Acórdão n.º 30/2010, de 27 de Julho de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (procs. n.sº 698/2010 e 820/2010)

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ACÓRDÃO Nº 30 /2010 - 27.JUL - 1ª S/SS

Processos nºs 698/2010 e 820/2010

 

I - OS FACTOS

1. O Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, E.P.E (doravante designado por Centro Hospitalar ou por CHBA) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, os seguintes contratos:
a) O contrato de "fornecimento de setenta (70) próteses do joelho", celebrado em 19 de Abril de 2010, entre o CHBA e a empresa Smith & Nephew, Lda., com o preço contratual para um ano de 108.500 euros, aos quais acresce o montante relativo ao IVA, à taxa legal aplicável;
b) O contrato de "fornecimento de cento e cinquenta (150) próteses de anca e setenta (70) próteses de joelho", celebrado em 21 de Abril de 2010 entre o CHBA e a empresa Johnson & Johnson, Lda., com o preço contratual para um ano de 287.550 euros, aos quais acresce o montante relativo ao IVA, à taxa legal aplicável.

2. Para além do referido no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes factos:
a) Os referidos contratos foram precedidos de um único procedimento de contratação: o concurso público, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª série, de 25 de Maio de 2009 e no JOUE de 26 de Maio de 2009;
b) O referido concurso público, de âmbito internacional, teve como objecto a aquisição de, previsivelmente, 150 próteses de anca e de 140 próteses de joelho (1);
c) Cada proposta deveria apresentar o melhor preço médio, nunca superior ao preço base, para:

Posição 1 - Prótese total de anca cimentada

Posição 2 - Prótese total de anca não cimentada

Posição 3 - Prótese total de joelho cimentado com conservação do LCP

Posição 4 - Prótese total do joelho cimentado e com sacrifício do LCP

d) O artigo 2º das cláusulas jurídicas especiais do Caderno de Encargos (CE) prevê que o "contrato a celebrar é para vigorar pelo período de um ano, com possibilidade de renovação de iguais períodos, até ao limite de três anos (2)";
e) O artigo 24º das cláusulas jurídicas especiais do CE prevê que o "contrato considera-se automaticamente renovado por sucessivos períodos de um ano até ao limite máximo de três, se não for denunciado, por qualquer das partes, com uma antecedência mínima de 30 dias úteis, por carta registada com aviso de recepção (3)";
f) Os contratos referem (4) que têm um período de vigência com início a 1 de Maio de 2010 e vigorarão até 30 de Abril de 2011, podendo ser renovados por mais dois períodos de um ano a partir de 1 de Maio de 2011;
g) Dado que os contratos prevêem prorrogações do seu prazo de vigência e dado que o valor neles inscritos foi a estimativa anual da despesa - como se retira do que acima se expôs no nº1 - face ao disposto no nº 2 do artigo 97º do CCP (5), sugeriu-se ao CHBA que tal disposição contratual expressasse o preço contratual, tendo em conta a estimativa do preço dos bens a adquirir nos 3 anos. O CHBA recusou fazer tal alteração argumentando (6): "As quantidades lançadas a concurso foram 150 próteses da anca e 140 próteses de joelho (...). Tal como se pode verificar, estas quantidades foram indicadas com a referência "previsivelmente".(...) Sempre que se realiza uma intervenção cirúrgica e é consumido um tamanho, o Hospital contacta um fornecedor para repor essa unidade. (...) Os valores referidos no nº 1 do artº 4 têm em conta o valor unitário das propostas e o nº previsível de intervenções cirúrgicas de próteses da anca e do joelho que se poderão realizar no prazo de um ano (...)";
h) O artigo 7º do Programa do Procedimento (PP) estabelece que no mesmo prazo para apresentação das propostas, os concorrentes devem apresentar os documentos de habilitação, prevendo-se, no seu nº 2, que "mediante justificação a ser apreciada pelo júri", poderiam ser apresentados até 5 dias após o envio do relatório final para o Conselho de Administração do CHBA;
i) O artigo 16º do PP estabelece que a "não apresentação dos documentos de habilitação no prazo referido no n.º 2 do art. 7º implica que o procedimento concursal não seja adjudicado ao concorrente que o júri tiver proposto ao Conselho de Administração para adjudicação (...)";
j) Três concorrentes foram admitidos condicionalmente por não terem apresentado documentos de habilitação. Esses concorrentes acabaram todos por ser admitidos a concurso, uma vez que entregaram os mencionados documentos no prazo de cinco dias que lhes foi fixado pelo júri (7);
k) Questionado quanto à exigência de apresentação de documentos de habilitação a todos os concorrentes, face ao que se dispõe no artigo 81º e seguintes do CCP, o CHBA alegou (8) que fez tal exigência, em face do disposto no artigo 55º deste Código que refere que não podem ser candidatos, concorrentes sem os documentos de habilitação referidos no artigo 81º.Quis assegurar que todos os concorrentes tinham, desde logo, as condições para serem admitidos a concurso. Mas acrescenta que "mesmo que se entenda que o Hospital exorbitou ao solicitar os referidos documentos naquela fase, deverá ter-se em conta que não houve qualquer concorrente ou proposta excluída, razão pela qual não resultou nenhum eventual prejuízo por se ter feito aquela exigência";
l) Apresentaram-se ao concurso 12 concorrentes, tendo sido todos admitidos;
m) O art. 20º do PP refere que "[p]ara além das situações previstas nas alíneas a), b), c) e f) do art. 79 do CCP, o Conselho de Administração não haverá adjudicação (9) quando:

a) Todas as propostas apresentadas sejam consideradas inaceitáveis pela entidade competente para autorizar a despesa.
b) Houver forte presunção de conluio entre os concorrentes e as propostas apresentadas resultarem da prática restritiva da concorrência.
c) Por decisão, devidamente fundamentada, do Conselho de Administração, quando tal se revele vantajoso para o Centro Hospitalar";

n) O artigo 5º das cláusulas jurídicas gerais do CE estabelece que a "adjudicação será efectuada segundo o critério da proposta mais vantajosa em função dos seguintes factores (...):

1ª Preço 40%

2ª Qualidade 50%

3ª Prazo de entrega 10%";

o) No artigo 7º das cláusulas especiais do CE, estabelece-se no que se refere ao factor "Preço", que os concorrentes serão pontuados de acordo com a fórmula ali descrita, a qual tem em consideração o "preço mais baixo" das propostas apresentadas;
p) Questionado quanto ao mecanismos de avaliação referidos na alínea anterior, face ao que se dispõe no nº 4 do artigo 139º do CCP, o CHBA alegou (10) que:

"Reconhecemos que esta é uma questão que suscita dúvidas e que se nos afigura controvertida, existindo divergências de interpretação quanto à mesma.
Foi nosso entendimento que, quando o legislador no nº4 do artigo 139º do CCP, refere "atributos das propostas a apresentar", quererá referir-se a alguma situação, qualidade ou características ou factos relativos aos concorrentes ou a propostas que digam respeito a algum factor específico de um determinado concorrente do qual ele é ou possa vir a ser titular, o que implicaria uma avaliação discriminatória relativamente as outras propostas. Julgamos que o nº 4 do artigo 139º, deve interpretar-se, na linha do que refere o nº1 do artigo 75º do CCP, onde se refere que os factores e subfactores que classificam os critérios de adjudicação não podem dizer respeito directo ou indirectamente a situações, qualidades características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
Seria, por exemplo, o caso de se valorar ou, ter em conta, um critério que aferisse determinada situação para "os concorrentes que tivessem sede no Algarve".
O preço é um factor não específico de uma proposta, mas sim, comum a todas elas.
Por outro lado, qualquer que seja a fórmula ou o tipo de avaliação da proposta, sempre se terá de ter em conta o preço apresentado pelos outros concorrentes.
Desde a fórmula mais simples (ex. 100% preço mais baixo, 90% ao segundo preço mais baixo e assim sucessivamente), até a fórmula, em que, através de uma função de valor linear, com dois pontos de amarração (com um valor em que se atribua uma pontuação mínima e um outro em que se atribua pontuação máxima), os preços dos outros concorrentes estarão sempre em comparação, razão pelo qual, nos parece, que a referência ao preço mais baixo, não violará o referido no nº4 do artigo 139º, tendo sido adoptado por se nos afigurar uma boa forma, justa e equilibrada, de apreciação das propostas";

q) As propostas apresentadas por 4 concorrentes nas posições acima referidas na alínea c), não foram objecto de avaliação, nem de classificação (11);
r) Questionado quanto ao facto referido na alínea anterior, o CHBA alegou (12):
"As empresas que surgem como não classificadas correspondem àquelas que apresentaram propostas que não respondiam minimamente ao que era solicitado, razão pela qual foi impossível atribuir-lhe qualquer pontuação";
s) O artigo 5º das cláusulas especiais do CE refere que:
"1 - O C.H.B.A. reserva-se no direito de adjudicar em todo ou em parte a qualquer concorrente o presente procedimento.
2- O C.H.B.A. poderá, ainda, adjudicar parte das próteses a um concorrente e outra parte a outro. (13)";
t) Na avaliação final, as empresas adjudicatárias obtiveram as seguintes classificações nas posições acima referidas na alínea c) (14):

Posição 1 - Prótese total da anca cimentada

Johnson & Johnson, Lda. 29,66

Smith & Nephew, Lda. 26,93

Posição 2 - Prótese total da anca não cimentada

Johnson & Johnson, Lda. 29,83

Smith & Nephew, Lda. 26,93

Posição 3 - Prótese total do joelho cimentado com conservação do LCP

Smith & Nephew, Lda. 29,26

Johnson & Johnson, Lda. 29,03

Posição 4 - Prótese total do joelho cimentado e com sacrifício do LCP

Smith & Nephew, Lda. 29,26

Johnson & Johnson, Lda. 29,03

u) Perante os resultados referidos na alínea anterior, o júri decidiu propor a adjudicação nos seguintes termos:

"Próteses totais da anca não cimentadas à firma Johnson & Johnson, Lda., num total previsível de 134,625 euros+IVA.
Próteses totais da anca cimentadas à firma Johnson & Johnson, Lda., num total previsível de 41.625 euros+IVA.
Quanto às próteses do joelho (com conservação do LCP e com sacrifício do LCP), a firma S&N ficou classificada em 1º lugar, mas há que ter em atenção que o Hospital tem vindo a usar as próteses da firma Johnson & Johnson, Lda., surgindo situações cada vez mais frequentes de "follow-ups" que obrigam à utilização das próteses compatíveis com as anteriormente colocadas.
Assim, o Júri irá propor ao Conselho de Administração, a adjudicação de 50% das Próteses a S&N e 50% à Johnson & Johnson, Lda. Aliás a diferença na classificação é mínima".

v) No relatório de avaliação, as propostas apresentadas pela concorrente Johnson & Johnson, Lda. nas posições relativas às próteses do joelho, tiveram no factor preço uma avaliação pior que as propostas apresentadas pela concorrente Smith & Nephew, Lda. (15);
w) Questionado quanto à adjudicação realizada, que traduz a proposta referida na alínea u), o CHBA alegou (16) que incluiu neste concurso público a aquisição destas próteses, porque "ao submeter estas próteses à concorrência, as firmas terão em princípio tendência a apresentar preços mais competitivos.
O mesmo raciocínio se aplica à inexistência da definição de um critério que referisse desde logo, que era atribuída nas próteses que tivessem que ser adquiridas à Johnson & Johnson.
No caso de se fazer tal referência no CE, a firma Johnson & Johnson não teria problemas em apresentar um preço superior ao preço base e até ser excluída do concurso no que a este tipo de material diz respeito, sabendo que à partida o hospital teria sempre de contratar com a mesma, ficando à mercê da sua vontade de fixação de preços qualquer que ela fosse."


II - APRECIAÇÃO  

3. O presente processo suscita, entre outras, as seguintes questões mais importantes, que devem ser abordadas para fundamentação da decisão final:

a) A exigência de entrega de documentos de habilitação por todos os concorrentes;
b) O modelo de avaliação de propostas fixados nos documentos concursais;
c) A não avaliação de propostas admitidas ao concurso;
d) As adjudicações a propostas que não obtiveram a melhor classificação.

Antes de se abordarem tais questões, impõe-se, contudo, esclarecer uma questão prévia: a da sujeição a visto dos presentes contratos e, em relação com esta, a do valor destes.

II.A - A sujeição dos contratos a fiscalização prévia e o respectivo valor

4. Como se viu no nº 1, os contratos têm consagrado como respectivos valores anuais os montantes de 108.500 euros e de 287.550 euros.
Como se sabe, a determinação do âmbito da competência deste Tribunal, em matéria de fiscalização prévia, depende de elementos subjectivos (a natureza da entidade pública adjudicante) e de elementos objectivos (o objecto e finalidade do contrato do contrato). Não estando em causa que o CHBA está incluído no âmbito subjectivo da fiscalização prévia (face ao disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 5º da LOPTC (17)), e que os elementos objectivos exigidos pelo artigo 46º da mesma lei estão presentes (vide em especial a alínea b) do nº 1), poderia suscitar-se que os contratos, face àqueles valores acima referidos, não estariam sujeitos a fiscalização prévia por força do disposto no artigo 48º.
Contudo, dispõe o artigo 138º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril, que "ficam isentos de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas os actos e contratos, considerados isolada ou conjuntamente com outros que aparentem estar relacionados entre si, cujo montante não exceda o valor de € 350 000".
Ora, pese embora cada um dos contratos ter consagrado um valor inferior a este, parece evidente que não se enquadram claramente na previsão de isenção de fiscalização fixada naquela disposição, face ao inciso "contratos considerados (...) conjuntamente com outros que aparentem estar relacionados entre si" que o legislador, de forma inédita, fez consagrar na lei orçamental em vigor. É evidente que estes dois contratos estão relacionados entre si, tanto mais que resultam de um único procedimento de formação.
Mas mais uma razão milita a favor dessa conclusão e de maior importância tanto no plano substantivo ou como no processual.
É que dispõe o CCP nos n.ºs 1 e 2 do seu art. 97º, que "(...) entende-se por preço contratual o preço a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem objecto do mesmo" e "[e]stá incluído no preço contratual, nomeadamente, o preço a pagar pela execução das prestações objecto do contrato na sequência de qualquer prorrogação contratualmente prevista, expressa ou tácita, do respectivo prazo."
Ora, como acima se viu no nº 1, o preço expressamente consagrado nos contratos foi o da despesa anual estimada, e das alíneas d) a f) do nº 2 resulta claramente uma prorrogação contratualmente prevista que abrange um período temporal de 3 anos. Assim, em rigor, e para se cumprir de uma forma clara a lei, o montante que deveria estar consagrado nos contratos deveria corresponder à despesa estimada para todo esse período de vigência dos contratos e não o do primeiro ano da sua execução.
Face ao que agora se expôs, e face aos montantes que deveriam expressamente estar consagrados nos contratos (embora tal valor esteja neles implícito), é indubitável que o contrato referido na alínea b) do nº1 está sujeito a fiscalização prévia. E o referido na alínea a) está igualmente a ela sujeito, por força da já citada disposição da lei orçamental.
Mas o que agora se referiu - o do valor dos contratos ter de corresponder ao do período temporal de 3 anos - é relevante para outros efeitos: substanciais e processuais.
Substanciais: porque, designadamente, o valor da caução a prestar deve corresponder a 5% do preço contratual (vide o nº 1 do artigo 89º do CCP). E relembre-se que a caução "deve ser exigida ao adjudicatário" para, designadamente, "garantir o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações legais e contratuais que assume" com a celebração do contrato (vide o nº 1 do artigo 88º do CCP).
Processuais: porque, designadamente, a serem devidos emolumentos no processo de fiscalização prévia é também esse o valor que é relevante.
Não colhem pois os argumentos aduzidos pelo CHBA acima referidos na alínea g) do nº 2 e que fundamentaram a recusa da sugestão feita por este Tribunal de que aquele valor deveria ser corrigido.
Mas vejamos então as várias questões acima elencadas com relevância para a decisão.

II.B - A exigência de entrega de documentos de habilitação por todos os concorrentes

5. Como se viu acima, nas alíneas h) a k) do nº2, foi exigido a todos os concorrentes que entregassem no mesmo prazo de apresentação das propostas, os respectivos documentos de habilitação e, "mediante justificação a ser apreciada pelo júri", admitia-se tal apresentação no prazo de 5 dias, após a remessa do relatório final para o Conselho de Administração.
Como se viu também, três concorrentes foram admitidos condicionalmente por o não terem feito, e tendo entregue os documentos em prazo fixado pelo júri, foram finalmente admitidos.
Ora, uma das inovações do CCP, face ao regime anterior, consiste exactamente no facto de os documentos de habilitação serem apresentados apenas pelo concorrente adjudicatário e, portanto, já após efectuada a adjudicação e notificada a mesma. É o que referem os artigos 81º e seguintes do CCP.
Assim, o PP ao estabelecer tal exigência violou a lei.
E perante o facto de 3 concorrentes não terem apresentado tais documentos, note-se que o júri também não cumpriu o fixado no PP, ao estabelecer (18) um prazo de cinco dias para que tais concorrentes suprissem tal falta. De facto, como se disse, o que o PP previa era a possibilidade de entrega no prazo de 5 dias, após a remessa do relatório final para o Conselho de Administração, "mediante justificação a ser apreciada pelo júri".
Obviamente, tal previsão normativa também violava a lei, mas revela que no procedimento não só se estabeleceram disposições violadoras da lei, como até se adoptaram soluções não admitidas nem na lei, nem nos documentos procedimentais.
Deve ter-se presente que todos os candidatos foram admitidos finalmente.
Mas a entidade adjudicante ao exigir, numa fase em que ainda não eram exigíveis, muito menos a todos os concorrentes, os documentos de habilitação, pode ter determinado uma redução do universo concorrencial, mormente, se alguns potenciais candidatos não fossem, no momento, detentores dos mencionados documentos, o que poderá, potencialmente, ter alterado o resultado financeiro do contrato, o que constitui motivo de recusa de visto, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC.

6. Reafirme-se pois que a exigência de documentos de habilitação a todos os concorrentes configura uma violação do disposto no artigo 81º do CCP e constitui fundamento para recusa do visto.

7. Conexa com esta temática, relembre-se que o PP consagrou causas de não adjudicação para além das previstas na lei (19). Pese embora tal consagração no presente procedimento não tenha dado origem a não adjudicação, deve entender-se que tal solução normativa, em documentos concursais, não é admissível.
Efectivamente, entende-se que a enumeração de causas de não adjudicação constante do artigo 79º deve considerar-se exaustiva. A lei estabelece de forma clara que "[n]ão há lugar a adjudicação quando (...)", ocorrem as seis situações nela previstas, nunca utilizando a expressão "nomeadamente" ou "entre outras". É verdade que o preceito consagra alguns conceitos de conteúdo indeterminado: é na sua fixação que existe margem de apreciação da Administração, que esta fará observando os princípios que a lei, a jurisprudência e a doutrina consagram.
E a previsão, feita neste procedimento, de que não haverá adjudicação quando (20) "[p]or decisão, devidamente fundamentada, do Conselho de Administração, (...) tal se revele vantajoso para o Centro Hospitalar" é bem demonstrativa de que nesta matéria deve seguir-se uma interpretação da lei que acautele soluções de tão grande discricionariedade.
A solução normativa constante do artigo 20º do PP é pois violadora da lei.

II.C - O modelo de avaliação de propostas fixadas nos documentos concursais

8. Aborde-se agora a segunda questão acima elencada no nº 3.
Como se viu acima nas alíneas n) a p) do nº2, no que se refere ao factor "Preço", os concorrentes foram pontuados de acordo com uma fórmula que tem em consideração o "preço mais baixo" das propostas apresentadas.
A este respeito (21), há que ter em atenção o que dispõe o artigo 139º, nº 4, do CCP:

Artigo 139º
Modelo de avaliação das propostas
1 - ......................................................................
2 - ......................................................................
3 - ......................................................................
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
.........................................................................

Resulta, assim, desta disposição legal, que não é admissível a definição de modelos de avaliação com factores ou subfactores que dependam de atributos de outras propostas.
Compreenda-se a ratio legis desta disposição legal, que efectivamente rompe com a tradição legal e administrativa portuguesa: trata-se de não permitir que a avaliação das propostas possa ser influenciada pela acção dos próprios concorrentes. Parametrizar um factor de avaliação "preço", em função dos demais "preços", e neste caso do "preço mais baixo", pode propiciar a apresentação de propostas com preços mais elevados ou com preços mais baixos, só com o objectivo de distorcer a avaliação e de poder condicionar os resultados (22).
A intenção do legislador no nº4 do artigo 139º do CCP, foi acabar com o modelo de avaliação relativo das propostas, implementando o modelo de avaliação absoluta. Significa isto que cada proposta é valorada de per si, em absoluto.

9. Neste caso, o factor preço foi avaliado com apelo à proposta de mais baixo preço. Uma coisa é na avaliação de cada proposta ter-se em conta o respectivo preço, o que em regra deve ser feito. E, na sequência de tal consideração, atribuir-se, com aplicação do modelo definido, pontuações que reflictam os vários níveis dos preços em concurso. Outra coisa é incluir-se um determinado elemento relativo aos preços das outras propostas (o mais alto ou o mais baixo ou a média dos preços apresentados, et coetera...) no próprio modelo de avaliação.
E o argumento apresentado pelo CHBA de apelo ao disposto nº 1 do artigo 75º não colhe: neste fala-se em "situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes". E no nº 4 do artigo 139º fala-se em "quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas".
Não colhe, pois, a argumentação apresentada.
O facto de o modelo de avaliação das propostas ter sido concebido com aquele vício, podendo ter condicionado a apresentação de propostas em matéria de preços, poderá, potencialmente, ter alterado o resultado financeiro do contrato, o que constitui motivo de recusa de visto, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC.

10. No procedimento foi, pois, violado o nº4 do artigo 139º do CCP e tal violação constitui fundamento para recusa de visto.  

II.D - A não avaliação de propostas admitidas ao concurso

11. Em matéria de avaliação, impõe-se abordar ainda um outro aspecto do presente procedimento e que corresponde à terceira questão elencada acima no nº 3.
Como se expôs nas alíneas q) e r) do nº 2, as propostas apresentadas por 4 concorrentes não foram objecto de avaliação nem de classificação porque "não respondiam minimamente ao que era solicitado" sendo"impossível atribuir-lhe qualquer pontuação".
Ora, ou tais propostas se enquadravam nas previsões constantes do artigo 146º do CCP e deveriam ter sido excluídas ou, não se enquadrando e sendo admitidas (como foram), deveriam ter sido objecto de avaliação e de classificação.
Tendo sido admitidas, e não se fazendo a sua avaliação, como se demonstra e fundamenta que tais propostas "não respondiam minimamente ao que era solicitado"? Como se observa o dever de fundamentação e o princípio da transparência?

12. A solução adoptada de admissão de propostas e posterior não classificação infringe o princípio da legalidade, na medida em que viola o disposto no nº 1 do artigo 70º do CCP: "as propostas são analisadas em todos os seus atributos representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação".
E a não avaliação de propostas admitidas, pode igualmente configurar ainda que potencialmente, uma alteração do resultado financeiro do contrato, o que, novamente, constitui fundamento de recusa de visto, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC.

II.E - As adjudicações a propostas que não obtiveram a melhor classificação

13. Vejamos agora a quarta e última mais importante questão. Atente-se em particular à matéria de facto constante das alíneas c), n) e s) a w) do nº 2.
Como se indicou, o artigo 5º das cláusulas jurídicas gerais do CE estabelece que a "adjudicação será efectuada segundo o critério da proposta mais vantajosa" em função do preço, da qualidade e do prazo de entrega.
Do disposto no CE resultaria, naturalmente, que em cada uma das posições referidas acima na alínea c) do nº 2, se procederia à adjudicação à proposta que obtivesse a melhor classificação.
Ora, não foi isso que aconteceu: em duas posições (a 1ª e a 2ª) foi feita adjudicação às propostas melhor classificadas. E nas posições 3ª e 4ª adjudicou-se, simultaneamente, à proposta melhor classificada e à proposta que obteve a segunda classificação.

14. Dir-se-á que tal solução encontra apoio no disposto no artigo 5º das cláusulas especiais do CE com base no qual o "C.H.B.A. reserva-se no direito de adjudicar em todo ou em parte a qualquer concorrente o presente procedimento" e que "poderá, ainda, adjudicar parte das próteses a um concorrente e outra parte a outro".
Ora, tal disposição é claramente ilegal: atente-se na sua redacção e conclua-se que, independentemente dos resultados da avaliação, a entidade adjudicante se reserva o direito de adjudicar a qualquer concorrente (mesmo classificado em último lugar?) e que pode adjudicar parte das próteses a um concorrente (qual? Primeiro, segundo, terceiro classificado? Outro?) e a outra parte a outro (qual? Primeiro, segundo, terceiro classificado? Outro?).
Perante tal disposição, pergunta-se: para que serve a avaliação? Para que serve o modelo de avaliação? Mais: para que serve o procedimento concursal? Como se observam os princípios da transparência e da fundamentação, se com aquela disposição qualquer decisão pode ser tomada, à revelia do modelo de avaliação e das demais regras do procedimento?
Efectivamente, tal disposição contraria princípios básicos da contratação pública: da transparência, da igualdade, da concorrência, expressamente consagrados no nº 4 do artigo 1º do CCP. Mas igualmente de outros princípios a que se subordina toda a actividade administrativa e com consagração na Constituição e no Código do Procedimento Administrativo (CPA): da legalidade, da imparcialidade e da fundamentação.

15. No plano da gestão, são atendíveis as razões expostas pela entidade adjudicante para definir como sendo pública a necessidade de adquirir próteses que substituam outras já colocadas e igualmente a necessidade de criar condições para se obterem os melhores preços. Mas a solução procedimental legal e adequada para se obterem esses resultados não é a que foi adoptada...

16. Em rigor o que aconteceu é que os contratos que foram celebrados não respeitaram as conclusões obtidas no procedimento. Em rigor, os contratos celebrados não são o resultado directo do procedimento de formação. Para o serem, com respeito pela lei, deveriam reflectir os melhores resultados obtidos no procedimento, com aplicação do respectivo modelo de avaliação. O que não aconteceu.

17. De facto, o que se passou é que, a final, os contratos celebrados correspondem a propostas escolhidas mediante critérios que não constavam dos documentos concursais. Foram propostas escolhidas sem modelo de avaliação que fundamentasse tal escolha, o que é exigido pelo artigo 139º nº 1 do CCP, dado que o critério de adjudicação adoptado foi o da proposta economicamente mais vantajosa.
Houve pois violação do nº1 do artigo 139º do CCP.
Ora, tal situação configura a falta de um elemento essencial. E a falta de um elemento essencial, nos termos do artigo 133º do CPA (23), fere de nulidade o acto adjudicatório, transmitindo-se tal nulidade ao contrato nos termos do nº 1 do artigo 283º do CCP.
E a nulidade constitui igualmente fundamento de recusa de visto, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC.
Mas mesmo que assim não se entenda, não pode deixar de se considerar que o resultado final do procedimento não acolheu os resultados que se obtiveram da aplicação do modelo de avaliação consagrado para o procedimento, ocorrendo então violação do disposto no nº1 do artigo 73º, em conjugação com o disposto no nº 1 do artigo 146º do CCP. E esta ilegalidade gerou uma alteração do resultado financeiro do procedimento e, reflexamente, do contrato, visível a partir das classificações gerais obtidas pelos concorrentes e, em especial, pelas pontuações obtidas no factor preço (24).
E como já antes se referiu, uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do procedimento constitui fundamento de recusa de visto, nos termos da alínea c) do mesmo nº 3 do artigo 44º da LOPTC.  

III - DECISÃO

18. Pelos fundamentos indicados, por força do disposto nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto aos contratos acima identificados.
19. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de Agosto, e pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril.
Lisboa, 27 de Julho de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (João Figueiredo - Relator) - (António Santos Soares) -(João Ferreira Dias) 

Fui presente - (Procurador Geral Adjunto) - (António Cluny)


(1) Vide artigo 1º das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos.
(2)Tal previsão reflectiu-se na cláusula 6ª dos contratos.
(3) Idem.
(4) Idem.
(5) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril.
(6) Vide o ofício 469/CA de 19-07-2010, a fls. 130 e ss..
(7) Vide documentos de fls. 41, 42 e 58.
(8) Vide o ofício 469/CA de 19-07-2010, a fls. 130 e ss..
(9) Redacção constante do PP.
(10) Vide o ofício 469/CA de 19-07-2010, a fls. 130 e ss..
(11) Referimo-nos às propostas da Cenatolim às posições 1 e 2, da Stryker e da Expomédica às posições 3 e 4, e da M.B.A. à posição 3.
(12) Vide o ofício 469/CA de 19-07-2010, a fls. 130 e ss..
(13) Negrito nosso.
(14) Vide relatório de avaliação das propostas a folhas 59 e ss.
(15) Vide mapas constantes das fls. 68 e 69.
(16) Vide o ofício 469/CA de 19-07-2010, a fls. 130 e ss..
(17) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.
(18) Note-se que o fez na primeira reunião em que se procedeu à identificação dos concorrentes e análise dos documentos que deveriam acompanhar as propostas e em que se decidiu das admissões.
(19) Vide alínea m) do nº 2.
(20) Vide a alínea c) da matéria de facto acima elencada na alínea m) do nº 2.
(21) Veja-se igualmente o Acórdão nº 64/2009-31.Mar.09-1ªs/SS, deste Tribunal.
(22) Veja-se L.Valadares Tavares, "A Gestão das Aquisições Públicas", Lisboa, 2008, p.176 ss.
(23) Note-se que nos termos da alínea d) do artigo 123º do CPA, deve sempre constar do acto administrativo a fundamentação, quando exigível. Ora, no caso, não só era exigível, como a única fundamentação admissível era a que resultasse da aplicação do modelo de avaliação. O que, como já se demonstrou, não aconteceu no caso.
(24) Vide acima a alínea v) do nº2.