Acórdão n.º 24/2011, de 13 de Setembro de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1766/2011)

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ACÓRDÃO Nº 24 /11 - 13.SET. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 7/2011

(Proc. nº 1766/2011)

I - RELATÓRIO

1. A Câmara Municipal de Fafe (doravante designada por Câmara Municipal ou por CMF), notificada do Acórdão nº 6/2011, de 18/2/2011 - 1ª. S/SS, que recusou o visto ao contrato de empreitada, celebrado em 24 de outubro de 2010, com a empresa "SINOP - António Moreira dos Santos, S.A.", pelo valor de € 725 075,37, acrescido de IVA à taxa legal aplicável, tendo por objeto a "Requalificação da Avenida das Forças Armadas e Rua de Itália", naquele concelho, do mesmo veio interpor recurso.

2. O referido acórdão considerou que, no processo de formação do contrato, ocorreu a violação das seguintes disposições legais e princípios:
a) Do artigo 155º do CCP (1), na medida em que não se verificou o pressuposto de "caso de urgência" que permitisse a adoção do procedimento de concurso público urgente;
b) Do nº 2 do artigo 57º e do nº1 do artigo 135º do CCP, na medida em que na fixação do prazo para apresentação de propostas não se atendeu adequadamente ao facto de se tratar da formação de um contrato de empreitada de obra pública;
c) Do nº 1 do artigo 94º e da alínea b) do nº 2 do artigo 95º também do CCP, porque não se procedeu à elaboração de contrato escrito;
d) Do princípio da proporcionalidade e também dos da transparência, da igualdade e da concorrência, consagrados no nº 4 do artigo 1º do CCP.
Face a tais violações de lei, a decisão recorrida procedeu à recusa de visto, com base na alínea c) do nº3 do artigo 44º da LOPTC (2).

3. Na sua petição de recurso que aqui se dá por integralmente reproduzida, a CMF, afirma nomeadamente:
" (...)
6 - A obra localiza-se no centro da Cidade e o atraso no arranque da sua execução iria ter implicações na sua conclusão já que as pavimentações iriam colidir com o período de Inverno, não aconselhável a trabalhos dessa natureza, para além de outros inconvenientes inerentes às festas da cidade que contendem com a mesma via.
(...)
10 - O legislador permitiu (...) que se recorresse à modalidade de concurso público urgente, DESDE QUE, fossem reunidos, cumulativamente, os três pressupostos" referidos no nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho.
"11 - Não decorre do elemento literal da norma, a exigência de qualquer outro requisito, ressalvando apenas o cumprimento do disposto nos artigos 88º a 91° do CCP, no referente à exigência da caução.(Cfr. n° 3 do art. 52° do DL 72-A/ 2010, de 18/06.)
(...)
13 - O legislador ordinário não entendeu que houvesse necessidade de clarificar tal matéria. É do seu conhecimento que várias Autarquias, recorreram a tal procedimento, cumprindo única e exclusivamente com o preenchimento dos requisitos legalmente previstos no nº 2 do artigo 52° do Decreto-Lei n° 72°-A/2010.
14 - Pelo que, não se concebe, desta forma, que através da via interpretativa, esse Douto Tribunal exija qualquer outra condição para além das legalmente estipuladas.
15 - No caso em apreço, e conforme, facilmente, resulta do processo administrativo, remetido para fiscalização prévia desse Douto Tribunal, tais requisitos, legalmente exigíveis, mostram-se devidamente preenchidos.
16 - Relativamente à exiguidade do prazo concedido para apresentação das propostas (48 horas) colidir com o disposto nos artigos 57°, n° 2 e 135°, n° 1 do CCP, permitimo-nos discordar de tal interpretação, por inexistência de suporte legal.
17 - Com efeito, é o legislador do DL 72-A/2010, de 18/06, que expressamente remete para aplicação das normas constantes dos artigos 155º e seguintes do CCP, na celebração das empreitadas. E,
18 - Da analise do artigo 158º do CCP, inserto na Secção VII do Capitulo II, sob a epigrafe "prazo mínimo para a apresentação das propostas", resulta que o prazo mínimo para o efeito é de 24 horas, ressalvando apenas que estas (horas) decorram integralmente em dias úteis.
19 - Ora, no caso concreto, tal exigência mostra-se superada, através da concessão de um prazo superior ao legalmente estipulado.
20 - Também, não pode este Município concordar com o entendimento que a não redução do contrato escrito infringe os artigos 1º n° 4, 94° e 95°, nº 2 alínea b) todos do CCP, porquanto, e mais uma vez, tal possibilidade se encontra plasmada no n° 2 do art. 95° do CCP.
21 - Por último, não considera este Município ter violado qualquer dos princípios plasmados no retrocedido n° 4 do artigo 1° do CCP, designadamente o principio da concorrência, já que e conforme consta da proposta de Adjudicação, remetida a esse Douto Tribunal, apresentaram-se a concurso 10 empresas, média esta idêntica aos procedimentos normais dos concursos públicos levados a efeito por este Município.
22 - As empresas concorrentes também não demonstraram quaisquer dúvidas relativamente ao projecto a concurso, bem como às restantes peças concursais.
23 - Embora à partida o projecto aparentemente possa revelar alguma complexidade, a verdade é que a natureza dos trabalhos é simples, não suscitando dúvidas quanto à forma da sua execução, sendo trabalhos normais neste tipo de empreitadas, cujas empresas, face à sua experiência, encaram com normalidade.
24 - Pelos motivos apontados, no nosso entender, não há qualquer perigo susceptível de determinar a alteração do resultado financeiro do contrato".

4. E a CMF requer que se dê provimento ao recurso e revogue a decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
"1. Não há qualquer violação do disposto no CCP em vigor, face ao cumprimento por parte do Município dos artigos 88° a 91°, 95°, n° 2, alínea b), 155° e 158°, todos do CCP;
2. O Município, no caso em apreço, deu cumprimento ao disposto no Decreto-Lei 72-A/2010, preenchendo todos os requisitos exigidos para tal procedimento;
3. Não houve qualquer violação dos princípios da transparência, igualdade e, designadamente o da concorrência, sinal disso é o número de empresas que se apresentaram a concurso.
4. Por último, face ao cumprimento de todos os requisitos legalmente exigíveis, entendemos não haver qualquer ilegalidade que possa pôr em causa o resultado financeiro da adjudicação".
5. O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, em bem fundamentado parecer.
6. Foram colhidos os vistos legais.  

II - FUNDAMENTAÇÃO

7. No recurso interposto não foi impugnada a matéria de facto elencada na decisão recorrida. Dá-se pois por assente tal matéria então elencada.
Contudo, há que ter em conta um novo facto produzido pela recorrente no nº 6 da sua petição e acima transcrito no nº 3 e que se prende com razões por que considera estar verificado o pressuposto de urgência estabelecido pelo CCP para o recurso à figura de concurso público urgente.

8. Estabelecida a matéria de facto, passe-se às questões de direito.
No presente recurso, face à decisão recorrida, à petição apresentada e à posição do Ministério Público, três questões se impõe abordar:
a) A de saber se se verifica o pressuposto de urgência estabelecido pelo artigo 155º do CCP para a formação de contratos mediante concurso público urgente;
b) A de saber se o prazo fixado para apresentação de propostas está conforme com regime jurídico aplicável;
c) A de saber se a dispensa de contrato escrito no caso concreto está conforme ao direito.

Teremos de ver cada uma dessas questões.

Contudo, convém relembrar alguns aspetos do regime do concurso público urgente para bem se avaliar o que verdadeiramente está em causa.

II.A. Da modalidade de concurso público urgente (3)

9. O concurso público urgente encontra-se regulado nos artigos 155.º a 161.º do CCP, regendo-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos referidos ou que com eles não seja incompatível.
Um dos aspetos comuns às duas modalidades é o de qualquer interessado em contratar poder apresentar a sua proposta, o que significa que a figura do concurso público urgente está, tal como a do concurso público, integralmente sujeita aos princípios da concorrência, transparência e igualdade (cfr. artigo 1.º, n.º 4, do CCP). Isto implica, designadamente, a publicidade da oferta de contratar, a utilização de critérios objetivos de seleção e a fundamentação da escolha.

10. Só que, com base na necessidade de fazer face a uma situação de urgência, o legislador previu, para essa eventualidade, a possibilidade de a Administração utilizar um procedimento acelerado de concurso público.
Esta aceleração faz-se, essencialmente, à custa do seguinte:
a) O concurso é publicitado no Diário da República através de anúncio, do qual constam desde logo o programa do concurso e o caderno de encargos;
b) O prazo mínimo para a apresentação de propostas pode ser reduzido até 24 horas, sendo que, para a formação de contratos de empreitada, em circunstâncias normais esse prazo não poderia nunca ser inferior a 9 dias ou, em caso de obras não manifestamente simples, a 20 dias;
c) Não são admitidos pedidos de esclarecimentos para a boa compreensão e interpretação das peças do concurso;
d) Não há lugar à identificação de eventuais erros ou omissões do caderno de encargos;
e) Não se preveem prorrogações do prazo para apresentação de candidaturas;
f) Os concorrentes são obrigados a manter as suas propostas por apenas 10 dias, sem qualquer prorrogação;
g) Os concorrentes não podem consultar as outras propostas apresentadas;
h) Não há lugar à constituição de um júri para conduzir o procedimento;
i) Não é possível pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas;
j) O critério de adjudicação só pode ser o do mais baixo preço;
k) Não são elaborados relatórios de análise das propostas;
l) Não há lugar a audiência prévia antes de proferida a decisão de adjudicação;
m) O adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação exigidos no prazo máximo de 2 dias a partir da notificação da adjudicação.

11. Como facilmente se conclui, esta marcha do procedimento envolve riscos acrescidos para a Administração e diminuição significativa de garantias para os concorrentes, relativamente àquilo que é normalmente assegurado num concurso público.
Por um lado, sendo o prazo para apresentação de propostas diminuto e não havendo possibilidade de obter esclarecimentos ou retificações aos cadernos de encargos, verifica-se o risco de os concorrentes se defenderem de eventuais incertezas através de empolamentos de preço ou, ao invés, através de fortes expectativas relativamente a correções por trabalhos a mais. Em ambos os casos, as propostas poderão ser pouco ajustadas à realidade.
Acresce que a administração não poderá pedir quaisquer esclarecimentos sobre as propostas e que, se estiverem em causa documentos concursais (cadernos de encargos, projetos) mais elaborados, não é possível à entidade pública coresponsabilizar o adjudicatário pela identificação de eventuais erros (4), recaindo todos os custos de correções futuras sobre a administração.
Sendo a tramitação do concurso muito rápida (a adjudicação terá de ser feita em 10 dias, já que é esse o prazo máximo de manutenção das propostas), a entidade adjudicante não dispõe de tempo para uma cuidada análise das propostas, que, designadamente, as avalie face ao que é exigido pelo caderno de encargos e face ao que é admissível em termos de programação dos trabalhos.
Em suma, a Administração enfrenta a possibilidade de, nestas condições, obter más propostas e maus contratos e uma maior vulnerabilidade face ao incumprimento contratual e à probabilidade de enfrentar custos acrescidos com correções futuras.
Por outro lado, os concorrentes podem dispor de muito pouco tempo para preparar as suas propostas, não podem esclarecer dúvidas nem obter retificações das peças do concurso, não podem consultar as outras propostas nem prestar esclarecimentos sobre a sua, não têm acesso a relatórios de análise das propostas nem direito a ser ouvidos antes de proferida a decisão.
Por último, a não designação de um júri para conduzir o procedimento diminui as condições de colegialidade, imparcialidade e contraditório.
Estas circunstâncias significam que se prescinde no concurso público urgente de um conjunto de mecanismos que o legislador contemplou no âmbito do concurso público com o objetivo de garantir efetivas condições de concorrência, transparência, igualdade e imparcialidade bem como a adequada satisfação das necessidades públicas. O concurso público urgente é, pois, uma modalidade que envolve uma significativa diminuição dessas garantias e do respeito pelos princípios aplicáveis.
Nessa medida, o recurso ao concurso público urgente é indubitavelmente um mecanismo de natureza excecional, que sacrifica interesses normalmente acautelados num procedimento ordinário de concurso público, e que, por isso, só deve ser utilizado em função de uma efetiva urgência que se sobreponha àqueles interesses e que, dessa forma, justifique a utilização dessa modalidade excecional.

12. Mas mais.

Porque se trata de uma modalidade de concurso com os inconvenientes acima assinalados, o legislador rodeou a possibilidade da sua utilização de um conjunto de constrangimentos.
Desde logo, o artigo 155.º do CCP apenas previu a possibilidade da sua utilização para contratos de locação, de aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços de uso corrente, assim afastando, por regra, a adoção dessa modalidade em casos de serviços de uso não corrente e de empreitadas de obras públicas.
Assim se compreende a obrigatoriedade de inclusão do programa de concurso e do caderno de encargos no anúncio do concurso, a não previsão dos mecanismos de esclarecimento e identificação de erros ou omissões do caderno de encargos e a possibilidade de fixação de um prazo tão curto para apresentação de propostas. Porque nas locações, na compra de bens móveis e nas aquisições de natureza corrente, os cadernos de encargos são normalmente simples, relativos a bens padronizados, e as propostas limitam-se, com frequência, a indicar o preço comercial do produto identificado.

13. Não é assim nos serviços não padronizados nem nas empreitadas de obras públicas.
Estas áreas envolvem uma reflexão mais aprofundada sobre as necessidades da entidade pública, uma análise dos requisitos pretendidos e dos projetos, um eventual confronto com os locais e condições físicas em que as obras deverão ter lugar e a formação de preços ajustados às circunstâncias específicas de cada caso.
Esse ajustamento exige tempo para a formulação de propostas sérias, incluindo a possibilidade de esclarecer dúvidas e identificar imprecisões e, certamente, por isso, não se admitiu aí a utilização da figura do concurso público urgente.
Sucede, no entanto, que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho (5), veio permitir que, durante o ano de 2010, e em determinadas circunstâncias, se pudesse adotar o procedimento de concurso público urgente para a celebração de contratos de empreitada, o que foi também repetido, para 2011, no Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março (6).
Ou seja, previu-se que, excecionalmente, se utilizasse em empreitadas de obras públicas um mecanismo já de si excecional, o qual não foi justificadamente concebido para ser adotado nesse âmbito.
Ora, essa dupla excecionalidade impõe que se use de rigor e ponderação na identificação das situações em que é possível recorrer a esta modalidade de concurso bem como na aplicação das correspondentes regras.
Este rigor e ponderação devem, pois, ter em conta que estamos perante um mecanismo excecional que carece de ser devidamente justificado e devem ter presente que quaisquer poderes discricionários da administração estão limitados pela observância dos princípios gerais da atuação administrativa, de que se destaca o princípio da proporcionalidade.

II.B - A formação do contrato de empreitada mediante concurso público urgente

14. Ora, é à luz do que se disse anteriormente que deve ser visto o presente contrato e o seu processo de formação.
Estabeleceu o nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho:
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço."

15. Como se viu, nos artigos 155.º e seguintes do CCP, estabelece-se um procedimento de concurso público urgente para se proceder à celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente.
Entendeu o legislador alargar a possibilidade de se recorrer ao mesmo procedimento, para a celebração de contratos de empreitada, durante a vigência do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, desde que se verificassem os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do seu artigo 52º, agora transcrito.

16. Concluiu a decisão recorrida que os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do citado e transcrito artigo 52º se encontravam verificados e, portanto, tal matéria não é controvertida.

17. Verificados os pressupostos deste artigo 52º, considerou a decisão recorrida que se deveria apurar se se estava perante um caso de urgência.
Face à matéria de facto, entendeu o acórdão recorrido que tal pressuposto não estava verificado, e tal entendimento constituiu um dos fundamentos para a recusa do visto.

18. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento dizendo no essencial que:
a) "O legislador permitiu (...) que se recorresse à modalidade de concurso público urgente, DESDE QUE, fossem reunidos, cumulativamente, os três pressupostos" referidos no nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho";
b) "Não decorre do elemento literal da norma, a exigência de qualquer outro requisito, ressalvando apenas o cumprimento do disposto nos artigos 88º a 91° do CCP, no referente à exigência da caução";
c) "O legislador ordinário não entendeu que houvesse necessidade de clarificar tal matéria. É do seu conhecimento que várias Autarquias, recorreram a tal procedimento, cumprindo única e exclusivamente com o preenchimento dos requisitos legalmente previstos no nº 2 do artigo 52° do Decreto-Lei n° 72°-A/2010";
d) "Pelo que, não se concebe, desta forma, que através da via interpretativa, esse Douto Tribunal exija qualquer outra condição para além das legalmente estipuladas";
e) "No caso em apreço, e conforme, facilmente, resulta do processo administrativo, remetido para fiscalização prévia desse Douto Tribunal, tais requisitos, legalmente exigíveis, mostram-se devidamente preenchidos".

19. Não tem razão a recorrente. Efetivamente, a verificação dos pressupostos fixados no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, não constitui por si só fundamento suficiente para a adoção do procedimento de concurso público urgente para a formação de contratos de empreitada. Deve entender-se que foi intenção do legislador que, verificados aqueles pressupostos, e havendo urgência, podiam as entidades adjudicantes fazer uso daquele tipo de procedimento em empreitadas.

Efetivamente o artigo 155º do CCP prevê que "[e]m caso de urgência pode adoptar-se o procedimento de concurso público" urgente.

Isto é: não basta que se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários, que o valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP, e que o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço, para se poder adotar um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada.
O legislador referiu no Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, que se pode adotar "o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP)". Ora, este tipo de procedimento tem como pressuposto que se esteja "[e]m caso de urgência".
Subscreve-se pois o entendimento então tomado pelo tribunal a quo, nesta matéria, no que respeita ao regime aplicável.
E, face ao que acima se referiu nos nºs 9 a 13, só pode ter-se tal entendimento.

20. A matéria de facto apurada quanto a esta questão milita a favor da conclusão de não estar demonstrada uma situação de urgência. No essencial relembre-se:
a) O protocolo de financiamento estava outorgado desde 29 de dezembro de 2009;
b) A obra deveria estar física e financeiramente executada em 31 de dezembro de 2011;
c) O prazo de execução da obra é de 8 meses.

Estes marcos temporais revelam que poderia ter sido lançado perfeitamente concurso público não urgente. Bastava ter havido maior rapidez nas diligências necessárias ao lançamento do procedimento, designadamente na elaboração do projeto.
No entanto, pese embora a data de conclusão prevista para esta concreta obra, na documentação relativa ao financiamento comunitário, seja 31 de dezembro de 2011, não foi demonstrado que não pudesse ocorrer reprogramação temporal, tanto mais que o referido protocolo de financiamento assinado em 29 de dezembro de 2009 previa na sua cláusula nona um "horizonte temporal de 3 (três anos" a contar desta data e, na cláusula décima, previa-se que "o presente protocolo pode ser alterado caso haja necessidade de introduzir (...) modificações de carácter financeiro, temporal (...)".
Assim, a data de 31 de dezembro de 2011 que foi adiantada como um fundamento de urgência perde relevância.

21. Contudo, na sua petição de recurso, veio a CMF referir um novo facto no nº 6 da sua petição e acima transcrito no nº 3.
Disse:
"A obra localiza-se no centro da Cidade e o atraso no arranque da sua execução iria ter implicações na sua conclusão já que as pavimentações iriam colidir com o período de Inverno, não aconselhável a trabalhos dessa natureza, para além de outros inconvenientes inerentes às festas da cidade que contendem com a mesma via".
Mas também este argumento não é convincente face à data em que o protocolo de financiamento foi aprovado e ao prazo previsto para a execução da obra. Isto é: dado que a conclusão da obra não deveria colidir com o período do inverno, a sua programação poderia ter sido feita, para antes ou para depois, para que não ocorresse aquela colisão.

22. Subscreve-se pois não só o entendimento adotado pelo tribunal a quo, nesta matéria, no que respeita ao regime aplicável como a aplicação que dele fez aos factos.

II.C - O prazo para apresentação de propostas no concurso público urgente

23. No ponto 9. do anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas decorreria até às 17 horas do 2.º dia, contado a partir do dia e hora do envio do referido anúncio para o Diário da República.
Considerou a decisão recorrida que tal prazo colidiu com o disposto no nº 2 do artigo 57º e o nº1 do artigo 135º do CCP.

24. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento dizendo no essencial que:
a) "Relativamente à exiguidade do prazo concedido para apresentação das propostas (48 horas) colidir com o disposto nos artigos 57°, n° 2 e 135°, n° 1 do CCP, permitimo-nos discordar de tal interpretação, por inexistência de suporte legal";
b) "Com efeito, é o legislador do DL 72-A/2010, de 18/06, que expressamente remete para aplicação das normas constantes dos artigos 155º e seguintes do CCP, na celebração das empreitadas";
c) "Da analise do artigo 158º do CCP, inserto na Secção VII do Capitulo II, sob a epigrafe "prazo mínimo para a apresentação das propostas", resulta que o prazo mínimo para o efeito é de 24 horas, ressalvando apenas que estas (horas) decorram integralmente em dias úteis";
d) "Ora, no caso concreto, tal exigência mostra-se superada, através da concessão de um prazo superior ao legalmente estipulado".

25. Importa pois decidir se tal prazo é compatível com as exigências do regime jurídico aplicável. Passemo-lo em revista, com brevidade.
Dispõe o artigo 158º do CCP que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, nos concursos urgentes, seja de 24 horas "desde que estas decorram integralmente em dias úteis".
Assim dito, à partida, dir-se-ia que o prazo fixado respeitou aquela determinação legal.
Contudo, sublinhe-se que a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo.
É inquestionável que a lei confere à Administração um poder discricionário na fixação do prazo para apresentação de propostas. Deve reconhecer-se que a lei dá uma margem de decisão ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir qual o prazo adequado.
Tal margem de decisão resulta, aliás, expressamente da lei: dispõe o nº 1 do artigo 65º do CCP que "[o] prazo para apresentação de propostas é estabelecido livremente, com respeito pelos limites mínimos" estabelecidos no código.
Mas aquela margem de decisão está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício do poder discricionário, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a atividade administrativa.
E, como é mais que reafirmado na doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes arbitrários - até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa, devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios que constituem, aliás, a sua dimensão vinculada - o seu exercício está igualmente sujeito a controlo jurisdicional. Mas, sublinhe-se, nesta sua dimensão vinculada.
Assim, a CMF, podia no exercício de um poder discricionário, e respeitados aqueles critérios e princípios, fixar o prazo mais adequado.
E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências que a lei lhe confere.
Que dimensão vinculada deve então ser respeitada pelos órgãos administrativos em matéria de fixação de prazo para apresentação de propostas num concurso público urgente?

26. Sobre esta matéria, relembre-se o que dispõe o CCP no nº 2 do seu artigo 63º, aplicável por força do artigo 156º:
"Na fixação do prazo para a apresentação das propostas deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, em especial dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência."

De tal disposição, e de outras diretamente aplicáveis ao caso, resultam orientações de dois tipos:
a) Por um lado, o prazo deve ser o adequado face à dimensão e características da obra a realizar, tratando-se de uma empreitada, para que se obtenham propostas que rigorosamente correspondam às exigências fixadas pelos documentos do procedimento. Trata-se de salvaguardar os interesses públicos e, sobretudo, prevenir sobressaltos na fase de execução. Veja-se muito do que acima se disse nos nºs 9 a 13;
b) Por outro lado, trata-se de assegurar que outros princípios fundamentais da contratação pública sejam observados, nomeadamente os princípios da proporcionalidade, da transparência, da igualdade e da concorrência, também fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (7).

27. Relembre-se de novo que o artigo 135º do CCP exige, em concursos públicos sem publicidade internacional, para formação de contratos de empreitada de obras públicas, a fixação de um prazo de, pelo menos, vinte dias, para apresentação de propostas, e em casos de manifesta simplicidade de, pelo menos, nove dias.
Deve reconhecer-se que tendo o legislador permitido a formação de tais contratos através de concurso público urgente, sem nada ter estabelecido de novo, em matéria de prazo para apresentação de propostas, admitiu que aquelas balizas temporais podiam não ser respeitadas.

Isto é: resulta da lei ser admissível, em princípio, a fixação de um prazo superior às 24 horas mínimas. Contudo, como já se disse há que atender aos critérios que resultam do nº 2 do artigo 63º.

28. Avaliemos então os factos.
Como se viu foi estabelecido como fim do prazo as 17 horas do segundo dia a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República.
Estamos perante uma empreitada com valor de mais de 720 mil euros e com um prazo de execução de oito meses.

A fixação de um prazo de dois dias, respeita os critérios fixados na lei e que acima se destacaram no nº 26?
Considera-se que não.

29. Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que, para a formação de um contrato, com estas características, suportando uma obra com estas dimensões, se estabeleça um prazo de dois dias para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado programa, a um projecto de execução, lista de todas as espécies de trabalhos e mapa de quantidades, "bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas"?
Relembre-se tudo o que acima se disse nos nºs 9 a 13. Parece ser evidente que, no caso de empreitadas de obras públicas, sobretudo com esta dimensão física e financeira, é completamente desproporcional a fixação de tal prazo.
Sobretudo, parece ser evidente que para uma correta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos, e para prevenção de sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é insuficiente.
Faz sentido perguntar: alguém, gerindo recursos financeiros próprios, admitiria adjudicar e realizar uma obra com aqueles montantes e aqueles prazos de execução, exigindo a apresentação de propostas em dois dias? Não.
Ficaria tranquilo com as propostas que iria receber? Não.
Então, como admitir esses factos na gestão financeira e patrimonial públicas?
Não é admissível.

30. Não colhem pois os argumentos produzidos pela CMF. E teve razão o Tribunal recorrido na decisão que tomou nesta matéria. 

II.D - A não redução a escrito do contrato

31. Uma das questões suscitadas no presente processo é a de não se ter reduzido a escrito o contrato.
A decisão recorrida considerou que com tal facto se violou o disposto no nº 1 do artigo 94º e da alínea b) do nº 2 do artigo 95º também do CCP.

32. Na sua petição de recurso vem a recorrente contestar tal entendimento dizendo que "não pode este Município concordar com o entendimento que a não redução do contrato escrito infringe os artigos 1º n° 4, 94° e 95°, nº 2 alínea b) todos do CCP, porquanto, e mais uma vez, tal possibilidade se encontra plasmada no n° 2 do art. 95° do CCP".

33. Vejamos.
O artigo 95º do CCP dispensa a redução a escrito de contrato nos casos previstos no seu nº 1. E de entre estes destaque-se o caso consagrado na alínea d): "(...) contrato de empreitada de obras públicas de complexidade muito reduzida e cujo preço contratual não exceda (euro) 15000".
E, no nº 2 do mesmo artigo, na invocada alínea b) dispensa-se a redução a escrito de contratos, na sequência de concurso público urgente, desde que nesse sentido seja tomada decisão fundamentada.

Isto é: quando a situação se integra nas previsões do nº 1, pode ser tomada decisão de dispensa, por remissão para a disposição legal permissiva. Quando se integra nas situações do nº 2, para além de tal remissão, é necessária a explicitação dos fundamentos da decisão.
Ora, no presente procedimento a entidade adjudicante limitou-se a explicitar a disposição legal em que se baseou, mas ignorou que tal disposição lhe exigia fundamentação da decisão.
Assim, para além de haver violação do nº 2 do artigo 95º e do princípio geral da fundamentação que deve imperar na ação administrativa, a não redução a escrito, sem fundamentação, neste caso também prefigura a violação do já invocado princípio da transparência.

34. Teve, pois, também razão o Tribunal a quo, na decisão que tomou sobre esta matéria. 

III - DECISÃO

35. As violações de lei referidas, já identificadas na decisão recorrida e agora confirmadas, enquadram-se no disposto na alínea c) do nº 3 do mesmo artigo 44º da LOPTC (8), quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro.
36. Por isso, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes, em plenário da 1ª Secção, em julgar improcedente o recurso e em manter o acórdão recorrido.
37. São devidos emolumentos nos termos da alínea b) do nº1 e do nº 2 do artigo 16º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas (9).
Lisboa, 13 de setembro de 2011

Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(José Luís Pinto Almeida)
(António Manuel Santos Carvalho)

O Procurador-Geral Adjunto,
(Jorge Leal)


(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril. 
(2) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, e 35/2007, de 13 de agosto. 
(3) Neste trecho do acórdão segue-se de perto a argumentação produzida no acórdão proferido em 5 de julho, no Recurso Ordinário nº 12/2011-R relativo ao processo de fiscalização prévia nº 1700/2010. 
(4) Cfr. artigo 378.º do CCP. 
(5) Decreto-Lei de execução orçamental para o ano de 2010. 
(6) Embora exigindo, nestes casos, a prestação de caução e, em 2011, também a fixação de um prazo mínimo de 15 dias para a apresentação de propostas. 
(7) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP. 
(8) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, e 3-B/2010, de 28 de abril. 
(9) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de abril.