Acórdão n.º 28/2010, de 13 de Julho de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 592/2010)

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ACÓRDÃO Nº 28 /2010 - 13.JUL - 1ª S/SS

Processo nº 592/2010

I - OS FACTOS

1. A Câmara Municipal de Oeiras (doravante designada por Câmara Municipal ou por CMO) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada relativo ao "Centro de Saúde de Carnaxide - Extensão de Algés" celebrado entre o Município de Oeiras e a "Manuel Rodrigues Gouveia, S.A.", em 29 de Abril de 2010, pelo valor de € 3 699 990,00 acrescido de IVA, à taxa legal aplicável.

2. Para além do referido no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes factos:
a) Em 8 de Abril de 2009 de 2008, a CMO autorizou a abertura do procedimento relativo à referida empreitada e os respectivos documentos;
b) O aviso de abertura de concurso público de âmbito nacional, foi publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Julho de 2009;
c) O contrato foi celebrado após deliberação de adjudicação daquela Câmara Municipal de 10 de Março de 2010;
d) A obra apresenta um prazo de execução de 730 dias, tendo ocorrido a consignação no dia 27 de Maio de 2010;
e) No nº 8 do anúncio publicado no Diário da República estabeleceu-se:
"Podem ser admitidos a concurso os concorrentes detentores de certificado de classificação de empreiteiro de obras públicas, emitido pelo INCI, contendo as seguintes classificações:
a) Empreiteiro Geral de Obras de Construção Tradicional.
b) 1ª Categoria, 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
c) 2ª Categoria, 8ª e 9ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
d) 4ª Categoria, 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª, e 15ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
e) 5ª Categoria, 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª, 10ª, 11ª, e 12ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam"; f) Nos pontos 7.2. e 7.3. do programa de concurso estabeleceu-se:

"7.2. O certificado de classificação (...) de Empreiteiro Geral de Obras de Construção Tradicional de classe 6, previsto no artº. 4º do Decreto-Lei 12/2004 de 9 de Janeiro e de acordo com o artº. 1º da Portaria 17/2004 de 10 de Janeiro deve conter:
a) 1ª Categoria, 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
b) 2ª Categoria, 8ª e 9ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
c) 4ª Categoria, 1ª, 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 12ª, 13ª, e 15ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;
d) 5ª Categoria, 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª, 10ª, 11ª, e 12ª subcategorias, correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam;

7.3. Desde que não seja posto em causa o disposto no nº 2 do artigo 383º do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, e sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 7.2, o concorrente pode recorrer a sub-empreiteiros (...)";

g) Questionada quanto às exigências habilitacionais referidas nas alíneas anteriores, a CMO alegou (1) que:
 " (...) a razão porque não foi exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, conforme o disposto no nº 1 do artº 31º do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro, deveu-se a que, ao considerar a natureza dos trabalhos mais relevantes para a empreitada, se encontravam estes nas 1ª e 4ª subcategorias da 1ª categoria, determinantes para a classificação do Empreiteiro geral ou Construtor geral de edifícios de construção tradicional, conforme nº 2 da Portaria nº 19/2004 de 10 de Janeiro, não sendo viável a sua divisão.
Interpretou-se, face a esta classificação, que tal situação se encontra abrangida pelo nº 2 do artº 31º do DL nº 12/2004 de 9 de Janeiro que na sua redacção possibilita a dispensa do nº 1, desde que o empreiteiro possua a classificação de geral ou Construtor adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global. Este facto de modo nenhum limitou a concorrência, pois não constituiu obstáculo à apresentação de candidaturas, para além dos condicionamentos legalmente estabelecidos, o que é demonstrado pelo facto de terem concorrido vinte empresas de construção civil".
Posteriormente (2) veio ainda a CMO referir o seguinte sobre a mesma matéria:
"(...) era entendimento dos serviços, face às dificuldades de interpretação dos comandos ínsitos nos nºs 1 e 2 do artº 31º do Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, que a indicação de uma categoria de Empreiteiro Geral ou de Construtor Geral, como é especificado na alínea a) do nº 2 do artº 12º do citado diploma, tal como estabelecido no nº 2 da Portaria nº 19/2004, de 10 de Janeiro, seriam incidíveis, pois que neste último dispositivo legal se estabelecem como componentes obrigatórias da 1ª Categoria (Edifícios de Construção Tradicional) as 1ª e 4ª subcategorias; ou seja, não faria sentido dividir este grupo de subcategorias, sob pena de se incorrer em violação da norma deste nº 2 da Port. Nº 19/2004.
Ora, sendo previsto como habilitação para admissão a concurso a posse de certificado de Empreiteiro Geral da classe 6 (nos termos do estabelecido na Port. nº 1371/2008, de 2 de Dezembro, então vigente), por corresponder à classe que cobria o valor global da obra, a indicação da 1ª Categoria surge naturalmente associada à natureza da obra que se pretende realizar, decorrendo necessariamente desta as 1ª subcategoria (estruturas e elementos de betão) e a 4ª subcategoria (alvenarias, reboco e assentamento de cantarias);
h) No mapa de quantidades de trabalhos patenteado a concurso foram indicadas marcas comerciais sem a menção "do tipo" ou "ou equivalente", designadamente, "Cinca Nova Arquitectura", "Cinca Altaj Natural", "Cinca Combi", "Hunterdouglas/Luxalon" e "Celenit", nos itens 3.1.11 a 3.1.13, 3.2.8, 3.2.9, 3.3.1 e 4.1.
i) Questionada quanto às razões da inclusão das referidas especificações, a Câmara Municipal (3) alegou:
"(...) existem algumas designações de marcas comerciais sem a menção de "tipo" ou "equivalente". Serão transmitidas ao Empreiteiro orientações escritas no sentido de se considerar "tipo", não se obrigando ao fornecimento das marcas designadas."
E acrescentou posteriormente:
"Já no que respeita à inclusão de marcas comerciais desacompanhadas da menção "tipo" e "ou equivalente", trata-se evidentemente de lapsos lamentáveis em fase de elaboração dos projectos e das respectivas especificações técnicas. E o Município nada mais pode acrescentar, a não ser que se trata de meros lapsos das equipas projectistas (muitas vezes exteriores aos serviços municipais e pouco habituadas ao necessário rigor dos concursos públicos) e que não podem ser entendidos como intencionais face á diminuta importância em termos de resultado financeiro";
j) Em vários processos da CMO, já este Tribunal identificou o cometimento de ilegalidades relacionadas com as exigências feitas em matéria de habilitações dos concorrentes e de marcas comerciais e, em data anterior à abertura do presente procedimento, proferiu várias recomendações, para que em procedimentos posteriores tais violações de lei não voltassem a ocorrer. Assim:
i. Em matéria de exigência de alvará de empreiteiro geral, veja-se: o acórdão nº 360/2006-21.Dez.-1ªS/SS (no processo nº 1696/2006) e a decisão nº 749/2008-22.Out.1ªS/SDV (no processo nº 1149/2008); e
ii. No que respeita à indicação de marcas comerciais desacompanhadas de uma das expressões "do tipo" ou "ou equivalente": acórdãos nºs 123/2005-28.Jun. e 48/2004-13.Abril-1ªS/SS (nos processos nºs 808/2005 e 163/2004) e a decisão nº 754/2006-11.Out.1ªS/SDV (no processo nº 696/2006).
k) Questionada sobre como considerava admissível a violação de tais recomendações, a CMO alegou (4) que:
"(...) a preparação dos processos de concurso que neste momento se encontram nesse Tribunal são cronologicamente próximos, o que aliado ao facto do Município de Oeiras comportar um vasto número de serviços, nem sempre activamente comunicantes entre si, e também à própria dinâmica de preparação destes processos de concursos, existem infelizmente sempre lapsos que, contra vontade do Município, acabam por não ser devidamente detectados e corrigidos.
Assim, e quanto às habilitações exigidas aos concorrentes, não só a dificuldade interpretativa do disposto no artº 31º da Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro, como também o conhecimento das decisões proferidas sobre esta matéria pelo Tribunal de Contas e o lançamento dos concursos ora sindicados - meados de 2009 - não tiveram o intervalo de tempo necessário entre ambos os factos para possibilitarem a correcção atempada das falhas existentes nos Programas de Procedimento, que são elaborados muitas vezes com base na mesma matriz e com menor cuidado do que é exigível, sem que no entanto isso signifique menor respeito pelas Recomendações desse douto Tribunal.
Outro facto a considerar ainda e que se verificou na data de elaboração dos procedimentos concursais é a alteração à legislação em vigor, nomeadamente com a necessidade de interpretar e incorporar nas rotinas administrativas o novo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec.Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, cuja entrada em vigor foi contemporânea do lançamento destes concursos, nomeadamente o que se encontra aqui em questão, e que produziu necessariamente algumas hesitações e alguma confusão nas metodologias de preparação dos elementos dos concursos a lançar.
Aliás, têm sido tomadas medidas orientadoras internas com o objectivo de melhorar e corrigir as situações menos regulares, como a que juntamos a título exemplificativo".
E, em anexo, é junta cópia de um despacho do Senhor Presidente da CMO, datado de 21 de Junho de 2010, em que se tomam medidas que visam prevenir o cometimento de novas ilegalidades em matéria de marcas comerciais. 

II - APRECIAÇÃO

3.O presente processo suscita duas questões que devem ser abordadas para fundamentação da decisão final:

a) A das habilitações exigidas aos concorrentes;

b) A das especificações técnicas estabelecidas em artigos do mapa de quantidades.

4.No que diz respeito às habilitações exigidas aos concorrentes, note-se em primeiro lugar que existem divergências entre o que foi objecto de publicitação e o que consta do programa de concurso.
Assim, no anúncio (5) parece exigir-se que o concorrente, para além de dever ser titular de alvará de empreiteiro geral de obras de construção tradicional, deve ter habilitação em várias subcategorias da 1ª, 2ª, 4ª e 5ª categorias.
Mas no programa (6) , compulsando os nºs 7.2. e 7.3., exige-se aos concorrentes que tenham o alvará de empreiteiro geral de obras de construção tradicional de classe 6ª e ainda habilitação nas subcategorias 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, e 8ª da 1ª categoria e nas subcategorias 8ª e 9ª da 2ª categoria (7). Relativamente às capacidades nas demais subcategorias e categorias pode o concorrente socorrer-se de subempreiteiros. Face ao disposto no nº 6 do artigo 132º do CCP (8), não importa escalpelizar mais as divergências entre anúncio e programa, pois esta disposição legal estabelece a prevalência deste último.

5.Do programa resulta pois a exigência cumulativa das seguintes habilitações:

a) Alvará de empreiteiro geral de edifícios (9);
b) Este alvará deve ser da classe 6ª; de construção tradicional;
c) Habilitação nas subcategorias 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, e 8ª da 1ª categoria e nas subcategorias 8ª e 9ª da 2ª categoria.

6.Quanto à exigência de alvará de empreiteiro geral atente-se no artigo 31º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 12/04, de 9 de Janeiro, que dispõe o seguinte:
"1 - Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2 - A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior." 

7. Sobre a correcta interpretação e utilização destas normas nos procedimentos concursais para a realização de empreitadas de obras públicas, tem este Tribunal abundante e uniforme jurisprudência (10) .

8.A mencionada jurisprudência afirma que a forma pela qual devem ser descritos os requisitos de habilitação técnica dos concorrentes nos documentos que disciplinam os concursos deve reflectir, de forma clara, as possibilidades a que se referem as citadas disposições do artigo 31.º, devendo fazer-se constar do programa de concurso a exigência constante do n.º 1 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004 ou as duas hipóteses, em alternativa, resultantes dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo. Sublinhe-se que o nº 1 prevê a exigência de uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, sem prejuízo de se indicarem outras subcategorias.

9. No concurso público que precedeu o contrato em apreciação, ao exigir-se que os concorrentes detivessem as habilitações referidas no n.º 2 do citado artigo 31.º (classificação de empreiteiro geral de edifícios de construção tradicional), afirmou-se que a solução preconizada no n.º 1 do mesmo artigo não era adequada e impediu-se que aqueles que a detinham pudessem candidatar-se ao concurso.

10. Face ao tipo de obra que constitui o objecto do contrato, não se encontram razões para aplicação do disposto no nº2 do artigo 31º já referido, com exclusão da possibilidade dada no nº 1 do mesmo preceito legal.

11. Nem a CMO apresentou qualquer alegação que a fundamentasse. O facto de na Portaria nº 19/2004, de 10 de Janeiro, se considerarem as 1ª e 4ª subcategorias da 1ª categoria como sendo as determinantes para a classificação do empreiteiro geral ou construtor geral de edifícios de construção tradicional, é relevante para a atribuição deste tipo de alvará, mas, só por si, não colhe como argumento para numa concreta obra em que aquelas subcategorias sejam (ou, melhor, uma delas seja) de relevante importância para a execução da obra, se afastar a possibilidade conferida pelo nº 1 do referido artigo 31º de outros concorrentes sem aquele alvará de empreiteiro geral, poderem concorrer, dado terem habilitação relativa à subcategoria que respeite "ao tipo de trabalhos mais expressivo", "em classe que cubra o valor global da obra","sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes".

12. Mantêm-se pois, para o caso concreto, as orientações constantes acima no nº 8, concluindo-se que, no procedimento, ocorreu violação do disposto no nº 1 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 12/04, de 9 de Janeiro. E como se indica na alínea j) do nº 2 e abaixo se verá de novo, para essas orientações interpretativas foi a CMO várias vezes expressamente alertada em procedimentos anteriores.

13. Contudo, como se viu, para além da exigência de detenção da alvará de empreiteiro geral, exigiu-se ainda que este conferisse ainda habilitação nas subcategorias 1ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, e 8ª da 1ª categoria e nas subcategorias 8ª e 9ª da 2ª categoria. Note-se que nos termos do nº 2º da Portaria várias vezes citada, a 1ª e 4ª subcategorias da 1ª categoria são determinantes para a atribuição do alvará referido. Mas as outras agora exigidas, não o são. Assim, não só se fez aquela exigência - a de alvará de empreiteiro geral - já por si maior do que a lei em regra permite, como se exigiram ainda habilitações relativas a outras subcategorias (a 5ª, 6ª, 7ª, e 8ª da 1ª categoria e as 8ª e 9ª da 2ª categoria). Note-se que para estas o programa de concurso não admitia a sua detenção por subempreiteiros. Confirma-se, também nesta dimensão, a violação do artigo 31º a que nos temos referido, agora atendendo-se em particular ao disposto no seu nº 2.

14. Finalmente, estabeleceu-se a exigência de o alvará conferir autorização na classe 6ª. Ora, tal exigência no programa do concurso é igualmente incorrecta, pois o que a lei exige é que se tenha a classe que cubra o valor global da obra. Ora, este valor só é determinado em rigor quando se toma a decisão de adjudicação (11).

15. Em conclusão: não se tendo respeitado o disposto no artigo 31º do diploma legal já citado, fizeram-se, assim, exigências de habilitação técnica superiores às estabelecidas na lei, as quais conduziram, real ou potencialmente, a uma redução ilegal do universo de potenciais candidatos. E, por essa via, o resultado financeiro do procedimento pode ter sido afectado. No caso de aquela violação não ter ocorrido, os resultados do procedimento, reflectidos no contrato, poderiam ter sido mais favoráveis aos interesses financeiros públicos.

16. Vejamos agora a segunda questão, adiantada na alínea b) do nº 3. Como se demonstrou, no mapa de quantidades patenteado a concurso, foram feitas exigências relativas a marcas comerciais, em vários artigos necessários à concretização da empreitada, sem que fossem acompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente".
Sobre o que dispõe a lei e sobre a interpretação e aplicação que dela tem feito este Tribunal, tem a CMO claro conhecimento e consciência, como resulta da sua alegação constante da alínea i) do nº 2. Relembrem-se, contudo, como fundamento da presente decisão.

17. Determinam os nºs 12 e 13 do art.º 49º do CCP que não é permitida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou a uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens. São, no entanto, excepcionalmente autorizadas tais indicações quando acompanhadas da menção "ou equivalente", sempre que não seja possível descrever de forma suficientemente precisa e inteligível as prestações objecto do contrato.

18. Visam estas disposições normativas proibir que, mesmo por via indirecta, se dificulte ou afaste a participação na empreitada de empresas que não preencham determinados requisitos. E, impedir, que por esta via, certos agentes económicos adquiram vantagens no mercado, com violação de sãs regras de concorrência.
As exigências de "marcas" são pois violadoras dos princípios de livre concorrência e de igualdade de oportunidades dos operadores económicos. São igualmente susceptíveis de alterar o resultado financeiro do procedimento e, consequentemente, do contrato.

19. Tais disposições normativas estão em consonância com as que resultam das directivas da Comunidade Europeia. Veja-se o disposto no nº 8 do artigo 24º da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.

20. E não colhem os argumentos produzidos pela CMO sobre esta matéria. O facto de irem ser dadas ao empreiteiro "orientações escritas no sentido de se considerar "tipo" não se obrigando ao fornecimento das marcas designadas" não afasta o vício que afecta o procedimento e o resultado já obtido. O facto de, segundo a CMO, se tratar "de meros lapsos das equipas projectistas (muitas vezes exteriores aos serviços municipais e pouco habituadas ao necessário rigor dos concursos públicos", não afasta a ilegalidade cometida e, sublinhe-se, não afasta a responsabilidade da CMO e dos seus serviços de procederem ao controlo do trabalho que exteriormente é produzido.

21. Conclui-se, assim, que ocorreu a violação dos referidos nºs 12 e 13 do artigo 49º do CCP. Embora não resulte dos autos que da violação referida tenha resultado a alteração efectiva do resultado financeiro, é preciso ter presente que aquele vício é susceptível de alterar aquele resultado.

22. As violações identificadas nos nºs 12 e 13 e no número anterior, constituem fundamento para recusa de visto por este Tribunal ao contrato sob juízo. Tais ilegalidades enquadram-se no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC (12), quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro." Refira-se, a propósito, que, para efeitos desta norma, quando aí se diz "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do respectivo resultado financeiro.

23. Como se referiu acima na alínea j) do nº 2, a CMO já foi por demais alertada para que nos seus procedimentos observasse o que nestas matérias dispõe a lei. As explicações dadas para justificar estas novas violações não colhem. A "dificuldade interpretativa do disposto no artº 31º da Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro" já devia ter sido ultrapassada, se as decisões deste Tribunal em processos da própria CMO tivessem sido objecto de mera leitura atenta e de orientações aos serviços. Como resulta das datas dos acórdãos e decisões deste Tribunal citados na alínea j) do nº 2, desde 2005 e 2006 que têm vindo a ser proferidas. Não pode pois dizer-se que não houve o " intervalo de tempo necessário". E "a alteração à legislação em vigor, nomeadamente com a necessidade de interpretar e incorporar nas rotinas administrativas o novo Código dos Contratos Públicos" em nada afecta estas matérias, pois a disciplina normativa no âmbito da lei anteriormente vigente e a actual, em matéria de marcas, é igual. E, em matéria de habilitações dos concorrentes, as alterações não são relevantes face á concreta violação ocorrida.

24. As violações identificadas revelam, não só desatenção pelas posições deste Tribunal, tomadas repetidas vezes no passado, mas sobretudo desrespeito pela lei - o que é o mais grave - e ligeireza e falta de rigor na ultimação dos documentos concursais.
É verdade que foi junto ao processo cópia de despacho do Senhor Presidente da CMO, datado de 21 de Junho de 2010, em que se tomam medidas que visam prevenir o cometimento de novas ilegalidades em matéria de marcas comerciais. Espera-se que, em cumprimento de tal despacho, e de decisões de recusa de visto como a presente, a lei finalmente se cumpra nessa matéria, naquela autarquia local. Mas o despacho em nada aborda a questão das habilitações dos concorrentes. 

25. As circunstâncias que marcam o procedimento de formação do contrato em apreciação, a existência de violações de lei - repetindo as que ocorreram em outros procedimentos passados - susceptíveis de terem conduzido a alteração dos resultados financeiros, o facto de anteriores recomendações deste Tribunal não terem sido acatadas e a fragilidade das justificações apresentadas, não permitem fazer-se uso da faculdade que é dada pelo nº 4 do artigo 44º da LOPTC.

III - DECISÃO

26. Pelos fundamentos indicados, por força do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
27. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações. 
Lisboa, 13 de Julho de 2010

Os Juízes Conselheiros, - (João Figueiredo - Relator) - (Helena Abreu Lopes) -(Alberto Fernandes Brás) 

Fui presente

(Procurador Geral Adjunto) - (Daciano Pinto)


(1) Vide o ofício da CMO nº 22060 de 2.JUN.10.
(2) Vide o ofício da CMO nº 25812 de 1.JUL.10.
(3) Vide os ofícios antes citados.
(4) Vide o ofício da CMO nº 25812 de 1.JUL.10.
(5) Vide acima alínea e) do nº2.
(6) Vide acima alínea f) do nº2.
(7) Note-se que o nº 7.3 do programa refere "(...) sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 7.2, (...)".
(8) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril.
(9) O nº 2º da Portaria nº 19/2004, de 10 de Janeiro, estabelece esta designação: "edifícios" e não "obras" como consta do programa. 
(10) Vejam-se, designadamente, os Acórdãos da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, proferidos em Subsecção, n.ºs 16/2004, 182/2004, 11/2005, 159/2005, 179/2005, 187/2005, 193/2005, 210/2005, 218/2005, 219/2005, 223/2005, 810/2005, 1088/2005, 1249/2005, 1290/2005, 9, 10 e 11/2006, 14/2006, 16/2006, 22/2006, 27/2006, 40/2006, 46/2006, 60/2006, para citar apenas alguns.
(11) Deve reconhecer-se que, no presente procedimento, o valor da obra veio de facto a situá-la na classe 6ª, face ao disposto na Portaria nº 1371/2008, de 2 de Dezembro. Contudo, tal só se verificou quando se estabeleceu a proposta adjudicatária.
(12) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.