimento de bens ou serviços, por parte da entidade adjudicante, sempre que a entidade adjudicatária, embora distinta daquela no plano formal, não seja da mesma autónoma no âmbito decisório.
Por outro lado, e ainda de acordo com o referido Tribunal de Justiça, a verificação da relação «in house» subordina-se à ocorrência, de modo cumulativo e permanente, dos seguintes requisitos:
§ Exercício, pela entidade adjudicante e sobre a adjudicatária, de um controlo análogo ao exercido por aquela sobre os seus próprios serviços
e que
§ A entidade adjudicatária realize o essencial da sua actividade para a entidade adjudicante que a controla.
Tais pressupostos [da relação «in house»] constam também do mencionado art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, normação essa que, como já sublinhámos, constitui uma derrogação excepcional das regras da contratação pública e, naturalmente, devem ser objecto de interpretação restritiva (19), em preservação do princípio da concorrência.
«In casu», quer o SUCH, quer o Somos Compras, ACE, pessoas colectivas de direito privado, são participadas por entidades públicas empresariais e, estatutariamente, nada impede que venham a ser ainda participadas por empresas privadas.
Daí que não seja expectável que entre tais actividades ocorra uma relação, traduzível num controlo análogo ao exercício sobre os próprios serviços. Ou seja, e em resumo, a forma como aquelas entidades se estruturam, jurídica e funcionalmente, não assegura um controlo efectivo sobre as escolhas [em sede gestionária] mais relevantes da entidade controlada [não ocorre, assim, o denominado equilíbrio "governance" que garante a efectiva e determinante influência do ente público sobre as opções de gestão da entidade empresarial que visa controlar].
Inverifica-se, assim, o requisito previsto no art.º 5.º, n.º 2, al.a) do C.C. Públicos - o controlo análogo. E porque a inaplicabilidade das regras da contratação pública, a que se reporta aquela norma, exige a verificação cumulativa dos requisitos enunciados nas als. a) e b), do n.º 2, do art.º 5.º, do CCP, revela-se inútil a abordagem do requisito "destinação essencial da actividade" em benefício da entidade que detém e exerce o controlo análogo.
4.2.3.
Do exposto resulta, com clareza, que a designação do Somos Compras, ACE, como Central de Compras [vd. art.º 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 200/2008], não decorrendo do necessário e legal procedimento concursal, constante do C.C. Públicos, afronta os princípios da igualdade, imparcialidade e concorrência previstos nos art.ºs 266.º, n.º 2, e 81.º, da C R Portuguesa, e 4.º, n.º 1, e 12.º, do tratado da Comunidade Europeia.
5. Das ilegalidades.
Nulidades. Violação de Normas Financeiras.
5.1.
No domínio do acórdão sob recurso imputaram-se ao Protocolo as ilegalidades, a saber:
§ Criação de uma nova central de compras sem observância da disciplina legal contida nos art.ºs 7.º e 8.º, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10. ;
§ Violação do art.º 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., e do Regime das Entidades Públicas Empresariais, plasmado no Decreto-Lei n.º 558/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, por se inscrever no Protocolo em causa a obrigatoriedade, para todos os serviços e estabelecimentos do SNS, do recurso ao Sistema Comum de Compras para efeitos de aquisições de bens e serviços para os quais exista ou venha a existir um contrato público de aprovisionamento celebrado pela ACSS ou pelo Somos Compras, ACE;
§ Violação do disposto no art.º 42.º, n.º 6, al. a), da Lei n.º 91/2001, na redacção dada pela Lei n.º 48/2004, de 24.08. [Lei de Enquadramento Orçamental], por autorização de despesa sem que o facto que a determina se conforme com a lei aplicável.
No domínio das alegações da recorrente esta entende que os vícios apontados ao Protocolo no acórdão recorrido não configuram as causas de nulidade elencadas no art.º 133.º, do C P Administrativo, mas sim as causas de anulabilidade previstas no art.º 135.º, do mesmo diploma legal, as quais, em seu entender, não constituem fundamento de recusa do visto. Para além disso, advoga que a celebração de Protocolo não determinou a violação directa das normas financeiras e, assim, também não preenche o fundamento da recusa do visto constante do art.º 44.º, n.º 3, al. b) da LOPTC.
5.2
É inquestionável que a nulidade, no âmbito do CPA e actividade administrativa em geral, constitui um modo de sancionamento excepcional do acto administrativo, sendo a anulabilidade a sanção geral para a ilegalidade aí cometida.
Daí, e de certo modo, o abandono da enunciação taxativa das causas de nulidade com a publicação do C P Administrativo vigente.
Porém, apesar da flexibilidade e alargamento do critério, o legislador vincou e elencou as causas de nulidade mais graves e óbvias, retirando ao intérprete, em determinados casos, a responsabilidade pela sua identificação.
Na situação em causa, a criação de uma nova Central de Compras [Sistema Comum de Compras que, conforme se desenvolveu e amplamente se demonstrou, se equipara a uma central de compras] sem observância das regras e princípios atinentes à contratação publica, prevista e disciplinada no CCP e ao arrepio dos pressupostos que fundam e legitimam a sua constituição, para além de, directamente violar os art.ºs 260.º, do CCP, 7.º, n.º 2 e 8.º, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., o acto administrativo que lhe corresponde vê-se, assim, privado de elementos que, essencialmente, o devem constituir e integrar.
Ademais, a entidade Somos Compras, ACE, mediante o Protocolo, co-assumiu a criação de uma nova Central de Compras, sem que, e obviamente tal acto se contivesse no âmbito das suas atribuições [vd., ainda, o art.º 260.º, n.º 1 do CCP]. Circunstância que reforça a ocorrência dos pressupostos previstos no art.º 133.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPA, que geram a nulidade ou invalidade do acto em causa [criação de uma nova Central de Compras].
5.2.1.
No concernente à obrigatoriedade do recurso ao Sistema Comum de Compras por banda dos serviços e estabelecimentos do SNS, é indubitável [contrariamente ao alegado pela recorrente] que a opção tomada pelas entidades já referidas, nesta parte, determinou também a celebração do mencionado Protocolo.
Estamos ainda seguros que tal desígnio constituiu um dos motivos determinantes para a sua celebração.
Daí que o suprimento da ilegalidade evidenciada não passe pela "redução" a que alude o art.º 285.º, n.º 3 do CCP, ou, ainda, pela "desconsideração" desta parte, como se sustenta [vd. art.º 162.º] nas alegações de recurso e, pretensamente, ao abrigo do art.º 292.º, do Código Civil.
5.2.2.
Por força do protocolo em apreço, o Somos Compras, ACE, recebe os montantes de € 4 872 000,00 e € 73 500,00 [vd. cláusulas 2.ª, 3.ª e 7.ª] como contrapartida do desenvolvimento das actividades aí previstas [utilização da plataforma comum de compras, que suporta o SCC].
O Protocolo em causa gera, assim, despesa pública.
Ao abrigo do art.º 42.º, n.º 6, al. a), da Lei n.º 91/2001, redacção dada pela Lei n.º 48/2004, de 24.08., nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que o facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis.
Esta última norma reveste-se de natureza financeira.
O Protocolo em apreço, porque violador das normas contidas nos art.ºs 7.º, 8.º e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 29.10., e bem assim do Regime Jurídico plasmado no Decreto-Lei n.º 558/99 [redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/2007], configura, ele próprio, um facto ofensivo da normação aplicável.
E, assim, a despesa dirigida à sua implementação carece, obviamente, de suporte legal.
Soçobra, pois, o entendimento da recorrente quando, em exercício de comparação com o ocorrido em sede de inconstitucionalidade [inconstitucionalidade directa e indirecta], se pretende demonstrar que, «in casu», se verifica, tão-só, uma violação indirecta [ou por norma interposta] da norma financeira contida no art.º 42.º, n.º 6, al. a), da Lei de Enquadramento Orçamental.
Na verdade, e atendo-nos à letra da norma, o exercício efectuado pela recorrente nem é ajustável à questão em apreço, pois a relação a estabelecer polariza-se, de um lado, no facto gerador da despesa [Protocolo] e, do outro, na referida norma financeira que dita os pressupostos da autorização da despesa e enuncia o critério para aferir da sua (i)legalidade.
É, assim, destituída de sentido a invocada violação indirecta da norma financeira.
De facto, sempre seria indiferente que a norma financeira fosse infringida, directa ou indirectamente. Em boa verdade, a legalidade disponível atenta na violação da norma financeira, independentemente do modo ou percurso aí conducente.
5.2.3.
Aqui chegados, e sumariando, é de concluir que o Protocolo em apreço, porque corporizador de uma real e nova Central de Compras, criada ao arrepio das regras e princípios que regem a contratação e respectiva constituição [vd. art.º 260.º, n.º1, CCP, e art.ºs 7.º e 8.º, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9.10.] e porque, ainda, ofensivo do Regime das Entidades Públicas Empresariais previsto no Decreto-Lei n.º 558/99, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 300/2007, comporta, como amplamente se demonstrou, ilegalidades geradoras de nulidade [vd. art.º 133.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPA] e violadoras da norma financeira contida no art.º 42.º, n.º 6, al. a), da Lei n.º 91/2001, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2004, de 24.08. .
Assim, e em razão do disposto no art.º 44º, nº 3, als. a) e b), do art.º 44º, da Lei nº 98/97, de 26.08, mantêm-se as circunstâncias que ditaram a recusa do Visto no domínio do acórdão sob recurso.
Mais:
Neste contexto, de facto e de direito, inexiste motivo para alterar o aresto recorrido.
De resto, e no conforto da bondade deste último, realça-se a publicação do Decreto-Lei n.º 19/2010 de 22.03., o qual, dando seguimento à Decisão do Conselho de Ministros, de 17.12.2009, cria o SPMS - Serviços Partilhados do Ministério, E.P.E., que tem por atribuições a prestação de serviços partilhados específicos da área da saúde em múltiplas áreas e determina que esta suceda na posição de Central de Compras antes titulada por Somos Compras, ACE.
IV. DA (IN)CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DO ACÓRDÃO RECORRIDO
A recorrente conclui, ainda, que a interpretação propugnada pelo acórdão recorrido para a norma contida no art.º 10.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., suscita fundadas dúvidas de conformidade constitucional.
E, na explicitação do concluído, sustenta que o referido acórdão, ao não permitir a instituição do Sistema Comum de Compras, viola o principio da legalidade administrativa, na vertente da margem de livre decisão administrativa ou discricionariedade [vd. art.º 266.º, n.º 2, da C. R. Portuguesa], e atinge, também, a liberdade de actuação da administração, suportada no princípio constitucional da separação de poderes [vd. art.ºs 110.º e 111.º, da C. R. Portuguesa] e na garantia de uma reserva da administração, constante dos art.ºs 182.º e 199.º, da C. R. Portuguesa.
Cumpre analisar.
1. É sabido [vd. art.º 110.º, da C. R. Portuguesa] que os Tribunais são, a par do Presidente da República, Assembleia da República e do Governo, órgãos de soberania, que devem observar a separação e interdependência estabelecidas na Lei Fundamental.
Não se ignora, também, que o Governo é, constitucionalmente [vd. art.ºs 182.º e 199.º, da C. R. Portuguesa], o órgão superior da Administração Pública, cabendo-lhe, nesta área, a organização dos serviços administrativos, a direcção dos Serviços da Administração directa do Estado, a fiscalização da Administração mediata do Estado e tutela da Administração Autónoma.
A mencionada separação de poderes, que apenas visa a divisão das funções do Estado e a sua relação/distribuição pelos vários órgãos de soberania, pressupõem, naturalmente, interdependência entre estes, a traduzir na exigência de intervenção simultânea ou concorrencial de vários órgãos de soberania no exercício de certas competências [vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in C. R. Portuguesa Anotada].
Particularizando, o Tribunal de Contas é, segundo a C. R. Portuguesa, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe [vd. art.º 214.º].
E é no exercício dessa função jurisdicional, materializada na defesa da legalidade financeira pública, que o Tribunal de Contas exerce os poderes de fiscalização prévia, que, obviamente, podem conduzir à recusa do Visto.
2. No âmbito da fiscalização prévia incidente sobre actos e contratos submetidos à apreciação do Tribunal de Contas, este, enquanto órgão jurisdicional, tem, obrigatoriamente, de aferir da legalidade financeira dos mesmos, tarefa desenvolvida com apelo à norma [incluindo a constitucional] aplicável [vd. art.º 5.º, da Lei n.º 98/97, de 26.08.]. Obrigação essa, plasmada no art.º 44.º, n.º 1, da LOPTC, e que se traduz, entre o mais, em verificar se tais actos e contratos ou outros instrumentos geradores de despesa pública estão conformes à lei. Trata-se, assim, de uma verificação estrita da legalidade e regularidade financeira [vd. a propósito, Jorge Miranda, Rui Medeiros, in C. R. Portuguesa Anotada, Tomo III].
Transpondo a competência e funções genericamente atribuídas ao Tribunal de Contas e bem assim a normação que as enquadra para o caso que nos ocupa, é indubitável que a aferição da legalidade financeira do Protocolo submetido a fiscalização prévia determina, necessariamente, a indagação rigorosa da respectiva sustentação legal.
Ou seja, cabe ao Tribunal de Contas, numa primeira fase, averiguar se o Protocolo em apreço observa as normas e princípios vigorantes e, numa segunda, concluir pela respectiva [in] conformação com a normação que, directa ou indirectamente, o disciplina. E o Tribunal de Contas assim procedeu quando, na busca da conformação legal da despesa envolvida, procedeu à caracterização jurídica [instituidor de uma nova Central de Compras, mero instrumento de articulação, violação, ainda que indirecta, do regime de entidades públicas empresariais...] do referido Protocolo e indagou da respectiva sustentação normativa.
Este procedimento, seguido pelo Tribunal de Contas, não colide com o princípio da separação de poderes consagrado nos art.ºs 110.º e 111.º, da C. R. Portuguesa, nem afronta a reserva governamental de administração prevista no art.º 199.º, daquela Lei Fundamental.
Na verdade, e como já se salientou a Constituição da República Portuguesa, para além de não adoptar um modelo de rígida sobreposição de órgãos a funções em que se enquadre uma reserva geral de administração [vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 1/97], também não dispõe que a separação de órgãos tenha o sentido de implicar uma rígida divisão entre os mesmos [vd. C. R. Portuguesa Anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, art.º 199.º].
Ademais, e para além de entendermos que o Tribunal de Contas agiu no âmbito rigoroso das competências a si atribuídas e sem «invasão» das conferidas ao Governo em matéria administrativa, importa lembrar que as reservas de administração não estão "livres da lei ou impermeáveis a estas" [vd. N. Piçarra, "A Reserva", pág. 580]. E, na peugada desta ultima afirmação, que permite a deslocação para a abordagem do conceito de discricionariedade administrativa invocada pela recorrente, reproduzimos aqui o explanado em III. 2. 5., deste acórdão, reafirmando que no exercício dos poderes e prática de actos discricionários, a decisão surge livre em determinada segmentação, mas nunca o será quanto à competência conferida por lei, nem quanto ao fim a prosseguir por esta.
Sublinha-se, ainda, que o princípio da legalidade, referência constitucional da actividade prosseguida pela administração pública, desdobra-se nos sub-princípios da precedência da Lei e da prevalência da Lei [vd. ainda Jorge Miranda e Rui Medeiros, na obra citada], os quais vedam, naturalmente, a prática de actos contrários à lei [vd. o art.º 266.º da C. R. Portuguesa].
Adianta-se, por último, que a margem de discricionariedade exercitada no domínio da actividade administrativa pelos órgãos competentes não se mostra excluída da ponderação a exercer sobre si pelo Tribunal de Contas, sempre que o desempenho das respectivas funções o exija.
Neste âmbito, particularizando e ilustrando, adianta-se que, constituindo o Protocolo em apreço a materialização do Despacho n.º 18628/2009, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, a apreciação deste último, embora não autónoma, era, para além de inevitável, absolutamente necessária.
E ao sindicar tal matéria, o Tribunal de Contas não ofende, ainda, os princípios constitucionais da separação de poderes e da reserva governamental da administração acima assinalados.
3. As razões expostas permitem, assim, concluir que a abordagem, no domínio do acórdão recorrido, da norma contida no art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 200/2008, de 09.10., não viola os princípios da separação de poderes, da legalidade administrativa e da reserva governamental da administração, previstas, respectivamente, nos art.ºs 110.º e 111.º, 266.º, n.º 2, e 182.º e 189.º, da Constituição da Republica Portuguesa.
V.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a recusa do Visto ao Protocolo acima identificado.
São devidos emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 30 de Novembro de 2010
Os Juízes Conselheiros, -(Alberto Fernandes Brás - Relator) - (Manuel Mota Botelho) - (Carlos Alberto Morais Antunes)
Fui presente, - (Procurador-Geral Adjunto) - (Daciano Pinto)
(1) Cfr. fls. 6 dos autos.
(2) Cfr. Considerando B do protocolo.
(3) Cfr. cláusula 1ª, nºs 4 e 5 do protocolo.
(4) Cfr. cláusulas 1ª e 4ª do protocolo.
(5) Cfr. cláusulas 1ª, 2ª e 3ª do protocolo.
(6) Cfr. cláusula 6ª, n.º 1, e Anexo I ao protocolo.
(7) Cfr. cláusulas 2ª, n.º 4, do protocolo.
(8) Cfr. cláusula 6ª, n.º 2, do protocolo.
(9) Cfr. cláusula 7ª.
(10) Idem.
(11) Sublinhado nosso.
(12) Idem.
(13) Sublinhado nosso.
(14) Idem
(15) Idem.
(16) Idem.
(17) Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol II
(18) Vd. a propósito, Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Vol. 1, 577 e Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Coimbra 1980, p. 208.
(19) Cf., ainda, Bernardo Azevedo, em "Estudo" já identificado.