ACÓRDÃO Nº 27 /13. SET.2011 - 1ª S/PL
RECURSO ORDINÁRIO nº 28/2011
(PROCESSO Nº 1697/2010)
I - RELATÓRIO
1. A Câmara Municipal de Mangualde (doravante designada por Câmara Municipal ou por CMM), notificada do Acórdão nº 33 /2011 - 10/05/2011 - 1ª. S/SS, que recusou o visto ao contrato de empreitada para "Requalificação da Av. Senhora do Castelo", celebrado entre aquele Município e a Sociedade "Embeiral - Engenharia e Construção, S.A.", em 25.11.2010, no valor de € 1 380 000,01, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, do mesmo veio interpor recurso.
2. O referido acórdão considerou que, no processo de formação do contrato, se ofenderam as seguintes disposições legais e princípios:
a) O artigo 155º do CCP (1), na medida em que não se verificou o pressuposto de "caso de urgência" que permitisse a adoção do procedimento de concurso público urgente;
b) O nº 2 do artigo 57º nº1 do artigo 135º do CCP, na medida em que se fixou um prazo para apresentação de propostas de 48 horas;
c) O princípio da proporcionalidade e também os da transparência, da igualdade e da concorrência, consagrados no nº 4 do artigo 1º do CCP.
Face a tais violações de lei, a decisão recorrida procedeu à recusa de visto, com base na alínea c) do nº3 do artigo 44º da LOPTC (2).
3. Na sua petição de recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida, a CMM apresenta as seguintes conclusões:
A) Do art. 52° nºs 2 e 3 do Decreto-Lei n° 72-A/2010 de 18/6 resulta inequivocamente que a remissão nele efectuada para o art. 155° e ss do CCP, opera-se sem restrições, ressalvas ou excepções;
B) A única ressalva em relação a esse regime, é a que expressamente consta do n° 3 do art. 52° referido, ao ordenar a aplicação do disposto nos arts. 88° a 91° do CCP aos concursos públicos urgentes que forem adoptados ao abrigo do disposto no n° 2 do mesmo art. 52°.
C) A remissão operada para os arts. 155° e ss do CCP, é uma remissão em bloco, isto é, para o regime jurídico traçado por aqueles arts. 155° e ss.
D) A única excepção à remissão assim efectuada é a que consta expressamente do referido n° 3 do art. 52°, e se esta foi a única excepção prevista, forçoso é concluir que outras não existem, pois se assim não sucedesse, o legislador tê-las-ia, à semelhança desta, também previsto.
E) O esforço interpretativo que em sentido diverso é feito no douto Acórdão recorrido, conduz a uma interpretação da lei que não encontra na letra da mesma o mínimo de correspondência verbal, redundando em violação do disposto no art. 9º n° 3 do Código Civil.
F) E não tem, tal interpretação, em conta o espírito do legislador e bem assim as circunstâncias e condições específicas em que a lei é aplicada, à revelia do disposto no n° 1 do mesmo art. 9°.
G) O art. 52° n° 2 do D.L. n° 72-A/2010 de 18/6, mais não visa do que possibilitar o cumprimento do prazo para regularização das iniciativas comunitárias e a execução do QREN, a ocorrer até ao final do exercício orçamental de 2011, como impunha o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4, permitindo com esse fim, a adopção do concurso público urgente desde que, para o efeito, se encontrem reunidos todos os pressupostos, como no presente caso se encontram, previstos no art. 52° n° 2 do referido D.L. n° 72-A/2010.
H) A não ser assim, estará inevitavelmente o intérprete a distinguir onde o legislador não o fez, acrescentando-se requisitos de aplicação àquele normativo que inevitavelmente colocarão em causa a razão de ser do mesmo e inviabilizarão a prossecução do objectivo por ele preconizado.
I) E esta não se reconduz a uma interpretação literal da lei, pois bem ao invés, é ela a única que permite atender ao pensamento do legislador e às circunstâncias em que a referida disposição legal foi elaborada, concretamente a de permitir dar execução efectiva à Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2010.
J) Foi o Governo que, ao prever a possibilidade legal de recorrer, no caso concreto, ao concurso público urgente, qualificou ele próprio, a existência de uma situação dominada pelo risco iminente de prejuízo para o interesse público, pelo que ao lançar mão do concurso público urgente, a Recorrente mais não fez Tribunal de Contas do que adoptar um procedimento no âmbito de um quadro já qualificado como urgente.
K) A interpretação preconizada no Douto Acórdão recorrido, não pode portanto nesta parte merecer acolhimento por se afastar em absoluto da letra da lei e por ser estranha ao pensamento do legislador, violando consequentemente os arts. 155° e ss do CCP, o art. 52° n° 2 do D. L. n° 72-A/2010 de 18/6, o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9° nos 1 e 2 do Código Civil, o que constitui motivo suficiente para a revogação daquela douta decisão, e consequentemente, para ser concedido visto ao contrato em questão.
L) Independentemente do que vem de alegar-se, sempre inexistiria fundamento para recusar o visto ao mesmo contrato, dado que efectivamente existia urgência na abertura do concurso em causa, pois foi entendimento conjunto do Governo e da Associação Nacional de Municípios que se procedesse à "aceIeração" da execução dos projectos incluídos no QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional, o que não pode reconduzir-se à mera prontidão e eficácia administrativa.
M) Isto porque, existiam concretas situações que impunham a urgência no procedimento em causa, fruto do contrato de financiamento celebrado entre o Município de Mangualde e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, sob pena de não serem aproveitados o financiamento comunitário disponibilizado para este tipo de obra.
N) Partindo da premissa, que se presume incontestada, de que o não aproveitamento integral desses fundos comunitários redunda em prejuízo para o interesse público, equivalente à não execução da obra ou à sua execução com recurso a fundos da Recorrente, cuja utilização era dispensável por ser substituível por tais fundos comunitários, a adopção de concurso público urgente impôs-se em concreto dado que nos termos da cláusula terceira do Contrato de Financiamento do Centro Escolar n° 1 de Mangualde, a data de início desta operação se situava em 02/12/2009 e o seu terminus em 02/12/2010 (3).
O) Por seu turno, a cláusula décima n° 1 do mesmo Contrato de Financiamento, dispunha que o mesmo podia ser objecto de alteração por proposta do beneficiário e por motivos devidamente justificados nos seguintes casos:
"a) Alteração substancial das condições financeiras, que justifiquem uma interrupção do investimento, uma alteração do calendário da sua realização ou uma modificação das condições de exploração e/ou operação;
b) Alteração da operação que implique modificação do montante dos apoios concedidos;
c) Alteração imprevisível dos pressupostos contratuais."
P) Só se se verificar um destes pressupostos será possível a alteração do referido contrato de financiamento o que, não se vislumbrando, implicará que o mesmo fique sem efeito.
Q) Por isso, a impossibilidade da outorga de tal contrato de reprogramação gerará inevitavelmente o incumprimento do prazo de execução previsto na cláusula terceira do Contrato de Financiamento, a caducidade do mesmo e a impossibilidade de aproveitamento da comparticipação financeira prevista na cláusula quarta n° 2 daquele mesmo contrato.
R) O procedimento em causa foi publicitado na plataforma electrónica com todos os elementos exigidos por lei por forma a permitir a elaboraçäo completa e a apresentação de propostas em conformidade com os mesmos, tendo-se apresentado ao concurso 10 concorrentes.
S) É pois inequívoco que o prazo concedido para o efeito se revelou suficiente para a apresentação de candidaturas, devidamente elaboradas.
T) Não se diga pois que o prazo para a apresentação das candidaturas é exíguo, uma vez que se trata da execução de trabalhos que são rotineiros do ponto de vista das empreitadas que têm por objecto, como a presente, a requalificação de vias de comunicação, em relação aos quais os potenciais concorrentes têm já preços unitários previamente definidos, resultando o preço das suas propostas como simples resultado da multiplicação desses preços pelo volume dos trabalhos a realizar.
U) E, como não poderia deixar de ser, nenhuma informação foi transmitida aos concorrentes a respeito do procedimento em causa, o que se impõe dizer por muitas vezes ser referenciado, ainda que de forma hipotética e não fundamentada, que noutras situações esse conhecimento prévio existe.
V) Por outro lado, tratou-se da fixação de um prazo concedido a todos os potenciais candidatos que assim ficaram em situação de absoluta igualdade e de oportunidade.
W) Não se vislumbra portanto motivo para se concluir, como se concluiu no Douto Acórdão recorrido, que não ficou garantida a sã e livre concorrência entre todos os potenciais candidatos, já que todos se encontravam em posição de absoluta igualdade para poderem concorrer ao presente concurso.
X) Não se concorda além disso com o entendimento de que, a fixação de um único prazo para todos os candidatos, possa só por si comprometer os invocados princípios da proporcionalidade e da igualdade, pois que, manifestamente não ocorreu neste caso, o risco destes poderem ter sido violados;
Y) A defendida exiguidade do prazo para a apresentação das propostas não contendeu pois com tais princípios, tanto mais que ficou por demonstrar que, se tal prazo fosse mais dilatado, teriam sido apresentadas outras propostas e muito menos, com preço inferior ao da proposta objecto de adjudicação pela Recorrente, a qual, diga-se, foi até manifestamente inferior ao preço base da empreitada.
Z) A hipotética e incerta apresentação de outra(s) proposta(s) de valor ainda inferior àquela, se o prazo previsto para o efeito fosse superior, não pode sair do domínio da pura especulação e incerteza e não pode só por si ser arvorada em argumento suficiente para levar a concluir que a ilegalidade imputada ao Recorrente (que não se admite pelos motivos supra expostos) possa alterar o respectivo resultado financeiro.
AA) O Douto Acórdão recorrido, ao decidir no sentido inverso, violou portanto, também nesta parte, os arts. 155° e ss do CCP, o art. 52° no 2 do D. L. n° 72-A/2010 de 18/6, o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9° n° 1 e 2 do Código Cívil.
BB) Ainda que assim se não entendesse, o que por mera hipótese académica se admite, sempre estariam reunidos os pressupostos necessários para a concessão do visto ao contrato em questão ao abrigo do disposto no art. 44° no 4 da Lei n° 98/97 de 26/8, o que, subsidiariamente se peticiona, uma vez que hipotética ilegalidade do acto de adjudicação já se teria sanado pelo decurso do prazo previsto no art. 101° do CPTA para a sua impugnação, uma vez que não foi proposta por qualquer dos restantes candidatos a competente acção judicial.
4. O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, em bem fundamentado parecer.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FUNDAMENTAÇÃO
6. No recurso interposto não foi impugnada a matéria de facto elencada na decisão recorrida. Dá-se pois por assente tal matéria então elencada.
Contudo, há que ter em conta os novos factos produzidos pela recorrente e acima elencados nas alíneas L) a Q) do nº 3 e que se prendem com as razões por que considera estar verificado o pressuposto de urgência estabelecido pelo CCP para o recurso à figura de concurso público urgente.
7. Estabelecida a matéria de facto, passe-se às questões de direito.
No presente recurso, face à decisão recorrida, à petição apresentada e à posição do Ministério Público, duas questões se impõe abordar:
a) A de saber se é exigível e se verifica o pressuposto de urgência estabelecido pelo artigo 155º do CCP para a formação de contratos de empreitada mediante concurso público urgente;
b) A de saber se o prazo fixado para apresentação de propostas está conforme com regime jurídico aplicável.
Teremos de ver cada uma dessas questões.
Contudo, convém relembrar alguns aspetos do regime do concurso público urgente para bem se avaliar o que verdadeiramente está em causa.
II.A. Da modalidade de concurso público urgente (4)
8. O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspetos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objetivos de seleção e a fundamentação da escolha.
9. Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a Administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.
Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:
a) O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
b) O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, para a formação de contratos de empreitada, em circunstâncias normais, esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
c) Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
d) Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
e) Não se preveem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
f) Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
g) Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
h) Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
i) Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
j) O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
k) Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
l) Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
m) O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.
10. Como facilmente se conclui, esta marcha do procedimento envolve riscos acrescidos para a Administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, podendo ser o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou retificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a Administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projetos) mais elaborados, não é possível à entidade pública coresponsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (5), recaindo todos os custos de correções futuras sobre a Administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Em suma, a Administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter retificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objetivo de garantir efetivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excecional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efetiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excecional.
11. Mas mais.
Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adoção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
12. Não é assim nos serviços não padronizados, nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projetos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
13. Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (6), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adotar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (7).
Ou seja, previu-se que, excecionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excecional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adotado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excecionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excecional que carece de ser devidamente justificado e devem exigir que quaisquer poderes discricionários da Administração sejam exercidos com observância dos princípios gerais da atuação administrativa, de que se destacam os princípios da proporcionalidade, da transparência, da igualdade e da concorrência.
II.B - A formação do contrato de empreitada mediante concurso público urgente
14. Ora, é à luz do que se disse anteriormente que deve ser visto o presente contrato e o seu processo de formação.
Estabeleceu o nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho:
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço."
15. Como se viu, nos artigos 155.º e seguintes do CCP, estabelece-se um procedimento de concurso público urgente para se proceder à celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente.
Como se disse, entendeu o legislador alargar a possibilidade de se recorrer ao mesmo procedimento, para a celebração de contratos de empreitada, durante a vigência do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, desde que se verificassem os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do seu artigo 52º, agora transcrito.
16. Concluiu a decisão recorrida que os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do citado e transcrito artigo 52º se encontravam verificados e, portanto, tal matéria não é controvertida.
17. Verificados os pressupostos deste artigo 52º, considerou a decisão recorrida que se deveria apurar se se estava perante um caso de urgência.
Face à matéria de facto, entendeu o acórdão recorrido que tal pressuposto não estava verificado e, tal entendimento, constituiu um dos fundamentos para a recusa do visto.
18. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento dizendo no essencial que:
a) "Do art. 52° nºs 2 e 3 do Decreto-Lei n° 72-A/2010 de 18/6 resulta inequivocamente que a remissão nele efectuada para o art. 155° e ss do CCP, opera-se sem restrições, ressalvas ou excepções";
b) "A remissão operada para os arts. 155° e ss do CCP, é uma remissão em bloco, isto é, para o regime jurídico traçado por aqueles arts. 155° e ss.";
c) "O esforço interpretativo que em sentido diverso é feito no douto Acórdão recorrido, conduz a uma interpretação da lei que não encontra na letra da mesma o mínimo de correspondência verbal, redundando em violação do disposto no art. 9º n° 3 do Código Civil";
d) "E não tem, tal interpretação, em conta o espírito do legislador e bem assim as circunstâncias e condições específicas em que a lei é aplicada, à revelia do disposto no n° 1 do mesmo art. 9°";
e) " O art. 52° n° 2 do D.L. n° 72-A/2010 de 18/6, mais não visa do que possibilitar o cumprimento do prazo para regularização das iniciativas comunitárias e a execução do QREN, a ocorrer até ao final do exercício orçamental de 2011, como impunha o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4, permitindo com esse fim, a adopção do concurso público urgente desde que, para o efeito, se encontrem reunidos todos os pressupostos, como no presente caso se encontram, previstos no art. 52° n° 2 do referido D.L. n° 72-A/2010";
f) "A não ser assim, estará inevitavelmente o intérprete a distinguir onde o legislador não o fez, acrescentando-se requisitos de aplicação àquele normativo que inevitavelmente colocarão em causa a razão de ser do mesmo e inviabilizarão a prossecução do objectivo por ele preconizado";
g) "E esta não se reconduz a uma interpretação literal da lei, pois bem ao invés, é ela a única que permite atender ao pensamento do legislador e às circunstâncias em que a referida disposição legal foi elaborada, concretamente a de permitir dar execução efectiva à Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2010";
h) "Foi o Governo que, ao prever a possibilidade legal de recorrer, no caso concreto, ao concurso público urgente, qualificou ele próprio, a existência de uma situação dominada pelo risco iminente de prejuízo para o interesse público, pelo que ao lançar mão do concurso público urgente, a Recorrente mais não fez do que adoptar um procedimento no âmbito de um quadro já qualificado como urgente";
i) "A interpretação preconizada no Douto Acórdão recorrido, não pode portanto nesta parte merecer acolhimento por se afastar em absoluto da letra da lei e por ser estranha ao pensamento do legislador, violando consequentemente os arts. 155° e ss do CCP, o art. 52° n° 2 do D. L. n° 72-A/2010 de 18/6, o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9° nos 1 e 2 do Código Civil, o que constitui motivo suficiente para a revogação daquela douta decisão, e consequentemente, para ser concedido visto ao contrato em questão".
19. Tem razão a recorrente num aspeto: "a remissão (...) efectuada para o art. 155° e ss do CCP, opera-se sem restrições, ressalvas ou excepções" e tal remissão "é uma remissão em bloco" (8).
Contudo, é por esse preciso motivo que a conclusão retirada a final não é atendível.
Isto é: como expressamente diz a lei, pode adotar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que se verifiquem os três pressupostos nela fixados.
Acontece que o artigo 155º do CCP, para o qual se remete, expressamente prevê que "[e]m caso de urgência pode adoptar-se o procedimento de concurso público".
20. Assim, a verificação dos pressupostos fixados no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, não constitui por si só fundamento suficiente para a adoção do procedimento de concurso público urgente para a formação de contratos de empreitada. Deve entender-se que foi intenção do legislador que, verificados aqueles pressupostos, e havendo urgência, podiam as entidades adjudicantes fazer uso daquele tipo de procedimento em empreitadas.
Só este entendimento deve ser adotado. E as razões por que só este entendimento se deve seguir foram longamente explicitadas acima nos nºs 8 a 13: o recurso ao concurso público urgente é, na disciplina do CCP, excecional e o recurso ao concurso público urgente para contratos de empreitadas é, na disciplina da lei, duplamente excecional.
Não basta, pois, que se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários, que o valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP, e que o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço, para se poder adotar um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada.
Para que se adote este tipo de procedimento na formação de contratos de empreitada é preciso também que se esteja "[e]m caso de urgência".
A remissão em bloco para o disposto no artigo 155° e seguintes do CCP, não permite desatender um pressuposto fixado pelo próprio CCP no seu artigo 155º.
E claramente não se pode dizer que esta interpretação da lei "não encontra na letra da mesma o mínimo de correspondência verbal" e que este Tribunal - como o Tribunal recorrido - "estará inevitavelmente (...) a distinguir onde o legislador não o fez".
Bem pelo contrário. O legislador permitiu que se seguisse o concurso público urgente e, no regime deste, prevê-se, como pressuposto, estar-se em caso de urgência.
E inúmeras vezes tem este Tribunal reconhecido estar-se perante situações de urgência, precisamente estribado no "espírito do legislador e bem assim as circunstâncias e condições específicas em que a lei é aplicada" para "possibilitar o cumprimento do prazo para regularização das iniciativas comunitárias e a execução do QREN".
Discorda-se pois da recorrente quando esta afirma que este entendimento se afasta "em absoluto da letra da lei" sendo estranho "ao pensamento do legislador, violando consequentemente os arts. 155° e ss do CCP, o art. 52° n° 2 do D. L. n° 72-A/2010 de 18/6, o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9° nos 1 e 2 do Código Civil".
Subscreve-se pois o entendimento antes tomado pelo tribunal a quo, nesta matéria, no que respeita ao regime aplicável. E concorda-se igualmente com a aplicação que dele foi feita aos factos apurados.
21. Contudo, na sua petição de recurso, veio a CMM referir um novo facto nas alíneas L) a Q) das conclusões e acima transcritas no nº 3.
Disse, no essencial:
a) "(...) [E]fectivamente existia urgência na abertura do concurso em causa, pois foi entendimento conjunto do Governo e da Associação Nacional de Municípios que se procedesse à "aceIeração" da execução dos projectos incluídos no QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional, o que não pode reconduzir-se à mera prontidão e eficácia administrativa";
b) "Isto porque, existiam concretas situações que impunham a urgência no procedimento em causa, fruto do contrato de financiamento celebrado entre o Município de Mangualde e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, sob pena de não serem aproveitados o financiamento comunitário disponibilizado para este tipo de obra";
c) "Partindo da premissa, que se presume incontestada, de que o não aproveitamento integral desses fundos comunitários redunda em prejuízo para o interesse público, equivalente à não execução da obra ou à sua execução com recurso a fundos da Recorrente, cuja utilização era dispensável por ser substituível por tais fundos comunitários, a adopção de concurso público urgente impôs-se em concreto dado que (...) " (9) nos termos da cláusula terceira do Contrato de Financiamento acima referido, que teve como objecto a concessão de apoio financeiro da operação Requalificação da Avenida Senhora do Castelo, a data de início desta situava-se em 30/06/2010 e o seu terminus em 29/06/2012";
d) "Por seu turno, a cláusula décima n° 1 do mesmo Contrato de Financiamento, dispunha que o mesmo podia ser objecto de alteração por proposta do beneficiário e por motivos devidamente justificados nos seguintes casos:
a) Alteração substancial das condições financeiras, que justifiquem uma interrupção do investimento, uma alteração do calendário da sua realização ou uma modificação das condições de exploração e/ou operação;
b) Alteração da operação que implique modificação do montante dos apoios concedidos;
c) Alteração imprevisível dos pressupostos contratuais."
e) "Só se se verificar um destes pressupostos será possível a alteração do referido contrato de financiamento o que, não se vislumbrando, implicará que o mesmo fique sem efeito";
f) "Por isso, a impossibilidade da outorga de tal contrato de reprogramação gerará inevitavelmente o incumprimento do prazo de execução previsto na cláusula terceira do Contrato de Financiamento, a caducidade do mesmo e a impossibilidade de aproveitamento da comparticipação financeira prevista na cláusula quarta n° 2 daquele mesmo contrato".
22. Vejamos estes factos e outros constantes do processo de primeira instância que não foram contestados. Assim:
a) O contrato de financiamento prevê que a operação termine em 29 de junho de 2012;
b) O início do procedimento ocorreu em 11 de outubro de 2010;
c) O prazo de execução da obra é de 450 dias (15 meses).
Isto é: face a estes marcos temporais a obra deveria ser consignada até final de março de 2011. O procedimento - incluída a celebração do contrato - poderia pois decorrer entre outubro de 2010 (como efetivamente se iniciou) e terminar em março de 2011: seis meses, portanto. Ora, com este horizonte temporal, poderia ter decorrido um procedimento de concurso público, salvaguardando-se melhor os interesses públicos e os princípios e regras da contratação pública.
Face a estes marcos temporais não se vê pois onde está o "caso de urgência" estabelecido como pressuposto pelo CCP para o concurso público urgente.
E relembre-se de novo o que acima, nos nºs 8 a 13, se disse sobre a excecionalidade de adoção deste tipo de procedimento para a formação de contratos de empreitada.
23. Mas poderá ainda argumentar-se: seis meses são poucos para se poder lançar e concluir um concurso público. Dir-se-á que podem surgir incidentes que provoquem maior delonga.
Então, relembre-se: ao contrário do que é afirmado pela petição de recurso, o contrato de financiamento previa a possibilidade de reprogramação temporal. Mecanismo que é aliás inúmeras vezes usado, como muito bem se sabe.
De facto, o nº 1 da cláusula décima do Contrato de Financiamento, dispunha que o mesmo podia ser objeto de alteração, por proposta do beneficiário, e por motivos devidamente justificados, no caso de ocorrer uma alteração do calendário da realização da operação.
24. Subscreve-se pois não só o entendimento adotado pelo tribunal a quo, nesta matéria, no que respeita ao regime aplicável, como a aplicação que dele fez aos factos. E os novos factos em nada enfraquecem as conclusões retiradas.
II.C - O prazo para apresentação de propostas no concurso público urgente
25. No ponto 9 do anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas era de 48 horas, a contar da data e hora do envio do referido anúncio para o Diário da República.
Considerou a decisão recorrida que tal prazo colidiu com o disposto no nº 2 do artigo 57º e o nº1 do artigo 135º do CCP.
26. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento dizendo no essencial que:
a) "O procedimento em causa foi publicitado na plataforma electrónica com todos os elementos exigidos por lei por forma a permitir a elaboraçäo completa e a apresentação de propostas em conformidade com os mesmos, tendo-se apresentado ao concurso 10 concorrentes";
b) "É pois inequívoco que o prazo concedido para o efeito se revelou suficiente para a apresentação de candidaturas, devidamente elaboradas";
c) "Não se diga pois que o prazo para a apresentação das candidaturas é exíguo, uma vez que se trata da execução de trabalhos que são rotineiros do ponto de vista das empreitadas que têm por objecto, como a presente, a requalificação de vias de comunicação, em relação aos quais os potenciais concorrentes têm já preços unitários previamente definidos, resultando o preço das suas propostas como simples resultado da multiplicação desses preços pelo volume dos trabalhos a realizar";
d) E, como não poderia deixar de ser, nenhuma informação foi transmitida aos concorrentes a respeito do procedimento em causa, o que se impõe dizer por muitas vezes ser referenciado, ainda que de forma hipotética e não fundamentada, que noutras situações esse conhecimento prévio existe";
e) Por outro lado, tratou-se da fixação de um prazo concedido a todos os potenciais candidatos que assim ficaram em situação de absoluta igualdade e de oportunidade";
f) Não se vislumbra portanto motivo para se concluir, como se concluiu no Douto Acórdão recorrido, que não ficou garantida a sã e livre concorrência entre todos os potenciais candidatos, já que todos se encontravam em posição de absoluta igualdade para poderem concorrer ao presente concurso";
g) "Não se concorda além disso com o entendimento de que, a fixação de um único prazo para todos os candidatos, possa só por si comprometer os invocados princípios da proporcionalidade e da igualdade, pois que, manifestamente não ocorreu neste caso, o risco destes poderem ter sido violados";
h) "A defendida exiguidade do prazo para a apresentação das propostas não contendeu pois com tais princípios, tanto mais que ficou por demonstrar que, se tal prazo fosse mais dilatado, teriam sido apresentadas outras propostas e muito menos, com preço inferior ao da proposta objecto de adjudicação pela Recorrente, a qual, diga-se, foi até manifestamente inferior ao preço base da empreitada;
i) "A hipotética e incerta apresentação de outra(s) proposta(s) de valor ainda inferior àquela, se o prazo previsto para o efeito fosse superior, não pode sair do domínio da pura especulação e incerteza e não pode só por si ser arvorada em argumento suficiente para levar a concluir que a ilegalidade imputada ao Recorrente (que não se admite pelos motivos supra expostos) possa alterar o respectivo resultado financeiro";
j) O Douto Acórdão recorrido, ao decidir no sentido inverso, violou portanto, também nesta parte, os arts. 155° e ss do CCP, o art. 52° no 2 do D. L. n° 72-A/2010 de 18/6, o art. 62° n° 1 da Lei n° 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9° n° 1 e 2 do Código Cívil.
27. Importa pois decidir se tal prazo é compatível com as exigências do regime jurídico aplicável. Passemo-lo em revista, com brevidade, mas à luz do que acima se disse nos nºs 8 a 13.
Dispõe o artigo 158º do CCP que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, nos concursos urgentes, seja de 24 horas "desde que estas decorram integralmente em dias úteis".
Assim dito, à partida, dir-se-ia que o prazo fixado respeitou aquela determinação legal.
Contudo, sublinhe-se que a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo.
É inquestionável que a lei confere à Administração um poder discricionário na fixação do prazo para apresentação de propostas. Deve reconhecer-se que a lei dá uma margem de decisão ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir qual o prazo adequado.
Tal margem de decisão resulta, aliás, expressamente da lei: dispõe o nº 1 do artigo 65º do CCP que "[o] prazo para apresentação de propostas é estabelecido livremente, com respeito pelos limites mínimos" estabelecidos no código.
Mas aquela margem de decisão está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício do poder discricionário, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a atividade administrativa.
E, como é mais que reafirmado na doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes arbitrários - até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa, devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios que constituem, aliás, a sua dimensão vinculada - o seu exercício está igualmente sujeito a controlo jurisdicional. Mas, sublinhe-se, nesta sua dimensão vinculada.
Assim, a CMM, podia no exercício de um poder discricionário, e respeitados aqueles critérios e princípios, fixar o prazo mais adequado.
E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências que a lei lhe confere.
Que dimensão vinculada deve então ser respeitada pelos órgãos administrativos em matéria de fixação de prazo para apresentação de propostas num concurso público urgente?
28. Sobre esta matéria, deve atender-se ao que dispõe o CCP no nº 2 do seu artigo 63º, aplicável por força do artigo 156º:
"Na fixação do prazo para a apresentação das propostas deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, em especial dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência."
De tal disposição, e de outras diretamente aplicáveis ao caso, resultam orientações de dois tipos:
a) Por um lado, o prazo deve ser o adequado face à dimensão e características da obra a realizar, tratando-se de uma empreitada, para que se obtenham propostas que rigorosamente correspondam às exigências fixadas pelos documentos do procedimento. Trata-se de salvaguardar os interesses públicos e, sobretudo, prevenir sobressaltos na fase de execução. Veja-se muito do que acima se disse nos nºs 8 a 13;
b) Por outro lado, trata-se de assegurar que outros princípios fundamentais da contratação pública sejam observados, nomeadamente os princípios da proporcionalidade, da transparência, da igualdade e da concorrência, também fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (10).
29. Relembre-se de novo que o artigo 135º do CCP exige, em concursos públicos sem publicidade internacional, para formação de contratos de empreitada de obras públicas, a fixação de um prazo de, pelo menos, vinte dias, para apresentação de propostas, e em casos de manifesta simplicidade de, pelo menos, nove dias.
Deve reconhecer-se que tendo o legislador permitido a formação de tais contratos através de concurso público urgente, sem nada ter estabelecido de novo, em matéria de prazo para apresentação de propostas, admitiu que aquelas balizas temporais podiam não ser respeitadas.
Isto é: resulta da lei ser admissível, em princípio, a fixação de um prazo superior às 24 horas mínimas. Contudo, como já se disse, há que atender aos critérios que resultam do nº 2 do artigo 63º e que traduzem a dimensão vinculada do exercício do poder discricionário.
30. Avaliemos então os factos.
31. Como se viu foi estabelecido como prazo as 48 horas, a contar da data e hora do envio do anúncio para o Diário da República.
Estamos perante uma empreitada com valor de 1 380 000,01 euros e com um prazo de execução de 450 dias (15 meses).
A fixação de um prazo de dois dias, para uma obra desta dimensão financeira e com este prazo de execução, respeita os critérios fixados na lei e que acima se destacaram no nº 28?
Considera-se que não.
32. Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que, para a formação de um contrato, com estas características, suportando uma obra com estas dimensões, se estabeleça um prazo de 48 horas para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado programa, a um projecto de execução, lista de todas as espécies de trabalhos e mapa de quantidades, "bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas"?
Relembre-se tudo o que acima se disse nos nºs 8 a 13. Parece ser evidente que, no caso de empreitadas de obras públicas, sobretudo com esta dimensão física e financeira, é completamente desproporcional a fixação de tal prazo.
Sobretudo, parece ser evidente que para uma correta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos, e para prevenção de sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é insuficiente.
Faz sentido perguntar: alguém, gerindo recursos financeiros próprios, admitiria adjudicar e realizar uma obra com aqueles montantes e aqueles prazos de execução, exigindo a apresentação de propostas em dois dias? Não.
Ficaria tranquilo com as propostas que iria receber? Não.
Então, como admitir esses factos na gestão financeira e patrimonial públicas?
Não é admissível.
33. Não colhem pois os argumentos produzidos pela CMM.
É um facto que a fixação daquele prazo permitiu que ao concurso se apresentassem 10 concorrentes. Mas não se pode dizer que "[é] pois inequívoco que o prazo concedido para o efeito se revelou suficiente para a apresentação de candidaturas, devidamente elaboradas".
E, pese embora se possa afirmar " que se trata da execução de trabalhos que são rotineiros do ponto de vista das empreitadas que têm por objecto, como a presente, a requalificação de vias de comunicação, em relação aos quais os potenciais concorrentes têm já preços unitários previamente definidos, resultando o preço das suas propostas como simples resultado da multiplicação desses preços pelo volume dos trabalhos a realizar" é patente que um prazo de 48 horas é manifestamente exíguo numa empreitada com esta dimensão para se dar cumprimento às exigências fixadas no nº 2 do artigo 63º do CCP.
Não se pode contestar que "nenhuma informação foi transmitida aos concorrentes a respeito do procedimento em causa", mas prazos tão curtos permitem lançar suspeições sobre a transparência na gestão pública. Como se disse acima, nos nºs 9 a 13, não estamos perante trabalhos padronizados ou aquisição de bens de consumo corrente.
É verdade que com a "fixação de um prazo concedido a todos os potenciais candidatos" estes "ficaram em situação de absoluta igualdade e de oportunidade". Mas apesar de terem apresentado proposta dez concorrentes, não se pode fazer uma afirmação definitiva de que "ficou garantida a sã e livre concorrência entre todos os potenciais candidatos".
Foram bastantes os concorrentes? É verdade. Mas o julgador não pode ser indiferente ao facto de se viver uma forte crise económica, com grande retração dos investimentos.
Fica pois por demonstrar que "se tal prazo fosse mais dilatado" não "teriam sido apresentadas outras propostas" e "com preço inferior ao da proposta objecto de adjudicação".
E, não se esqueça: resulta da lei que o prazo a fixar deve permitir o respeito pelos princípios fundamentais da contratação pública e igualmente assegurar que os interesses públicos são devidamente protegidos através de propostas bem elaboradas que salvaguardem devidamente uma boa execução da obra. E não se esqueça também que, no concurso público urgente, não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso, não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos e não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas.
34. Teve pois razão o Tribunal recorrido na decisão que tomou nesta matéria.
A CMM violou a dimensão vinculada no exercício do poder discricionário que a lei lhe conferiu para a determinação do prazo de apresentação de propostas, dimensão vinculada expressa no nº 2 do artigo 62º do CCP e ancorada nos princípios que enformam a contratação pública.
O Tribunal recorrido não violou, portanto, os artigos 155° e seguintes do CCP, o artigo 52° nº 2 do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de junho, o artigo 62º nº 1 da Lei nº 3-B/2010 de 28 de abril, nem o artigo 9º nº 1 e 2 do Código Civil.
IV - DECISÃO
35. As violações de lei já identificadas na decisão recorrida e agora confirmadas, enquadram-se no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC, quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro.
36. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes, em plenário da 1ª Secção, em julgar improcedente o recurso e em manter o acórdão recorrido.
37. São devidos emolumentos nos termos da alínea b) do nº1 e do nº 2 do artigo 16º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (11).
Lisboa,13 de setembro de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Carlos Alberto Morais Antunes)
(Helena Ferreira Lopes) Tribunal de Contas
O Procurador-Geral Adjunto,
(Jorge Leal)
_________________________________________
(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril.
(2) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, e 35/2007, de 13 de agosto.
Face a tais violações de lei, a decisão recorrida procedeu à recusa de visto, com base na alínea c) do nº3 do artigo 44º da LOPTC2.
(3) A referência nas conclusões da petição ao "Contrato de Financiamento do Centro Escolar n° 1 de Mangualde" com " a data de início desta operação (...) em 02/12/2009 e o seu terminus em 02/12/2010" é certamente um lapso. No texto da petição refere-se em trecho anterior - este certamente correto - aos "termos da cláusula terceira do Contrato de Financiamento acima referido, que teve como objecto a concessão de apoio financeiro da operação Requalificação da Avenida Senhora do Castelo, a data de início desta situava-se em 30/06/2010 e o seu terminus em 29/06/2012".
(4) Neste trecho do acórdão segue-se de perto a argumentação produzida no acórdão proferido em 5 de julho, no Recurso Ordinário nº 12/2011-R relativo ao processo de fiscalização prévia nº 1700/2010.
(5) Cfr. artigo 378.º do CCP.
(6) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010. Tribunal de Contas
(7) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas.
(8) Diz a recorrente a "única ressalva em relação a esse regime, é a que expressamente consta do n° 3 do art. 52° referido, ao ordenar a aplicação do disposto nos arts. 88° a 91° do CCP aos concursos públicos urgentes que forem adoptados ao abrigo do disposto no n° 2 do mesmo art. 52°".9 Adota-se aqui a redação constante do texto da petição e não o das suas conclusões, pelas razões acima referidas na nota de rodapé nº 3. Tribunal de Contas
(9) Adota-se aqui a redação constante do texto da petição e não o das suas conclusões, pelas razões acima referidas na nota de rodapé nº 3.
(10) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP.
(11) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de abril.