ACÓRDÃO Nº 23 /11 - 14.JUL. 2011 - 1ª S/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 8/2011-R
(Proc. nº 1809/2010 - UAT I)
I - RELATÓRIO
1.
O Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta, EPE, inconformado com o teor do acórdão nº 7/2011, de 22.2, 1ª S/SS, deste Tribunal, e que recusou o visto ao contrato de empreitada para a Construção de Novas Instalações dos Serviços Farmacêuticos e do Serviço de aprovisionamento do Hospital Garcia de Orta, EPE, celebrado, em 9 de Dezembro de 2010, com a Sociedade Rui Ribeiro, Construções, SA, pelo preço de € 1.166.981,96, [S/ IVA], veio do mesmo interpor recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1ª - A decisão ora recorrida constitui para o H.G.O. uma surpresa, revelando-se, no entender deste, injusta e atentatória do quadro legal vigente;
2ª - Aos factos dados por assentes no Acórdão recorrido devem ser aditados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 685º-B, nº 1, a) e b) e 693º-B, do CPC, os factos enunciados nas alíneas aa) a ff) da presente alegação, que aqui se dão por reproduzidos;
3ª - A violação do principio da concorrência assume papel capital na economia do Acórdão recorrido, tendo constituído fundamento de recusa de visto por violação do artigo 44º, nº 3, a), b) e c), da LOPTC;
4ª - A situação dos autos - contratação de uma empreitada pelo preço de €1.166.981,96, por parte de um Hospital, E.P.E. - é regulada por lei expressa (artigo 5º, nº 3, a) do CCP), que afasta a aplicação da parte II do CCP;
5ª - O Tribunal de Contas reconhece a referida exclusão relativamente à contratação de bens, serviços e empreitadas, por parte dos Hospitais E.P.E.;
Ainda assim,
6ª - Na perspectiva do tribunal de Contas, tal resulta irrelevante, no caso em apreço, por força da aplicação directa do princípio da concorrência;
Nesta particular,
7ª - A decisão do Tribunal faz tábua rasa de disposições legais expressas (artigo 5º, nº 3, a) e nº 6, a), do CCP e da correspondente prática reiterada naquilo que vem a constituir uma verdadeira decisão-surpresa susceptivel de colocar em causa toda a lógica da demonstração, por parte dos hospitais, E.P.E.;
8ª - É o próprio CPA, no seu artigo 2º, nº 5, a dispor que em matéria de gestão privada a actuação da Administração deve obediência "aos princípios gerais actividade administrativa constantes do presente Código", entre os quais se não inclui o principio da concorrência;
9ª - O princípio da concorrência tem aplicação nos procedimentos de adjudicação regulados pelo direito público (como resulta especialmente notório do artigo 1º, nº 4, do CCP), o que não é o caso dos autos.
10ª - O Tribunal de Contas decidiu a situação concreta com base na invocação do princípio da concorrência ("função positiva"), tendo simultaneamente ignorado que não se estava no domínio da contratação pública (assim tendo afastado claramente o disposto no artigo 5º, nº 3, a), do CCP) e que o universo dos princípios para os quais a norma aplicável remete (artigo 5º, nº 6,a) do CCP não inclui o princípio invocado e aplicado na decisão ("função negativa");
11ª - Ao proceder deste modo, o Tribunal foi longe de mais e decidiu contra legem;
12ª - A decisão do Tribunal é, claramente, tributária daquilo que o mesmo apelida de "imperativos comunitários";
Na verdade,
13ª - É relativamente evidente que a invocação das "normas constitucionais" e a "previsão da lei aplicável à contratação" - no caso concreto, o direito privado -, não consentem a interpretação e aplicação do princípio da concorrência que prevaleceu no Acórdão recorrido;
14º - Ao nível da CRP, são esparsas e de reduzido ou nulo conteúdo, na perspectiva da contratação pública, as referências ao princípio da concorrência. Nenhum dos artigos da CRP invocados pelo Acórdão - artigos 81º, f); 99º a) e 266º da CRP - justifica e consente a aplicação que no caso se fez do princípio da concorrência;
Do mesmo modo,
15ª - Também a legislação financeira invocada - artigos 42º, nº 6, e 47º, nº 2, da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) - não é motivo bastante para a referida interpretação e aplicação;
16ª - A decisão ora recorrida - segundo a qual, mesmo nos domínios não abrangidos pelas Directivas Comunitárias, impõe-se a obediência aos princípios resultantes dos Tratados, disso advindo a imposição da publicitação do procedimento por força do princípio da concorrência - é tributária da jurisprudência comunitária (rectius, de alguma jurisprudência comunitária - Acórdãos Parking Brixen e Telaustria) como o acórdão recorrido bem tornou patente;
17ª - O Acórdão recorrido ignorou completamente os mais recentes contributos na matéria ao nível do soft law ("comunicação interpretativa sobre direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos" (in JO C 179, de 01.08.2006) e, bem assim, ao nível da própria jurisprudência do TJCE (Acórdão proferido no Processo C - 231/03 - "Coname");
18ª - De acordo com estes últimos, é hoje clara a existência de um conjunto de contratos não relevantes para o mercado interno, aos quais as regras decorrentes do tratado CE não se aplicam.
19º - O critério essencial, hoje dominante, é o seguinte: os princípios e regras comunitários "apenas se aplicam às adjudicações de contratos que tenham uma relação suficientemente estreita com o funcionamento do mercado interno" (cfr. Comunicação interpretativa cit.);
20ª - A operacionalização dos princípios comunitários faz-se em função das liberdades fundamentais dos Tratados (direito primário) na perspectiva da realização do mercado interno, cabendo a cada entidade adjudicante decidir se o contrato a adjudicar é susceptível de apresentar um interesse potencial para os agentes económicos situados noutros Estados-membros;
21ª - O Tribunal ignorou inteiramente este aspecto, que se tem por incontornável;
Com efeito,
22ª - Está por demonstrar na perspectiva enunciada - única que se tem por correcta, em face dos mais recentes dados disponíveis emanados dos designados "imperativos comunitários" - que a Consulta ao Mercado promovida pelo H.G.O. para a contratação da empreitada identificada, no valor de €1.166.981,96, colocou em causa o mercado interno. E só isso, tal como já se deixou dito, permitiria a convocação dos Tratados e dos correspondentes princípios;
23ª - De acordo com o Acórdão recorrido, basta que seja possível identificar qualquer outro tipo de procedimento mais aberto, independentemente do caso concreto e do interesse que o contrato pudesse revestir para os agentes económicos situados noutros estados-membros, para fundamentar uma violação do direito comunitário;
24ª - Nunca a jurisprudência comunitária, incluindo a que é invocada pelo Tribunal, foi tão longe;
25ª - A opção pela Consulta do Mercado que foi desencadeada pelo H.G.O. está estribada em informação Jurídica legal e adquada (cfr. Al. dd) do probatório) e em Regulamento válido ("Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta"), no qual se faz referência, de acordo coma lei, aos princípios gerais aplicáveis à actividade em questão (princípios gerais da actividade administrativa) e se prevê, em sede de auto vinculação, os procedimentos para a contratação de empreitadas;
26ª - Tem razão o Acórdão recorrido nas apontadas falhas em sede de qualificação dos concorrentes. Ainda assim, tendo em conta que a conclusão favorável do presente procedimento se revela vital para o H.G.O. (cfr. Alíneas aa) a CC) do probatório) entende-se, na perspectiva da salvaguarda do interesse público, estar em causa matéria especialmente apta a permitir a concessão de visto com recomendação no sentido de ser suprida a falta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º, nº 4, da LOTC;
27ª - A consulta revela deficiências, em matéria de negociações, e não uma completa ausência à matéria ou proibição impeditiva das mesmas;
28ª - Os fornecimentos subtraídos à empreitada revelam-se marginais e não constituem uma alteração do respectivo objecto;
29ª - As negociações permitiram, objectivamente, a apresentaçãode uma proposta economicamente mais favorável para a entidade adjudicante, pelo que não devem ser impeditivas da concessão do visto no quadro fáctico (imperiosa urgência na realização da empreitada) e legal (à margem das regras da contratação pública) descrito;
30ª - As demais deficiências apontadas no Acórdão recorrido não são impeditivas da concessão do visto, antes justificando a formulação de recomendação genérica, por parte do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º, nº 4, da LOPTC.
A final, e peticionando, o recorrente solicita que o recurso seja julgado procedente, e que, em consequência, seja concedido visto ao contrato em apreço, admitindo-se, neste caso, a formulação de recomendação genérica.
2.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto e alongado Parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, sustentando-se, para tanto, na preterição [aliás, indevida], por parte do recorrente, da adopção de um procedimento totalmente aberto e concorrencial que observasse os princípios que informam a contratação pública, pois, pese embora o preceituado no art.º 5º, nº 3, do C.C. Públicos, nenhuma circunstancia se perfila como obstativa do seguimento das exigências contidas na designada "Comunicação Interpretativa da Comissão"-2006/C-179/02, de 1.8., a qual, reiteradamente, apela à aplicação dos mencionados princípios.
Ainda no domínio de tal Parecer, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto sugere, por um lado, recomendação dirigida à Assembleia da República no sentido de ser ponderada a alteração às regras constantes do artº 5º, nº 3, do C.C. Públicos e, por outro, solicita que, em sede de acórdão, se ordene a entrega de cópia deste ao Ministério Público no sentido de, junto da competente jurisdição administrativa, ser suscitada a [des]conformidade legal do Regulamento Interno.
3.
Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Ao longo do acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a presente análise, a factualidade inserta no introito daquele aresto e, ainda, a seguinte:
1. Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital de 14 de Outubro de 2009 foi autorizada a abertura de um procedimento de Consulta ao Mercado com vista à celebração do contrato para a execução da empreitada em causa;
2. Como fundamento para a escolha do referido procedimento invocou-se, tão só, o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea c), do Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta;
3. Em 15 de Dezembro de 2009 foram enviados convites para a apresentação de propostas a 5 empresas: Cobeng, PMJ, Rui Ribeiro, Matias & Ávilas e Stap;
4. Nos termos do artigo 10.º do Programa da Consulta ao Mercado, o prazo para apresentação de propostas era de 30 dias úteis a contar da data do convite;
5. Foram apresentadas propostas pelas 5 empresas convidadas;
6. O artigo 14.º do Programa da Consulta ao Mercado estabeleceu requisitos de qualificação económica e técnica dos candidatos, determinando que só seriam seleccionados concorrentes que cumprissem determinadas condições mínimas relativamente a cada um dos critérios de selecção;
7. As condições mínimas de qualificação económica foram definidas em termos de:
a) Autonomia financeira do candidato;
b) Situação líquida do candidato;
c) Volume de negócios do candidato;
8. No que concerne à autonomia financeira do candidato (capitais próprios/activos líquidos), estabeleceu-se que o mesmo deveria ter uma autonomia financeira igual ou superior a 15% no último exercício, ou no mínimo de 5% no mesmo exercício. Neste último caso, o candidato deveria, em caso de adjudicação, apresentar até à data da assinatura do contrato uma garantia bancária à primeira solicitação, irrevogável e incondicional, de valor igual à diferença entre a autonomia exigida e a detida;
9. No que respeita à situação líquida, o candidato deveria ter capitais próprios positivos no último exercício e respeitar o disposto no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais;
10. No que respeita ao volume de negócios, o candidato deveria apresentar, relativamente ao último exercício, um valor igual ou superior a €10.000.000,00 e um volume de negócios anual igual ou superior a 40% daquele montante;
11. No artigo 19.º do Programa da Consulta estabeleceu-se que, no prazo de 10 dias após a notificação da adjudicação, o adjudicatário deveria apresentar os documentos de habilitação previstos no artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos, designadamente os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P., contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar;
12. Na qualificação dos 5 candidatos, o júri concluiu que 3 deles deveriam ser excluídos (Cobeng, PMJ e Matias & Ávilas) por apresentarem um volume de negócios inferior a €10.000.000,00 no último exercício (2008), muito embora apresentassem um rácio de autonomia financeira superior ao exigido;
13. Mais concluiu que o concorrente Stap, embora cumprindo os requisitos de qualificação, também deveria ser excluído, por não apresentar documentos comprovativos de ter a situação perante o Fisco e a Segurança Social regularizada;
14. Quanto ao candidato restante (Rui Ribeiro, Construções, S.A.), o júri concluiu que apresentava um rácio de autonomia financeira de 11,5%, inferior, portanto, ao exigido, mas que lhe poderia ser solicitada uma declaração bancária com vista à apresentação de uma garantia bancária de valor igual à diferença entre a autonomia detida e a exigida;
15. Em alternativa, o júri propôs a anulação da consulta e a reavaliação das exigências feitas, eventualmente reduzindo o valor exigido quanto ao volume de negócios dos candidatos no último exercício para €2.000.000, "indo de encontro à actual conjuntura económica";
16. Em 28 de Abril de 2010, o Conselho de Administração deliberou a continuidade do procedimento com o concorrente Rui Ribeiro, nos termos referidos na alínea n) supra;
17. Em 13 de Maio de 2010 e em datas subsequentes, o concorrente Rui Ribeiro alegou repetidamente junto do júri, entre outros aspectos, o seguinte:
"(...) 3)Autonomia Financeira
Enviamos para conhecimento cópia da Portaria n.º 971/2009 do MOPTC onde, devido à grave crise económica, os rácios mínimos de autonomia financeira exigidos passaram a ser de 10%.
Assim, solicitamos que na vossa análise seja considerado como valor mínimo de autonomia financeira, o em vigor no corrente ano (10%)"
18. Na acta do júri n.º 2 refere-se a este respeito:
" (...) Com base na correspondência trocada entre o Júri e o concorrente Rui Ribeiro e as duas reuniões entre ambos, o Júri concluiu que o concorrente Rui Ribeiro está interessado em executar a obra, em caso de adjudicação por parte do Hospital, nas seguintes condições:
- Aceitação por parte do Hospital do teor da portaria n.º 971/2009 sobre as alterações dos índices de autonomia financeira exigidos, dispensando como tal a apresentação da correspondente garantia bancária prevista no programa da consulta. (...)"
19. Questionado por este Tribunal sobre a alteração dos parâmetros de qualificação económica, o Hospital ofereceu a seguinte resposta:
"(...) Os requisitos de qualificação financeira não foram alterados (...). Na acta n.º 1 do júri da Consulta ao Mercado, figura um quadro comparativo dos requisitos financeiros de todos os concorrentes, onde se refere que nenhum dos concorrentes preenche os requisitos na totalidade. No entanto, refere igualmente que, de acordo com a alínea a) do n.º 3 do art. 14.º do Programa da Consulta, será possível a apresentação de uma garantia bancária por parte do concorrente Rui Ribeiro, Construções, S.A. O Conselho de Administração despacha favoravelmente na Informação n.º 0527/SIE/10 (...). Na acta n.º 2 do júri é referida a apresentação por parte do concorrente Rui Ribeiro de argumentação legal para a não apresentação desta garantia, com o envio da Portaria n.º 971/2009, de 27 de Agosto, que cria um regime transitório de excepção relativamente ao fixado na Portaria n.º 994/2004, de 5 de Agosto (...), o que é aceite pelo júri, ficando portanto qualificado um único concorrente na Consulta ao Mercado. (...)"
20. As actas do júri n.ºs 2 e 3 e a correspondência trocada entre o júri e o concorrente Rui Ribeiro, Construções S.A. evidenciam que ocorreram negociações entre o júri e o concorrente quanto ao conteúdo da proposta e ao âmbito e condições de execução da empreitada:
- Foi negociado o preço proposto, tendo sido apresentada um preço final de €1.166.981,96. A proposta inicialmente apresentada pelo concorrente era de €1.217.888,74;
- Esse preço final só foi atingido após acordo quanto à retirada da empreitada do fornecimento de alguns materiais, que passariam a ser adquiridos directamente pelo Hospital no mercado, sendo a sua montagem assegurada pelo adjudicatário;
- Após disputas sobre o prazo de execução, esse prazo foi contratualmente fixado em 180 dias.
O artigo 24.º do Programa da Consulta estabelecia um prazo de execução de 12 meses e o artigo 5.º do Caderno de Encargos um prazo de 180 dias. Durante o período de apresentação de candidaturas foi suscitado o esclarecimento dessa contradição, tendo o Hospital esclarecido os concorrentes de que o prazo era de 365 dias corridos. A proposta do concorrente adjudicatário foi apresentada com um prazo de execução de 365 dias. Quando lhe foi solicitado um preço mais baixo, o concorrente pretendeu que o prazo de execução era de 6 meses, tendo aceite, a insistência do Hospital, que fosse de 12 meses, mas propondo-se concluir a empreitada em 8 meses, desde que os pagamentos lhe fossem feitos de acordo com a execução efectiva.
Como se referiu, o contrato acabou por consagrar um prazo de 6 meses;
21. Questionado por este Tribunal sobre a possibilidade de terem sido efectuadas negociações, quando as mesmas não estavam previstas no programa do procedimento, o Hospital alegou o seguinte:
"Efectivamente não foi prevista a possibilidade de negociação nas cláusulas do Programa do Procedimento. No entanto, consta do parecer jurídico do Gabinete de Assessoria Jurídica e Contenciosa, relativamente à aprovação das peças do procedimento, informação n.º 148/GAJC/2009, a referência às competências do júri do procedimento, incluindo a possibilidade de negociação de propostas. Esta informação obteve parecer favorável por parte do Conselho de Administração (...).
Por outro lado, e no decorrer do processo, existe um despacho do vogal do Conselho de Administração, solicitando uma nova negociação do montante global da empreitada, por parte do júri, quando é apresentada a Acta n.º 2 do júri (...). Neste despacho são invocadas as dificuldades financeiras do Hospital e a necessidade de redução de despesa exigida por novas directivas governamentais.
A negociação foi efectuada com o único concorrente qualificado de acordo com os requisitos financeiros exigidos, relativamente ao preço final e prazo de execução da empreitada, não tendo sido apresentada qualquer reclamação por parte dos restantes concorrentes, quando tomaram conhecimento da notificação de adjudicação. (...)"
2.2.
Mediante deliberação do Conselho de Administração de 21.10.2010, a obra foi adjudicada à sociedade Rui Ribeiro, Construções, SA e pelo valor de €1.166.981,96, acrescido de IVA.
Eis, pois, a factualidade que suportará a aplicação do direito, conforme exercício que, de seguida, encetaremos.
III. DIREITO
Como decorre do acórdão recorrido, a decisão de recusa do visto ao contrato de empreitada, celebrado entre o Hospital Garcia de Orta, EPE, e a sociedade Rui Ribeiro, Construções, SA, assenta, básica e essencialmente, no seguinte:
- À obra contratualizada subjaz um procedimento não concorrencial [de convite] e o não apelo a um procedimento aberto não se mostra justificado;
Daí que se mostrem afrontados os princípios da igualdade, da concorrência e da transparência, vertidos no art.º 1.º, nº 4, do Código dos Contratos Públicos;
- A ocorrência de negociações e a matéria reportada ao modo de qualificação técnica dos concorrentes, violam, de um lado, o Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital, e, do outro, o Programa de Consulta; Facto que ofende, ainda, os princípios da igualdade, transparência e da boa-fé, aludidos no art.º 1.º, do CCP, e art.ºs 5.º e 6.º-A, do Código de Procedimento Administrativo;
- Ocorreu a adjudicação de uma obra diversa da que constitui o objecto do procedimento de consulta, com violação dos princípios da igualdade, da concorrência e da transparência;
- O procedimento exibe ausência de explicitação das habilitações técnicas exigidas, o que infringe o disposto no art.º 31.º, n.ºs 1, e 2, do Decreto-Lei nº 12/2004, de 9.1., e, bem assim, os princípios da igualdade, da transparência e da boa-fé;
As ilegalidades enunciadas, para além de susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do procedimento, não asseguram, ainda, a bondade da realização da despesa pública, violando-se, assim, as regras contidas nos art.ºs 42.º, nº 6 e 47º, nº 2, da Lei de Enquadramento Orçamental;
- Porque a ausência de procedimento concorrencial geral a falta de um elemento essencial da adjudicação, esta perfila-se como nula [vd. art.ºs 133.º, n.º1, do CPA, e 283º, nº 1 do CCP];
E, por outro lado, a inobservância de procedimentos acauteladores da concorrência acarreta a violação de normas financeiras [vd artºs 42.º, n.º 6 e 47.º, n.º 2] contidas na citada Lei de Enquadramento Orçamental;
Tanto bastará, na óptica do acórdão recorrido, para fundar a recusa do Visto, estribando-se, para tanto, nº art.º 44.º, n.º 3, da LOPTC.
Por sua vez, o recorrente assenta a discordância relativamente ao acórdão recorrido em razões, de facto e de direito, que sintetiza em conclusões 1.ª a 30.ª, subsequentes às alegações deduzidas e cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.
Sumariada a matéria sob controvérsia, urge identificar as questões daí emergentes e que, com relevância para a análise em curso, são as seguintes:
- Da [in]admissibilidade dos factos enunciados nas alíneas aa) a ff), das alegações do recurso;
- Da natureza jurídica do Hospital Garcia de Orta;
- Da violação ou não dos princípios da igualdade, concorrência e da transparência, vertida nos Tratados Europeus, na Constituição da República Portuguesa e, bem assim, nos art.ºs 1.º e 5.º, do C. C. Públicos, em razão do tipo de procedimento adoptado e tramitação operada e com referência, necessária, ao preceituado no art.º 5.º, nº 3, daquele ultimo diploma legal;
Relevância e efeitos do "Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta";
- Da qualificação dos concorrentes e respectivo suporte procedimental [programa];
- Das negociações realizadas e respectiva previsão em adequadas peças procedimentais [Programa de Consulta e Cadernos de Encargos];
- Das habilitações técnicas e a obrigatoriedade da sua identificação em programa procedimental.
- Das ilegalidades
e
O Visto
A. Do Aditamento de matéria fáctica.
Em sede de alegações, e sustentando-se no preceituado nos art.ºs 685.º-B, nº 1, a) e b) e 693.º-B, do Código de Processo Civil, o recorrente advoga o aditamento á factualidade dada como provada da matéria aduzida em II.1., alíneas aa) a ff), das alegações de recurso.
A propósito, adiantaremos, mui sucintamente, que não nos opomos ao aditamento de tal factualidade, muito embora entendamos que a respectiva comprovação documental, já constante do processo, sempre a dispensaria.
E, baseando o deferimento do solicitado, adiantaremos, ainda, que o acolhimento de tal pretensão se funda, também, no artº 99º, nº 5, da LOPTC, o qual prevê a realização de diligências indispensáveis à decisão do recurso em qualquer altura do processo.
Pelo exposto, e sem delongas, considera-se integrada na factualidade dada como assente em II, deste acórdão, a factualidade seguinte:
aa) Em resposta ao pedido de esclarecimento do Tribunal de Contas com aRefª DECOP/UAT.1/568/11, o H.G.O. esclareceu no oficio nº 2106, de 3 de Fevereiro de 2011, a fls. 279 e seguintes: A empreitada em questão beneficia de um contrato de concessão de financiamento, no âmbito do programa do Medicamento Hopitalar, conforme o referido em documento em anexo (docs Anexo VI), sendo urgente o inicio da obra em questão, já que o prazo de reembolso termina no dia 30 de Junho do corrente ano.
Salienta-se que a urgência e importância desta obra são veiculadas na informação do Director dos Serviços Farmacêuticos (docs Anexo VI);
bb) Em ofício dirigido pelo Responsável pelos Serviços Farmacêuticos do H.G.O. ao Vogal do Conselho de Administração, Dr. José António Ferrão, em 28.01.2011, refere-se o seguinte: Mas mais relevante é o facto de estarmos de forma sistemática a colocar em risco a saúde dos nossos doentes em virtude de falhas decorrentes da exiguidade de espaço e da falta de condições para manipulação de medicamentos (conforme consta do relatório do Grupo de Gestão do Erro Clínico) (cfr. Doc VI junto com o ofício nº 2106);
cc) Em ofício dirigido pela ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde ao Presidente do Conselho de Administração do H.G.O. refere-se ainda não ter sido apresentado "o reembolso total do projecto(s) aprovado(s), pelo que deve proceder [ao] envio do mesmo até dia 30 de Junho do Corrente ano" (cfr. Doc. nº 1, em anexo);
dd) A deliberação do Conselho de Administração do H.G.O. que autorizou a abertura do procedimento de Consulta ao Mercado foi proferida com base na Informação nº 148/GAJC/2009, da qual consta a fundamentação jurídica pela referida opção (cfr. nº 1 a 3 da Informação, que aqui se dão por integralmente reproduzidas) e a referência à circunstância de o H.G.O. ter obtido autorização da Tutela (Ministros das Finanças e da Saúde) para o investimento (cfr. nº 6 da Informação 148/GAJC/2009);
ee) Por despacho do Vogal do conselho de Administração de 2010.07.22 foi determinado o seguinte: "Considerando: (1) o montante elevado da empreitada da obra; (2) o financiamento externo atribuído para o efeito (Programa Medicamento Hospitalar); (3) as dificuldades financeiras do Hospital; (4) e a necessidade de redução de despesas, no seguimento de Directrizes Governamentais, solicita-se ao júri nova negociação c/a empresa escolhida (Rui Ribeiro Construções, SA), a fim de diminuir o montante global de adjudicação" (cfr. Doc. nº 2, em anexo);
ff) Juntamente com o ofício nº 2106, de 3 de Fevereiro de 2011, o HGO facultou ao Tribunal de Contas os documentos requeridos nas alíneas a), b), d) e e) do Anexo enviado com o Ofício DECOP/UAT.1/568/2011.
B. Da Natureza Jurídica do Hospital Garcia de Orta
1.
O Hospital Garcia de Orta assumiu a condição de Entidade Pública Empresarial por força da publicação do Decreto-Lei n.º 93/2005, de 7.6, com referência, ainda, ao Decreto-Lei nº 233/2005, de 29.12, o qual, como é sabido, aprovou os respectivos Estatutos.
Como decorre do artº 13º, do Decreto-lei nº 233/2005, acima citado, a aquisição de bens e serviços e, bem assim, a contratação de empreitadas pelos Hospitais E.P.E., reger-se-ão pelas normas de direito privado, mas sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública.
E, sublinhe-se, o art.º 13.º, nº 2, do mencionado Decreto-Lei nº 233/2005, impõe, também, que os Regulamentos Internos dos Hospitais E.P.E. garantam o preceituado em 1. daquela norma, e, em qualquer caso, assegurem os princípios da livre concorrência, da transparência e da boa gestão e, designadamente, a fundamentação das decisões tomadas.
Acentue-se, no entanto, que o citado art.º 13.º foi objecto de revogação pelo art.º 14.º, n.º 1, al. o), do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29.1, diploma legal que aprovou o Código dos Contratos Públicos.
Mas, e a propósito, sublinharemos, desde já, que tal revogação não subentende a postergação dos princípios ínsitos à contratação pública a implementar pelas entidades públicas empresariais, porquanto, o Código dos Contratos Públicos, logo no seu art.º 1.º [n.º 4], dispõe que àquela [contratação pública] são aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
2.
O Hospital Garcia de Orta, na sua condição de Entidade Pública Empresarial, é uma pessoa colectiva, que, mau-grado, a sua designação, não se reveste de natureza puramente empresarial [não assume carácter industrial ou comercial] e subordina-se a um modelo de funcionamento e controlo de gestão que se acolhem aos critérios inscritos no art.º 9.º, da Directiva nº 2004/18/CE e art.º 2.º, n.º 2, al. a) do C.C. Públicos.
Decalcando o afirmado em acórdão recorrido, é seguro afirmar que o Hospital Garcia de Orta é, hoje, um organismo de direito público, que, também, figura como entidade adjudicante para os efeitos da mencionada directiva [nº 2004/18/CE] e do referido Código dos Contratos públicos. Caracterização que, obviamente, também influenciará o sentido da análise em curso e, particularmente, a necessidade ou não da convocação dos princípios que gerem a contratação pública no domínio do procedimento em apreço.
C.
Da aplicação ou não dos Princípios que regem a Contratação Pública.
O caso em apreço.
1.
Como bem se sublinha ao longo do acórdão recorrido, o Hospital Garcia de Orta, E.P.E., juntou ao processo um Regulamento de aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta, datado de 10.2.2009, o qual, com relevância, integra a normação, a saber:
Artigo 2.º:
"Procedimentos
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a contratação obedecerá aos seguintes tipos de procedimentos em função do valor do contrato a celebrar:
a. As aquisições de bens e serviços de valor igual ou superior ao limite comunitário (...) reger-se-ão pelo disposto no Código de Contratos Públicos (...);
b. As contratações relativas a empreitadas de obras públicas de valor igual ou superior ao limite comunitário (...) deverão reger-se pelo disposto no Código de Contratos Públicos (...);
c. No que se refere ao regime substantivo da contratação de bens, serviços e empreitadas do Hospital Garcia de Orta, E.P.E., é aplicável o disposto na Parte III do Código dos Contratos Públicos (...);
d. Às aquisições de bens, serviços e empreitadas de valores inferiores aos limiares comunitários, aplica-se o disposto no Capítulo II do presente Regulamento.
(...)"
Artigo 3.º:
"Princípios gerais
O HGO, E.P.E., obriga-se a, nos procedimentos objectos do presente regulamento, a seguir os seguintes princípios gerais da actividade administrativa, com as necessárias adaptações, a que se referem os artigos 5.º, 6.º e 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo:
a. Princípios da igualdade e da proporcionalidade;
b. Princípios da justiça e imparcialidade
c. Princípios da boa fé."
Artigo 4.º:
"Auto vinculação
Na formação e execução dos contratos, o HOSPITAL GARCIA DA ORTA, E.P.E. (HGO, E.P.E.) deve observar as regras e princípios previstos no presente regulamento
Artigo 25.º:
Procedimentos para contratação de empreitadas
1.Os procedimentos a adoptar na contratação para a aquisição de bens e serviços serão a Consulta ao Mercado ou o Ajuste Directo.
2.O início do procedimento deve ser autorizado pelo Conselho de Administração do HGO, E.P.E., podendo esta autorização ser delegada no Director do Serviço de Aprovisionamento.
3. A Consulta ao Mercado poderá ser precedida de publicitação pela forma considerada mais adequada face ao objecto do procedimento. No caso de se optar pelo convite às empresas, será obrigatória a consulta, salvo caso de manifesta impossibilidade, a pelo menos:
a. 2 (duas) empresas, quando o valor do contrato se situe até €100.000;
b. 3 (três) empresas, quando o valor do contrato se situe entre os €100.001 e os €150.000;
c. 4 (quatro) ou mais empresas, quando o valor do contrato se situe entre os €150.001 e os € 5.150.00;
4. O convite para apresentação de propostas deve ser formulado por qualquer meio escrito, e-mail confirmado ou qualquer outro meio electrónico, carta registada com aviso de recepção ou fax confirmado, e enviado simultaneamente às empresas fornecedoras;
5. No convite devem ser indicados, designadamente, os seguintes elementos:
a. Objecto do fornecimento;
b. (...)
c. Os requisitos necessários à admissão dos concorrentes quando exigidos;
d. (...)
(...)
f. A possibilidade do procedimento ser objecto de negociação;
(...)
6. (...)
7. O Ajuste Directo dispensa a existência de mais de uma proposta e é utilizado quando as aquisições de bens e serviços tenham valor inferior a €25.000, ou quando, independentemente do valor, o Conselho de Administração do HGO, E.P.E. assim o determine.
8. (...)"
Artigo 28.º:
"Programa do Procedimento
O programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase da formação do contrato até à sua celebração."
Artigo 37.º:
"Negociação
1. Nos procedimentos que seja prevista a negociação, o júri poderá promover a sessão de negociação com os titulares das propostas consideradas mais vantajosas, com vista à eventual obtenção de melhores condições contratuais.
2. Os concorrentes devem ser simultaneamente notificados, com uma antecedência mínima de 2 dias, da data, hora e local da sessão de negociação.
3. As condições apresentadas nas propostas são livremente negociáveis, não podendo resultar das negociações condições globalmente menos favoráveis para o HGO, E.P.E. do que as inicialmente apresentadas.
4. Na sessão deve ser lavrada acta, na qual deve constar, designadamente, a identificação dos concorrentes presentes ou representados, e o resultado final das negociações.
5. A acta deve ser assinada pelos membros do júri e pelos concorrentes que tenham alterado as suas propostas.
As propostas que não sejam alteradas na sessão de negociação, bem como as entregues pelos concorrentes que não compareçam à sessão, são consideradas, para efeitos de apreciação, nos termos em que inicialmente foram apresentadas."
Tal Regulamento [interno] que, segundo o próprio, fixa as normas relativas aos procedimentos prévios à contratação para a aquisição de bens, serviços e empreitadas, não deixa de prever que os procedimentos tendentes à contratação de obras públicas de valor igual ou inferior ao limite comunitário deverão reger-se pelo disposto no Código dos Contratos Públicos, abrigando-os, também aos princípios gerais da actividade administrativa - da igualdade, proporcionalidade, justeza, imparcialidade e da boa-fé - referidos nos artºs 5º, 6º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo.
Ou seja, estribando-se no artº 5.º n.º 3, al. a) e n.º 6, do C.C. Públicos, a entidade recorrente dá vida a um regulamento que não só afasta a aplicabilidade da parte II, do C.C. Públicos, à formação dos contratos a celebrar pelos Hospitais E.P.E. e de valor inferior aos estabelecidos nos termos das alíneas b) e c), do art.º 7.º, da Directiva 2004/28/CE, como, e sublinhe-se, reconhece, implicitamente, a não convocação dos princípios da concorrência e da transparência que se contêm no artº 1º, nº 4, do citado código dos Contratos Públicos.
O procedimento em apreço apresenta-se, assim, como tributário das regras contidas no sobredito Regulamento e que foram objecto de oportuna transcrição.
E, concretizando, vincaremos que a entidade recorrente autorizou a abertura de um procedimento traduzido em Consulta ao mercado e, em conformidade, remeteu convites a cinco empresas para eventual apresentação de propostas. O procedimento em causa não foi, pois, acompanhado de qualquer forma de publicitação.
Neste contexto, importa aferir da bondade de tal procedimento, em face das Directivas Comunitárias, Jurisprudência Comunitária e Lei interna [destacando-se, aqui, o Código dos Contratos Públicos].
2.
Como é sabido, o artº 5º, nº 3, alínea a), do Código de Contratos Públicos, prevê um regime especificamente dirigido à formação dos contratos a celebrar pelos Hospitais E.P.E..
Sob aquela norma, a parte II do C.C. Públicos, é inaplicável à formação de contratos de empreitada de obras públicas a celebrar pelos Hospitais E.P.E., cujo valor se mostre inferior ao mencionado no art.º 7.º, als. b) e c), da Directiva nº 2004/18/CE.
Por outro lado, e ainda de acordo com o art.º 5.º, n.º 6, do CCP, à formação destes contratos são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código de Procedimento Administrativo e, bem assim, normas deste ultimo código, mas com as necessárias adaptações.
Neste contexto, e como bem destaca o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, em sustentado Parecer, a questão que daí emerge traduz-se, afinal, em saber se a tais contratos [os indicados no artº 5º, nº 3, al. a), do CCP] é imposta a a observância dos princípios gerais da contratação pública, pese embora a disciplina contida no art.º 5.º, n.º 3 e 6, do C.C. Públicos.
E o esclarecimento assim perspectivado assume incontornável relevância, porquanto a recusa do visto sob impugnação radica, básica e essencialmente, na violação dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, a qual, por seu turno, é induzida pela ausência de adequada publicitação do procedimento [juízo que o recorrente também incorpora nas suas alegações].
Equacionada a questão tida por nuclear no domínio do presente acórdão, urge abordá-la.
3.
O Código dos Concursos Públicos, aprovado pelo Decreto Lei n.º 18/2008, de 29.1 [diploma que transpõe o conteúdo das directivas n.ºs 2004/17/CE e 2004/28/CE, ambos do parlamento Europeu e do Conselho], prevê no seu ar.tº 1.º, n.º 4, que à «contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência».
E importa lembrar que a directiva n.º 2004/18/CE, ora transposta para o Direito Interno Português, já prescrevia que a adjudicação de um contrato deve assentar em critérios que assegurem a observância dos princípios da transparência, da não discriminação e da igualdade de tratamento.
Donde decorre que o C.C. Públicos e a indicada Directiva Comunitária tendem a impor, como regra, a adopção de procedimentos concorrenciais abertos.
E, embora ocorram excepções legais a tal regra, importa sublinhar que o procedimento concorrencial aberto garante, em boa medida e melhor previsão, a salvaguarda dos princípios da igualdade e da concorrência e, ainda, os princípios da transparência e da publicidade, que, consabidamente, se entrelaçam com os primeiros.
De facto, e na peugada do acórdão sob impugnação, as entidades adjudicantes, mesmo face a procedimentos concorrenciais menos abertos e à não aplicação de procedimentos tipificados nas Directivas Comunitárias e regras internas, devem pautar a sua actividade pela exigência e rigor, perseguindo, de um lado, o cumprimento dos ditames inerentes aos princípios da concorrência, e, do outro, restringindo o apelo a procedimentos que inviabilizem o acesso à contratação.
Orientação que, longe da inocuidade, se assume como a melhor forma de proteger os interesses financeiros públicos [desígnio privilegiado de toda a contratação pública].
3.1.
Como decorre das alegações deduzidas pela entidade recorrente, o acórdão recorrido, ao assentar a recusa de visto na suposta violação do principio da concorrência, violou, de um lado, a tramitação contida no art.º 5.º, n.º 3 e 6 do C.C. Públicos [por inconsideração da proibição da aplicação da parte II, do CCP, ao procedimento em apreço, e indevida convocação de princípios inerentes à contratação pública e não contidos no Código de Procedimento Administrativo], e, do outro, mas sempre infundadamente, elegeu a Constituição como âncora da observância obrigatória do referido princípio [da concorrência] e inconsiderou a melhor definição do conceito contratação relevante para o mercado interno [comunitário], contida na Comunicação Interpretativa da Comissão 2006/C-179/02, de 1.8.
Impõe-se o enfrentamento de tal argumentação, porquanto esta se acolhe à questão enunciada em C.2., deste Acórdão, e que apelidamos de central para o encontro da solução pretendida.
3.2.
Na invocação da regra contida no art.º 5.º, n.º 6, do C.C. Públicos, afirmámos acima que à formação do contrato em apreço [subsume-se à norma contida no art.º 5.º, nº 3, do CCP] são aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais do C.P. Administrativo e, eventualmente, as normas deste Código.
Assim, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, tal norma [art.º 5.º, n.º 6, do CPA] determina a observância dos princípios da concorrência e da igualdade aos contratos celebrados pelos Hospitais E.P.E., incluindo os reportados a valores inferiores ao limiar fixado por Directiva Comunitária [2004/18/CE] e aos quais não sejam aplicáveis as regras pré-contratuais fixadas no Código dos Contratos Públicos.
Na verdade, e como é sabido, não só o princípio da igualdade [definível, aqui, pela não discriminação de algum concorrente (efectivo ou potencial) no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e respectiva tramitação] se assume como princípio geral norteador [vd. art.º 5.º, do CPA] de toda a actividade administrativa, como, ainda é seguro afirmar que a inclusão deste princípio no Código de Procedimento Administrativo constitui uma decorrência necessária da norma contida no art.º 266.º, da C.R. Portuguesa.
E, complementando o referido, importa considerar que o princípio da igualdade se conexiona com o citado princípio da concorrência, sendo adequado afirmar que sem a observância daquele primeiro princípio [da igualdade] este último não é materializável.
Ademais, recordaremos, também, que o código dos Contratos Públicos guinda os princípios da igualdade e da concorrência à condição de pressupostos estruturantes de toda a contratação pública [vd. art.º 1.º, n.º 4].
Pelo exposto, e pese embora o disposto no art.º 5º, n.º 3, do CCP, resta, assim, demonstrada a aplicação à matéria em apreço da Constituição da República Portuguesa e do Código do Procedimento Administrativo, designadamente na parte em que escoram a convocação dos princípios da igualdade e da concorrência. E, sublinhe-se, tais princípios impõem-se à actuação da Administração Pública, ainda que em sede de gestão privada.
3.3.
Mas os princípios invocados [da concorrência, igualdade e da transparência] inscrevem-se, também, na ordem jurídica comunitária e são objecto de apreciação em instância administrativa e judiciária da Comunidade.
Daí que a contratação pública levada a efeito em Portugal deva acolher as regras constantes dos Tratados Europeus e considerar a interpretação levada a cabo pela Comissão Europeia, para além de dar seguimento às decisões provindas do TJCE.
3.3.1.
Tal como se afirma no acórdão recorrido, parte que subscrevemos, os Tratados Europeus, ao objectivarem uma real integração económica dos membros da União Europeia, postulam a respectiva realização mediante o respeito pelas liberdades fundamentais, materializável, entre o mais, pela adopção de mecanismos legais incentivadores da sã concorrência.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias [vd., exemplificativamente, procºs C-458/03, Parking Brixen, e C-324/98, Telaustria], vem insistindo na observância do princípio da igualdade de tratamento [onde se inclui a não discriminação], na obrigação de ser assegurado o estabelecimento e a livre prestação de serviços e, por ultimo, na promoção da transparência [entendida como modo de assegurar aos potenciais concorrentes a publicidade necessária e indutora da abertura do mercado à concorrência].
A actividade contratual pública é, assim, informada pelos princípios da igualdade, da concorrência e da transparência, os quais, como referimos, decorrem do ordenamento comunitário e constitucional [interno].
3.4.
Relevando as considerações aduzidas a propósito dos princípios que informam a contratação pública e respectiva materialização, importa, no entanto, recentrar a apreciação em matéria concretamente alegada pela entidade recorrente e tida como indispensável à cabal pronúncia sobre as alegações juntas.
Referimo-nos, obviamente, à relevação ou não dos contratos para o mercado interno e, subsequentemente, da [in]aplicabilidade das regras decorrentes do tratado CE ao contrato «sub judice».
3.4.1.
A Comunicação Interpretativa da Comissão [2006/C-179/02] sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos [ou apenas parcialmente] pelas directivas comunitárias relativas aos contratos públicos [ex. os de valor inferior aos limiares estabelecidos nas Directivas n.ºs 2004/17/CE e 2004/18/CE], apela, com particular ênfase, à escrupulosa observância dos princípios gerais da contratação pública, aí destacando o princípio da transparência, da concorrência, da igualdade e não favorecimento ilegítimo e, por fim, os princípios da imparcialidade e da publicidade. Princípios que, indubitavelmente, também enformam as regras fundamentais do Tratado.
Por outro lado, a referida Comunicação Interpretativa, no seu ponto 1.3., advoga que os princípios derivados do tratado CE apenas se aplicam às adjudicações de contratos que tenham uma relação suficientemente estreita com o funcionamento do mercado interno [comunitário]. Ou seja, e «a contrario», mas, ainda, na definição conceptual da expressão "relevância para o mercado interno", sempre que a adjudicação de um contrato não apresentar interesse para operadores económicos situados em outros Estados-membros, não se justificaria a aplicação de normas derivadas do direito comunitário primário.
E, ainda nos termos da referida Comunicação Interpretativa, cabe à entidade adjudicante decidir se o contrato a adjudicar revela ou não interesse potencial para os agentes económicos em outros Estados-Membros, sendo que tal decisão considerará, necessariamente, o objecto do contrato, o respectivo valor, as particularidades do sector em questão e o lugar da execução.
Segundo o Ilustre procurador-Geral Adjunto, em Parecer por si junto, a expressão relevância para o mercado Interno traduz um conceito indeterminado que importaria densificar, sendo que, para tanto, bastaria o apelo aos critérios, em razão do valor, previstos no CCP [art.ºs 16.º e seguintes] e que determinam os tipos e escolhas dos procedimentos.
Contrariamente ao sugerido por aquele magistrado, a densificação daquele conceito, mediante escalonamento de valores, passará, cremos, por iniciativas de cariz legislativo e não pela via jurisprudencial.
A esta última caberá, isso sim, ajuizar com recurso aos factores enunciados na referida Comunicação Interpretativa [natureza do objecto do contrato, respectivo valor e especificidade do sector em questão e lugar da execução], traçando orientação decisória, a considerar, eventual e oportunamente, pelo legislador.
3.4.2.
A referida Comunicação Interpretativa da Comissão foi objecto de impugnação junto do TJCE por parte da República Federal da Alemanha, tendo sido proferido Acórdão em 20.5.2010 [vd. processo T-258/06] o qual, e a final, julga o recurso inadmissível, mantendo o teor da referida Comunicação Interpretativa.
Ou seja, e com relevância para a economia do presente acórdão, a referida decisão do TJCE acentua que «o simples facto de um contrato público se situar abaixo dos limiares de aplicação das Directivas Comunitárias não faz presumir que os efeitos do mesmo no mercado interno sejam insignificantes» (1), confirma que cabe à entidade adjudicante aferir do interesse do contrato para agentes económicos situados em outros Estados-Membros e segundo os critérios já inscritos naquela Comunicação Interpretativa (2), enfatiza a incidência dos princípios da igualdade e da transparência, e dos demais princípios gerais do direito comunitário sobre os contratos cujo valor se mostra inferior aos limiares de aplicação das Directivas Comunitárias (3) e, por fim, sublinha que a dispensa de publicidade prévia de anúncio do procedimento apenas é admitida em casos de extrema urgência e no âmbito de contratos, que, por motivos técnicos ou artísticos, apenas podem ser executados por um operador económico determinado.
Dito de outro modo, a citada decisão do TJCE, para além de obrigar à adopção de transparência no procedimento, conseguível mediante o recurso à publicidade adequada, insiste em impor a observância dos princípios estruturantes da contratação pública, ditados pelos ordenamentos comunitário e interno, ainda que em contexto de não aplicabilidade das Directivas Comunitárias referidas.
3.5.
Enquadrados pela orientação legal, doutrinária e jurisprudencial [vd. acórdão de 20.5.2010, do TJCE, Procº T-258/06] acima desenvolvida e a que aderimos, importará confrontá-la com o procedimento adoptado e conducente à celebração do Contrato em apreço.
3.5.1.
Como é sabido, no cumprimento do Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta, a entidade recorrente autorizou a abertura de um procedimento de Consulta ao Mercado com vista à celebração do contrato para a execução da empreitada em causa, fundando-se, tão-só, na norma contida no art.º 25.º, nº 3, do citado Regulamento, o qual prevê o convite a empresas, precedido da publicitação julgada adequada.
Decorrentemente, foram endereçados convites a cinco empresas [vd. II.3., deste Acórdão], as quais, oportunamente, apresentaram as suas propostas.
Tal como se afirma no acórdão recorrido, o procedimento, traduzido, afinal, em consulta a empresas [e não ao mercado] previamente selecionadas pela entidade adjudicante, revela-se "fechado" e, claramente, sem a publicidade necessária a garantir o acesso ao mesmo de um vasto universo de concorrentes.
Acresce que a obra em causa traduz uma despesa bem superior a €1.000.000,00.
Face ao circunstancialismo que envolveu o procedimento adoptado e às considerações de natureza legal, doutrinária e jurisprudencial acima desenvolvida, questiona-se:
- Justifica-se, no caso em apreço, a observância dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência vertidos no art.º1.º, nº 4, do C.C. Públicos, consabida a não subordinação da formação dos contratos a celebrar pelos Hospitais E.P.E. à parte II, do C.C. Públicos?
A resposta conter-se-á em análise que segue.
3.5.2.
Como bem se intui, depara-se-nos um contrato de empreitada, de dimensão financeira não negligenciável, e que, não fora o excepcionamento a que alude o artº 5º, nº 3, do CCP, obrigaria, até, à realização de concurso público ou limitado por prévia qualificação [vd. artº 19º, do CCP]. Logo, e atento o valor do contrato, não é de afastar que a obra em causa interessaria, objectivamente, às empresas situadas no mundo comunitário, e, mais restritamente, às sedeadas em espaço nacional. Ou seja, e no apelo à expressão em uso na referida Comunicação Interpretativa da Comissão e mencionada no Acórdão do TJCE [de 20.5.2010] trata-se de uma empreitada com relevância para o mercado interno.
Por outro lado, e conforme abordagem acima efectuada, o regime específico delineado no art.º 5.º, n.º 3, do CCP, não exclui, sob qualquer forma, a convocação dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência previstos no art.º 1.º, n.º 4, do CCP [só a parte II, do CCP, não é aplicável!], afirmação esta que se acolhe, ainda, à recente jurisprudência do TJCE [vd. Acórdão de 20.5.2010], à Comunicação Interpretativa da Comissão [2006/C179/02], à Constituição da República Portuguesa [vd. art.º 266.º] e, por último, ao art.º 5.º, do Código de Procedimentos Administrativo.
Acresce que o citado Regulamento [Interno] de Aquisição de Bens e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta, E.P.E., reveste-se de natureza regulamentar, logo sem aptidão bastante para se sobrepôr ao accionamento da lei aplicável.
Neste contexto, e muito embora não fosse legalmente exigível a realização de algum concurso público formal tendente à adjudicação da empreitada em causa, impunha-se à entidade recorrente e adjudicante a publicitação adequada do procedimento, em ordem a que, em sede de Mercado Interno, ou, mais restritamente, no âmbito do mercado nacional, se desencadeasse interesse na adjudicação da obra, alargando-se, assim, o número de potenciais concorrentes. Acautelar-se-ia, também, a observância dos princípios da concorrência e da transparência, os quais, como é sabido, são, ainda, caracterizados e aferidos em razão do grau de publicidade imprimido ao procedimento.
De resto, e a propósito, lembramos que, para além de a entidade adjudicante e ora recorrente não ter facultado alguma justificação para a não publicitação da Consulta ao Mercado, a opção por um procedimento assente na consulta restrita [convites!] apenas logaria alguma legitimidade, caso se demonstrasse a inexistência de outra via procedimental que melhor assegurasse a concorrência, ou, por outro lado, se fundasse a inviabilidade de um outro procedimento mais aberto.
E esta demonstração não teve lugar.
Aqui chegados, urge concluir que a não divulgação ampla do propósito contratual, por parte de uma entidade legalmente considerada adjudicante [vd. artº 2º, do CCP] e também organismo de direito público, não assegura os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência previstos no art.º 1.º, nº 4, do C.C. Públicos, daqui decorrendo, também, a susceptibilidade de alteração do resultado financeiro do Contrato. E tanto bastará para fundar a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da LOPTC].
E, ainda perante o exposto, é adequado afirmar que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido não decidiu «contra legem», mas ao abrigo de ampla normação que regula a contratação pública e é também aplicável ao caso em apreço.
D) Da qualificação dos concorrentes.
Das negociações realizadas.
Outras deficiências.
O Acórdão recorrido anota, ainda, que o modo de qualificação dos concorrentes infringiu os princípios da igualdade e da boa-fé, porquanto, e após demonstração, a aplicação dos respectivos requisitos fixados no Programa de Consulta exibe alguma flexibilidade no tocante à empresa co-contratante e maior rigor no tocante aos restantes [4] concorrentes.
Por outro lado, o Acórdão recorrido também destaca que as negociações ultimadas com o concorrente não estavam previstas no Programa de Consulta. E adianta, ainda, que tais negociações conduziram a modificações da proposta adjudicada [relativamente à versão inicial], e a alterações no Programa da Consulta e do Caderno de Encargos [incluem, até, alterações à obra descrita no programa de procedimental], também sem previsão em sede própria.
O que, segundo o acórdão recorrido, induz a violação dos princípios da igualdade, da transparência e da boa-fé.
A final, o acórdão recorrido sublinha que o Programa do Procedimento não identifica, em concreto, as habilitações necessárias e adequadas á obra. Facto que afronta os n.ºs 1 e 2, do art.º 31.º, do Decreto-Lei 12/2004, de 9.1, e os princípios da transparência e da igualdade.
Analisadas as alegações deduzidas pelo recorrente, constata-se o seguinte:
- No tocante ao modo de qualificação dos concorrentes, o recorrente reconhece razão ao ajuizado em sede de acórdão recorrido, mas adverte que tal situação é passível de oportuna e eficaz correcção;
- No concernente às negociações realizadas e, segundo o acórdão recorrido, não previstas no Programa de Consulta, o recorrente acompanha, apenas parcialmente, o juízo crítico do Tribunal; Porém, e na pretensa sustentação desta afirmação, não logra a demonstração de que as negociações se previam no Programa de Consulta, sede adequada para o efeito [tem natureza reguladora e auto-vincula a entidade adjudicante];
- Quanto à não identificação das habilitações exigidas e adequadas à obra, o recorrente limita-se a afirmar [contrariando o acórdão recorrido] que a empresa "Rui Ribeiro, Construções S.A.", dispõe das necessárias habilitações, não as demonstrando ou concretizando;
- Finalmente, e a propósito, adianta-se que a inobservância dos princípios estruturantes da contratação pública no plano da escolha e tramitação do procedimento adoptado, porque bastante para fundar a recusa do visto ao contrato em apreço, torna inútil a abordagem da concessão do visto com recomendações [vd. artº 44º, nº 4 da LOPTC], solução sugerida pelo recorrente em "conclusões" 26.ª a 30.ª, do recurso por si interposto, e relativa à materialidade ora equacionada [vd. III.D].
Não ocorrendo real impugnação dirigida à matéria em apreço, dispensar-nos-emos de outro aprofundamento e, corresponden-temente, mantem-se o decidido [nesta parte] nos seus precisos termos.
E) Do Regulamento para a Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Orta, E.P.E.
Nos termos deste Regulamento, e relevando os poderes aí facultados à entidade recorrente, o Conselho de Administração da E.P.E. em causa decidirá, com autonomia, do recurso ou não a uma via procedimental com carácter concorrencial, não lhe sendo exigido fundamento para a opção tomada.
Tais normas regulamentares tendem, pois, à desconformidade com os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência.
Deste modo, impõe-se aquilatar, pelo meio adequado e em sede própria, da conformidade legal do sobredito Regulamento Interno.
IV. Das Legalidades
Do Visto
1.
Das Ilegalidades
Em consonância com o expendido ao longo deste acórdão, e na confirmação do aresto recorrido, verificam-se, assim, as ilegalidades, a saber:
- Violação do art.ºs 1.º, nº 4 e 5.º, n.º 6, do C. Contratos Públicos, por não observância, no domínio procedimental, dos princípios da concorrência, igualdade e transparência inscritos nos Tratados Europeus e, ainda, na Constituição da Republica Portuguesa, incumprimento induzido, por seu turno, pela não publicitação prévia e adequada do procedimento;
- Infracção às regras contidas no Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas do Hospital Garcia de Horta, E.P.E., e no Programa de Consulta, em razão da realização de negociações não previstas e fixação da qualificação técnica dos concorrentes segundo critérios aplicados indevidamente; O que induz a inobservância, também, dos princípios da igualdade, da transparência e da boa-fé e do preceituado nos art.ºs 5.º e 6.º-A do C.P. Administrativo;
Violação dos princípios da igualdade, concorrência e transparência, contidos nos Tratados Europeus, C.R. Portuguesa e art.ºs 1.º, n.º 4, e 5.º, n.º 6, do C.C.P, por adjudicação de obra diversa da submetida a consulta e consequente falta de procedimento público;
e, por fim,
- A violação dos princípios da igualdade, transparência e de boa-fé, e, ainda, do disposto no art.º 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 12/2004, de 9.1., atenta a não identificação rigorosa, em sede procedimental, das habilitações técnicas exigidas.
1.1.
As Ilegalidades enunciadas e a inobservância dos princípios indicados em IV.1, embora não afrontem, directamente, alguma norma financeira, são susceptiveis de alterar o resultado financeiro do contrato.
2.
Do Visto
Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.8., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa de visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência firmada neste Tribunal de Contas, a densificação da expressão "Ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro" basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades evidenciadas constituem, assim, fundamento de recusa de visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, alínea c), da LOPTC].
Inexiste, pois, motivo para alterar ou revogar o aresto recorrido.
IV. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordaram os juízes da 1.ª Secção, em Plenário, o seguinte:
- Negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter o acórdão recorrido nos seus precisos termos;
- Remeter cópia do presente acórdão a Suas Excelências os Ministros da Saúde e da Economia, no sentido de, à luz da doutrina e jurisprudência comunitárias [vd. Comunicação Interpretativa da Comissão n.º 2006/C-179/02, de 1.8., e Acórdão de 20.05.2010, in processo T-258/06] e, bem assim, da orientação seguida por este Tribunal de Contas, ser ponderada, via legislativa, a clarificação e melhor regulação da matéria contida no art.º 5.º, n.º 3, al. a) e n.º 6, do Código dos Contratos Públicos, por forma a que não ocorram dúvidas quanto à invocação dos princípios contidos no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos, relativamente a procedimentos com natureza e objecto idênticos aos do presente;
- Sejam remetidas ao Ministério Público cópias deste Acórdão e do Regulamento de Aquisição de Bens, Serviços e Empreitadas, privativo do Hospital Garcia de Orta, E.P.E., em ordem a que, eventualmente, seja suscitada a respectiva conformidade legal em jurisdição administrativa adequada.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 14 de Julho de 2011.
Os Juízes Conselheiros,
(Alberto Fernandes Brás - Relator)
(Manuel Mota Botelho.)
(Carlos Morais Antunes)
Fui Presente,
(Procurador-Geral Adjunto)
(Jorge Leal)
(1) Vd. ponto 87
(2) Vd. ponto 89
(3) Vd. ponto 84