Acórdão n.º 159/2009, de 29 de Outubro de 2009, da Subsecção da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1045/2009)

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ACÓRDÃO N.º 159/2009 - 29.Out.2009 - 1ª S/SS

(Processo n.º 1045/2009)

  

DESCRITORES: 

Contratação Pública / Pessoa Colectiva de Utilidade Pública / Contratação "in house" / Protocolo / Concurso Público / Nulidade / Elemento essencial / Recusa de Visto

SUMÁRIO:

1. O regime de contratação pública estabelecido no Código dos Contratos Públicos é tendencialmente aplicável à formação de todo e qualquer contrato público, entendendo-se por tal todo aquele que, independentemente da sua designação e natureza, seja celebrado pelas entidades adjudicantes referidas no Código.

2. A ARS Norte, Instituto Público, é uma entidade adjudicante, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 2.º do Código dos Contratos Públicos, pelo que os contratos por ele celebrados são contratos públicos.

3. O SUCH, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, considerada pela doutrina dominante como pessoa colectiva de direito privado, é uma organização empresarial sofisticada, que, para além de ser privada, conjuga meios próprios com parcerias de negócio, nas quais participam empresas privadas de carácter mercantil.

4. Em face do disposto no n.º 2 do art.º 5.º do Código dos Contratos Públicos, da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e dos princípios que enformam as regras de contratação pública, em especial o da concorrência, a relação entre o SUCH e os seus associados públicos, e, em particular, entre o SUCH e a ARS Norte, não pode ser considerada uma relação "interna" equiparada à que é estabelecida pela entidade adjudicante com os seus próprios serviços.

5. Sendo o protocolo em apreço um contrato de aquisição de serviços celebrado por um instituto público e de valor superior ao estipulado na al. b) do art.º 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE, não está abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública, sendolhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a sua parte II, nos termos do disposto nos arts. 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 2, al. a) e 5.º, n.º 3, al. b) do referido Código.

6. Nos termos do art.º 20.º, n.º 1. al. b) do Código dos Contratos Públicos, o contrato deveria ser precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.

7. A ausência de concurso, quando obrigatório, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, que determina a nulidade da adjudicação e do contrato, nos termos do art.º 133.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 283.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos, respectivamente.

8. A nulidade é fundamento de recusa de visto, nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

ACÓRDÃO Nº 159 /2009 -29.Out-1.ª S/SS

Processo nº 1045/2009


1. A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARSN), remeteu para fiscalização prévia o denominado "Protocolo de Adesão ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos", celebrado entre aquela Administração Regional e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais - SUCH com uma despesa estimada para o ano de 2009 de 816.362,40 €.

2. DOS FACTOS

Além do referido em 1. e noutros pontos deste Acórdão, relevam para a decisão os seguintes factos, evidenciados por documentos constantes do processo:
a) Por deliberação tomada em 5 de Dezembro de 2007, o Conselho Directivo da ARS Norte, IP determinou que se solicitasse ao SUCH a apresentação de uma proposta para a adesão aos seus serviços partilhados, na componente de processamento de salários; (1)
b) Em 4 de Maio de 2009, o Presidente do Conselho Directivo da ARSN, IP assinou o "Protocolo de Adesão ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos do SUCH".                                              
c) Por deliberação de 26 de Maio de 2009, o referido Conselho Directivo autorizou a despesa e autorizou a adesão por protocolo ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos; (2)
d) O protocolo em análise foi assinado em 04 de Maio de 2009;
e) De acordo com o preâmbulo do referido Protocolo, o SUCH, no âmbito da sua actividade, criou Unidades de Serviços Partilhados destinadas a assegurar aos seus Associados, a prestação de serviços de apoio à gestão, entre outros, na área dos Recursos Humanos;
f) Ainda de acordo com o preâmbulo do mesmo Protocolo, o SUCH criou uma unidade operativa autónoma de serviços partilhados que designou por Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos Humanos (C.P.R.G.R.H.);
g) No nº2, da cláusula 3ª, do Protocolo, prevê-se que a gestão daquele Centro operativo pode ser cometida, ou cedida pelo SUCH, a entidades terceiras (Entidade Gestora) constituídas sob qualquer modalidade jurídica que o SUCH entenda conveniente, mediante simples comunicação à ARS Norte, desde que nelas o SUCH detenha participação maioritária, controlo de gestão e dos respectivos órgãos de administração;
h) Nos termos da cláusula 4ª, do Protocolo, o SUCH através do CPRGRH assegurará à ARS Norte, IP., em relação a todos os funcionários e colaboradores desta, os serviços de gestão e processamento de remunerações descritos em anexo I ;
i) Por força do protocolo, o SUCH, através do CPRGRH, prestará à ARSN os serviços de processamento das remunerações dos seus colaboradores, o que envolve (3):
"A. Serviços de preparação para a operação e implementação
Compete ao SUCH proceder ao levantamento inicial de requisitos e processos necessários à implementação dos novos processos e à parametrização da aplicação Meta 4 adaptada às necessidades dos requisitos e processos levantados. (...)

B - Serviços de processamento de remunerações

§ Realização de processos auxiliares;
§ Simulação do processamento salarial;
§ Processamento salarial;
§ Preparação de dados para transferência bancária;
§ Emissão de recibos de vencimentos;
§ Emissão de mapas legais e internos;
§ Execução de Interfaces de saída para a contabilidade e ACSS". 

Os serviços serão pagos ao SUCH pela ARS Norte, nos seguintes moldes (4):
- Preparação para a operação e implementação:
- Levantamento inicial de requisitos e processos: 74.000 €
- Parametrização da aplicação meta 4 em função dos requisitos especiais solicitados pela ARS Norte: 185.000 €
- Preço por salário processado:
- O preço médio por recibo processado é obtido através da fórmula custo unitário/número de recibos processados. Caso o protocolo não seja denunciado no seu termo, inicial ou subsequente, decrescerá nos anos subsequentes à adesão, dependente do número de novos aderentes e da consequente realização de economias de escala, aplicando-se os valores apresentados na tabela seguinte: 

 

2009

2010

2011

2012

Custo por recibo de ordenado

5,25 €

5,25 €

4,71 €

4,64 €

- Despesas de deslocação e estadia fora do concelho de Lisboa.
- Custos extraordinários. 

j) Nos termos da cláusula 17ª a rescisão do protocolo sem justa causa constitui a parte inadimplente na obrigação de indemnizar a parte fiel por todos os prejuízos a esta causados, calculados e liquidados nos termos do anexo VII do protocolo.

k) A rescisão com justa causa confere nos termos da cláusula 18ª à parte fiel o direito de exigir à parte faltosa uma indemnização compensatória, calculada e liquidada nos termos do anexo VII do protocolo.

l) O protocolo foi estabelecido para o período de 1 de Maio de 2009 e cessará em 31 de Dezembro de 2009, podendo o mesmo renovar-se automaticamente nos mesmos termos e condições e por períodos sucessivos de 1 ano até um máximo de duas renovações excepto se for denunciado por qualquer das partes. (5)

m) Questionada sobre qual o fundamento legal para a não abertura de um concurso público para a celebração do presente protocolo, contrato de prestação de serviços, em face do novo regime constante do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, a ARS Norte, respondeu da seguinte forma, pelo ofício n.º 240, de 14 de Julho de 2009:
(...) Assim, parece dever-se entender a solicitação ora efectuada pelo Tribunal de Contas, à luz da asserção de que parte, aparentemente, a verificação preliminar efectuada (evidenciada também nas perguntas 2 e 4), de que o Protocolo ora submetido a visto, assume a natureza jurídica de um contrato de prestação de serviços.
Não é esse, como passaremos a expor, o entendimento da Administração Regional de saúde do Norte, IP; mas ainda que efectivamente o Protocolo sub judice, pudesse ser considerado um contrato de prestação de serviços, sempre se enquadraria no disposto no nº2, do artº 5º, do Código dos Contratos Públicos, ou seja, na chamada contratação in house (...)
Contrato de prestação de serviços é, na definição do artº 1154 do Código Civil, aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, tendo, portanto, como requisitos, a existência de, pelo menos, duas partes, e uma obrigação de resultado que uma assegura a outra.
Assim, não se poderão qualificar de contratos de prestação de serviços a regulamentação interna efectuada no seio de uma associação do modo como os seus associados podem beneficiar dos serviços e/ou prestações que constituem o fim da própria associação e que levaram os associados a constitui-la ou a ela aderir, tal como não poderão ser qualificados como contratos de prestação de serviços as regras de utilização de estruturas comuns constituídas por pessoas ou entidades determinadas; e isto precisamente porque em qualquer desses casos falta o elemento externo, a prestação efectuada por um a outro que caracteriza a prestação de serviços.
Com efeito, nestes casos em que nos encontramos no âmbito da regulação ou da regulamentação intra associativa, o que se discute não são relações contratuais sujeitas aos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade que norteiam a contratação pública, plasmados no nº4 do artº 1 do Código dos Contratos Públicos, mas sim no domínio da auto-satisfação de interesses a que a Administração Pública independentemente da forma que revista, pode, no uso dos seus poderes de gestão, preferir recorrer, em alternativa à aquisição externa dos bens e serviços necessários ao desenvolvimento da sua actividade.
O Protocolo submetido a visto é celebrado entre a ARS Norte, IP e o SUCH, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa de natureza associativa (de que aquele é associado) que congrega diversas instituições e entidades prestadoras de cuidados de saúde.
O SUCH (...) resulta, assim, da associação de diversas instituições particulares de assistência que o criaram como serviço de utilização comum com o objectivo de obter um melhor rendimento económico.
Os actuais Estatutos do SUCH impõem-lhe como objecto o "tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde ao cidadão (nº1 do artº 2º), caracterizando expressamente o SUCH como um "instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados" (nº2 do artº2º).
Entre as iniciativas que exemplificadamente se enumeram como devendo ser adoptadas pelo SUCH está a constituição de unidades de serviços partilhados, as quais podem ser constituídas sob a forma de unidades orgânicas da instituição ou assumir a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades (artº 2º, nº1, alínea d) e nº3).
Do que supra se expôs resulta que a função e missão do SUCH, para a qual foi criado pelos seus associados, entre os quais se inclui a ARS do Norte, é precisamente a de fornecer-lhes bens e serviços através de um estrutura jurídica e operacional comum, adequada a disponibilizar aos associados do SUCH os instrumentos de suporte ao exercício da actividade principal destes, que é a prestação de cuidados de saúde aos cidadãos.
Nesta óptica o SUCH acaba por assumir, ele próprio, a natureza de um instrumento de gestão e acção dos seus associados, como o será qualquer outra entidade que algum deles, por si ou em conjunto com outras pessoas ou entidades, entenda constituir para prosseguir determinados fins tributários da sua missão principal.
Neste contexto, não parece que faça sentido sustentar que para beneficiarem das iniciativas tomadas e disponibilizadas pelo SUCH estão os seus associados obrigados a celebrar com estes contratos de prestação de serviços, submetidos ou não a mecanismos de contratação pública, que implicam necessariamente admitir a possibilidade de os serviços resultantes puderem vir a ser prestados por uma outra qualquer entidade que não a associação constituída para o efeito pelos próprios adjudicantes.
O Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos Humanos do SUCH, através do qual este se propõe assegurar à Administração Regional de Saúde do Norte, a execução das tarefas compreendidas no Protocolo submetido a visto, constitui uma unidade operativa autónoma de serviços partilhados criada pelo SUCH, por determinação dos seus associados, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº1 e nº3 do artº2 dos seus Estatutos, para assegurar a execução de tarefas de administração e gestão de recursos humanos, e, especificadamente de gestão e processamento de vencimentos e outras remunerações aos associados do SUCH e ao próprio SUCH.
Esta unidade de serviços partilhados, de adesão livre pelos associados do SUCH que queiram usufruir dos benefícios pela mesma assegurados, constitui um dos modelos de organização do SUCH e do seus associados e carece necessariamente de regras que disciplinem a utilização por aqueles que a integram dos serviços disponibilizados pela unidade em causa.
Ora, é apenas isso o que faz o Protocolo em causa: regular as regras de utilização do Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos humanos pelos seus aderentes, todos associados do SUCH e que com este o integram, estabelecendo os serviços que aquela entidade pode prestar aos seus utilizadores e qual o valor da comparticipação dos associados do SUCH, aderentes do Centro de Processamento nos seus custos de funcionamento.
Daí que constituindo o próprio CPRGRH um instrumento criado pela Administração Regional de Saúde do Norte, IP, conjuntamente com outros associados do SUCH, no seio deste, para lhe proporcionar e executar tarefas de administração e gestão de recursos humanos, configure o mesmo um acto de gestão quanto ao exercício da sua própria actividade administrativa e não um contrato de prestação de serviços, até por estes não poderem ser celebrados por uma qualquer entidade consigo mesma. Razão pela qual se começou por sustentar e ora se reitera que não configurando o Protocolo submetido a visto um contrato de aquisição de serviços, não está o mesmo abrangido pelo disposto no artº 4º da Resolução nº 13/2007 de 27 de Março.
Porém, ainda que assim não se entenda, (...)e se vislumbre no Protocolo oportunamente submetido a visto desse Tribunal um verdadeiro e próprio contrato de prestação de serviços, constitui entendimento desta Administração Regional de Saúde que o mesmo se encontra abrangido pela excepção consagrada no nº2 do artº 5 do CCP (...")

n) Questionada sobre qual a entidade que, no âmbito do protocolo celebrado em 4 de Maio de 2009, com a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, vai, efectivamente, assegurar a gestão do centro de processamento de remunerações e gestão de recursos humanos e, designadamente, se tal gestão será efectuada pelo ACE "Somos Pessoas", veio a ARSN a coberto do oficio 56 507 de 22 de Outubro de 2009, transmitir os esclarecimentos prestados pelo SUCH:
" O Somos Pessoas, ACE, é um agrupamento complementar de empresas criado pelo SUCH, com carácter auxiliar e instrumental, no respeito pelos seus estatutos, que observa integralmente os requisitos exigidos na referida cláusula do Protocolo, pelo que está em condições de assegurar a gestão dos serviços a que se refere o mesmo protocolo (...).
No concreto âmbito do protocolo celebrado em 4 de Maio de 2009 entre a Administração Regional de Saúde do Norte, IP e o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, a que se refere o despacho proferido pelo Tribunal de Contas na sua sessão diária de visto de 8 de Setembro de 2009, não pode ainda ser tomada efectiva decisão sobre a utilização da faculdade prevista no nº2 da cláusula terceira do protocolo, na medida em que a mesma só fará sentido quando o Protocolo vier a ser visado pelo Tribunal de Contas e produzir cabalmente os seus efeitos." (6)

o) Os novos Estatutos do SUCH foram publicados em Dezembro de 2006, tendo, no entender, do próprio SUCH, reforçado a sua natureza associativa e privada (7);

p) Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, desses Estatutos, o SUCH tem por objecto tomar a seu cargo iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus Associados, designadamente prestando-lhes assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos, assegurando a exploração ou a gestão de instalações técnicas e áreas industriais, incluindo lavandarias, centrais e transportes e constituindo unidades de serviços partilhados;

q) O artigo 6.º dos Estatutos do SUCH estabelece:
"1. Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas (8), que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde.
2. Podem ser associados do SUCH serviços pertencentes ao Ministério da Saúde ou dele dependentes."

r) Em 31de Dezembro de 2008, o SUCH tinha 95 associados (fls. 302 e ss dos autos), entre os quais se contam entidades do Sector Público Administrativo, Institutos Públicos, Entidades Públicas Empresariais, Instituições Particulares de Solidariedade Social, Pessoas Colectivas de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa, uma Cooperativa (CESPU) e um Hospital Privado (Hospital dos Lusíadas).

s) A ARS Norte é 1 desses 95 associados.

t) Nos termos do artigo 7.º dos Estatutos do SUCH, são direitos dos associados:
"1.a) Usufruir dos serviços prestados pelo SUCH nos termos que forem regulamentados;
b) Eleger os membros não nomeados dos órgãos sociais do SUCH;
c) Apresentar todas as propostas que julguem de interesse para a melhor prossecução dos fins do SUCH;
d) Reclamar perante o Conselho de Administração dos actos que considerem lesivos dos seus interesses;
e)Recorrer para a Assembleia-Geral dos actos do Conselho de Administração que julguem irregulares;
f) Examinar, na sede do SUCH, o orçamento e o relatório e contas.
2. Os associados podem apresentar à Assembleia-Geral propostas para a constituição da Mesa da Assembleia-Geral, do Conselho Fiscal e da Comissão de Vencimentos."   

u) Nos termos do artigo 10.º dos Estatutos do SUCH, são órgãos do SUCH a Assembleia-Geral, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal;

v) De acordo com o respectivo artigo 12.º, a Assembleia-Geral é constituída por representantes de todos os associados;

w) Por força do artigo 15.º, compete à Assembleia-Geral eleger e destituir os membros não nomeados dos órgãos do SUCH; apreciar e aprovar os planos estratégicos e de actividades; apreciar e aprovar o relatório e contas do exercício anual; pronunciar-se sobre a gestão do SUCH; deliberar, por maioria de três quartos dos associados presentes, sobre alterações aos estatutos; deliberar, por maioria de três quartos do número total de associados, sobre a dissolução do SUCH; deliberar, por proposta do Conselho de Administração, sobre a realização de empréstimos e a aquisição, alienação ou oneração de bens imóveis; deliberar, segundo proposta do Conselho de Administração, sobre a participação do SUCH noutras pessoas colectivas, nomeadamente, subscrição de participações, quotas ou acções na sua constituição, aquisição de participações, quotas ou acções em pessoas colectivas já constituídas ou adesão a associações constituídas ou a constituir; conhecer dos recursos interpostos  da recusa de admissão como associados do SUCH, pronunciar-se sobre as questões que lhe sejam apresentadas nos termos regulamentares e aprovar o regulamento de quotização proposto pelo Conselho de Administração;

x) O número de votos de cada associado na Assembleia-Geral é determinado pelo valor percentual dos serviços adquiridos relativamente à facturação total do SUCH (cfr. artigo 14.º, n.º 6);

y) Nos termos dos artigos 16.º dos Estatutos, o Conselho de Administração do SUCH é composto por um Presidente, um VicePresidente e três Vogais. O Presidente e o Vice-Presidente são nomeados pelo Ministro da Saúde e os três Vogais são eleitos em Assembleia-Geral;

z) De acordo com o artigo 17.º, o Conselho de Administração assegura a gestão da associação, mediante o plano de actividades e o orçamento aprovado pela Assembleia-Geral;

aa) O Conselho Fiscal, composto por três membros, é eleito em Assembleia-Geral (cfr. artigo 22.º);
bb) A intervenção do Ministro da Saúde traduz-se em:

§ Nomear o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração (artigo 16.º, n.º 2);
§ Exercer a tutela sobre o SUCH (artigo 4.º);
§ Homologar as alterações aos Estatutos aprovadas em AssembleiaGeral (artigo 15.º, n.º 2);
§ Homologar a dissolução do SUCH, aprovada em Assembleia-Geral (artigo 15.º, n.º 2);
§ Homologar a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto (artigo 15.º, n.º 3);

cc)O artigo 2.º, n.º 2, dos Estatutos estabelece que, para  além de ser um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, o SUCH pode ainda, no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados. O n.º 4 diz ainda que o SUCH pode alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que não resulte qualquer prejuízo para os associados e haja vantagem no plano económico e em matéria de enriquecimento e valorização tecnológica; 

dd) A fols. 79 e seguintes do Proc. nº 349/09, deste Tribunal, contam umas  listagens de clientes e de facturação relativamente a diversas áreas de negócio do SUCH (Energia, Manutenção, Projectos e Obras, Segurança e Controlo Técnico, Limpeza Hospitalar, Resíduos e Nutrição), registando-se aí,  como clientes, entidades privadas, como, por exemplo,  British Hospital Lisbon XXI, S.A., Clínica de Montes Claros, Lda., Clínica Particular de Barcelos, Lda., Controlvet Segurança Alimentar, DALKIA- Energia e Serviços, S.A., Farma APSProdutos Farmacêuticos, S.A., Ferticentro- Centro de Estudos de Fertilidade, S.A., IMAGRAN- Lab. de Imagiologia da Marinha Grande, Imalis- Meios Diagnósticos de Imagiologia de Leiria, Lda., Intercir- Centro Cirúrgico deCoimbra, Lda., SECIL- Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A., Sociedade da Água do Luso,  SOMINCORSociedade Mineira de Neves Corvo, S.A.,  AICCOPN- Assoc. Indust. Const. Civil e Obras Públicas, Ensinave- Educação e Ensino Superior Alto Ave, Lda., Abbott Laboratórios, Lda., Codan Portugal Instrumentos Médicos, S.A., Serunion Restaurantes de Portugal, S.A., HPP Saúde- Hospital Privado de Santa Maria de Faro, Hospital Particular de Viana do Castelo, Lda., ACOS- Laboratório Veterinário de Beja, Ginásio Clube Português, Sociedade de Construções Soares da Costa, S.A., Tecnovia Açores- Sociedade de Empreitadas, S.A., SAMS, Clínica CUF Torres Vedras, S.A., Dr. Joaquim Chaves Laboratório de Análises Clínicas, S.A., Eurest Portugal- Soc. Europeia de Restaurantes, Lda., Ambitral Transporte de Resíduos, Lda., entre muitos outros, em que se incluem farmácias, clínicas, laboratórios clínicos, laboratórios farmacêuticos, lares, etc.   

ee)A fols. 78 do Processo referido na alínea anterior,  retiram-se também dados relativos ao volume de negócios do SUCH em 2008, concluindo-se que foram facturados a entidades  não associadas do SUCH 21.614.562,09 €, representando 24,6% da facturação;

ff) Dos mesmos dados,  resulta  que a facturação a entidades privadas no referido ano foi de 7.484.990,73 €, representando 8,52% do total.

gg) O artigo 2.º, n.º 3, dos Estatutos estipula que as unidades  de serviços partilhados constituídas pelo SUCH podem ser constituídas sob a forma de unidades orgânicas do SUCH ou sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades;

hh) O artigo 3.º dos mesmos Estatutos, determina que, sempre que tal se mostre de interesse para a prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir ou alienar participações sociais; 

ii) No Relatório de Gestão e Contas de 2008 do SUCH, junto a fols. 235 dos autos, refere-se nas páginas 60 e seguintes:
"Tendo presente a publicação do novo Código dos Contratos Públicos  - CCP, através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro,  que veio unitariamente estabelecer a disciplina aplicável à formação dos contratos públicos, assumiu particular importância o enquadramento geral das relações entre os SUCH e os seus Associados públicos face às normas aplicáveis, no ordenamento jurídico nacional e comunitário, em matéria de contratação pública.
Em sede de aprofundamento destas matérias jurídicas, e tendo por base uma interpretação teleológica conforme às normas comunitárias, considera-se possível reconduzir as relações estabelecidas entre o SUCH e os seus associados públicos à figura das relações in house, com a consequente exclusão dos acordos celebrados no âmbito dessa relação jurídica da esfera de aplicação das regras sobre contratação pública, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CCP.
Embora, desde sempre se tenha entendido e, portanto, defendido, que o SUCH, como organismo de direito privado não está sujeito à disciplina da contratação pública, a verdade é que, também desde sempre, se tem propugnado pelo respeito rigoroso dos princípios da boa fé, transparência, publicidade, igualdade e concorrência na formação dos contratos a celebrar pelo SUCH."   

Por se concordar, em termos gerais, com o decidido no Acórdão nº 143/09 de 22 de Julho de 2009, da 1ª Secção deste Tribunal (9), relativamente a um contrato celebrado entre o Hospital de Faro, EPE e o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, iremos, no caso presente, acompanhar muito de perto o decidido nesse aresto. Assim:

3. A DOUTRINA DO PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA SOBRE O SUCH

A natureza da contratação entre os SUCH e os seus associados, quando estes se configuram como pessoas colectivas de direito público, maxime os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, foi sempre muito controvertida, tendo dado origem a inúmeros pareceres, de que se salientam dois do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República: o parecer nº 1/95, publicado no DR, II Série, de 1 de Julho de 1995, e o parecer n.º 145/2001, publicado no DR, II Série, de 23 de Abril de 2003.
Ambos os pareceres referenciados foram emitidos durante a vigência das Directivas 93/36/CEE, 93/37/CEE e 93/38/CEE. No que ao direito interno se refere, o primeiro Parecer reporta-se ao regime constante do Decreto-Lei n.º 211/79, de 12 de Julho, anterior pois à integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, e o segundo concluiu já sobre os Decretos-Lei nºs 55/99, de 2 de Março, e 197/99, de 8 de Julho, confessas transposições das Directivas de 1993, atrás identificadas.
Refiram-se aqui as conclusões do parecer de 2001, invocado no presente processo:
"1.ª O serviço de utilização comum dos hospitais (SUCH), criado nos termos do Decreto-Lei n.º 46 668, de 24 de Novembro de 1965, retomou, com a execução do procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 12/93, de 15 de Janeiro, a estrutura associativa e a designação de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (artigo 1.º, n.º 2, dos estatutos).
2.ª O SUCH, associação de entidades hospitalares públicas e privadas e de instituições particulares de solidariedade social que se dediquem à promoção e protecção da saúde, deve ser qualificado, pelas suas finalidades estatutárias e pelo regime de intervenção estadual a que está submetido, como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
3.ª No regime estatutário do SUCH compreendem-se traços juspublicísticos, com incidência na designação de titulares dos seus órgãos directivos pelo Governo (artigos 13.º, n.º 2, e 16.º, n.º 2, dos estatutos) e a sujeição de alguns actos de gestão a tutela integrativa do Estado (artigo 15.º, n.º 1, alíneas e), f) e g), dos mesmos estatutos).
4.ª A finalidade principal do SUCH é a prestação de certos serviços aos seus associados, para um funcionamento mais ágil e eficiente destes e em regime materialmente de cooperação e entreajuda, sem apelo a recursos exteriores.
5.ª No regime de concorrência e de mercado, o SUCH pode ainda desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados.
6.ª O regime previsto nos Decretos-Leis n.ºs 59/99, de 2 de Março, e 197/99, de 8 de Junho, pressupõe a necessidade de recurso a contratantes externos, destinando-se a salvaguardar os princípios da concorrência e da imparcialidade em vista a garantir a igualdade de tratamento dos operadores que pretendam contratar com a Administração.
7.ª Consequentemente, a actuação do SUCH no exercício das atribuições referidas na conclusão 4.ª mostra-se excluída dos pressupostos de aplicação do regime jurídico dos diplomas legais mencionados na conclusão anterior.
8.ª Fora das situações a que se referem as anteriores 4.ª e 7.ª conclusões, o SUCH, sempre que, como dono de obra ou adjudicante de bens e serviços, careça de contratar com terceiros, inclui-se entre  as entidades equiparadas a organismos de direito público, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, compreendendo-se, nessa estrita medida, no âmbito da aplicação subjectiva destes diplomas legais."

O cerne da doutrina do referido parecer é o de, nos contratos entre o SUCH e os seus associados públicos, não estar em causa o recurso, por estes, a um contratante externo.
As declarações de voto proferidas no parecer, discordando da qualificação jurídica atribuída ao SUCH, vão, aliás, no mesmo sentido fundamental: podendo qualificar-se o SUCH como um organismo de direito público, daí decorreria a possibilidade de contratação directa com outro organismo da mesma natureza.
Este entendimento era compatível com alguma doutrina construída sobre as directivas comunitárias então em vigor. Como refere Cláudia Viana (10), o disposto no artigo 1.º, alínea c), da Directiva 92/50/CEE e no artigo 1.º, n.º 6, da Directiva n.º 93/38/CEE, conjugado com o artigo 6.º da Directiva 92/50/CEE e com o artigo 11.º da Directiva 93/38/CEE, levava alguns autores a admitir que os contratos celebrados entre dois entes públicos estavam excluídos da regulação comunitária.
Nesse sentido, era relativamente ampla a possibilidade de caracterizar determinados tipos de contratação entre entes públicos como autosatisfação de necessidades.
No entanto, e tal como se reconheceu quando se decidiu solicitar o segundo parecer à Procuradoria-Geral da República (11), assistiu-se, entretanto, a uma significativa evolução das circunstâncias, que coloca em causa a actualidade do parecer que se vem referindo.

De facto:

§ Foram publicadas novas directivas europeias (12), que clarificaram (limitando) a possibilidade de celebração de contratos entre entidades adjudicantes;
§ Foi proferida relevante jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu sobre a matéria, densificando as excepções à aplicação do regime comunitário de contratação pública e declarando o seu carácter restritivo;
§ Foi publicado, no plano nacional, o novo Código dos Contratos Públicos (13), que alarga, significativamente, em nome do princípio da concorrência, o âmbito dos contratos cuja formação fica submetida aos procedimentos nele regulados;
§ O estatuto jurídico dos hospitais públicos sofreu importante evolução, sendo que parte deles não fazem já parte do Sector Público Administrativo, tendo um regime empresarial;
§ O estatuto e o regime do SUCH sofreram também modificações relevantes, que reforçaram a sua vertente associativa e privada, com enfraquecimento dos poderes tutelares e de controlo do Estado (14).

Face a essas mutações, a doutrina do parecer referenciado não pode já ter-se como segura e, como adiante veremos, sequer como actual e válida.

4. DA CONTRATAÇÃO COM O SUCH COMO UM EVENTUAL INSTRUMENTO DE AUTO-SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES

a) Da natureza do contrato

O protocolo em apreciação consubstancia um acordo de vontades entre duas pessoas jurídicas distintas, entre as quais não existem relações hierárquicas.
Por outro lado, este acordo tem um conteúdo inequivocamente sinalagmático e obrigacional.
Como decorre claramente do seu objecto, identificado na alínea i) do ponto 2 deste Acórdão, o protocolo envolve a aquisição de serviços e, como aí se aponta, essa aquisição é feita contra o pagamento de um preço.
O que se refere na referida alínea aponta, pois, claramente para que estamos perante um verdadeiro contrato oneroso de aquisição de serviços, que estabelece um benefício económico pela realização da prestação, e não perante qualquer forma de cooperação ou assistência mútua, estatutariamente determinada para a realização de uma missão de serviço público.
De facto, inexistem quaisquer cláusulas específicas de serviço público, o tipo de serviços em causa poderia ser adquirido no mercado e nele oferecido por qualquer operador e o incumprimento do contrato está sujeito a penalizações pecuniárias, o que dificilmente se concebe numa relação não contratual (vide alíneas j) e k) do ponto 2).
Ora, estando nós perante um verdadeiro contrato, importa sublinhar que o princípio geral hoje consagrado no Código dos Contratos Públicos é, ao contrário do que antes sucedia, o de que o regime de contratação pública nele estabelecido é tendencialmente aplicável à formação de todo e qualquer contrato público, entendendo-se por tal todo aquele que, independentemente da sua designação e natureza, seja celebrado pelas entidades adjudicantes referidas no Código (15)(16). 
A ARS Norte, Instituto Público, é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código, pelo que os contratos por ele celebrados são contratos públicos, como tal devendo ser qualificado o contrato que nos ocupa.
Estamos, pois, perante um contrato regido pelo Código dos Contratos Públicos e pela legislação comunitária de contratação pública. 

b) Da natureza dos contratantes

Já referimos que a ARS Norte, Instituto Público, é uma entidade adjudicante, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem vindo a afirmar claramente (17) que o regime de contratação pública se aplica, em princípio, aos casos em que uma entidade adjudicante celebra por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso que tenha um objecto abrangido por essas directivas, quer esta segunda entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.
Isto significa que desde que estejamos perante um contrato outorgado por duas entidades distintas, no plano formal e decisório, devemos aplicar as regras da contratação pública, mesmo que essas entidades sejam ambas entes públicos ou entidades adjudicantes.
As directivas de 2004, na senda da jurisprudência do Tribunal de Justiça, vieram clarificar que a participação de organismos de direito público como concorrentes em procedimentos pré-contratuais não pode pôr em causa a livre concorrência (18) e que a possibilidade de celebração directa de um contrato público entre entidades adjudicantes está, hoje, apenas prevista para contratos públicos de serviços e somente em caso de existência de um direito exclusivo (19).
De acordo com a jurisprudência, esta excepção deve ser interpretada restritivamente (20).
Assim, é hoje bem claro (21), no plano do direito europeu dos contratos públicos, que a celebração de contratos públicos economicamente relevantes deve estar sujeita às normas de contratação pública, mesmo quando seja feita entre entidades públicas.
Ora, se a contratação inter-administrativa não é, em regra, e por si própria, considerada como uma forma de auto-satisfação das necessidades, a não ser em situações muito delimitadas, não há razões para deixar de aplicar os mesmos critérios rigorosos quando esteja em causa a contratação entre entes públicos e entes não públicos.
O SUCH é, na afirmação do parecer da Procuradoria-Geral da República referido no ponto anterior, uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, as quais têm sido consideradas pela doutrina dominante como pessoas colectivas de direito privado (22).
Como se refere na alínea ii) do ponto 2, o próprio SUCH se autoqualifica como um organismo de direito privado.
Como se evidencia na alínea r) do ponto 2, e é consentido pelo artigo 6.º dos Estatutos, contam-se, entre os associados do SUCH, entidades privadas.
Acresce que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), dos actuais Estatutos do SUCH, esta associação tem, hoje, também por objecto constituir unidades de serviços partilhados, destinadas a assegurar a prestação aos seus associados da generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde. De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, e como se refere na alínea gg) do probatório, estas unidades de serviços partilhados podem ser constituídas sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras pessoas.
Conforme consta do site do SUCH (23), e consta em anexo ao Relatório de Gestão e Contas 2008, foram criadas pelo SUCH, designadamente, as seguintes entidades:

§ SUCH Dalkia, Serviços Hospitalares: Criada em Junho de 1996, é um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), sendo 50% propriedade do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais e os restantes 50% da DALKIA - Empresa de Serviços, Condução e Manutenção de Instalações Técnicas, S.A. Este ACE tem por objecto social a produção de energia eléctrica e a gestão das actividades dos seus membros relacionadas com a gestão e exploração de actividades de apoio em hospitais, designadamente o conjunto de serviços técnicos de manutenção de equipamentos e exploração de lavandarias.

§ EAS - Empresa de Ambiente na Saúde, Tratamento de Resíduos Hospitalares Criada em Maio de 2001, a EAS é totalmente detida pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais. Transformada em Maio de 2008 em EAS Unipessoal, Lda.com alargamento do seu objecto social, possui uma participação de 64,53% no capital da Valor Hospital, SA.

§ Somos COMPRAS, ACE: Criado em Abril de 2007, Somos COMPRAS é uma entidade empresarial de serviços partilhados para a área de Compras e Logística na Saúde. São agrupados deste ACE, para além do SUCH, com 86%, três grupos hospitalares: - Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE e Hospital de Santa Maria, EPE, representando uma participação de 9%. Integra ainda este ACE, com uma participação de 5%, um parceiro especializado, a SGG - Serviços Gerais de Gestão SA, uma empresa do universo da DeloitteTouche Tohmatsu.

§ Somos PESSOAS, ACE: Com uma participação de 95%, o SUCH é o principal agrupado do Somos PESSOAS, Agrupamento Complementar de Empresas criado em Junho de 2007, tendo a Capgemini, SA, como parceiro especializado, os restantes 5%. Este ACE disponibiliza serviços partilhados de gestão de Recursos Humanos.

§ Somos CONTAS, ACE: O SUCH detém uma participação de 95% na Somos CONTAS, agrupamento Complementar de Empresas (ACE) criado em Junho de 2007, para o desenvolvimento de serviços partilhados de gestão financeira, em que também é agrupado um parceiro especializado, a Accenture, SA, que detém os restantes 5%.

§ Somos AMBIENTE, ACE: Com uma participação de 80%, o SUCH é o principal agrupado do Somos AMBIENTE, ACE, Agrupamento Complementar de Empresas criado em Julho de 2008. Esta unidade empresarial tem por objectivo principal a construção e exploração de um Centro Integrado de Valorização Energética, Reciclagem e Tratamento de Resíduos e conta com a participação de um parceiro especializado e de um parceiro tecnológico.

Estas participações repercutem-se na própria organização estrutural do SUCH. Assim, se atentarmos no seu organograma, verificamos a existência de áreas de negócio constituídas em sociedades, com órgãos sociais próprios, integrados por representantes do SUCH e das empresas participadas. Por exemplo: na Somos Pessoas, a Assembleia-Geral tem um representante da Cap Gemini; na Somos Contas, um representante da Accenture.
No Relatório de Gestão e Contas de 2008 refere-se que, nesse ano, se verificou o arranque das operações dos ACE, a externalização dos processos transaccionais e a definição da estratégia de empresarialização das áreas. Desta estratégia faz parte, como se refere a páginas 22 desse Relatório, a saída do SUCH da posição de prestador de serviços, externalizando-os, e a sua consolidação como parceiro e gestor de contratos.
Deste e de outros documentos, constantes do site do SUCH, resulta clara a actuação de natureza empresarial e de mercado adoptada pelo SUCH nos últimos anos e a estratégia em curso de reforço dessa perspectiva.
Como se referiu na alínea  ee) do ponto 2 deste Acórdão, 24,6%  da facturação do SUCH em 2008 (21.614.562,09 €) respeitou a entidades não associadas do mesmo.
Do exposto resulta que o novo modelo organizativo e a actividade desenvolvida dificilmente se compaginam com a tradicional visão do SUCH como um instrumento de pura "cooperação e interajuda", de "colocação em comum de meios para a obtenção de directas vantagens comuns, dentro do mesmo círculo pessoal dos associados" (24), como um mero braço dos seus associados para a autosatisfação das suas necessidades.
Estamos agora perante uma organização empresarial sofisticada, que, para além de ser privada, conjuga meios próprios com parcerias de negócio, nas quais participam empresas privadas de carácter puramente mercantil. 

c) De uma eventual relação in house

Referia o Advogado Geral no processo C-107/98, do Tribunal de Justiça, denominado processo Teckal, que, para que as regras de contratação pública sejam aplicáveis é necessário que seja celebrado um contrato, que o seja por escrito e que o co-contratante da entidade adjudicante, o fornecedor, tenha efectivamente a qualidade de terceiro relativamente a essa entidade.
Já vimos que estamos perante um verdadeiro contrato celebrado entre pessoas juridicamente distintas. Importa agora certificarmo-nos de que o co-contratante é efectivamente um terceiro para este efeito.
Isto porque, no Acórdão proferido naquele processo, se considerou que, em determinadas circunstâncias, a relação contratual entre pessoas jurídicas distintas pode, ainda assim, reconduzir-se a uma relação interna entre elas, para a qual não se justifica impor o recurso ao mercado.
O Acórdão referido marcou o início da construção jurisprudencial da teoria da contratação in house como justificação para a não aplicação das regras de contratação pública. Esta teoria foi desenvolvida, posteriormente, e sobretudo, nos Acórdãos proferidos nos processos C-26/03 (Stadt Halle), C-231/03 (Coname), C-458/03  (Parking Brixen), C-29/04  (Comissão v. Áustria), C-340/04  (Carbotermo and Consorcio Alisei), C-410/04 (ANAV), C-295/05 (Asemfo/Tragsa), C-337/05 (Comissão v. Itália) e C-324/07 (Coditel).
Esta tese propugna a ideia de que uma entidade adjudicante está dispensada de cumprir as regras de concorrência quando escolhe realizar ela mesma as operações económicas de que necessita, embora, no âmbito da sua autonomia organizativa, através de uma outra entidade que funciona como um seu prolongamento administrativo. Será, então, essa especial relação de prolongamento que, integrando, no plano substantivo, uma relação de dependência entre os entes em causa, elimina a autonomia de vontade de um deles e permite considerar que o contrato não é celebrado com um terceiro.
O parecer da Procuradoria-Geral da República acima referido assentou na ideia de que o regime da contratação pública "pressupõe a necessidade de recurso a contratantes externos". Ora, é esta mesma ideia que enforma a figura jurisprudencial da contratação in house, que a ARS Norte acabou por vir invocar.
Só que, como veremos, o Tribunal de Justiça estabeleceu para esta excepção às regras de contratação pública contornos muito mais exigentes do que aqueles que eram defendidos naquele parecer.
Aliás, a tendência da jurisprudência vai objectivamente no sentido de uma interpretação cada vez mais restritiva dos pressupostos aplicativos da doutrina das relações in house.
A tese defendida nos referidos acórdãos do Tribunal de Justiça, embora não tendo sido explicitamente vertida no texto das directivas de 2004 (25), foi, à semelhança do que sucedeu noutros Estados Membros, expressamente incorporada no Código dos Contratos Públicos português. Consta, hoje, do seu artigo 5.º, n.º 2.
Face à delimitação jurisprudencial desta doutrina e à sua positivização na ordem jurídica portuguesa, deve entender-se que a mesma prevalece, hoje, sobre a tese defendida no parecer da Procuradoria-Geral da República e determina a sua desactualização (26). 

d) Requisitos da relação in house como fundamento de desaplicação da Parte II do Código dos Contratos Públicos e da Directiva n.º 2004/18/CE
Em primeiro lugar, importa observar que a celebração de contratos in house, com dispensa dos procedimentos de pré-contratação, pode ter lugar entre uma entidade adjudicante e uma entidade que o não seja. Isso dispensa-nos, no caso, de analisar a eventual qualificação do SUCH como entidade adjudicante ou como organismo de direito público (27).
Por outro lado, é importante precisar que, hoje, por força do estabelecido no Código dos Contratos Públicos, não podemos falar, na situação em causa, de uma não subordinação, em bloco, ao regime deste Código.
O que o n.º 2 do artigo 5.º estabelece é que, caso os pressupostos da contratação in house se verifiquem, ao contrato não será aplicável a parte II do Código, que se reporta aos procedimentos de formação do contrato.
No mais, poderá ser aplicável o regime constante das restantes partes do Código.
Quanto aos requisitos específicos para a desaplicação das regras de formação dos contratos, o invocado artigo 5.º, n.º 2, do Código determina que a sua parte II não é aplicável, desde que:

"a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior."

A verificação cumulativa dos dois pressupostos referidos permite excepcionar os contratos do princípio geral da concorrência que enforma o regime de formação dos contratos públicos.
O Código não densifica o conteúdo daqueles requisitos, pelo que a sua interpretação e aplicação concreta deve ser feita tomando em consideração todas as circunstâncias de facto pertinentes, embora em consonância com os princípios da legislação europeia aplicável e com os critérios constantes da jurisprudência comunitária que a norma visou acolher.
Deve, pois, atender-se à orientação do Tribunal de Justiça no sentido de a interpretação da excepção dever ser "estrita", ou seja, dever garantir a salvaguarda máxima do princípio da concorrência. 

e) Controlo exercido pela entidade adjudicante

Analisemos, então, a primeira das condições exigidas.
Vejamos se a entidade adjudicante exerce sobre a actividade da entidade com quem contrata, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

Em que deve consistir exactamente esse controlo?

Como se referiu no Acórdão n.º 106/09-11.MAI.2009-1.ªS/SS, citando Bernardo Azevedo (28), na expressão de R. PERIN / D. CASALINI, para que se possa concluir por uma relação de controlo análogo entre a Administração adjudicante e uma qualquer entidade dela distinta, sob o plano formal, é mister que, à primeira caiba um "penetrante poder de indirizzo" ou, segundo RICCARDO URSI, um "adstringente poder de direcção" sobre a actividade da entidade sujeita ao seu poder de controlo (organização in house), um poder que lhe permita exercer uma influência determinante (e não apenas dominante), sobre os objectivos estratégicos e as decisões vitais, a tomar pela organização in house.
Continuando a citar Bernardo de Azevedo (29), refere-se no texto supra mencionado que só assim se torna legítimo sustentar que a entidade controlada se assume como um meio próprio ou como uma estrutura interna da entidade adjudicante, nada mais existindo, afinal, que uma simples relação de «delegação inter-orgânica» (S. COLOMBARI) associada à neutralização ou diluição da personalidade jurídica própria da entidade dominada, que só subsiste em termos puramente nominais.
Como também afirma Alexandra Leitão, no texto já referido, este controlo deve traduzir-se num absoluto domínio sobre a autodeterminação da vontade do prestador do bem ou serviço.
Ou seja, a entidade adjudicatária deve comportar-se como um simples instrumento de concretização da vontade da adjudicante, não tendo autonomia real nem vontade negocial própria.
J.J. Pernas Garcia (30) definiu a situação desta forma: "só há uma vontade decisória que ordena a realização de uma determinada actividade a um apêndice próprio, mediante a adopção de um acto administrativo. O ente que recebe o mandato deve realizar o encargo sem que possa negar-se. A sua vontade não importa. O seu consentimento não é necessário".
Nesse sentido, deverá poder concluir-se que a entidade dominada não goza "de uma margem de autonomia decisória sobre aspectos relevantes da sua vida, relacionados, por exemplo, com a estratégia comercial a seguir, as actividades a desenvolver, os endividamentos a contrair, etc." e que a entidade adjudicante está "em condições de fixar a orientação geral da empresa, atribuindo-lhe o capital de dotação, assegurando a cobertura de eventuais custos sociais, verificando o resultado da gestão e exercendo supervisão estratégica" (31).

No caso, a entidade adjudicante é a ARS Norte IP, que, como já vimos, é um dos 95 associados do SUCH.  

Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) dos Estatutos do SUCH, compete-lhe tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus Associados, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde ao cidadão, designadamente constituindo unidades de serviços partilhados, destinadas a assegurar a prestação aos seus associados da generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde, designadamente a gestão integrada de recursos humanos, gestão administrativa e financeira, informática e telecomunicações e gestão de frotas automóveis.
Esta incumbência do SUCH surge como uma vertente do seu objecto social, descrito nos estatutos, e não como uma imposição administrativa da entidade adjudicante. As concretas prestações são asseguradas por via negocial.
Nestes termos, não se pode afirmar que a adjudicante possa impor ao SUCH a prestação dos serviços em causa. O SUCH oferece-os, no âmbito do seu objecto social (32), e não por determinação da adjudicante.
Face ao regime aplicável, afigura-se que, formalmente, o SUCH dispõe de liberdade quanto ao seguimento a dar a um pedido feito pelos seus associados, e também quanto ao preço aplicável às suas prestações. (33) (34)
O SUCH possui, por outro lado, autonomia decisória para realizar quaisquer actos ou actividades não determinadas ou solicitadas pela adjudicatária.
Mas, mesmo que consideremos os seus associados como um conjunto homogéneo (35), e que se defenda que o SUCH está estatutariamente vinculado a oferecer-lhes determinado tipo de serviços, ou mesmo que se configurasse que essas actividades eram impostas pela entidade tutelar (o Estado) (36), a verdade é que, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º dos Estatutos, o SUCH pode também desenvolver livremente actividades "em regime de concorrência e de mercado", para outras entidades, actividades que dependem exclusivamente da sua vontade
Como se refere na alínea ee) do probatório, as actividades prestadas a não associados, em pleno regime de concorrência e de mercado, representam já perto de 25% da facturação do SUCH.
O SUCH tem, assim, uma significativa autonomia empresarial para destinar livremente ao mercado os seus próprios produtos, podendo exercer uma parte importante da sua actividade económica junto de outros operadores (37).
Ora, na perspectiva de vária doutrina (38), nestas circunstâncias, em que se verifica uma significativa liberdade de acção para a entidade realizar uma parte da sua actividade para terceiros, não é possível dar por verificada a existência do necessário controlo pela entidade adjudicante (39), não podendo qualificar-se a organização como um ente meramente instrumental nem a relação como in house.
Mas, se formalmente o SUCH tem um razoável grau de autonomia e liberdade negocial, importa apurar se existem sobre os seus órgãos decisórios mecanismos de controlo que permitem à entidade pública influenciar, na prática, as suas decisões, atribuindo-lhe a "possibilidade de influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes" (40).
Como se referiu nas alíneas w) e seguintes do ponto 2, a Assembleia Geral do SUCH tem poderes de aprovação dos planos estratégicos e de actividades, elege a maioria dos membros do Conselho de Administração e pode questionar a sua actuação.
Bernardo de Azevedo, no texto citado, e em alinhamento com outros autores, defende que, desde que nos confrontemos com entidades pluriparticipadas, é necessário, para caracterizar uma relação  in house, que o controlo pertença à entidade que concretamente adjudica o serviço,  "o que significa que o mesmo se deve ter por excluído sempre que aquela detenha uma ínfima participação no capital  social da entidade adjudicatária (seja pela excessiva dispersão das participações sociais, seja pela sua distribuição em termos desequilibrados)".
No entanto, a jurisprudência mais recente do Tribunal de Justiça, constante do acórdão proferido no processo C-324/07 (Coditel), que desenvolve ideia já aflorada no acórdão relativo ao processo C-295/05 (Asemfo/Tragsa), em inversão da doutrina que inicialmente foi propugnada no processo C-231/03 (Coname), vai noutro sentido.
Naqueles arestos reconhece-se que a possibilidade de as autoridades públicas recorrerem aos seus próprios meios para dar execução às suas missões pode ser exercida em colaboração com outras autoridades públicas e que, nesse caso, está normalmente excluído que uma dessas autoridades, a menos que detenha uma participação maioritária nessa entidade, exerça sozinha um controlo determinante sobre as decisões desta última.
Em consequência, entende o Tribunal que, nessas situações, pode concluir-se que o controlo de que cuidamos é exercido de forma conjunta pelas entidades públicas que detêm o ente criado, através de deliberações, se for caso disso aprovadas por maioria.
Esta mesma ideia foi consagrada no n.º 2 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos, quando nele se exige que a entidade adjudicante exerça sobre a actividade da entidade com quem contrata um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes.
Ora, como também se refere no processo Coditel"(...) em circunstâncias (...) nas quais as decisões relativas às actividades de uma sociedade cooperativa intermunicipal detida exclusivamente por autoridades públicas são tomadas por órgãos estatutários dessa sociedade compostos por representantes das autoridades públicas  associadas, o controlo exercido sobre essas decisões pelas referidas autoridades públicas pode ser entendido no sentido de permitir que estas últimas exerçam sobre aquela sociedade um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços."
O artigo 5.º, n.º 2, refere que o controlo pode ser exercido em conjunto com outras entidades adjudicantes e a jurisprudência do Tribunal de Justiça fala em controlo exercido por autoridades públicas.
Sucede que, no caso, o SUCH, como vimos nas alíneas s) e  t)  do ponto 2 e na alínea b) deste ponto 4, pode ter, e tem, associados privados e pode ser, e é, detentor de participações em entidades privadas.
Ora, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (41) que a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui, de qualquer forma, que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (42).
Como se refere no acórdão relativo ao processo C-231/03 (Coname), uma sociedade aberta, pelo menos em parte, ao capital privado, não pode ser considerada uma estrutura de gestão "interna" de um serviço público.
Isto porque "a relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, e os seus próprios serviços se rege por considerações e exigências específicas da prossecução de objectivos de interesse público. Ao invés, o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente.
Em segundo lugar, a atribuição, sem concurso, de um contrato público a uma empresa de economia mista colide com o objectivo da concorrência livre e não falseada e com o princípio da igualdade de tratamento dos interessados a que se refere a Directiva (...), na medida em que, designadamente, esse procedimento permite a uma empresa privada com capital nessa empresa uma vantagem relativamente aos seus concorrentes.
Por conseguinte, (...), na hipótese de a entidade adjudicante pretender celebrar um contrato a título oneroso para serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação material da Directiva (...), com uma sociedade juridicamente distinta, em cujo capital detém uma participação com uma ou várias empresas privadas, devem ser sempre aplicados os procedimentos de adjudicação de contratos públicos previstos nesta directiva." (43)  
É certo que, no caso concreto, não estamos perante uma sociedade comercial.
Estamos, sim, perante uma associação, em que os associados contribuem com uma quota e, eventualmente, com contribuições, dotações e subsídios (44).

Será este argumento relevante?

É certo que eles mitigam as preocupações reveladas pelo Tribunal de Justiça. Mas, a nosso ver, não são determinantes.
O SUCH tem já associados privados que não prosseguem interesses exclusivamente altruísticos (como é o caso do hospital privado), e pode vir a ter muitos outros (45). E, mesmo não podendo alienar a sua participação nem sendo beneficiários da distribuição de dividendos, estes associados participarão nas deliberações que determinam e influenciam as actividades do SUCH com subordinação a interesses privados e não públicos, o que acarreta os efeitos referidos pelo Tribunal de Justiça.                                               
Mas, mesmo que considerássemos que a participação privada no SUCH é, no momento, marginal e irrelevante, ou que esses associados intervêm na qualidade de beneficiários e não de prestadores de serviços, as circunstâncias do caso levam-nos ainda a relevar a questão das participações detidas pelo SUCH e os ACE e entidades por ele criados e a que já atrás nos referimos.
Em especial no caso dos ACE através dos quais são prestados serviços, e que integram parceiros privados (46), a adopção de procedimentos de adjudicação directa ao SUCH (ou aos próprios ACE) permite que as empresas privadas participantes desse ACE beneficiem de uma clara vantagem relativamente aos seus concorrentes.
Acresce que, como acima se referiu, a estrutura organizativa do SUCH comporta a representação nos órgãos de administração de representantes desses parceiros privados, que estão colocados numa posição que lhes permite influenciar as decisões de gestão e, dessa forma, interferir com os interesses prosseguidos.
Ora, como se referiu no acórdão proferido recentemente no processo C-480/06 (Comissão v. República Federal da Alemanha), pode admitir-se que as autoridades públicas prossigam as suas missões de serviço público com base em instrumentos organizativos de natureza cooperativa, sem submissão às regras da contratação pública, mas "desde que a realização desta cooperação seja regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução de objectivos de interesse público e que o princípio da igualdade de tratamento dos interessados consagrado na Directiva (...) seja garantido, de modo a que nenhuma empresa privada seja colocada numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes.
Como acabámos de ver, o actual regime do SUCH não garante a subordinação exclusiva da sua gestão a objectivos de interesse público e a contratação directa do SUCH pelos seus associados não conduz à mera partilha e utilização de serviços comuns, num suposto modelo de auto-satisfação, mas à contratação indirecta de empresas privadas associadas (47), que, por essa via, são colocadas numa situação privilegiada relativamente aos seus concorrentes.
Esta actividade económica deve, claramente, ser norteada pelas leis do mercado, sob pena de a concorrência, princípio fundamental da contratação pública, poder ser desvirtuada.

f) Conclusão

Em face do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos, da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e dos princípios que enformam as regras de contratação pública, em especial o da concorrência, não pode, pois, considerar-se que a relação entre o SUCH e os seus associados públicos, e, em particular, entre o SUCH e a ARS Norte, seja uma relação "interna" equiparada à que é estabelecida pela entidade adjudicante com os seus próprios serviços.
Consequentemente, não pode aplicar-se ao caso a excepção prevista no artigo 5.º, n.º 2, do Código.
É também claro que não foi estabelecido a favor do SUCH qualquer direito exclusivo de prestação do serviço em causa (cfr. artigo 5.º, n.º 4,alínea a)).
Não se vislumbra outra qualquer excepção à aplicação das regras de contratação pública ao caso. 

5. DA ILEGALIDADE VERIFICADA E DA RESPECTIVA RELEVÂNCIA                                          

Sendo o protocolo em causa um contrato público de aquisição de serviços, como já demonstrámos.
Sendo a contratação efectuada após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos.
Sendo o contrato celebrado por um Instituto Público. e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE (48).
Não estando o mesmo abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública.
É-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 2, alínea a), e 5.º, n.º 3, alínea b), do referido Código.
De acordo com o estipulado no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
Não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta desta norma legal que o contrato não podia ter sido celebrado.
A ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, como tem sido entendimento deste Tribunal.
Esta nulidade, que pode ser declarada a todo o tempo, origina a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.
A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 44º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.                                               

6. DECISÃO

Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.
São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio.
Remeta-se cópia do presente acórdão à Senhora Ministra da Saúde para que a respectiva jurisprudência possa ser difundida pelas entidades de gestão e administração que operam no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.

Lisboa, 29 de Outubro de 2009 

Os Juízes Conselheiros, - (António M. Santos Soares, relator) - (João Figueiredo) - (Carlos Morais Antunes)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Daciano Pinto)


(1) Vide fols. 28 e 29 dos autos.
(2) Vide fols. 30 dos autos.
(3) Cfr. cláusula segunda do protocolo e anexo I do mesmo.
(4) Cfr. cláusula 5ª do protocolo.
(5) Cláusula 5ª do Protocolo, redacção actual resultante de adenda ao protocolo celebrada em 14 de Agosto de 2009. A redacção inicial não consagrava um limite ao número de renovações
(6) Fls 330 e 331 dos autos.
(7) Cfr.www.somos.pt
(8) Sublinhado nosso.
(9) Ainda não transitado em julgado
(10) Em Contratos públicos "in house"  - em especial, as relações contratuais entre municípios e empresas municipais e intermunicipais, in Revista de Direito Regional e Local, n.º 00, Outubro-Dezembro 2007, pp 34 e ss.
(11) Referia-se, assim, no pedido: "(...)Com fundamento no parecer n.º 1/95 (Diário da República, II Série de 12 de Julho de 1995) tem vindo a entender-se que os SUCH - Serviços de Utilização Comuns dos Hospitais se situam fora dos pressupostos de aplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 211/79,de 12 de Julho.
No entanto, a nova disciplina de realização das despesas públicas, os princípios que enformam a actividade da Administração Pública e a própria natureza dos SUCH têm vindo a pôr em causa a actualidade do já mencionado parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República;
É o caso do parecer anexo[2], solicitado a uma entidade estranha ao Ministério da Saúde, e que concluipela necessidade de sujeitar o SUCH ao regime legal de realização da despesa pública. Em face do exposto, e atento o teor do artigo 37.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, venho solicitar a Vossa Excelência o Parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre a questão de saber se o SUCH se pode considerar isento da legislação em vigor para a realização de despesa de aquisição de bens e serviços ou realização de obras públicas, ou, por outras palavras se se mantém actual a doutrina do Parecer da PGR n.º 1/95 já referido."
(12)
Directivas n.ºs 2004/18/CE e 2004/17/CE, de 31 de Março.
(13) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
(14) Os seus estatutos foram revistos em 2003 e em 2006. A versão actual foi publicada no  Diário da República, II Série, de 29 de Dezembro de 2006.
(15) Cfr. Rui Medeiros, Âmbito do novo regime da contratação pública à luz do princípio da concorrência, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 69, Maio/Junho 2008.
(16) Cfr. artigo 1.º, n.º2, do Código dos Contratos Públicos.
(17) Cfr., designadamente, o acórdão proferido no processo C-107/98 (Teckal).
(18) Cfr. Cláudia Viana, no texto já citado, e o 4.º considerando da Directiva 2004/18/CE:  "os Estadosmembros devem velar por que a participação de um proponente que seja um organismo de direito público, num processo de adjudicação de contratos públicos, não cause distorções da concorrência relativamente a proponentes privados."
(19) Cfr. artigos 18.º da Directiva 2004/18/CE e 25.º da Directiva 2004/17/CE.
(20) Cfr. acórdão Teckal do Tribunal de Justiça, no processo C-107/98.
(21) O que não era tão marcado na altura em que foi produzido o parecer da Procuradoria-Geral da República acima referido.
(22) Cfr. declaração de voto de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no parecer referido.
(23) http://www.somos.pt/Publicdocs/EMPRESAS%20PARTICIPADAS%20SUCH_Set2008.pdf
(24) Como se referia nos pareceres da Procuradoria-Geral da República e vem invocado nos auto
(25) Por falta de acordo quanto à redacção da norma.
(26) É, aliás, esse o entendimento implícito na posição do SUCH.
(27) Refira-se a existência de doutrina no sentido de que as adjudicatárias de contratos celebrados  in house estão, por sua vez, sempre sujeitas às regras dos mercados públicos quando pretendam contratar com privados, atendendo precisamente à sua configuração como  prolongamento interno do ente público - Cfr. Alexandra Leitão, Contratos de prestação de bens e serviços celebrados entre o Estado e as empresas públicas e relações "in house", in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 65, Setembro/Outubro 2007, e Cláudia Viana, no artigo já acima citado.
(28) In "Estudos de Contratação Pública - I", Ed. Coimbra Editora, 2008, págs. 125 e 126.
(29) In ob. e loc. cits.
(30) Cfr. Juan José Pernas Garcia, Operaciones in house y el derecho comunitário de contratos públicos.
(31) Cfr. Pedro Gonçalves, in Regime Jurídico das Empresas Municipais.
(32) O qual consta dos estatutos, sendo que estes são alteráveis pelo órgão máximo do SUCH.
(33) Não obstante e precisamente por se afirmar, a páginas 134 do Relatório de Gestão e Contas 2008, que o SUCH trabalha com "pequenas margens de negócio", para satisfazer a expectativa dos associados na melhor relação preço-qualidade.
(34) Cfr. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo C-295/05 (Asemfo/ Tragsa).
(35) Procurando descortinar a relação in house entre o SUCH e o conjunto de todos os seus associados.
(36) Em virtude de a mesma ter o poder de negar a homologação de uma eventual alteração dos Estatutos.
(37) Cfr. conclusões do Advogado-Geral no processo C-94/99  (Arge), do Tribunal de Justiça: a entidade só "deve ser considerada como totalmente vinculada à sua autoridade de tutela quando a relação orgânica que a une a ela se reveste de uma quase exclusividade, em benefício desta última, dos serviços que presta". 
(38) Cfr., designadamente, autores citados e sufragados por Bernardo de Azevedo, no texto referenciado, e Alexandra Leitão, no artigo também já citado.
(39) Assim se inter-relacionando os dois requisitos referidos no n.º 2 do artigo 5.º do Código.
(40) Cfr. acórdãos proferidos nos processos C-458/03 (Parking Brixen) e C-340/04 (Carbotermo).
(41) Cfr., designadamente, acórdãos proferidos nos processos C-26/03  (Stadt Halle), C-231/03  (Coname), C-29/04 (Comissão v. Áustria), e C-410/04 (ANAV).
(42) Para Rui Medeiros (no texto acima citado) esta qualificação restritiva significa, na prática, que a jurisprudência exige um terceiro requisito para que se possa afirmar uma relação in house: a inexistência de participações privadas na entidade adjudicatária
(43) Do acórdão Stadt Halle.
45 No acórdão proferido nos processos C-29/04 e C-410/04, o Tribunal de Justiça chamou a atenção para que não deve tomar-se em consideração apenas a situação num dado momento, mas a evolução que o regime das entidades consente, prevenindo, em especial, as sequências que podem redundar em expedientes violadores dos princípios.
(44) Cfr. artigo 24.º dos Estatutos.
(45) No acórdão proferido nos processos C-29/04 e C-410/04, o Tribunal de Justiça chamou a atenção para que não deve tomar-se em consideração apenas a situação num dado momento, mas a evolução que o regime das entidades consente, prevenindo, em especial, as sequências que podem redundar em expedientes violadores dos princípios.
(46) Como é o caso do Somos COMPRAS, ACE, considerado como central de compras pelo Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de Outubro.
(47) Ou mesmo de empresas privadas às quais o SUCH externaliza os serviço.
(48) O qual é, de acordo com o Regulamento (CE) n.º 1422/2007, de € 206.000,00.