ACÓRDÃO Nº 30/2011 - 03/05/2011 - 1ª SECÇÃO/SS
PROCESSO Nº 215/2011 - 1ª SECÇÃO
I. RELATÓRIO
Os Serviços de Acção Social do Instituto Politécnico de Setúbal remeteram ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato relativo ao fornecimento de refeições confeccionadas e respectiva colocação em linhas de "self" nas Unidades Alimentares - Campus de Setúbal e Campus do Barreiro -, celebrado em 09.02.2011, com a empresa "GERTAL - Companhia Geral de Alimentação, S.A.", e pelo valor de € 285 650,00, acrescido de IVA à taxa legal.
II. DOS FACTOS
Para além da factualidade referida em I. consideram-se assentes, com relevância para a decisão em curso, os factos seguintes:
1.
Mediante despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, proferido em 31.08.2010, foi autorizada a abertura de concurso público internacional, em ordem ao fornecimento de refeições confeccionadas e respectiva colocação em linhas de "self" nas Unidades Alimentares - Campus de Setúbal e Campus do Barreiro;
O respectivo anúncio de abertura foi publicado no Diário da República n.º 214, II Série, parte L, de 04.11.2010, e, ainda, no JOUE de 05.11.2010.
2.
O valor do preço-base do procedimento orça os € 957 000,00;
3.
O critério de adjudicação era o do preço mais baixo;
4.
O júri do concurso, em Relatório Final elaborado em 10.01.2011, deliberou, por unanimidade, propor, superiormente, a adjudicação do fornecimento de refeições acima referenciado ao concorrente "GERTAL - Companhia Geral de Alimentação, S.A.", pois apresentou a proposta de mais baixo preço [€ 285 650,00 a que acresce IVA no montante de € 37 134,50];
A adjudicação proposta foi acolhida pelo Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, mediante despacho de 10.01.2011, ao abrigo da competência delegada pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e mediante o Despacho n.º 7938/2009, de 10.03.;
5.
O prazo de execução do contrato estende-se por 12 meses, contados a partir da data da respectiva celebração;
6.
Instados os Serviços de Acção Social do Instituto Politécnico de Setúbal no sentido de, querendo, esclarecer os motivos que os determinaram a não recorrer à contratação dos bens e serviços em causa mediante a Agência Nacional de Compras Públicas [abreviadamente: ANCP], os mesmos responderam pela forma seguinte:
"Nos termos do artigo 48º da Lei Quadro dos Institutos Públicos, republicada pelo Decreto-Lei n.º 105/2001, de 3 de Abril, são as instituições de ensino superior universitário e politécnico caracterizadas como institutos públicos de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua especificidade.
O mesmo diploma legal prevê que cada uma das categorias de institutos públicos de regime especial possa ser regulada por uma lei específica que, no caso das instituições de ensino superior, é a Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, que publica o RJIES (...) que, como legislação especial, não pode ser afectado por lei de carácter geral, salvo disposição expressa em contrário.
O RJIES consagra às instituições de ensino superior ampla autonomia face ao Estado (estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar), encontrando-se a mesma plasmada em diversos diplomas legais; veja-se a esse propósito e a título ilustrativo:
- o regime de excepção que lhes é garantido pelo previsto no Decreto-Lei n.º 29/2011 de 1 de Março (Execução Orçamental para 2011) quanto à obrigatoriedade de entrega na Tesouraria do Estado dos saldos com origem em receitas gerais por parte dos serviços integrados e dos serviços e fundos autónomos (vide art.º 9º).
- A competência que lhes é acometida para proceder "a todas as alterações orçamentais, com excepção das que sejam da competência da Assembleia da República e das que não sejam compatíveis com a afectação de receitas consignadas" (vide alínea e) do n.º 2 do artigo 111º do RJIES) que, como disposição especial, não é modificada pelo disposto no n.º 5 do artigo 2º da Lei n.º 55-A/10, de 31 de Dezembro (...), sem prejuízo do que é disposto em tal artigo em matéria de cativações (entendimento corroborado pela Secretaria de Estado do Orçamento).
De facto, ao permitir que as instituições de ensino superior públicas possam "(...) gerir livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado (...)" situando, na esfera de competência do Presidente ou Reitor de cada instituição enquanto órgão superior de governo, de condução da política e de representação externa, "orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição, assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos (...)" (vide arts. 85º, 11º e 91º), o RJIES materializa inequivocamente a especificidade das instituições de ensino superior (no caso, em matéria de autonomia financeira), tal como, aliás, se encontrava previsto no já citado artigo 48º da Lei Quadro dos Institutos Públicos.
Acresce ainda o parecer oportunamente enviado a Vªs. Exas da SGMCTES, ainda que de carácter interpretativo, segue na peugada do disposto no Despacho n.º 9984/2008 do Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, publicado em Diário da República a 04 de Abril (cópia em anexo), cujo n.º 5, ao estabelecer a livre adesão das instituições de ensino superior à Unidade Ministerial de Compras desse Ministério caracteriza-as, forçosamente, como entidades de adesão voluntária nos termos do art.º 3º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro (por contraponto com as entidades referidas no n.º 4 do mesmo Despacho, essas sim expressamente vinculadas).
Deste modo, ao optar pela abertura de concurso público com publicação no JOUE para a aquisição de refeições confeccionadas, os SAS/IPS não agiram de modo a infringir intencionalmente qualquer disposição ou norma legal - pelo contrário, seguiram o seu entendimento relativamente à legislação em vigor, bem como as premissas e esclarecimentos do Ministério da tutela, prestadas voluntariamente e que a seu tempo mereceram amplo consenso interno e junto dos seus pares.
De resto, ao longo do referido procedimento pré-contratual foram seguidos escrupulosamente os princípios da igualdade, concorrência, imparcialidade, proporcionalidade, transparência, publicidade, boa fé, prossecução do interesse público e legalidade, ainda que os SAS/IPS, pelos motivos anteriormente expostos e reforçados pelo presente ofício, não tenham recorrido ao Acordo Quadro.
Neste contexto, refira-se que em sede de concurso público apresentaram proposta 6 empresas nacionais, das quais 3, isoladamente ou sob a forma de agrupamento, fazem parte do grupo de 4 adjudicatárias do Acordo Quadro para o fornecimento de refeições confeccionadas (incluindo a Gertal, segunda outorgante do contrato em apreço).
Tendo em conta o número de refeições subsidiadas a servir, previsivelmente, aos estudantes do IPS nos refeitórios dos Campus de Setúbal e do Barreiro e o valor da proposta adjudicada, os SAS/IPS reduzirão significativamente uma despesa cujo peso, ainda assim, representará 25% do total do orçamento destes serviços - sendo, inclusivamente, a que anualmente consome mais recursos financeiros. Recorde-se que o contrato em processo de fiscalização prévia é cabimentado na fonte de financiamento 510 (referente às receitas próprias geradas).
Pelo exposto, e no actual contexto de fortes restrições orçamentais, é nosso entendimento que, independentemente da posição desse Tribunal de Contas quanto à questão de fundo (vinculação ou regime voluntário de adesão à ANCP, nos termos do Decreto-Lei n.º 37/2007 (...) e demais questões paralelas), a entrada em vigor do contrato em apreço deverá ser equacionada por forma a garantir, cabalmente, a prossecução do interesse público."
III. O DIREITO
A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga a que ergamos, para apreciação, as seguintes questões:
- Caracterização do Instituto Politécnico de Setúbal em face do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior [vd. Lei n.º 62/2007, de 10.09] e respectiva repercussão na sua submissão ou não ao Regime do Sistema Nacional de Compras Públicas, constante do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02.;
- Da eventual nulidade do contrato em apreço;
- Do visto.
1. Das entidades compradoras vinculadas ao Sistema Nacional de Compras Públicas.
O caso em apreço.
1.1.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2006, de 21.04, aprovou o denominado Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado [abreviadamente: PRACE], que perspectivava uma reforma da Administração Pública no sentido de ajustar a respectiva organização e funcionamento aos recursos financeiros sustentáveis do País.
Em conformidade, e buscando numa lógica de partilha interadministrativa dos Serviços comuns apta a racionalizar a gestão dos recursos disponíveis e, assim, atingir importantes patamares de poupança, criou-se e definiu-se o Sistema Nacional de Compras Públicas e, bem assim, a Agência Nacional de Compras Públicas [vd. Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02.], com a natureza de entidade pública empresarial [EPE] e funções de entidade gestora daquele Sistema. Esta última entidade [ANCP], ainda de acordo com o citado Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., surge como uma real Central de Compras, corporiza um modelo organizacional e coerente, e mostra-se dotada de ampla flexibilidade de actuação, agilidade e autonomia de gestão (1).
1.2.
A Agência Nacional de Compras Públicas, ainda de acordo com o estabelecido no art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., tem por objecto a concepção, definição, implementação gestão e avaliação do Sistema Nacional de Compras Públicas, em ordem à racionalização dos gastos do Estado, à desburocratização dos processos públicos de aprovisionamento e, bem assim, assegurar, de forma centralizada, a aquisição/locação [em qualquer das suas modalidades], a afectação, a assistência, o abate e a alienação das viaturas que compõem o parque de veículos do estado.
E, na materialização de tal desígnio funcional, a Agência Nacional de Compras Públicas está obrigada a respeitar o regime de contratação pública constante do Código dos Contratos Públicos [vd., também, o art.º 5.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02.], muito embora a actividade a desenvolver assente, referencialmente, no seguinte:
- Racionalidade económica, eficiência e modernização das compras públicas [sempre com recurso à centralização e estandardização (mediante celebração de Acordos-quadro) das compras públicas].
1.3.
Como bem decorre do Decreto-Lei n.º 37/2007 [vd. art.º 3.º e segs.], o regime jurídico do Sistema Nacional de Compras Públicas aplica-se, por um lado, a entidades legalmente obrigadas a recorrer aos mecanismos de aquisição centralizada definidos pela Agência Nacional de Compras Públicas [doravante:ANCP] e a entidades que, voluntariamente, decidem recorrer aos instrumentos do Sistema Nacional de Compras Públicas [doravante:SNCP].
As primeiras são designadas por "entidades compradoras vinculadas", ao passo que estas últimas são denominadas "entidades compradoras voluntárias".
Tal como impõe o art.º 5.º, n.º 4, do citado Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., às entidades compradoras vinculadas está vedada a adopção de procedimentos tendentes à contratação directa de empreitadas, de bens móveis ou de serviços constantes de categoria contida em Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças que determine o âmbito do SNCP, salvo autorização prévia e expressa deste membro do Governo que, de resto, deverá ser antecedida de proposta fundamentada elaborada pela entidade compradora interessada [cfr. art.º 5.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02.].
E, nesta matéria, o carácter injuntivo daquele diploma legal é inequívoco, sendo demonstrável mediante o art.º 5.º, n.º 6, do Decreto-lei n.º 37/2007, de 19.02., que dispõe:
- Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, civil e financeira que ao caso couber, nos termos gerais do direito, são nulos os contratos relativos a obras, bens móveis e serviços celebrados em violação da proibição da referida contratação «directa» e que se mostrem comtemplados na aludida Portaria.
Tal Portaria, com o n.º 420/2009, de 20 de Abril [altera a Portaria n.º 772/2008, de 06.08.], define as categorias de bens e serviços cujos acordos-quadro e procedimentos de aquisição são celebrados e tramitados pela Agência Nacional de Compras Públicas, concretizando, assim, o âmbito da subordinação das entidades vinculadas. E, complementarmente, mas reforçando, ainda, a obrigação contida no art.º 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 772/2008 de 06.08., estabelece [vd. art.º 4.º, n.º 1] que as entidades vinculadas, a partir da data da entrada em vigor dos acordos-quadro, não podem proceder à abertura de procedimentos de aquisição e renovações contratuais que não sejam efectuadas ao abrigo de tais acordos-quadro e que tenham por fim a aquisição de serviços aí contemplados.
Eis, pois, a normação que, por um lado, implementa e funda um novo Sistema de Compras Públicas, e, do outro, concretiza o correspondente âmbito subjectivo, enuncia os princípios orientadores de tal sistema e, a final, define o modo de contratação de bens e serviços pelas entidades compradoras.
Cabe, agora, indagar se o Instituto Politécnico de Setúbal é integrável no Sistema Nacional de Compras Públicas enquanto entidade compradora vinculada ou na condição de entidade compradora voluntária.
Indagação que exercitaremos, de seguida.
1.4.
De acordo com o art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., os Serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos integram o SNCP, na qualidade de entidades compradoras vinculadas.
E, ainda segundo o n.º 3, daquela mesma norma, «podem integrar o SNCP, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma e do sector empresarial público, mediante a celebração de contratos de adesão com a Agência Nacional das Compras Públicas».
Ao definir o âmbito de incidência do SNCP, aquele diploma legal [vd. Decreto-Lei n.º 37/2007] prevê, assim, a aplicabilidade do mesmo a entidades integradas na Administração Pública Estadual, directa ou indirecta, mas também, a entidades integradas na Administração Autónoma ou com natureza empresarial e que prossigam funções públicas ou se interliguem com entidades públicas em razão do controlo por estas exercido.
Ou seja, e com relevância para a economia do presente aresto, é seguro afirmar que, em geral, ao conceito de entidades compradoras vinculadas se abrigam, ainda, as entidades administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito público que não assumam natureza empresarial e se integrem na Administração Pública Estadual [serviços de administração directa do Estado e os institutos públicos].
Neste contexto, prosseguiremos, assim e ainda, na abordagem da eventual subsunção do Instituto Politécnico de Setúbal ao conceito de entidade compradora vinculada, que, como é sabido, melhor se extrai do art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 37/2007.
1.5.
A Lei n.º 62/2007, de 10.09. [aprova o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior [doravante, RJIES], nos seus art.os 5.º e 9.º, incorpora nas instituições de ensino superior públicas as instituições de ensino superior universitário [Universidades, Institutos Universitários e instituições de ensino universitário] e as instituições de ensino politécnico [abrangem institutos politécnicos e outras instituições de ensino politécnico]. E, ainda, ao abrigo do art.º 9.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, não só as instituições de ensino superior públicas se perfilam como pessoas colectivas de direito público [podendo, também, revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado - vd. título III, capítulo VI, da presente Lei], como, também, e em tudo o que não contraria aquela Lei e outras com natureza especial, tais instituições subordinam-se ao regime aplicável às pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à Lei-quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições contidas no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior.
Por outro lado, e nos termos do art.º 11.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2007, de 10.09., as instituições de ensino superior gozam de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, disciplinar, administrativa, financeira e patrimonial face ao Estado, sendo que, e no tocante a este último segmento [patrimonial], o património de cada instituição é constituído pelos bens e direitos que o Estado ou outras entidades públicas ou privadas lhes tenham transmitido e, designadamente, os imóveis adquiridos ou construídos por cada uma daquelas e os imóveis do domínio privado do Estado que tenham ingressado no referido património [vd. art.º 109.º, n.os 2 e 3, da Lei n.º 62/2007].
Acresce que, também nos termos do art.º 92.º, n.º 1, alínea e), da referida Lei n.º 62/2007, cabe ao Presidente do Instituto Politécnico «orientar e superintender na gestão administrativa e financeira da instituição, assegurando a eficiência no emprego dos seus meios e recursos».
Atento o enquadramento normativo invocado, é de concluir que os institutos politécnicos [onde se inclui, obviamente, o Instituto Politécnico de Setúbal], para além de institutos públicos, são, ainda, pessoas colectivas de direito público, com órgãos e património próprios.
1.6.
Aqui chegados, e recentrando-nos no objectivo atrás delineado, importará saber se o Instituto Politécnico de Setúbal, em particular, integra o Sistema Nacional de Compras Públicas na condição de entidade compradora vinculada, sendo que, e nesse sentido, se impõe atentar no teor da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, diploma legal que estabelece os princípios e as normas que regem os institutos públicos [agora a Lei-quadro dos institutos públicos].
Ora, e como é sabido, o art.º 48.º da referida Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, dispõe, a propósito, que, entre outros institutos públicos, «gozam de regime especial, com derrogação do regime comum na estrita medida necessária à sua especificidade», as universidades e escolas de ensino superior politécnico.
O Instituto Politécnico de Setúbal é, pois, um instituto público que goza de regime especial.
Contudo, e como analisaremos de seguida, tal pressuposto não detém aptidão para, sem mais, «desviar» esta instituição [Instituto Politécnico de Setúbal] do regime «típico» dos institutos públicos, plasmado no art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, e que lhe é subsidiariamente aplicável [vd. art.º 9.º, n.º 2, do RJIES].
Vejamos porquê.
1.6.1.
Como acima sublinhámos [invocando lei expressa], o Instituto Politécnico de Setúbal [ou outra instituição de ensino superior de idêntica natureza!] só deixaria de se assumir como entidade compradora vinculada e integrada no SNCP, caso a especificidade da missão por si prosseguida tal legitimasse.
Porém, tal pressuposto não se verifica. Ou seja, e nesta parte, a especificidade ínsita ao regime especial que envolve aquele Instituto não lhe confere alguma particularidade que o afaste da condição [entidade compradora vinculada] que, genericamente, lhe é atribuída nos termos do art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 37/2007.
E, no reforço e explicitação do afirmado, importa adiantar, ainda, o seguinte:
A autonomia estatutária, académica, cultural, científica, pedagógica, disciplinar, patrimonial, administrativa e financeira [vd. art.os 66.º, 71.º a 75.º e 109.º a 111.º, do RJIES], porventura atribuídas ao Instituto Politécnico de Setúbal, não colide com a qualificação desta entidade como entidade compradora vinculada, pois tal vertente autonómica, para além de irrelevante para a análise em curso, constitui, até, regra [vd. autonomia patrimonial, administrativa e financeira] no domínio dos institutos públicos de regime comum; de resto, sendo verdade que o legislador, mediante o Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro, apenas pretendeu implementar um modelo de compras públicas que, com apelo a uma gestão mais racional e ágil, lograsse significativa poupança ao erário público, mal se compreenderia que os Institutos Politécnicos, enquanto Institutos Públicos, fossem «subtraídos» a tal desiderato e organização, tanto mais que não exibem particularidade com idoneidade bastante para os eximir a tal enquadramento.
Por último, o Regime Jurídico das Instituições de ensino superior que, no seu art.º 134.º, subordina as instituições de ensino superior com a natureza de fundações públicas ao regime privado, não prescreve igual orientação para as instituições de ensino superior com a natureza de pessoas colectivas públicas, nem, por outro lado, e de modo expresso, exclui estas últimas do regime legal que se traduz na contratação centralizada [vd. Decreto-Lei n.º 37/2007].
Assim, e concluindo, afirma-se que o Instituto Politécnico de Setúbal, sendo uma instituição de ensino superior pública, com a natureza de pessoa colectiva pública, e também entidade adjudicante [vd. art. 2.º, n.º 1, al. d), do CCP], submete-se ao Regime do Sistema Nacional de Compras Públicas previsto no Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., configurando-se, ainda, como entidade compradora vinculada.
E esta afirmação abriga-se a um exercício interpretativo que observa, irrefutavelmente, a disciplina contida no art.º 9.º, n.º 1, do código Civil. Ou seja, e decorrentemente, a consideração dos elementos racional e sistemático, convocáveis no exercício em apreço, permite, assim e em simultâneo, apreender o real pensamento legislativo e o inerente encontro da solução já explicitada, desiderato não atingível se nos cingíssemos à letra da norma.
2. Da Ilegalidade.
O Visto.
2.1.
O art.º 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., estabelece que «a contratação de bens e serviços pelas entidades compradoras é efectuada preferencialmente de forma centralizada pela ANCP ou pelas UMC».
Ainda nos termos do n.º 3, daquela norma, «a intervenção da ANCP e das UMC... é repartida segundo categorias de obras, bens e serviços, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e por portarias dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do sector, respectivamente.».
Acresce que a Portaria ali prevista e aqui aplicável é a Portaria n.º 420/2009, de 20.04., a qual, no seu art.º 1.º, n.º 1, procede à definição das categorias de bens e serviços, a incluir em acordos quadro e procedimentos de aquisição a celebrar e a conduzir pelas ANCP [vd. lista anexa à presente Portaria], sendo que as "refeições confeccionadas" abrangidas pelo Grupo 55500000-5 e classe 55520000-1, integram as referidas categorias de bens e serviços [catering].
Recorda-se, também, que a ANCP, mediante o Aviso n.º 16199, de 04.08.2010, divulgou a celebração, em 28.07.2010, de um acordo quadro relativo ao fornecimento de refeições confeccionadas, alertando, também, que a vigência [a partir de 28.07.2010] de tal acordo-quadro vedava a todos os serviços da administração directa do Estado e institutos públicos [na condição de entidades compradoras vinculadas] «a adopção de procedimentos tendentes à contratação, fora do âmbito do mesmo, de bens e serviços abrangidos pelo acordo quadro, ressalvando-se, apenas, os casos de autorização expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças.», a qual, «in casu», não ocorreu.
Por último, o art.º 5.º, n.ºs 4 e 6, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., para além de estipular a obrigatoriedade da contratação centralizada de bens e serviços para as entidades compradoras vinculadas, prescreve a nulidade dos contratos que não observem tal imperativo legal.
Assim, porque o Instituto Politécnico de Setúbal, na condição de entidade compradora vinculada, não adquiriu o fornecimento de refeições confeccionadas mediante a Agência Nacional de Compras Públicas, comungando, assim, dos acordos quadro e procedimentos de contratação da aquisição celebrados e conduzidos por esta última, o contrato ora submetido a fiscalização prévia, porque sobrevém a conduta violadora do disposto nos art.os 3.º, n.º 2 e 5.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02., está ferido de nulidade [vd. art.º 5.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 37/2007].
2.2.
Segundo o art.º 44.º, n.º 3, da Lei n.º 98/97, de 26.08., a desconformidade dos contratos com as leis em vigor que implique nulidade constitui fundamento de recusa do Visto.
A ilegalidade evidenciada, geradora da nulidade do contrato em apreço, conduz, necessariamente, à recusa do Visto.
III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao presente contrato.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05.].
Lisboa, 3 de Maio de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(Helena Maria Abreu Lopes)
(António Manuel dos Santos Soares
Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(Jorge Leal)
(1) Vd. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19.02. .