Acórdão n.º 24/2010, de 6 de Julho de 2010, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 543/10)

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ACÓRDÃO Nº 24/10 - 06.JUL.2010 - 1ª S/SS

Proc. nº 543/10

 

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção:

I - RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Viana do Castelo remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada, celebrado em 9 de Abril de 2010, com a empresa "Valentim José Luís & Filhos, SA", pelo valor de € 956.730,55 acrescido de IVA, tendo por objecto a "Remodelação e Ampliação do Centro Escolar de Alvarães - Viana do Castelo".

II - MATÉRIA DE FACTO

Para além do referido acima, relevam para a decisão os seguintes factos, que se dão por assentes:

A) O contrato foi precedido de ajuste directo, com consulta a seis entidades, nos termos dos artigos 5º e 6º do DL nº 34/2009 de 6 de Fevereiro;

B) Ao concurso apresentaram-se 6 concorrentes;

C) O prazo de execução da obra é de 12 meses;

D) A consignação da obra ainda não ocorreu;

E) O preço base da empreitada foi de 1.050.000,00 € acrescido do IVA;

F) O critério de adjudicação é o do preço mais baixo;

G) O mapa de quantidades patenteado, no seu Capítulo XIV, contém referência a marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", designadamente as seguintes:
- "ROCA"
- "SWEN GOLD";
- "RELOPA";
- "FRANCEAIR"

H) Os artigos referidos na alínea anterior têm um valor de € 124.969,88 e representam 13,06% do valor do contrato;

I) Questionado o Município de Viana do Castelo sobre a matéria referida na alínea G), face ao disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13 do Código dos Contratos Públicos (CCP), veio o mesmo dizer, em síntese, o seguinte (1):
 "... O mapa de medições que é parte integrante do Projecto de Execução da presente empreitada, é composto por várias centenas de artigos, correspondendo cada um à execução de um trabalho ou material diferente. Na execução deste mapa, que se pretende o mais rigoroso possível, uma das condições que este Município sabe que tem de cumprir, são os pontos 1 2 e 1 3 do art. 49 do Dec. Lei 18/2008 de 29 de Janeiro. No entanto, face ao elevado número de tarefas e matérias, torna-se extremamente difícil evitar falhas, pelo que os erros detectados são involuntários e sem qualquer intenção de restringir ou condicionar a obra a determinadas marcas, ou prejudicar a livre concorrência. Efectivamente nos itens onde se verifica esta falha, deveria estar escrito em complemento dos artigos "do tipo" ou "ou equivalente". Em obra será efectuada a correcção, aceitando materiais do mesmo tipo ou com características equivalentes.
Os Técnicos do Município de Viana do Castelo irão verificar com mais atenção os futuros Projectos de Execução que se pretenda lançar a concurso, com vista a eliminar esta situação.
Entendemos ainda dever sublinhar que não houve qualquer intenção de desacatar recomendações já formuladas por vários Acórdãos e Decisões do Tribunal de Contas, porquanto, conforme já foi alegado, estas deficiências decorrem apenas de falhas cometidas pelos Serviços Técnicos, aquando da revisão dos projectos feitos externamente...".

J) O Município de Viana do Castelo foi objecto de várias recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do dispositivo legal que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da expressão "ou equivalente", recomendações essas que foram transmitidas pelos Acórdãos nºs 92/05 de 10 de Maio de 2005, 128/05 e 129/05, ambos de 5 de Julho de 2005 e pelas Decisões, em sessão diária de visto, nºs 158/2008 de 05-03-2008 e 845/08 de 21-11-2008, - todos anteriores à abertura do procedimento que antecedeu o presente contrato - e ainda pela Decisão, em sessão diária de visto, nº 335/2010 de 22-04-2010; 

III - O DIREITO

1. Suscita-se, no presente processo, uma questão relacionada com a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente".
O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13:

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.
............................................................................

Tem este normativo por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99, de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (2).  
Verifica-se, assim, a violação dos nºs 12 e 13, do mencionado artigo 49º, do CCP.

2. Vejamos, de seguida, as consequências decorrentes da violação do disposto nos normativos atrás mencionados.

2. 1. A ilegalidade cometida poderá ser geradora de nulidade ou de mera anulabilidade, sendo que o visto apenas poderia ser recusado, no caso em apreço, com fundamento em nulidade, atento o disposto no artigo 44º, nº3, al. a) da Lei nº98/97 de 26 de Agosto.
Ora, não estamos, seguramente, perante um caso de nulidade:
Efectivamente, o vício atrás mencionado não se encontra previsto no artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispositivo este que se refere aos actos administrativos feridos de nulidade.
Efectivamente, nem se encontra incluído no elenco dos actos indicados no nº2 daquele normativo, nem, por outro lado, existe qualquer norma que, para tal vício, comine expressamente tal forma de invalidade dos actos administrativos (vide o nº1, do mesmo artigo 133º do CPA).
Por outro lado, o acto de adjudicação da empreitada contém todos os seus elementos essenciais, considerando-se como "elementos essenciais" os elementos cuja falta se consubstancie num vício do acto que, por ser de tal modo grave, torna inaceitável a produção dos respectivos efeitos jurídicos, aferindo-se essa gravidade em função da ratio que preside àquele acto de adjudicação (vide o nº1, 1ª parte, do citado artigo 133º do CPA) (3).
Não sendo a ilegalidade verificada, geradora de nulidade, só pode a mesma conformar mera anulabilidade, o que afasta o fundamento de recusa de visto enunciado na alínea a), do nº3, do artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

2. 2. Por outro lado, como, no caso sub judice, não estão em causa encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem violação directa de norma financeira, afastado está, também, o fundamento de recusa de visto mencionado na alínea b) do citado normativo, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

3. Importa, então, cuidar de saber se a ilegalidade atrás referida preenche o fundamento de recusa de visto indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.
A resposta a esta questão só pode ser positiva:
De acordo com o artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, constitui fundamento de recusa de visto, a ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Muito embora não resulte do processo que, da violação do disposto nos normativos supra indicados, tenha decorrido a alteração do resultado financeiro do contrato, não há dúvida de que o vício verificado é susceptível de alterar tal resultado financeiro.
É que, a inclusão de marcas comerciais, desacompanhadas da menção "ou equivalente", é uma circunstância que pode afectar, negativamente, a concorrência, dado poder beneficiar alguns concorrentes, em detrimento de outros, com o consequente risco de alteração do resultado financeiro do contrato.

4. No caso em apreço, não está adquirida a efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato.
Resulta, todavia, dos autos (vide a matéria de facto dada por assente na alínea J) do probatório), ter o Município de Viana do Castelo sido já objecto de várias recomendações deste Tribunal, relativamente ao cumprimento do normativo que proíbe a inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente", normativo este cuja disciplina se encontra plasmada no referido artigo 49º, nºs 12 e 13 do CCP.
Ora, apesar dessas várias exortações efectuadas à Autarquia, continua a verificar-se o injustificado desacatamento das mesmas e a incumprir-se a lei.
No caso vertente, o incumprimento dos dispositivos legais supra referidos assume maior relevância dado o elevado montante - no contexto do valor do contrato - dos artigos cujas marcas comerciais não foram acompanhadas da expressão "ou equivalente".
Assim, pelo comportamento incumpridor que tem, reiteradamente, revelado, temos a convicção de que se não justifica, nem é aconselhável, uma nova recomendação ao Município de Viana do Castelo, uma vez que não é de esperar que, com tal medida, seja expectável que, no futuro, esta Autarquia evite incumprir a lei, nesta matéria.
Nesta conformidade, entende-se não estarem reunidos os pressupostos que poderiam permitir o uso da faculdade prevista no nº4, do dito artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto. 

IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em subsecção, em recusar o visto ao presente contrato.
São devidos emolumentos (artigo 5º, nº3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 6 de Julho de 2010.

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (Helena Abreu Lopes) - (Alberto Fernandes Brás) votou o acórdão e não assinou por ter participado na sessão por videoconferência. 

Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal) 


(1) Vide o ofício nº 168, de 24-06-2010, a fols. 260 dos autos.
(2) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº 36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.
(3) Neste sentido, v. g., os Acórdãos nºs 30/05, de 15-11-2005, 27/07, de 13-2-2007 e 108/07, de 24-7-2007, da 1ª Secção, em subsecção, deste Tribunal.