Acórdão n.º 20/2011, de 5 de Abril de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 120/2011)

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ACÓRDÃO Nº 20 /2011-5.ABR-1ª S/SS

PROCESSO Nº 120/2011

  

I - OS FACTOS

1. A Câmara Municipal de Oliveira de Frades (doravante designada por CMOF ou por CM) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para "Abertura e Pavimentação da Estrada Circular Nascente - EN 16-EN 333-3 à EN 16", celebrado entre o Município de Oliveira de Frades e a empresa Rosas Construtores S.A., em 27.12.2010, pelo valor de 722 999,99 €, ao qual acresce o correspondente valor em IVA, à taxa legal aplicável.

2. Para além dos factos referidos no número anterior, são dados ainda como assentes e relevantes para a decisão os seguintes:
a) O contrato acima referido foi precedido de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e dos artigos 155.º e seguintes, do CCP (1);
b) O concurso foi autorizado por deliberação da CM de 28 de Outubro de 2010, com base em fundamentos invocados na informação da Divisão de Obras Públicas, Ambiente e Serviços Urbanos de 27 de Outubro de 2010, de que se destacam: "a empreitada em questão será candidata ao Quadro de Referência Estratégico Nacional", trata-se de "um projecto co-financiado por fundos comunitários" e "o prazo para submeter a candidatura está prestes a terminar";
c) O anúncio de concurso público urgente foi enviado e publicado no D.R. n.º 210, II Série, em 28 de Outubro de 2010;
d) O prazo de execução da obra é de 365 dias;
e) O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;
f) Foi fixado como prazo para apresentação das propostas as 16 h e 30 min do segundo dia a contar da data de envio do anúncio;
g) Dez concorrentes apresentaram propostas, tendo sido excluídas quatro;
h) A obra foi consignada em 7 de Janeiro de 2011;
i) Atento o exposto no artigo 155.º do CCP, solicitou-se à CM que apresentasse o fundamento da urgência para a adopção da modalidade de concurso público urgente para adjudicação da empreitada. Em resposta, a entidade adjudicante veio informar o seguinte:
" No seguimento da informação do Chefe de Divisão de Obras (...) datada de 18 de Outubro de 2010 , a salientar a "Abertura urgente de um acesso directo à Escola Básica e Secundária de Oliveira de Frades, de molde a facilitar o transporte e a colocação de monoblocos pré-fabricados de maneira a garantir o regular funcionamento das actividades lectivas e dos serviços de apoio na Escola no decurso das obras de modernização da mesma, cujo inicio se prevê que seja muito em breve".
Nessa informação é referido que a Parque Escolar, E.P.E. lançou um concurso limitado por prévia qualificação para o fornecimento e montagem, em regime de aluguer, de monoblocos pré-fabricados para a instalação provisória de salas para o funcionamento de actividades lectivas e de serviços de apoio nas escolas afectas à Delegação Centro (...). Posteriormente, em 24/09/2010 ocorreu a celebração do contrato entre a Parque Escolar, E.P.E. e a sociedade ALGECO - Construções Pré-Fabricadas, S.A. (...).
Menciona ainda, que essa Entidade contactou este município no sentido de se unirem esforços e assim serem criadas diversas infra-estruturas que possibilitassem a instalação do estaleiro, salas provisórias (contentores) e o acesso directo à zona nascente da Escola Secundária, devido às exíguas dimensões dos acessos da zona poente da Escola (hoje entrada principal), solicitando ao Município que providenciasse, com a rapidez necessária, a criação de um acesso directo à Escola, a nascente da mesma, para a passagem dos camiões e outros veículos de grande porte na medida que a actual estrada não comporta a circulação deste tipo de veículos e, também, a rápida disponibilização da estrada localizada em frente ao estabelecimento de ensino para a sua ocupação com a colocação dos referidos monoblocos bem como com as demais infra-estruturas de apoio à empreitada.
Nesta conformidade, o Município foi confrontado com uma situação imprevisível, isto é, viu-se compelido a contribuir para o sucesso daquele avultado investimento do Estado no concelho (cerca de 15 milhões de euros) com a realização da empreitada (Abertura e Pavimentação da Estrada Circular Nascente - EN16-EN 333-3 à EN 16) no mais curto espaço de tempo possível.
Para o efeito e de molde a optimizar custos, o Município socorreu-se de um projecto que possuía relativo à 1ª fase da variante da vila (traçado este, perto do local da escola) e adaptou-o às circunstâncias do momento. Este projecto fazia parte de um plano previsto pela autarquia no sentido de criar alternativas ao tráfego de pesados que diariamente atravessam a vila, permitindo novas acessibilidades.
Ora, face às circunstancias invocadas, tornava-se imperioso e urgente realizar a empreitada em causa, de forma a responder às exigências da Parque Escolar, E.P.E..
Deste modo, dada a imprevisibilidade que se verificou, entendeu-se que, se tais obras não se efectuassem com alguma rapidez corria-se o risco da afectação da satisfação do interesse público, nomeadamente a impossibilidade dos alunos terem salas de aula disponíveis para assegurar o presente ano lectivo.
Este facto originou inclusive a alteração a nível da candidatura de financiamento pois inicialmente estava previsto candidatar-se outra obra.
Ora, face à imprevisibilidade verificada e à urgência na sua rápida execução entendeu este município avançar também com a sua candidatura tendo em conta as condições de admissão e aceitação da operação que de acordo com o Aviso para submissão de candidaturas ao QRN (...), eram as que a seguir se transcrevem:

"No caso dos concursos públicos "normais", para além das condições específicas previstas nos anexos ao Aviso para submissão de candidaturas, considera-se como condição geral o grau de maturidade dos investimentos a candidatar. Assim, apenas serão admitidas as candidaturas que se encontrem em avançada fase de estabelecimento de vínculo contratual com os respectivos fornecedores, com as necessárias adaptações para os projectos que não digam respeito a infra-estruturas e equipamentos. Entende-se como avançada fase de vínculo contratual, no caso das empreitadas, a preparação da adjudicação, mais precisamente em fase de audiência prévia (cfr. Art. 147° do CCP)";

"No caso dos concursos públicos urgentes, não é exigível que o procedimento esteja em fase de intenção de adjudicação, quando os beneficiários recorram ao procedimento do concurso público urgente, nos termos previstos no n° 2 do artigo 52° do DL 72-A/2010 de 18 de Junho de 2010. Nestes casos exige-se a prova de publicação no Diário da República".

Face ao exposto verificou-se que estavam reunidos os prespressupostos para lançar um concurso público urgente, nomeadamente:

• A imprevisibilidade das ocorrências verificadas, como factor determinante da urgência;
• O facto de se tratar de um projecto co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Centro;
• O valor do contrato ser inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19° do CCP;
• E por fim, o critério de adjudicação ser o do mais baixo preço.

Malogradamente, constata-se, que no despacho de fundamentação da urgência do Presidente da Câmara Municipal falta a referência ao primeiro pressuposto supra citado ("A imprevisibilidade das ocorrências como fundamento determinante da urgência") invocando somente os três últimos, em virtude de serem esses os únicos pressupostos referidos no artigo 52° do do DL 72-A/2010 de 18 de Junho de 2010 e que preconizam a título excepcional o recurso ao concurso público urgente enquanto procedimento e também, em virtude de terem sido essas as indicações veiculadas aos Municípios pelas entidades que lhes prestam apoio. Veja-se, por exemplo, as informações dadas através das circulares da ANMP - Associação Nacional Municípios Portugueses e dos diversos e-mails enviados por parte da Comunidade Intermunicipal da Região Dão-Lafões em anexo.
No entanto e na realidade, o Município recorreu a este tipo de procedimento concursal, na sequência de uma situação imprevisível que se verificou, tendo essa ocorrência de ser resolvida com a máxima urgência de forma a optimizar a gestão operacional das infra-estruturas e eliminar os custos de ineficiência, salvaguardando assim o interesse público das populações.
Assim, face ao que foi referido anteriormente, julgou-se que esses factos seriam suficientes para fundamentar o recurso a essa modalidade concursal prevista nos artigos 1550 e seguintes do CCP - Código dos Contratos Públicos, com as derrogações que directamente constavam no n° 2 do Decreto-Lei n° 72-A/2010 de 18 de Junho de 2010.
Ademais, Margarida Olazabal Cabral, in "O concurso público no Código dos Contratos Públicos ... cit., p. 221 e Gonçalo Guerra Tavares/Nuno Monteiro Dente, in "Código dos Contratos Públicos - Volume / ...cif, p. 412, a propósito do corpo do artigo 155° do CCP - Código dos Contratos Públicos, salientam que este artigo, apesar de se referir á urgência na celebração do contrato, entendem também que o recurso a este procedimento especial não tem que ser justificado pela entidade adjudicante com quaisquer razões de urgência. " ou seja, com base nesta interpretação entendeu-se que não era necessário que a informação do Chefe da Divisão de Obras, consta-se do despacho ou integra-se o processo.
Nesta conformidade, reunidos tais pressupostos e atento ao teor da informação do Chefe de Divisão de Obras, que refere os factos que nos levaram a enveredar pelo concurso público urgente, pese embora, tal fundamentação não constasse de Despacho do Presidente da Câmara Municipal pelos motivos já explanados, a mesma era, obviamente, do seu conhecimento e com base nesses factos entendeu-se que se estava perante um caso de urgência na celebração do contrato, surgida por motivos imprevisíveis.
Por último, é de salientar que era imprescindível actuar com a máxima urgência e em tempo oportuno, recorrendo para esse efeito à abertura de um procedimento pré-contratual na modalidade especial já referida, sob pena, se o não fizéssemos, estar a colocar em causa o Direito ao Ensino e, obviamente, o desenvolvimento educacional do concelho";

j) Face à exigência prevista no artigo 52º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, solicitou-se à CM que comprovasse documentalmente se a candidatura a financiamento comunitário está aprovada. Sobre esta matéria a CM informou o seguinte:
"O projecto foi candidatado ao Programa Operacional do Centro - Mais Centro, no dia 29/10/2010 sendo que até à data a mesma ainda não foi formalmente homologada. No entanto, importa esclarecer que face ao modelo de governação e contratualização do Quadro Estratégico de Referência Nacional (QREN), através da Comunidade Intermunicipal da Região Dão Lafões, cabe ao Município uma subvenção global de 2 385 856,09 € dos quais 1 110 281,90 € se destinam a vertente Mobilidade Territorial, onde se enquadra a Empreitada objecto de visto";

k) Sobre as questões relativas ao financiamento, registe-se igualmente que no anúncio do concurso se referia que o "Município de Oliveira de Frades reserva-se o direito de, nos termos da lei, não adjudicar a presente empreitada (...) nomeadamente se a candidatura apresentada ao (...) QREN (...) não for aprovada pela entidade competente".  

II - FUNDAMENTAÇÃO

3. Estabelecia o nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho:
"Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a)Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b)O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19.º do CCP; e
c)O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço."

4. Como se sabe, nos artigos 155.º e seguintes do CCP, estabelece-se um procedimento de concurso público urgente para, em caso de urgência, se proceder à celebração de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente.
Entendeu o legislador alargar a possibilidade de se recorrer ao mesmo procedimento, para a celebração de contratos de empreitada, durante a vigência do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, desde que se verifiquem os pressupostos fixados nas alíneas a) a c) do nº 2 do seu artigo 52º, agora transcrito.
O recurso a esta possibilidade pressupõe, naturalmente, face ao disposto no artigo 155º do CCP, que se esteja em caso de urgência.

5. Tenha-se ainda presente que o artigo 157º do CCP estabelece que o anúncio do concurso público urgente deve seguir modelo a aprovar por portaria e que o programa do concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio.
Relembre-se ainda que o artigo 158º do mesmo código dispõe que o prazo mínimo para apresentação de propostas é de 24 horas.
Estes dois aspectos do regime aplicável ao concurso público urgente, que agora se relevam, permitem sublinhar a prudência com que aquele regime deve ser usado no caso de formação de contratos de empreitadas de obras públicas. Neste caso, a integração do programa do concurso e do caderno de encargos no anúncio é uma solução impensável. E a definição do prazo para apresentação de propostas deve ser particularmente acautelada, tendo presente que, no concurso público, o prazo mínimo admitido por lei é o de nove dias para os casos de patente simplicidade dos trabalhos a executar. Isto é: tendo a lei admitido a aplicação deste procedimento à formação de contratos de empreitadas de obras públicas, tal aplicação deve ser feita com as adaptações e a prudência necessárias, com respeito do regime legal e dos princípios fundamentais que o enformam.

6. Perante o exposto pela CMOF, não se contesta que estava aquele Município confrontado com uma situação de urgência. Está pois verificado o pressuposto de urgência consagrado no artigo 155º do CCP.

7. Mas para ser accionado o procedimento de formação do contrato através de concurso público urgente, sendo uma empreitada, tinha de verificar-se existirem, no caso, os acima já referidos pressupostos das alíneas a) a c) do nº 2 do citado artigo 52º Decreto-Lei n.º 72-A/2010.
Ora, analisado o processo, pode concluir-se que os pressupostos fixados nas alíneas b) e c) se encontram verificados: trata-se de um projecto cujo valor é inferior ao limiar que releva no caso, e o critério de adjudicação foi o do mais baixo preço.
Mas à data da abertura do procedimento, o pressuposto fixado na alínea a) da referida disposição legal - tratar-se de um projecto co-financiado por fundos comunitários - ainda não estava assegurado. E à data da presente decisão nada foi junto ao processo que demonstrasse que está assegurado tal financiamento.
Como se referiu na matéria de facto, para suportar financeiramente o projecto foi apresentada candidatura "ao Programa Operacional do Centro - Mais Centro, no dia 29/10/2010 sendo que até à data a mesma ainda não foi formalmente homologada" e no próprio anúncio se referiu que o "Município de Oliveira de Frades reserva-se o direito de, nos termos da lei, não adjudicar a presente empreitada (...) nomeadamente se a candidatura apresentada ao (...) QREN (...) não for aprovada pela entidade competente".
Ora, é incontestável que a lei fixa como pressuposto para o lançamento de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada que esta seja co-financiada por fundos comunitários. E a presente empreitada não tem esse pressuposto assegurado.
E a certeza na aplicação do Direito não se satisfaz com a afirmação de que "face ao modelo de governação e contratualização do Quadro Estratégico de Referência Nacional (QREN), através da Comunidade Intermunicipal da Região Dão Lafões, cabe ao Município uma subvenção global de 2 385 856,09 € dos quais 1 110 281,90 € se destinam a vertente Mobilidade Territorial, onde se enquadra a Empreitada objecto de visto".
E a demonstração de que tal afirmação é insatisfatória é feita pela própria CMOF quando no anúncio do procedimento fez a referida reserva.

8. Refere a CM que "de acordo com o Aviso para submissão de candidaturas" ao QREN no "caso dos concursos públicos urgentes" se exige "a prova de publicação no Diário da República".
Compreende-se que se está perante uma situação de difícil resolução por parte da Administração: por um lado a lei (e por isso este Tribunal) exige como pressuposto de abertura de um concurso público urgente que o projecto seja co-financiado. Por outro, as entidades de gestão dos financiamentos comunitários, segundo afirma a CM, exigem, no caso dos concursos públicos urgentes, que os respectivos avisos já estejam publicados, para proceder à aprovação dos financiamentos.
Por forma a romper este "circulo vicioso", este Tribunal em várias processos, valorou positivamente o facto de já estar assegurado tal financiamento quando decide os processos, pese embora este não estivesse assegurado quando se procedeu à abertura do concurso público urgente.
Deve contudo reafirmar-se que este Tribunal deve aplicar a lei e esta tem valor superior aos regulamentos relativos aos financiamentos comunitários. Estes é que se devem conformar àquela.
As entidades gestoras dos financiamentos comunitários deveriam dar atenção a este aspecto e providenciar por que os seus regulamentos permitam aos serviços públicos que na sua acção observem rigorosamente a lei.

9. Mas, no caso presente, nem naquela data - a da abertura do procedimento - nem nesta - a da decisão do processo - se demonstrou estar o financiamento,de facto, assegurado.
Por isso, é forçoso concluir-se que a abertura do concurso decorreu com desrespeito pela alínea a) do nº 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho.
Consequentemente, não poderia ter sido aberto concurso público urgente, nos termos dos artigos 155º e seguintes do CCP, para a formação do presente contrato de empreitada.
E, finalmente, a formação do presente contrato deveria ter decorrido mediante concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nos termos da alínea b) do artigo 18º do CCP.

10. Poderia este Tribunal, no uso das possibilidades que lhe são conferidas pela LOPTC (2), insistir pela melhor instrução do processo, o que inúmeras vezes faz, por forma a que dela resultasse decisão favorável de concessão de visto. Acontece que outra violação de lei ocorreu que não permitiria obter-se tal resultado. Isto é: mesmo que se viesse - ou venha - a demonstrar que o projecto tem efectivamente assegurado o financiamento comunitário, outra violação de lei, no nosso entender, impede a concessão do visto.
Continuemos, pois, na análise do processado.

11. Foi fixado um prazo de 2 dias para apresentação de propostas.
Relembre-se que se trata de um concurso para a celebração de um contrato de empreitada. Sublinhe-se que o valor do contrato é superior a 700 mil euros. Tenha-se em conta que o prazo de execução da obra é de 365 dias. Isto é: trata-se de uma obra com alguma dimensão.
Não pode deixar de perguntar-se: é aceitável que para a formação de um contrato com estas características se estabeleça um prazo de 2 dias para apresentação de propostas? Propostas para uma empreitada, que têm de corresponder a um determinado projecto e a um concreto caderno de encargos?

12. Dir-se-á: a lei admite que o prazo mínimo nos concursos urgentes seja de 24 horas.
É verdade que a lei estabeleceu aquele prazo. Contudo, a lei estabeleceu tal prazo como mínimo. Isto é: aos responsáveis administrativos compete estabelecer o concreto prazo respeitando tal mínimo, mas também as necessárias condições de observância de outras disposições legais e dos princípios básicos da contratação pública. Designadamente, os princípios da igualdade e da concorrência, fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP, mas igualmente na Constituição (3).
Relembre-se o que dispõe o CCP no nº 2 do seu artigo 63º:
"Na fixação do prazo para a apresentação das propostas deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, em especial dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou equipamentos, por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência."
Ora, parece ser evidente que para a formação de um contrato de empreitada, é impossível num prazo de 2 dias para apresentação de propostas estarem asseguradas condições de igualdade e de leal concorrência entre os potenciais interessados em apresentar propostas.
Mais: parece ser evidente que para uma correcta apresentação de propostas, com o rigor necessário à salvaguarda dos interesses públicos, e para que não surjam sobressaltos na fase de execução, aquele prazo é manifestamente insuficiente.
E, sobretudo, diga-se que um prazo tão reduzido, numa empreitada desta natureza, faz fraquejar a certeza, que deve imperar na gestão pública, de que a transparência foi assegurada e as formalidades no procedimento - que na Administração de um Estado de Direito são garantia de observância de valores essenciais - foram efectivamente conduzidas de acordo com a lei.

13. A fixação de um prazo de dois dias, para apresentação de propostas, neste concreto procedimento, viola pois os princípios da igualdade e da concorrência e da transparência, fixados no nº 4 do artigo 1º do CCP e igualmente o disposto no nº 2 do artigo 63º do mesmo código.

14. Ora, foram pois violadas as disposições legais acima referidas no nº 9 e no número anterior.
As violações de lei acima identificadas ofendem os princípios da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos. Princípios cuja observância permitem também obter as melhores propostas para melhor prossecução dos interesses públicos.
Tais violações, podendo ter restringido o universo de potenciais interessados e concorrentes, são igualmente susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e consequentemente do contrato.
Enquadram-se, pois, tais violações no disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC, quando aí se prevê "ilegalidade que ... possa alterar o respectivo resultado financeiro."
Refira-se, a propósito, que quando se diz "[i]legalidade que (...) possa alterar o respectivo resultado financeiro" pretende-se significar que basta o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração dos resultados financeiros. 

III - DECISÃO

15. Pelos fundamentos indicados, por força do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 44.º da LOPTC, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
16. Mais decidem dar conhecimento do presente em acórdão à Comissão Técnica de Coordenação do QREN, visto o que nele se refere acima no nº 8.
17. São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações.
Lisboa, 5 de Abril de 2011

Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Alberto Fernandes Brás)
(António Santos Soares)

Fui presente
(Procurador Geral Adjunto)
(António Cluny)

___________________________________
(1) Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de Setembro, 278/2009, de 2 de Outubro, e pela Lei nº 3/2010, de 27 de Abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de Dezembro
(2) Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril.
(3) Vide nº 2 do artigo 266º e a alínea f) do artigo 81º da CRP.