Acórdão n.º 18/2011, de 29 de Março de 2011, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 65/2011)

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ACÓRDÃO Nº 18/2011 - 29/03/2011 - 1ª SECÇÃO/SS

PROCESSO Nº 65/2011 - 1ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO

A Câmara Municipal de Oliveira de Frades remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato que tem por objecto a execução da empreitada para "Ampliação e Requalificação da Zona Industrial de Oliveira de Frades" [Pavimentações, Saneamentos, Passeios, Depósitos/Reservatórios, Conduta elevatória e reparação de Açudes], celebrado entre aquele Município e a empresa "Geomarão - Engenharia Geotécnica e Construção, Lda.", em 27.12.2010, pelo valor de € 1 320 223,30, acrescido de IVA à taxa legal aplicável.

II. DOS FACTOS

Para além da materialidade referida em I, consideram-se assentes, com relevância, os seguintes factos:

 1. A adjudicação da empreitada foi precedida de concurso público urgente, invocando-se, para tanto, o disposto no art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., e os artigos 155.º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos;
2. A escolha do tipo de procedimento pré-contratual referido - concurso público urgente -, sobrevinda à deliberação da Câmara Municipal tomada em 28.10.2010, assenta em Informação Interna, que acolhe, e onde se sugere que a via procedimental a seguir deverá ser o concurso público urgente, atenta a imprevisibilidade de anomalias verificadas em infra-estruturas e que requerem intervenção rápida, para além de se tratar de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
3. O Aviso de abertura do mencionado concurso foi enviado para publicação no Diário da República no dia 28.10.2010, pelas 15h30, tendo sido publicado ainda em 28.10.2010;
4. No ponto 9. do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas é de 48 horas [até às 16h30 do 2.º dia], a contar da data de envio do anúncio para publicação no Diário da República;
5. Ao concurso em causa apresentaram-se onze [11] concorrentes, tendo sido excluídos dois, em razão da apresentação de propostas sem os documentos exigidos e fora do prazo fixado;
6. O prazo de execução da obra é de 730 dias, a contar da data da celebração do contrato;
7. A obra foi consignada em 28.12.2010;
8. O preço-base da empreitada orça os € 1 800 000,00;
9. O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;
10. Questionada a Câmara Municipal acerca das razões em que assentou a adopção do procedimento pré-contratual referido [de natureza urgente], a mesma elaborou e remeteu a resposta seguinte:
"(...)
No seguimento da informação do Chefe de Divisão de Obras - Eng° José Paulo Monteiro Loureiro, datada de 22 de Outubro de 2010 (11(2), na sequência de uma situação inesperada que ocorreu no açude, nas condutas e nos depósitos, torna-se imperioso e urgente realizar a empreitada em causa, de forma a colmatar rapidamente as diversas irregularidades verificadas. Dada a imprevisibilidade que se verificou, entendeu-se que, se tais obras não se efectuassem com alguma rapidez corria-se o risco ou até o perigo da afectação da satisfação do interesse público - falta/insuficiência de abastecimento público de água.
Este facto originou, inclusive, a alteração a nível da candidatura de financiamento, pois inicialmente estava previsto candidatar-se outra obra.
Ora, face à imprevisibilidade verificada e à urgência na sua rápida execução entendeu este município avançar também com a sua candidatura tendo em conta as condições de admissão e aceitação da operação(...)
Face ao exposto verificou-se que estavam reunidos os pressupostos para lançar um concurso público urgente, nomeadamente:

§ A imprevisibilidade das ocorrências verificadas nas infra-estruturas, como factor determinante da urgência;

§ O facto de se tratar de um projecto co-financiado pelo Programa Operacional Regional do Centro;

§ O valor do contrato ser inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19° do CCP;

§ E por fim, o critério de adjudicação ser o do mais baixo preço.  

Malogradamente, constata-se, que no despacho de fundamentação da urgência do Presidente da Câmara Municipal falta a referência ao primeiro pressuposto supra citado (A imprevisibilidade das ocorrências como fundamento determinante da urgência) invocando somente os três últimos, em virtude de serem esses os únicos pressupostos referidos no artigo 52° do DL 72-A/2010 de 18 de Junho de 2010 e que preconizam a título excepcional o recurso ao concurso público urgente enquanto procedimento. No entanto, e na realidade, o Município recorreu a este tipo de procedimento concursal, na sequência de uma situação imprevisível que se verificou, tendo essa ocorrência de ser resolvida com a máxima urgência de forma a optimizar a gestão operacional das infra-estruturas e eliminar os custos de ineficiência, salvaguardando, assim, o interesse público das populações e atender aos princípios estabelecidos no artigo 3° da Lei da Água Lei n°58/2005, de 29/12). (...)
Nesta conformidade, reunidos tais pressupostos e atento ao teor da informação do Chefe de Divisão de Obras, que refere os factos que nos levaram a enveredar pelo concurso público urgente, pese embora, tal fundamentação não constasse de Despacho do Presidente da Câmara Municipal pelos motivos já explanados, a mesma era, obviamente, do seu conhecimento e com base nesses factos entendeu-se que se estava perante um caso de urgência na celebração do contrato, surgida por motivos imprevisíveis.
Por último, é de salientar que era imprescindível actuar com a máxima urgência e em tempo oportuno, recorrendo para esse efeito à abertura de um procedimento pré-contratual na modalidade especial já referida, sob pena, se o não fizéssemos, estar a colocar em causa a Saúde Pública e, obviamente, a salvaguarda do Interesse Público das populações." .

E, mais adiante, rectificando o prazo para a apresentação das propostas e insistindo na invocação dos argumentos que ditaram a adopção do concurso público urgente enquanto procedimento pré-contratual, a Câmara Municipal de Oliveira de Frades aduz, ainda, o seguinte:
"(...)
O Município de Oliveira de Frades, fixou para este concurso público, cinco dias de prazo para entrega das propostas, e não dois como é referido no anúncio, desde 28/10/2010 a 02/11/2010 às 16:30 horas (pois como refere o artigo 158° do CCP, se for utilizado o prazo mínimo - de 24 horas estas devem decorrer em dias úteis).
Nestes termos:
Considerando que se teve em consideração o tempo estritamente necessário para a elaboração das propostas, em função da natureza, das características, do volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar e ainda a eventual abordagem, em concreto, dos locais de implantação da obra;
Considerando que não se estava perante uma obra de elevada complexidade técnica, porquanto a Lei n.º 31/2009 de 3 de Julho, define no seu artigo 3° alínea I) como "«Estruturas complexas» as que se integrem na definição de edifícios designados por não correntes, de acordo com o artigo 30.° do Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes (RSA), aprovado pelo Decreto -Lei n.° 235/83, de 31 de Maio, ou que exijam ou integrem fundações por estacas em edifícios localizados em zonas sísmicas classificadas como A ou B, de acordo com o RSA";
Considerando que a obra em questão se enquadra na categoria II nos termos do n° 3 do artigo 11.º da Portaria n° 701-H/2008, de 29 de Julho, que refere que nesta categoria se incluem as obras de características correntes e onde sejam predominantes os seguintes aspectos:

- Concepção simples, baseada em programas funcionais com exigências correntes;

- Instalações e equipamentos correspondentes a soluções sem complexidades específicas;

- Pequeno grau de repetição das diferentes partes componentes da obra;

- Solução da concepção e construção sem condicionamentos especiais de custos".

Considerando que o procedimento concursal teria que ser rápido e diligente face à imprevisibilidade que ocorreu, sob pena de se correr o risco ou até o perigo de afectação da satisfação do interesse público - falta/insuficiência de abastecimento público de água;
Considerando que os funcionários da autarquia, durante o período de entrega de propostas (28, 29, 30 e 31 de Outubro, 01 e 02 de Novembro de 2010), prontificaram-se a dar todo o apoio aos potenciais interessados neste procedimento pré-contratual, nomeadamente no que se refere indicação do local das obras e outros esclarecimentos que porventura fossem necessários, acautelando desta forma o legítimo interesse público;
Considerando que o Município de Oliveira de Frades facultou, antecipadamente, e a título de exemplo a todos aqueles que se mostraram interessados no concurso, um orçamento detalhado com os preços unitários praticados na nossa região com o intuito de lhes facilitar o preenchimento das propostas;
Considerando o exposto no ponto anterior, qualquer empresa pequena ou média teria possibilidade num curto espaço de tempo de apresentar uma proposta fidedigna nos moldes do concurso, pois esta não exigia complexidade técnica relevante na sua elaboração, na medida em que obrigava apenas à execução de pequenos cálculos aritméticos;
Considerando que os técnicos do Município fizeram uma cuidada e diligente apreciação dos projectos à luz das finalidades a prosseguir, para que não houvesse quaisquer alteração de soluções construtivas, materiais, equipamentos ou outras especificações do projecto, a ampliação do objecto da empreitada ou a alteração das funcionalidades ou finalidades dos equipamentos a construir, assim corno o surgimento de erros e omissões, trabalhos a mais ou imprevistos;
Considerando que à partida, com a fixação de cinco dias de prazo para a apresentação das propostas não se punha em causa os princípios especialmente aplicáveis no domínio da formação dos contratos públicos, nomeadamente princípio da transparência, da igualdade e da concorrência;
Considerando que se estava perante um caso de urgência na celebração do contrato.
Neste sentido e atendendo às razões invocadas, julgamos que os cinco dias de prazo fixados para o procedimento em causa foram suficientes.
Posto isto, cumpre dizer ainda o seguinte:
A expressão " Face à complexidade técnica da empreitada ..." utilizada por esse Douto Tribunal, em nossa modesta opinião, quererá talvez dizer que se está perante uma empreitada de enorme complexidade técnica? Entendemos, salvo outras opiniões, que se trata de uma empreitada com alguma dimensão e de avultado valor, que compreende inúmeros trabalhos de construção civil, na sua maioria, de manifesta simplicidade técnica.
Acresce ao acima referido que, a descrição sumária do objecto da empreitada (peças escritas e desenhadas) que consta no projecto de execução, demonstra, claramente, que os trabalhos a realizar são do tipo corrente, sem exigências especiais para além das ligadas à boa arte de construir.
Na verdade, o projecto em questão, como pode ser verificado, contém na sua génese poucos projectos de especialidades e não é tão pouco comparável com um projecto de um edifício que implica a elaboração de diversos projectos de especialidades, tais como electricidade, telefones, exaustão de fumos, AVAC, climatização, térmico/acústico, etc., etc., esses sim, em alguns casos de complexidade técnica considerável.
Desta feita, conclui-se que na empreitada em questão não existe nem elevada complexidade técnica (na nossa modesta opinião, trata-se de um conceito indeterminado e impreciso cujos contornos só caso a caso é possível ajuizar), nem tão pouco grande especialização dos trabalhos, visto tratar-se de um conjunto de trabalhos que correntemente são realizados nos mais diversos Municípios.
Assim, tendo em conta que se estava perante um caso de urgência surgida por acontecimentos não esperados invocados no oficio anteriormente enviado a esse Douto Tribunal e em que o concurso teria também de ser rápido e diligente, os prazos procedimentais foram obviamente ajustados de molde a não contrariar as exigências legais e regulamentares aplicáveis ao tipo de concurso adoptado.
Por último, e a titulo exemplificativo, o preço base para este concurso era de 1 800 000,40€. Concorreram onze empresas, tendo três delas, apresentado valores próximos do preço base. As restantes, e em particular o adjudicatário (proposta no valor de 1 320 223,30 €) apresentaram propostas muito abaixo do preço base. Aliás, tivemos mais concorrentes neste procedimento concursal do que em outros concursos públicos, cujo prazo era muito mais dilatado.
Ora, face ao exposto, e às circunstancias invocadas e em particular estas últimas, julgamos que o prazo fixado para a apresentação das propostas foi suficiente." .
11. A empreitada foi adjudicada à empresa"Geomarão-Engenharia Geotécnica e Construção, Lda".
12. A candidatura ao financiamento comunitário ainda não foi objecto de aprovação e, consequentemente, o respectivo contrato não se mostra celebrado;
No entanto, no âmbito do Quadro Estratégico de Referência Nacional [QREN], que opera através da Comunidade Intermunicipal da Região Dão Lafões e Programa Operacional da Região do Centro, está assegurada uma subvenção que permite o financiamento da presente obra na percentagem de 85%.

III. O DIREITO 
 

A materialidade junta ao processo, no confronto com a legislação aplicável, obriga, «in casu», a que ergamos, para apreciação e centralmente, as seguintes questões:

- Fundamento [ou não] legal da adopção do concurso público urgente enquanto procedimento pré-adjudicatório.

- Das Ilegalidades e o Visto  

Passaremos à necessária análise.

1. Do Concurso Público Urgente.
Enquadramento normativo e Pressupostos  

Como é sabido, o procedimento reportado ao concurso público urgente mostra-se regulado na Secção VII, do Código dos Contratos Públicos.
Aí, e sob o art.º 155.º, do C.C.P., dispõe-se que, "em caso de urgência na celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante", pode adoptar-se aquele tipo de procedimento, desde que, por um lado, o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos no art.º 20.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do C.C.P., e, por outro, o critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
O regime em causa não abrangia, assim, a celebração de contratos de empreitada, situação que, no entanto, veio a ser alterada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06. [de execução orçamental].
Na verdade, o art.º 52.º, n.º 2, deste último diploma legal [Decreto-Lei n.º 72-A/2010], veio possibilitar, no ano de 2010, a adopção do procedimento de concurso público urgente, previsto no art.º 155.º, do C.C.P., também no domínio dos contratos de empreitada e sempre que:

§ Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;

§ O valor do contrato seja inferior ao referido na al. b), do art.º 19.º, do C.C.P. ,

e

§ O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

Ainda de acordo com esta última norma, os concursos públicos urgentes no âmbito dos contratos de empreitada reger-se-ão pelas regras constantes do Código dos Contratos Públicos, excepto em matéria reportada à prestação de caução. E, sublinhe-se, é, ainda, aplicável, aos contratos de empreitada o disposto no art.º 158.º, do C.C.P., que fixa, para a apresentação de propostas, um prazo mínimo de vinte e quatro horas.
1.1. Atenta a materialidade tida por provada, indagaremos, agora, se, no caso em apreço, ocorrem os pressupostos vertidos no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 e que, negativa ou positivamente, condicionarão a adopção do concurso público urgente enquanto procedimento.
1.2. Conforme se fixou em I e II, deste acórdão, e também resulta do processo, a presente empreitada destina-se à Ampliação e Requalificação da Zona Industrial de Oliveira de Frades, sendo que se nos depara um projecto a ser co-financiado no âmbito do Quadro Estratégico de Referência Nacional. Trata-se, pois, de um projecto financiado por fundos comunitários.
Acresce que o valor da empreitada [€ 1 320 223,30, acrescido de IVA] é inferior ao valor estabelecido na al. b), do art.º 19.º, do Código dos Contratos Públicos.
E, por último, o critério de adjudicação é do mais baixo preço.
Ocorrem, assim, os pressupostos na referida norma - art.º 52.º, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010 - e que viabilizam a adopção [excepcional!] do concurso público urgente enquanto procedimento, também no domínio da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.
1.3. Mas bastará a verificação daqueles pressupostos para concluirmos pela legalidade do procedimento adoptado [concurso publico urgente]?

A resposta conter-se-á na abordagem que, de seguida, desenvolveremos.

1.3.1. Previamente, vincaremos que o Decreto-Lei n.º 72-A/2010 é um diploma legal que disciplina a execução do Orçamento de Estado para 2010 e não a regulação de matérias respeitantes à contratação pública.
Por outro lado, e ainda como nota preliminar e introdutória, importa esclarecer que o art.º 155.º, do C.C.P., definindo os pressupostos da convocação do concurso público urgente, não detém, contudo, suficiente aptidão para disciplinar matéria relativa aos contratos de empreitada de obras públicas, atenta a maior complexidade que envolve o procedimento neste último domínio, bem distinto, seguramente, do reportado ao citado concurso público urgente.
Em abono do afirmado, e em ilustração comparativa, bastará adiantar que, segundo o art.º 157.º, n.º 2, do C.C.P., o programa de concurso e o caderno de encargos devem integrar o anúncio do concurso, solução impensável no âmbito do procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas. E, ainda no reforço das especificidades que envolvem os procedimentos tendentes à celebração de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis e serviços, de um lado, e à celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, do outro, impõe-se lembrar que, no concernente aos primeiros, o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas [vd. art.º 158.º, do C.C.P.], ao passo que, no tocante aos segundos, tal prazo [também mínimo] é de 20 dias a contar do envio do anúncio do concurso para publicação [vd. art.º 135.º, 1, do C.C.P.] .
Acentua-se, no entanto, que no âmbito da formação dos contratos de empreitada, mas apenas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, se estabelece um prazo mínimo para a apresentação de propostas que, apesar de tudo, se fixa em nove [9] dias.
Percorrida a diversidade de regimes, intui-se, desde já, a necessária prudência na aferição da legalidade do procedimento adoptado no caso que nos ocupa, sendo manifesto que, para tanto, não bastará aplicarmos, crua e linearmente, as regras privativas do concurso público urgente ao procedimento dirigido aos contratos de empreitadas de obras públicas.
Prudência essa que obrigará a um esforço interpretativo suplementar, repudiando orientações meramente sustentadas na literalidade da normação directamente aplicável. O que exercitaremos, de seguida.

1.3.2.
Conforme exigência ínsita ao art.º 157.º, n.º 1, e o C.C.P., a publicitação do concurso público urgente no Diário da República deverá ser efectuada mediante anúncio, a elaborar nos termos da Portaria n.º 701-A/2008, de 29.07 [vd. art.º 1.º, n.º 1, al. b) e Anexo II], devendo deste constar informação sobre o objecto do contrato [incluindo-se aí a respectiva designação e descrição abreviada do objecto].
«In casu», reconheça-se, mostra-se cumprida a injunção contida no sobredito art.º 157.º, n.º 1, do C.C.P. Pelo que, nesta parte, nenhuma censura suscita o procedimento adoptado e sob apreciação.
Porém, a aferição da [in] conformação legal do procedimento adoptado [concurso público urgente] impõe a dilucidação do conceito de "urgência" que, obviamente, deverá suportar, também, o recurso ao tipo de procedimento em causa, ou seja, o concurso público urgente.

1.3.3. Como já assinalámos, o apelo ao concurso público urgente no domínio dos contratos de empreitada de obras públicas apenas é possível por força da norma contida no art.º 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18.06., que, em rigor, introduz no ordenamento uma solução marcada pela excepcionalidade.
Mas a situação em apreço denuncia urgência? 

Cumpre indagar.

1.3.4. A expressão (1) "urgente", tal como referem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, sendo um conceito indeterminado, envolve uma definição normativa imprecisa que, em sede de aplicação, adquirirá significação específica.
A "urgência", constituindo um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos (2), obriga a que averiguemos se, no caso em apreço, o recurso a procedimento diverso [dito "normal"] seria, ainda, idóneo para alcançar os fins definidos pela entidade adjudicante.
Desde logo, e apartando equívocos, importará distinguir a "urgência" da "celeridade". Esta última, na acepção de dever imposto à Administração [vd. art.º 57.º, do C.P. Administrativo], reconduz-se à prontidão e eficácia administrativa, ao passo que a "urgência" sobrevém, em regra, a circunstâncias dominadas pelo risco ou perigo iminente de que o interesse público prioritário não seja satisfeito.
Deslocando tais definições conceptuais para a caracterização da situação em apreço, afigura-se-nos que esta não reveste carácter urgente.  

Senão, vejamos.

1.3.5. A Câmara Municipal de Oliveira de Frades, instada a pronunciar-se sobre as razões que determinaram a opção pelo concurso público de natureza urgente, adiantou, como fundamento, e de relevante, que se mostram reunidos os pressupostos indicados no art.º 52.º, do Decreto-Lei nº 72-A/2010, e se verificam anomalias no açude, condutas e depósitos que, pela sua imprevisibilidade e delicadeza, reputam de imperiosa e urgente a empreitada em causa.
Ora, sendo certo que o prazo de execução da empreitada é de 730 dias e a candidatura ao financiamento comunitário nem sequer se encontra aprovada, não se descortina, assim, alguma circunstância que imponha o concurso público urgente enquanto procedimento pré-contratual.
Ademais, e no reforço do ora concluído, importará sublinhar que a entidade adjudicante não especifica ou concretiza os factos em que assenta o invocado risco e o perigo da falta ou insuficiência de abastecimento público de água, limitando-se, isso sim, a aventar tal eventualidade.
Assim, e muito embora ocorram os pressupostos legitimadores ao apelo ao concurso público urgente, previstos no art.º 52, n.º 2, do Decreto-Lei nº 72-A/2010, de 08.06., a inverificação de alguma situação de urgência sempre impediria a opção por tal via procedimental.
Ousamos, assim, afirmar que a entidade adjudicante em causa [Município de Oliveira de Frades] terá recorrido ao concurso público urgente, não em razão da exiguidade do tempo, mas porque tal opção garantia uma via procedimental menos complexa na sua tramitação e mais curta na respectiva duração.

1.4. Para além do exposto, o procedimento sob apreciação, permite, ainda, constatar que o prazo para apresentação da proposta [vd. anúncio de abertura do concurso] foi fixado em 48 horas e a contar do dia e hora do envio do referido anúncio para o Diário da República.
A manifesta exiguidade de tal prazo colide, obviamente, com o preceituado no art.º 57.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, o qual, no domínio do procedimento de formação do contrato de empreitada, obriga a que as propostas apresentadas pelos concorrentes sejam constituídas por uma lista de preços unitários alusivos a todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução, por um plano de trabalhos definido nos termos do art.º 361.º, do Código dos Contratos Públicos [sempre que o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução] e, ainda, por um estudo prévio [situação prevista no art.º 43.º, n.º 3 do Código dos Contratos Públicos].
Estes elementos já denunciam a complexidade da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitadas.
Mas, embora não olvidemos os limites mínimos legalmente fixados para a apresentação das propostas, tal prazo não se harmoniza, ainda, com o disposto no art.º 63.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, o qual impõe às entidades adjudicantes a obrigação de, na indicação do mesmo [prazo], considerarem, obrigatoriamente, o tempo necessário para a sua elaboração [dependente da natureza, volume e complexidade do objecto do contrato a celebrar] e ainda a eventual abordagem, em concreto, dos locais e equipamentos.
Em suma, um prazo de quarenta e oito horas [previsto, mas não imposto, pelo art.º 158.º do CCP], sendo aceitável no âmbito da apresentação de propostas para fornecimento de bens móveis ou serviços, já se revela claramente insuficiente no âmbito da formação dos contratos ou meras adjudicações de empreitada.
Ademais, invoca-se, de novo, o art.º 135.º,n.º 1, do CCP, o qual, no âmbito da formação dos contratos de empreitada, apenas admite um prazo mínimo de 9 [nove] dias para a apresentação das propostas em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos.
Ora, a empreitada em causa visa a ampliação e a requalificação da Zona Industrial de Oliveira de Frades, envolvendo intervenções nas pavimentações, saneamento, passeios, depósitos/reservatórios, conduta elevatória e reparação de açudes. E o correspondente valor cifra-se em € 1 320 223,30 [s/IVA].
Trata-se, assim, de um projecto que já revela alguma complexidade [vd., a propósito, o teor do programa de Procedimento], compreendendo trabalhos que, seguramente, não devem ser caracterizados como manifestamente simples.
Daí que, e repetindo-nos, não se nos afigure harmonizável o prazo [48 horas] fixado para a apresentação das propostas com a normal e expectável complexidade inerente à respectiva elaboração.
E este juízo encontra conforto no teor do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 01 de Março [diploma que rege a execução orçamental], o qual, embora mantenha a admissibilidade do concurso público urgente no domínio da celebração dos contratos de empreitada [ainda, ao abrigo do art.º 52.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 72-A/2010], prevê, no seu art.º 35.º, n.º 6, que o prazo mínimo de apresentação de propostas no âmbito de tal tipo de procedimento é de 15 dias

1.4.1. E, nesta parte, não colhe o argumento da entidade adjudicante, ao afirmar que foi fixado um prazo de 5 dias para a entrega das propostas e, invocando em sua sustentação, o disposto no art.º 158.º, do Código dos Contratos Públicos.
Na verdade, não sendo os dias 30 e 31 [sábado e domingo] de Outubro e 1 de Novembro [feriado] dias úteis, sempre se impunha a suspensão da contagem do prazo, tal como preceitua o art.º 72.º, al. b), do C.C. Administrativo, aqui aplicável.
Daí que a regra contida no art.º 158.º, do C.C.P., longe de sustentar a pretensão da entidade adjudicante, harmoniza-se, isso sim, com a disposição constante do art.º 72.º, al. b), do C.P.A. .
Neste contexto, o prazo para a apresentação das propostas estipulado no procedimento reporta-se, necessariamente, a dias e tempo úteis, que se traduzem, no caso em apreço, em 48 horas.

1.4.2. A final, diremos, ainda, que a celeridade constitui referência de seguimento obrigatório nos domínios da actividade administrativa em geral, mas a mesma não poderá sobrepor-se ao cumprimento da lei estabelecida ou afrontar os princípios que a enformam, sob pena de perigarem os esteios que suportam o estado de direito. 

2. Das ilegalidades.

2.1. O art.º 38.º, n.º 1, da Directiva n.º 2004/18/CE, prescreve que as entidades adjudicantes, ao fixarem o prazo de recepção das propostas e dos pedidos de participação, devem considerar, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
E, cotejando os considerandos iniciais da citada Directiva, aí se salienta que a adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, autarquias locais..., reger-se-á pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, transparência e concorrência, os quais, de resto, já se mostram plasmados no art.º 1.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos.
A doutrina, ainda, no reforço e explicitação daquele "enunciado" normativo, alicerça a observância do princípio da concorrência (3) na necessidade de satisfazer os interesses públicos pela forma mais vantajosa possível, substancia o princípio da proporcionalidade pela proibição do Estado-administrador configurar medidas que se revelam desnecessárias ou excessivamente restritivas (4) e define o princípio da igualdade pela não discriminação de algum concorrente [efectivo ou potencial] no âmbito do acesso ao procedimento pré-contratual e da respectiva tramitação.
Ora, a adopção do procedimento em apreço [concurso público urgente], para além de não assentar numa situação de urgência, afronta, claramente, os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. E, desde logo, porque o prazo estipulado para a apresentação das propostas, sendo manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, detém aptidão para restringir o número dos concorrentes e eventuais futuros contratantes, impedindo-se, assim, e ainda, a optimização das propostas.
É certo que as entidades adjudicantes detêm margem de liberdade na fixação de obrigações e deveres ínsitos ao procedimento concursal, mas tal liberdade, para além de dever ajustar-se ao objecto do contrato, é ainda limitada pelos aludidos princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade, a cuja observância se mostram legalmente vinculadas.
A violação de tais princípios e, por consequência, da normação que os consigna [vd. art.o 1.º, n.º 4, aliada, ainda, à inobservância das normas contidas nos artigos 155.º e 135.º, n.º 1, também do Código dos Contratos Públicos, constituem ilegalidades susceptíveis de alterarem o resultado financeiro do contrato.  

3. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08., a verificação de ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato constitui fundamento de recusa do visto.
Acresce que, ainda de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a densificação da expressão " ilegalidade que possa alterar o respectivo resultado financeiro", basta-se com o simples perigo ou risco de que, da ilegalidade cometida, possa resultar a alteração do correspondente resultado financeiro.
As ilegalidades enunciadas, porque susceptíveis de determinar a alteração do resultado financeiro do contrato em apreço, fundam a recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08].
 

IV. DECISÃO 
 

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em Subsecção, recusar o Visto ao presente contrato.
Emolumentos legais [art.º 5.º, n.º 3, do Regime dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31.05.].
Lisboa, 29 de Março de 2011 

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (Helena Maria Abreu Lopes) - (António Manuel dos Santos Soares)

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) Vd. C.P. Administrativo, Anotado, ED. 1996.
(2) Vd. Ac. Da 1.ªS/SS, de 17.12.2010, in Proc. 1373/2010 e Maria da Glória Garcia, in "O Estado de Necessidade e Urgência em Direito Administrativo", R.OA. 59.º II.
(3) Esteves de Oliveira, in Contratos Públicos - D.A. Geral, Tomo III.
(4) Ac. do TCAN, de 25.03.2010, Proc. 01257/09.7BEPRT.