ACÓRDÃO Nº 25 /11 - 13.SET. 2011 - 1ª S/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 18/2011
(Proc. nº 1827/2011)
I - RELATÓRIO
1. A Câmara Municipal de Nelas (doravante designada por Câmara Municipal ou por CMN), notificada do Acórdão nº 29/2011, de 26/4/2011 - 1ª. S/SS, que recusou o visto ao contrato de empreitada que tem por objeto a execução da empreitada "Variante de Nelas - Reparação e Beneficiação", celebrado entre aquele Município e a empresa "Irmãos Almeida Cabral, Lda.", em 27.12.2010, pelo valor de € 444 000,01, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, do mesmo veio interpor recurso.
2. O referido acórdão considerou que, no procedimento de formação do contrato, por concurso público urgente, a fixação de um prazo de dois dias para apresentação de propostas contrariou o disposto no nº 2 do artigo 57º e do nº1 do artigo 135º do CCP (1) e desrespeitou o princípio da proporcionalidade e também os da transparência, da igualdade e da concorrência, consagrados no nº 4 do artigo 1º do mesmo código.
3. Na sua petição de recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida, a CMN requer que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, afirmando essencialmente o seguinte:
a) "O artigo 52.° do Decreto-Lei n.°72-A/2010, de 18 de Junho, sob a epígrafe "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços", determina procedimentos específicos que podem ser adoptados durante o ano económico de 2010";
b) "Assim, o n.º 2 do artigo 52.º alarga o âmbito de aplicação do procedimento do concurso público urgente aos contratos de empreitada determinando que,
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários ;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.° do CCP e
c) O critério da adjudicação seja o do mais baixo preço." (sublinhado nosso)";
c) "Do artigo 52.º, nº. 3 consta como única excepção à aplicação das disposições relativas do concurso público urgente aos contratos de empreitada, a disposição relativa à prestação da caução, remetendo essa regulamentação para os artigos 88.º a 91.º do CCP";
d) "Ora, apenas se excepcionando a matéria da prestação da caução (...) entendemos que foi intenção do legislador permitir a aplicação da matéria relativa ao prazo para apresentação das propostas, patente no artigo 158.° do CCP" e "[s]e assim não fosse, teria criado um regime de excepção, tal como aconteceu com o regime da caução";
e) "É certo que o artigo 135.°. n° 1 do CCP, no âmbito dos contratos de empreitada, estabelece como prazo mínimo para a apresentação das propostas vinte dias" e "[t]ambém é claro que o artigo l35.°, n.°2 do CCP permite que, em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, o prazo mínimo para apresentação das propostas seja reduzido para 9 dias";
f) "No entanto, o procedimento em causa ocorreu ao abrigo do artigo 52.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho";
g) "Apesar de não ser um diploma que regula especificamente matérias respeitantes à contratação pública (...) [e]ste diploma estabelece urna excepção, para o ano económico de 2010 relativamente à possibilidade de adopção do procedimento público urgente na celebração de contratos de empreitada";
h) "Provavelmente para possibilitar às entidades públicas o acesso aos fundos comunitários. Fundos estes essenciais para a execução de obras públicas. Atendendo à urgência deste procedimento, pois o prazo para candidatura desta obra ao QREN terminava em 29/12/2010, o Município adoptou o concurso público urgente. Apenas e só para assegurar a candidatura da obra ao QREN";
i) "De acordo com o (...) acórdão recorrido, "um prazo de quarenta e oito horas [previsto, mas não imposto. pelo artigo 158 ° do CCP], sendo aceitável no âmbito da apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente insuficiente no âmbito da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitada" pois "nos termos do artigo 135.°, n.º1 do CCP, (...) apenas se admite um prazo mínimo de 9 dias para apresentação das propostas cm caso de manifesta simplicidade dos trabalhos";
j) "Segundo esse Tribunal, "este juízo encontra conforto no teor no Decreto-Lei n.°29-A/2011, de 1 de Março", onde se estabelece no artigo 35,°. n.°6 que o prazo mínimo para apresentação das propostas neste tipo de procedimento é de 15 dias";
k) "Este diploma regulamenta a execução orçamental para 2011. Ora, o Município de Nelas, à data da abertura do procedimento, não podia saber que alguns meses depois surgiria um diploma que consagraria os 15 dias como prazo mínimo para apresentação das propostas neste tipo de procedimento. Portanto, consideramos que, apenas a partir de 1 de Janeiro de 2011 este prazo se tornou regra";
l) "Mesmo com a adopção do procedimento do concurso púb1ico urgente para a celebração do contrato de empreitada da "Variante de Nelas Reparação e Beneficiação", com um prazo para apresentação das propostas de 48 horas, foram oito os concorrentes a este procedimento";
m) "Ora, se este prazo fosse manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, certamente não teriam apresentado propostas oito concorrentes";
n) "Apenas a título de exemplo: (...) este município procedeu à abertura de um concurso público, (...) relativo à "Ligação da Rotunda das Eiras à E.N.234. em Nelas". A este procedimento concorreram 12 empresas e o prazo para apresentação das propostas foi de cerca de 30 dias";
o) "Assim, consideramos que o princípio da concorrência e igualdade não foi, de todo, colocado em causa";
p) "(...) no caso concreto, a Variante de Nelas constitui um troço essencial para todos aqueles que circulam nesta Vila. (...) Esta estrutura rodoviária destina-se ao desvio do tráfego médio diário (TMD), de mais de 680 automóveis ligeiros e 800 veículos pesados, da Escola EB 2,3 Dr. Fortunato de Almeida, uma vez que o actual troço é susceptível de gerar situações de insegurança para os alunos, professores e demais utilizadores. (...) Esta é condição mais que necessária para que o município adoptasse o procedimento pré contratual do concurso público urgente";
q) "(...) Acresce ainda que de acordo com dados publicados no ano de 2010, o papel do investimento de iniciativa municipal é absolutamente central para o crescimento das taxas de execução do QREN e para a recuperação da economia";
r) "Ainda subjacente ao princípio do interesse público patente no artigo 4.° do CPA, está o facto da recusa do visto por esse Tribunal acarretar avultados prejuízos, designadamente e principalmente, com o agravamento do custo da obra";
s) "(...) Ora, encontrando-se o país numa situação económica e financeira tão débil, não será proporcional o objectivo a alcançar com a recusa do visto e a situação em que este Município ficará e que irá prejudicar gravemente todos os munícipes".
4. O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, em bem fundamentado parecer.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II - FUNDAMENTAÇÃO
6. No recurso interposto não foi impugnada a matéria de facto elencada na decisão recorrida. Dá-se pois por assente tal matéria.
7. Estabelecida a matéria de facto, passe-se às questões de direito.
No presente recurso, face à decisão recorrida e à petição apresentada uma única questão se impõe abordar: a de saber se o prazo fixado para apresentação de propostas está conforme com regime jurídico aplicável.
Em alguns trechos da petição parece dar a entender-se que a decisão recorrida considerou que não se verificavam os pressupostos fixados no Decreto-Lei nº 72- A/2010, de 18 de junho, ou que não se estava perante um caso de urgência, tal como se prevê no artigo 155º do CCP. Contudo, efetivamente, a existência, no caso concreto, desses pressupostos não foi posta em causa na decisão recorrida.
Assim, resta uma questão que fundamentou a decisão de recusa de visto e que tanto a petição da recorrente, como o parecer do Ministério Público enfrentam: a da conformidade legal do referido prazo para apresentação de propostas.
Para bem equacionar tal questão, convém relembrar alguns aspetos do regime do concurso público urgente para bem se avaliar o que verdadeiramente está em causa.
II.A. Da modalidade de concurso público urgente (2)
8. O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspetos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objetivos de seleção e a fundamentação da escolha.
9. Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a Administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.
Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:
a) O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
b) O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, para a formação de contratos de empreitada, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
c) Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
d) Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
e) Não se preveem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
f) Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
g) Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
h) Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
i) Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
j) O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
k) Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
l) Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
m) O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.
10. Como facilmente se conclui, esta marcha do procedimento envolve riscos acrescidos para a Administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, podendo o prazo para apresentação de propostas ser reduzido e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou retificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projetos) mais elaborados, não é possível à entidade pública coresponsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (3), recaindo todos os custos de correções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Em suma, a Administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter retificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objetivo de garantir efetivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excecional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efetiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excecional.
E, a ser-se utilizado, deverá rodear-se de prudência e das maiores cautelas.
11. Mas mais.
Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adoção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.
12. Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projetos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
13. Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (4), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adotar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (5).
Ou seja, previu-se que, excecionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excecional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adotado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excecionalidade impõe que se use do maior rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
A prudência e as cautelas a tomar nos concursos públicos urgentes devem pois aumentar no caso de formação de contratos de empreitada.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excecional que carece de ser devidamente justificado e exigem que quaisquer poderes discricionários da administração sejam exercidos com rigorosa observância dos princípios gerais da atuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.
II.B - O prazo para apresentação de propostas no concurso público urgente
14. No ponto 9 do anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas decorreria até às 23:59 horas do 2.º dia, a contar da data de envio do anúncio para o Diário da República.
Considerou a decisão recorrida que tal prazo colidiu com o disposto no nº 2 do artigo 57º e o nº1 do artigo 135º do CCP.
15. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento nos termos em que se repetiu acima no nº 3.
16. Importa pois decidir se tal prazo é compatível com as exigências do regime jurídico aplicável. Passemo-lo em revista, com brevidade, mas à luz do que acima se disse nos nºs 8 a 13.
Dispõe o artigo 158º do CCP que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, nos concursos urgentes, seja de 24 horas "desde que estas decorram integralmente em dias úteis".
Assim dito, à partida, dir-se-ia que o prazo fixado respeitou aquela determinação legal.
Contudo, sublinhe-se que a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo.
É inquestionável que a lei confere à Administração um poder discricionário na fixação do prazo para apresentação de propostas. Deve reconhecer-se que a lei dá uma margem de decisão ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir qual o prazo adequado.
Tal margem de decisão resulta, aliás, expressamente da lei: dispõe o nº 1 do artigo 65º do CCP que "[o] prazo para apresentação de propostas é estabelecido livremente, com respeito pelos limites mínimos" estabelecidos no código.
Mas aquela margem de decisão está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício do poder discricionário, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a atividade administrativa.
E, como é mais que reafirmado na doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes arbitrários - até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa, devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios que constituem, aliás, a sua dimensão vinculada - o seu exercício está igualmente sujeito a controlo jurisdicional. Mas, sublinhe-se, nesta sua dimensão vinculada.
Assim, a CMN, podia no exercício de um poder discricionário, e respeitados aqueles critérios e princípios, fixar o prazo mais adequado.
E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências que a lei lhe confere.
Que dimensão vinculada deve então ser respeitada pelos órgãos administrativos em matéria de fixação de prazo para apresentação de propostas num concurso público urgente?
17. Sobre esta matéria, deve atender-se ao que dispõe o CCP no nº 2 do seu artigo 63º, aplicável por força do artigo 156º:
"Na fixação do prazo para a apresentação das propostas deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, em especial dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência."
De tal disposição, e de outras diretamente aplicáveis ao caso, resultam orientações de dois tipos:
a) Por um lado, o prazo deve ser o adequado face à dimensão e características da obra a realizar, tratando-se de uma empreitada, para que se obtenham propostas que rigorosamente correspondam às exigências fixadas pelos documentos do procedimento. Trata-se de salvaguardar os interesses públicos e, sobretudo, prevenir sobressaltos na fase de execução. Veja-se muito do que acima se disse nos nºs 8 a 13;
b) Por outro lado, trata-se de assegurar que outros princípios fundamentais da contratação pública sejam observados, nomeadamente os princípios da proporcionalidade, da transparência, da igualdade e da concorrência, também fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (6).
18. Relembre-se de novo que o artigo 135º do CCP exige, em concursos públicos sem publicidade internacional, para formação de contratos de empreitada de obras públicas, a fixação de um prazo de, pelo menos, vinte dias, para apresentação de propostas, e em casos de manifesta simplicidade de, pelo menos, nove dias.
Deve reconhecer-se que tendo o legislador permitido a formação de tais contratos através de concurso público urgente, sem nada ter estabelecido de novo, em matéria de prazo para apresentação de propostas, admitiu que aquelas balizas temporais podiam não ser respeitadas.
Isto é: resulta da lei ser admissível, em princípio, a fixação de um prazo superior às 24 horas mínimas. Contudo, como já se disse, há que atender aos critérios que resultam do nº 2 do artigo 63º e que traduzem uma das dimensões vinculadas do exercício do poder discricionário.
19. Avaliemos então os factos.
Como se viu foi estabelecido como prazo dois dias, a contar da data de envio do anúncio para o Diário da República.
Estamos perante uma empreitada com valor de 444 000,01, euros e com um prazo de execução de 270 dias (nove meses).
A fixação de um prazo de dois dias, para uma obra desta dimensão financeira e com este prazo de execução, respeita os critérios fixados na lei e que acima se destacaram no nº 17?
Considera-se que não.
20. Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que, para a formação de um contrato, com estas características, suportando uma obra com estas dimensões, se estabeleça um prazo de 48 horas para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado programa, a um projecto de execução, lista de todas as espécies de trabalhos e mapa de quantidades, "bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas"?
Relembre-se tudo o que acima se disse nos nºs 8 a 13. Parece ser evidente que, no caso de empreitadas de obras públicas, sobretudo com esta dimensão física e financeira, é completamente desproporcional a fixação de tal prazo.
Sobretudo, parece ser evidente que para uma correta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos, e para prevenção de sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é insuficiente.
Faz sentido perguntar: alguém, gerindo recursos financeiros próprios, admitiria adjudicar e realizar uma obra com aqueles montantes e aqueles prazos de execução, exigindo a apresentação de propostas em dois dias? Não.
Ficaria tranquilo com as propostas que iria receber? Não.
Então, como admitir esses factos na gestão financeira e patrimonial públicas?
Não é admissível.
21. Não colhem pois os argumentos produzidos pela CMN.
É um facto que a fixação daquele prazo permitiu que ao concurso se apresentassem 8 concorrentes. Mas o julgador não pode ser indiferente ao facto de se viver uma forte crise económica, com grande retração dos investimentos, fazendo com que os operadores económicos acorram ao maior número possível de procedimentos que, aliás, os mecanismos da contratação eletrónica facilitam. Mas, como é bem de ver, é irrelevante comparar com outros procedimentos concursais ocorridos no passado e noutras circunstâncias. Um prazo maior certamente criaria condições a uma concorrência mais alargada.
É verdade que "foi intenção do legislador permitir a aplicação da matéria relativa ao prazo para apresentação das propostas, patente no artigo 158.° do CCP" e "[s]e assim não fosse, teria criado um regime de excepção, tal como aconteceu com o regime da caução". Contudo, o CCP consagra um prazo mínimo que deve ser estabelecido, em concreto, tendo em conta o contrato a celebrar, segundo o princípio da proporcionalidade. E atendendo que se trata, como se disse, de um poder discricionário, este deve ser exercido com respeito pelas dimensões vinculadas estabelecidas pela lei.
É verdade que "o artigo 135.°. n° 1 do CCP, no âmbito dos contratos de empreitada, estabelece como prazo mínimo para a apresentação das propostas vinte dias" e "[t]ambém é claro que o artigo l35.°, n.°2 do CCP permite que, em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, o prazo mínimo para apresentação das propostas seja reduzido para 9 dias" e que "[n]o entanto, o procedimento em causa ocorreu ao abrigo do artigo 52.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho". Contudo, pese embora aquelas disposições legais não se aplicarem ao procedimento sub judicio, é verdade que constituem parâmetros interpretativos para uma adequada e proporcional fixação do prazo de apresentação de propostas, no exercício de um poder discricionário.
É verdade que "no Decreto-Lei n.°29-A/2011, de 1 de Março (...) se estabelece no artigo 35,°. n.° 6 que o prazo mínimo para apresentação das propostas neste tipo de procedimento é de 15 dias" e que "o Município de Nelas, à data da abertura do procedimento, não podia saber que alguns meses depois surgiria um diploma que consagraria os 15 dias como prazo mínimo para apresentação das propostas neste tipo de procedimento". Contudo, tal argumento só surge na decisão recorrida como confirmação do correto entendimento adotado pelo Tribunal a quo.
Não está em causa o "papel do investimento de iniciativa municipal", "para o crescimento das taxas de execução do QREN e para a recuperação da economia". Mas sejam quais forem as finalidades e os interesses públicos em causa, e que não se contestaram, nem contestam, não se pode ignorar o primado da lei.
E é o primado da lei num Estado de Direito que torna absolutamente irrelevantes considerações como "o facto da recusa do visto por esse Tribunal acarretar avultados prejuízos, designadamente e principalmente, com o agravamento do custo da obra" e de que " não será proporcional o objectivo a alcançar com a recusa do visto e a situação em que este Município ficará e que irá prejudicar gravemente todos os munícipes".
A observância da lei é um valor intocável. Todos os demais valores, que se podem suscitar na ação administrativa corrente, estão lhe subordinados.
E, não se esqueça: resulta da lei que o prazo a fixar deve permitir o respeito pelos princípios fundamentais da contratação pública e igualmente assegurar que os interesses públicos são devidamente protegidos através de propostas bem elaboradas que salvaguardem devidamente uma boa execução da obra. E não se esqueça também que, no concurso público urgente, não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso, não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos e não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas.
22. Teve pois razão o Tribunal recorrido na decisão que tomou nesta matéria.
A CMN violou a dimensão vinculada no exercício do poder discricionário que a lei lhe conferiu para a determinação do prazo de apresentação de propostas, dimensão vinculada expressa no nº 2 do artigo 62º do CCP e ancorada nos princípios que enformam a contratação pública.
III - DECISÃO
23. A violação de lei referida, já identificada na decisão recorrida e agora confirmada, enquadra-se no disposto na alínea c) do nº 3 do mesmo artigo 44º da LOPTC (7), quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro.
24. Por isso, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes, em plenário da 1ª Secção, em julgar improcedente o recurso e em manter o acórdão recorrido.
25. São devidos emolumentos nos termos da alínea b) do nº1 e do nº 2 do artigo 16º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (8).
Lisboa, 13 de setembro de 2011
Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Carlos Alberto Morais Antunes)
(Helena Ferreira Lopes)
O Procurador-Geral Adjunto,
(Jorge Leal)
(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril.
(2) Neste trecho do acórdão segue-se de perto a argumentação produzida no acórdão proferido em 5 de julho, no Recurso Ordinário nº 12/2011-R relativo ao processo de fiscalização prévia nº 1700/2010.
(3) Cfr. artigo 378.º do CCP.
(4) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010.
(5) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas.
(6) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP.
(7) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, e 3-B/2010, de 28 de abril.
(8) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de abril.