Acórdão n.º 13/2010, de 25 de Maio de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1045/2009)

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ACÓRDÃO Nº 13 /2010 - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 29/2009

(PROCESSO Nº 1045/2009 - 1.ª SECÇÃO)

 

I. RELATÓRIO

1.A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., inconformada com o teor do Acórdão n.º 159/09, proferido em Subsecção da 1.ª Secção, deste Tribunal, em 29.10.2009, e que recusou o visto ao denominado "Protocolo de Adesão ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos" celebrado entre aquela Administração Regional e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais - SUCH e com uma despesa estimada para o ano de 2009, de €816 362,40, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue:
(...)
1.ª A título de questão prévia, cumpre começar por referir que, de acordo com os trâmites observados, é legítimo defender que, quando o Acórdão recorrido foi proferido, já se teria formado visto tácito relativamente ao Protocolo, nos termos previstos no artigo 85.º, n.º 1, da LOPTC.
2.ª Em todo caso, a verdade é que a adesão da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. ao Protocolo foi realizada no quadro da sua integração no substrato de uma cooperação associativa que vem sendo comummente reconhecida como legal e adequada, incluindo pelo próprio Tribunal de Contas.
3.ª A adesão ao Protocolo teve na sua base os pareceres emitidos pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (cfr. Parecer n.º 145/2001 e Parecer n.º 1/1995), os quais encontram, hoje em dia, claro apoio no n.º 2 do artigo 5.º do C.C.P.;
4.ª No caso do SUCH, resulta claro que os associados públicos detêm influência determinante quer sobre os seus objectivos estratégicos, quer sobre as suas decisões importantes, encontrando-se o mesmo, nos termos dos respectivos Estatutos, obrigado a assegurar "o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados";
5.ª Assim sendo, contrariamente ao defendido no Acórdão recorrido, consideram-se plenamente preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 5.º do C.C.P.;
A recusa de visto ao Protocolo, acarretando a respectiva ineficácia, implicaria - na eventualidade da sua manutenção - a necessidade de alteração brusca de um sistema que está já implementado numa área essencial como a do processamento de vencimentos num instituto que é um dos maiores do País, a nível de recursos humanos;
6.ª Na presente sede, cumpre ainda atender à fundamentação (de facto e de direito) constante da exposição correspondente ao Doc. N.º 1, solicitando-se, nessa medida, ao presente Tribunal que proceda à respectiva análise e ponderação para efeitos do julgamento do presente recurso.
A final, e peticionando, a recorrente requer seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja revogado o Acórdão recorrido, permitindo-se, assim, a manutenção do Protocolo de Adesão ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos, celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Norte e o SUCH, em 4 de Maio de 2009.

2.O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, pronuncia-se pela improcedência do recurso, quer no respeitante à "questão prévia" suscitada pela recorrente, quer ainda no tocante à por si designada "questão principal", igualmente deduzida por esta.

3.Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
  

Ao longo do acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito desse Acórdão e ainda a seguinte:
a. Por deliberação tomada em 05 de Dezembro de 2007, o Conselho Directivo da ARS Norte, I.P. determinou que se solicitasse ao SUCH a apresentação de uma proposta para a adesão aos seus serviços partilhados, na componente de processamento de salários;
b. Em 04 de Maio de 2009, o Presidente do Conselho Directivo da ARSN, I.P. assinou o "Protocolo de Adesão ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos do SUCH".
c. Por deliberação de 26 de Maio de 2009, o referido Conselho Directivo autorizou a despesa e autorizou a adesão por protocolo ao Serviço Partilhado de Recursos Humanos;
d. O protocolo em análise foi assinado em 04 de Maio de 2009;
e. De acordo com o preâmbulo do referido Protocolo, o SUCH, no âmbito da sua actividade, criou Unidades de Serviços Partilhados destinadas a assegurar aos seus Associados, a prestação de serviços de apoio à gestão, entre outros, na área dos Recursos Humanos;
f. Ainda de acordo com o preâmbulo do mesmo Protocolo, o SUCH criou uma unidade operativa autónoma de serviços partilhados que designou por Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos Humanos (C.P.R.G.R.H.);
g. No n.º 2 da cláusula 3.ª, do Protocolo, prevê-se que a gestão daquele Centro operativo pode ser cometida, ou cedida pelo SUCH, a entidades terceiras  (Entidade Gestora) constituídas sob qualquer modalidade jurídica que o SUCH entenda conveniente, mediante simples comunicação à ARS Norte, desde que nelas o SUCH detenha participação maioritária, controlo de gestão e dos respectivos órgãos de administração.
h. Nos termos da cláusula 4.ª, do Protocolo, o SUCH através do C.P.R.G.R.H. assegurará à ARS Norte, I.P., em relação a todos os funcionários e colaboradores desta, os serviços de gestão e processamento de remunerações descritos em anexo I;
i. Por força do protocolo, o SUCH, através do CPRGRH, prestará à ARSN os serviços de processamento das remunerações dos seus colaboradores, o que envolve: 

"A - Serviços de preparação para a operação e implementação
Compete ao SUCH proceder ao levantamento inicial de requisitos e processos necessários à implementação dos novos processos e à parametrização da aplicação Meta 4 adaptada às necessidades dos requisitos e processos levantados. (...) 

B - Serviços de processamento de remunerações

Realização de processos auxiliares;
- Simulação do processamento salarial;
- Processamento salarial;
- Preparação de dados para transferência bancária;
- Emissão de recibos de vencimentos;
- Emissão de mapas legais e internos;
- Execução de Interfaces de saída para a contabilidade e ACSS". 

Os serviços serão pagos ao SUCH pela ARS Norte, nos seguintes moldes:

Preparação para a operação e implementação:
- Levantamento inicial de requisitos e processos: 74 000€
- Parametrização da aplicação Meta 4 em função dos requisitos especiais solicitados pela ARS Norte: 185 000€ 

Preço por salário processado:

O preço médio por recibo processado é obtido através da fórmula custo unitário/número de recibos processados. Caso o protocolo não seja denunciado no seu termo, inicial ou subsequente, decrescerá nos anos subsequentes à adesão, dependente do número de novos aderentes e da consequente realização de economias de escala, aplicando-se os valores apresentados na tabela seguinte:

Ano

2009

2010

2011

2012

CUSTO P/RECIBO DE ORDENADO

5,25€

5,25€

4,71€

4,64€

 
- Despesas de deslocação e estadia fora do concelho de Lisboa.
- Custos extraordinários.

j. Nos termos da cláusula 17.ª a rescisão do protocolo sem justa causa constitui a parte inadimplente na obrigação de indemnizar a parte fiel por todos os prejuízos a esta causados, calculados e liquidados nos termos do anexo VII do protocolo;
k. A rescisão com justa causa confere nos termos da cláusula 18.ª à parte fiel o direito de exigir à parte faltosa uma indemnização compensatória, calculada e liquidada nos termos do anexo VII do protocolo;
l. O protocolo foi estabelecido para o período de 1 de Maio de 2009 e cessará em 31 de Dezembro de 2009, podendo o mesmo renovar-se automaticamente nos termos e condições e por períodos sucessivos de 1 ano até um máximo de duas renovações excepto se for denunciado por qualquer das partes.
m. A recorrente, ainda na fase instrutória que antecedeu a recusa do visto, foi questionada sobre qual o fundamento legal para a não abertura de um concurso público tendente à celebração do presente protocolo, contrato de prestação de serviços, em face do novo regime constante do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, tendo aquela, mediante o ofício n.º 240, de 14.07.2009, respondido pela forma seguinte:
(...)
Assim, parece dever-se entender a solicitação ora efectuada pelo Tribunal de Contas,  à luz da asserção de que parte, aparentemente, a verificação preliminar efectuada (evidenciada também nas perguntas 2 e 4), de que o Protocolo ora submetido a visto, assume a natureza jurídica de um contrato de prestação de serviços.
Não é esse, como passaremos a expor, o entendimento da Administração Regional de Saúde do Norte, I P; mas ainda que efectivamente o Protocolo "sub Judice", pudesse ser considerado um contrato de prestação de serviços, sempre se enquadraria no disposto no n.º 2, do art.º 5.º, do Código dos Contratos Públicos, ou seja, na chamada contratação "in house".
(...)
O Protocolo submetido a visto é celebrado entre a ARS Norte, I.P: e o SUCH, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa de natureza associativa (de que aquele é associado) que congrega diversas instituições e entidades prestadoras de cuidados de saúde.
O SUCH (...) resulta, assim, da associação de diversas instituições particulares de assistência que o criaram como serviço de utilização comum com o objectivo de obter um melhor rendimento económico.
Os actuais  Estatutos do SUCH impõem-lhe como objecto o "tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde ao cidadão (n.º 1 do art.º 2.º), caracterizando expressamente o SUCH como um "instrumento de autosatisfação das necessidades dos seus associados" (n.º 2 do art.º 2.º).
(...)
O Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos Humanos do SUCH, através do qual este se propõe assegurar à Administração Regional de Saúde do Norte, a execução das tarefas compreendidas no Protocolo submetido a visto, constitui uma unidade operativa autónoma de serviços partilhados criada pelo SUCH, por determinação dos seus associados, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 2 dos sues Estatutos, para assegurar a execução de tarefas de administração e gestão de recursos humanos, e, especificamente de gestão e processamento de vencimentos e outras remunerações aos associados do SUCH e ao próprio SUCH.
Esta unidade de serviços partilhados, de adesão livre pelos associados do SUCH que queiram usufruir dos benefícios pela mesma assegurados, constitui um dos modelos de organização do SUCH e dos seus associados e carece necessariamente de regras que disciplinem a utilização por aqueles que a integram dos serviços disponibilizados pela unidade em causa.
Ora, é apenas isso o que faz o Protocolo em causa: regular as regras de utilização do Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos humanos pelos seus aderentes, todos associados do SUCH e que com este o integram, estabelecendo os serviços que aquela entidade pode prestar aos seus utilizadores e qual o valor da comparticipação dos associados do SUCH, aderentes do Centro de Processamento nos seus custos de funcionamento.
Daí que constituindo o próprio C.P.R.G.R.H. um instrumento criado pela Administração Regional de Saúde do Norte, IP, conjuntamente com outros associados do SUCH, no seio deste, para lhe proporcionar e executar tarefas de administração e gestão de recursos humanos, configure o mesmo um acto de  gestão quanto ao exercício da sua própria actividade administrativa e não um contrato de prestação de serviços, até por estes não poderem ser celebrados por uma qualquer entidade consigo mesma.
Razão pela qual se começou por sustentar e ora se reitera que não configurando o Protocolo submetido a visto um contrato de aquisição de serviços, não está o mesmo abrangido pelo disposto no art.º  4º da Resolução nº 13/2007 de 27 de Março.
Porém, ainda que assim não se entenda, (...)e se vislumbre no Protocolo oportunamente submetido a visto desse Tribunal um verdadeiro e próprio contrato de prestação de serviços, constitui entendimento desta Administração Regional de Saúde que o mesmo se encontra abrangido pela excepção consagrada no nº2 do art.º 5 do C.C.P. (...")
n. Ainda no período instrutório que precedeu a decisão de recusa de visto, a recorrente questionada sobre qual a entidade que, no âmbito do protocolo celebrado em 04 de Maio de 2009, com a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., vai, efectivamente, assegurar a gestão do centro de processamento de remunerações e gestão de recursos humanos e, designadamente, se tal gestão será efectuada pelo ACE "Somos Pessoas", a ARSN, a coberto do ofício n.º 56 507, de 22.10.2009, prestou os seguintes esclarecimentos:
(...)
"Somos Pessoas, ACE, é um agrupamento complementar de empresas criado pelo SUCH, com carácter auxiliar e instrumental, no respeito pelos seus estatutos, que observa integralmente os requisitos exigidos na referida cláusula do Protocolo, pelo que está em condições de assegurar a gestão dos serviços a que se refere o mesmo protocolo.
(...)
No concreto âmbito do protocolo celebrado em 4 de Maio de 2009 entre a Administração Regional de Saúde do Norte, IP e o SUCH  - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, a que se refere o despacho proferido pelo Tribunal de Contas na sua sessão diária de visto de 8 de Setembro de 2009, não pode ainda ser tomada efectiva decisão sobre a utilização da faculdade prevista no nº2 da cláusula terceira do protocolo, na medida em que a mesma só fará sentido quando o Protocolo vier a ser visado pelo Tribunal de Contas e produzir cabalmente os seus efeitos.
o. Em 31.12.2008, o SUCH tinha 95 associados entre os quais se contam entidades do Sector Público Administrativo, Institutos Públicos, Entidades Públicas Empresariais, Instituições Particulares de Solidariedade Social, Pessoas Colectivas de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa, uma Cooperativa (CESPU) e um Hospital Privado (Hospital dos Lusíadas);
p. A fls. 79 e seguintes do Processo n.º 349/09, deste Tribunal, constam listagens de clientes e de facturação relativamente a diversas áreas de negócio do SUCH (Energia, Manutenção, Projectos e Obras, Segurança e Controlo Técnico, Limpeza Hospitalar, Resíduos e Nutrição), registando-se aí, como clientes, entidades privadas, como, por exemplo, British Hospital Lisbon XXI, S.A., Clínica de Montes Claros, Lda., Clínica Particular de Barcelos, Lda., Controlvet Segurança Alimentar, DALKIA- Energia e Serviços, S.A., Farma APS - Produtos Farmacêuticos, S.A., Ferticentro - Centro de Estudos de Fertilidade, S.A., IMAGRAN- Lab. de Imagiologia da Marinha Grande, Imalis- Meios Diagnósticos de Imagiologia de Leiria, Lda., Intercir - Centro Cirúrgico de Coimbra, Lda., SECIL- Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A., Sociedade da Água do Luso,  SOMINCOR- Sociedade Mineira de Neves Corvo, S.A.,  AICCOPN- Assoc. Indust. Const. Civil e Obras Públicas, Ensinave- Educação e Ensino Superior Alto Ave, Lda., Abbott Laboratórios, Lda., Codan Portugal Instrumentos Médicos, S.A., Serunion Restaurantes de Portugal, S.A., HPP Saúde- Hospital Privado de Santa Maria de Faro, Hospital Particular de Viana do Castelo, Lda., ACOSLaboratório Veterinário de Beja, Ginásio Clube Português, Sociedade de Construções Soares da Costa, S.A., Tecnovia Açores- Sociedade de Empreitadas, S.A., SAMS, Clínica CUF Torres Vedras, S.A., Dr. Joaquim Chaves Laboratório de Análises Clínicas, S.A., Eurest Portugal- Soc. Europeia de Restaurantes, Lda., Ambitral Transporte de Resíduos, Lda., entre muitos outros, em que se incluem farmácias, clínicas, laboratórios clínicos, laboratórios farmacêuticos, lares, etc...;
q. Ainda a fls. 78, do referido Processo n.º 349/09, deste Tribunal, retira-se que, no segmento "volume de negócios" do SUCH em 2008, esta entidade facturou a entidades não associadas a si, e em contrapartida de serviços prestados, o montante de 21 614 562,09.
E da consulta de iguais dados, ainda contidos no sobredito processo n.º 349/09, resulta que, no ano de 2008, a facturação a entidades privadas orçou os € 7 484 990,73, o que representa 8,52% do total.
r. No relatório de Gestão e Contas  [vd. fls. 60 e seg. s], junto a fls. 235 deste processo, refere-se o seguinte:
(...)
"Tendo presente a publicação do novo Código dos Contratos  Públicos  -C.C.P., através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que veio unitariamente estabelecer a disciplina aplicável à formação dos contratos públicos, assumiu particular importância o enquadramento geral das relações entre os SUCH e os seus  Associados públicos face às normas aplicáveis, no ordenamento jurídico nacional e comunitário, em matéria de contratação pública.
Em sede de aprofundamento destas matérias jurídicas, e tendo por base uma interpretação teleológica conforme às normas comunitárias, considerase possível reconduzir as relações estabelecidas entre o SUCH e os seus associados públicos à figura das relações in house, com a consequente exclusão dos acordos celebrados no âmbito dessa relação jurídica da esfera de aplicação das regras sobre contratação pública, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do C.C.P..
Embora, desde sempre se tenha entendido e, portanto, defendido, que o SUCH, como organismo de direito privado não está sujeito à disciplina da contratação pública, a  verdade é que, também desde sempre, se tem propugnado pelo respeito rigoroso dos princípios da boa fé, transparência, publicidade, igualdade e concorrência na formação dos contratos a celebrar pelo SUCH."
 

III. O DIREITO

1. QUESTÃO PRÉVIA

A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., ora recorrente, deduziu questão prévia, a qual, e em resumo, se traduz na defesa da formação de visto tácito relativamente ao Protocolo em apreço, estribando-se, para tanto, no teor da norma contida no art.º 85.º, n.º 1, da LOPTC. Ou seja, e segundo a recorrente, porque sobre o presente Protocolo não foi proferida decisão de recusa de visto nos 30 dias decorridos sobre o registo de entrada daquele, considera-se o mesmo tacitamente visado.

Vejamos, pois, se assiste razão à recorrente.

a. Como é sabido, e assim dispõe o art.º 85.º, n.º 1, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas [doravante, LOPTC], os actos, contratos e demais instrumentos jurídicos remetidos ao Tribunal de Contas para fiscalização prévia consideram-se visados se não tiver havido decisão de recusa de visto no prazo de 30 dias após a data do seu registo de entrada.
Por outro lado, ainda nos termos do art.º 85.º, n.º 3, daquele mesmo diploma legal, o prazo do visto tácito suspende-se na data do ofício que solicite quaisquer elementos ou diligências instrutórias até à data do registo da entrada no Tribunal do ofício com satisfação desse pedido.
Sob este enquadramento normativo, importa, assim saber se à data - 29.10.2009  - da prolação do acórdão recorrido já haviam decorrido 30 dias sobre a data do registo de entrada do Protocolo submetido a visto.

b. Reconhece-se que o prazo para efeitos de concessão ou recusa do visto ao Protocolo teve início em 28.05.2009.
Admite-se também que aquele prazo foi objecto de suspensões ocorridas entre 15.06.2009 e 15.07.2009, de um lado, e 31.07.2009 e 07.09.2009, do outro, sempre por força de ofícios em que se solicitavam esclarecimentos indispensáveis, factualidade que a recorrente também acolhe.
Porém, e como bem se alcança das alegações deduzidas pela recorrente, esta entende que o ofício, datado de 09.09.2009 [ref.ª n.º DECOP/UAT II/6839/09] e a si dirigido não possui a virtualidade de suspender o prazo de formação de visto tácito, pois não tinha por objecto solicitar quaisquer elementos ou diligências instrutórias, mas apenas informar a ARS Norte da deliberação tomada em sessão diária de visto e tendente à solicitação ao SUCH de algumas informações. 

Não podemos concordar com tal asserção.

Na verdade, muito embora da leitura do ofício acima referenciado e junto a fls. 324, se retire que o despacho proferido em sessão diária de visto ocorrida em 08 de Setembro de 2009 não foi adequadamente cumprido  [o despacho ordena a solicitação de esclarecimentos ao SUCH, que não à ARS Norte], o certo é que o mencionado ofício se mostra dirigido à ARS Norte  e esta, assumindo a responsabilidade da resposta, remeteu o solicitado esclarecimento, previamente elaborado pelo SUCH  [vd. fls. 326 a 328, do processo], a este Tribunal de Contas.
Atendo-nos, agora, à natureza do ofício em causa e junto a fls. 324, importa referir que este consubstancia um acto instrutório inequívoco, pois tem por objectivo a recolha de esclarecimentos tendentes a buscar uma fundamentada decisão sobre a concessão ou recusa do visto. Daí que, e com propriedade, se deva afirmar que tal ofício traduz uma diligência instrutória arrimável  à previsão normativa contida no art.º 85.º, n.º3, da LOPTC, e, inerentemente, com aptidão para suspender o prazo do visto tácito.
E, a propósito, convirá adiantar que a diligência veiculada mediante o citado ofício não deixa de manter a natureza e efeitos acima enunciados só porque, e porventura, não foi dirigida à entidade certa, pois, como também refere o Ilustre Procurador-Geral Adjunto  [vd.  Parecer deduzido nos autos], a natureza instrutória e efeitos suspensivos de tal diligência subsistem independentemente da entidade a quem o Tribunal a dirigir.

c. Em conformidade com o exposto em III a) e b), é indubitável que a diligência materializada no ofício junto a fls. 324 e dirigido à ARS Norte assume natureza instrutória e não viabiliza mera informação, tendo ainda a virtualidade de suspender o prazo do visto tácito, de acordo com o disposto no art.º 85.º, n.º 3, da LOPTC.

Mais:

A circunstância do referido ofício ter sido dirigido à recorrente e de esta ter assumido o processamento da resposta e o facto do processo ter sido devolvido à mesma com a menção de suspensão do prazo, para além de constituírem factores sem alguma influência na formação do visto tácito, sanam, afinal, a forma menos adequada de dirigir a solicitação e a que acima já nos reportámos.
Assim, e concluindo, a decisão de recusa de visto foi proferida em prazo anterior àquele que dita a formação do visto tácito, ou seja, em 29.10.2009.
Em razão do exposto, julga-se improcedente a questão prévia suscitada pela recorrente, não se atendendo a pretendida formação de visto tácito.

2. Como bem decorre do Acórdão n.º 159/2009, proferido em 29.10.2009 e no âmbito da 1.ªS/SS, a decisão de recusa do visto ao Protocolo celebrado entre a ARS Norte, I.P., ora recorrente, e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais [abreviadamente, SUCH], assenta, básica e essencialmente, no seguinte:

§ A relação entre o SUCH e os seus associados públicos, onde se inclui a ARS Norte, não consubstancia uma relação meramente interna equiparada à estabelecida entre a entidade adjudicante e os serviços que a integram;
§ Não ocorre, assim, a excepção prevista no art.º 5.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos [abreviadamente, C.C.P.], a qual determina a inaplicabilidade do regime consagrado neste diploma legal sempre que, por um lado, a entidade adjudicante exerça sobre uma outra entidade cocontratante um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e, por outro, que esta última entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo;
§ Equiparando-se o presente Protocolo a um contrato público de aquisição de serviços, sendo aplicável, "in casu", o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, e não se verificando a excepção a que alude o art.º 5.º, daquele diploma legal, impunha-se, no âmbito da presente aquisição de serviços, o recurso ao concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia;
§ A ausência de concurso, claramente obrigatório e também elemento essencial da adjudicação, gera a nulidade do contrato [vd. art.º 283.º, n.º 1, do C.C.P.], que, por sua vez, constitui fundamento de recusa do visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. a), da LOPTC].

Por sua vez, a entidade recorrente, para além da questão prévia suscitada e já acima abordada, impugna o decidido, sustentando, no essencial, a sua influência determinante sobre o SUCH, quer em termos estratégicos, quer ainda sobre as decisões consideradas importantes por aquele tomadas. Ou seja, e indo ao encontro do teor das alegações produzidas e juntas, a ARS Norte exerceria sobre o SUCH um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços, facto que determinaria a inaplicabilidade, "in casu", da disciplina contida no Código dos Contratos Públicos [vd. art.º 5.º, n.º 2, al. a), do C.C.P.].

Assim, e segundo o entendimento da recorrente, insubsiste razão para a recusa do visto.

Sumariada a matéria sob controvérsia, urge analisar as questões emergentes do acórdão recorrido e das alegações deduzidas pela recorrente, que desde já, se evidenciam:

§ Protocolo submetido a visto e respectiva natureza.
§ Entidades intervenientes - ARS Norte e SUCH - e respectiva natureza jurídica.
§ Contratação "in house". [IN] Verificação dos requisitos fixados no art.º 5.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos.
§ O caso em apreço.
§ Pareceres emitidos pelo Conselho Consultivo da Procuradoria--Geral da República. 

 a. DO PROTOCOLO

O Protocolo sob apreciação, celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais [doravante, SUCH] tem por objecto [vd. cláusula segunda] regular os termos e condições da adesão daquela entidade aos serviços partilhados de gestão dos recursos humanos disponibilizados por este último através do seu Centro de Processamento de Remunerações e Gestão de Recursos Humanos [doravante, C.P.R.G.R.H.].
Ainda segundo a cláusula décima do Protocolo em causa, o SUCH terá direito a uma retribuição, calculada e liquidada nos termos daquele, a qual se destina a cobrir os custos de implementação e operação do C.P.R.G.R.H., sendo que o incumprimento injustificado do acordado  [vd. cláusulas 16.ª a 21.ª] obriga a reparações de natureza pecuniária.
Tanto bastará para asseverar, tal como no acórdão sob recurso, que o Protocolo sob análise radica num encontro de vontades entre duas pessoas jurídicas distintas que, entre si, não mantêm alguma relação hierárquica, tendo por objecto uma aquisição de serviços mediante o pagamento de um preço.
O referido Protocolo identifica-se, assim, como um verdadeiro contrato de aquisição onerosa de serviços, acobertando-se à definição contida no art.º 450.º, do Código de Contratos Públicos, que, a propósito, dispõe:

§ Entende-se por aquisição de serviços o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.

Tal contrato reveste-se ainda da natureza administrativa, pois, atenta a relação orgânica da ARS Norte com o Ministério da Saúde, a particularidade de aquela ser uma entidade adjudicante [vd. art.º 2.º, n.º 1, al. d), do C.C.P.], a circunstância do objecto daquele Protocolo se traduzir em prestações atinentes ao funcionamento e gestão de um serviço público e, por último, o facto de se verificar uma inclusão legal de tais contratos na categoria de contratos administrativos [vd. taxatividade legal expressa nos art.os1.º, n.º 6, als. a) e c) e 278.º, ambos do Código de Contratos Públicos] (1), constituem factores que, inevitavelmente, conferem bondade à citada qualificação contratual.
Contraria-se, assim, o entendimento já expresso pela recorrente no domínio dos presentes autos [vd. Doc. N.º 2, fls. 71 e seg.s], a qual, após sustentar a não identificação do Protocolo com o contrato de prestação de serviços, melhor caracterizado e definido no art.º 1 154.º, do Código Civil, reconduz aquele Protocolo a uma "regulamentação interna efectuada no seio de uma associação", a uma fixação de regras tendentes "à utilização de  estrutura comum", a uma "regulação ou regulamentação interassociativa e, por último, e já redundantemente, a  "um acto de gestão quanto ao exercício de uma actividade administrativa".                                               
Situamo-nos, pois, no domínio de um verdadeiro contrato público submetido ao regime da contratação pública estabelecido no C.C.P. e à legislação comunitária aplicável e obrigatoriamente sujeito a fiscalização prévia por parte do Tribunal de Contas [vd. art.º 46.º, n.º 1, al. s. b) e c) e n.º 2, da Lei n.º 98/97, de 26 08]. 

b. ARS NORTE E SUCH, RESPECTIVA NATUREZA JURÍDICA E RELAÇÃO INSTITUCIONAL.

b.1.
O SUCH é, à luz dos Estatutos publicados na II Série do Diário da República em 29.12.2006, uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e tem por objecto o funcionamento mais ágil e suficiente dos seus associados através de assistência técnica no domínio do equipamento e instalações, promoção de acções no âmbito da investigação e desenvolvimento tecnológico, constituição de unidades de serviços partilhados destinadas a assegurar aos seus associados serviços de apoio à prestação dos cuidados de saúde [aqui se incluindo a gestão integrada de recursos humanos, administrativa e financeira], para além de outras atribuições inscritas no art.º 2.º dos mencionados Estatutos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
O SUCH, ainda de acordo com o art.º 2.º, n.º 2, dos Estatutos, para além do instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, pode, ainda no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados.
O SUCH pode ainda alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que
verificados os pressupostos indicados nos Estatutos, e melhor elencados sob as als. a) e b) acima desenvolvidas.
Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas, que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde [vd. art.º 6.º, n.º 1, dos Estatutos].
Acresce que, ainda nos termos do art.º 2.º, n.º 3, dos Estatutos, as unidades de serviços partilhadas constituídas pelo SUCH podem assumir a forma de unidades orgânicas do SUCH ou de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades.
Ainda nos termos do art.º 3.º, dos Estatutos, sempre que tal se mostre de interesse para a prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir e alienar participações sociais.
A tutela sobre o SUCH é exercida pelo Ministro da Saúde, sendo que, como também resulta dos Estatutos, cabe a este a nomeação do Presidente e VicePresidente do Conselho de Administração, a homologação das alterações aos Estatutos aprovadas em Assembleia-Geral, a homologação da dissolução do SUCH, também aprovada em Assembleia-Geral e, por fim, homologa a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto [vd. art.º 15.º].
Confrontando os Estatutos aprovados em 1996 com os Estatutos ora em vigor e reportados a 2006, mostra-se claro o enfraquecimento crescente dos poderes tutelares e de controlo do Estado, reforçando-se, ao invés, a natureza privada e associativa dos SUCH.
Assim, a consideração da componente estatutária que define a constituição, natureza e fins do SUCH, e ainda no apelo à melhor doutrina convocável na matéria sob análise, é possível concluir, com relevância, o seguinte:

§ O SUCH, sendo uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, deve ser considerada pessoa colectiva de direito privado, como, de resto, vem sendo entendido pela doutrina dominante, não integrando a Administração Pública, mas colaborando com esta (2);
§ Estatutariamente, nada impede que figurem entidades privadas como associadas do SUCH;
§ O SUCH, enquanto associação, poderá constituir unidades de serviços partilhados, as quais poderão assumir a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou terceiras pessoas. 

A evidenciação das particularidades referidas e que assentam nos Estatutos que regem o SUCH, visa, tão-só, a melhor apreensão das razões que sustentam o entendimento que expressaremos quanto à sujeição ou não às regras da contratação pública de contratos e protocolos em que o SUCH figure como celebrante, sempre na esteira do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do Código de Contratos Públicos.

b.2.
A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., [abreviadamente e doravante, ARS Norte] é, segundo o art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 222/2007, de 29.05, uma pessoa colectiva de direito público, integrada na Administração indirecta do Estado, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Ainda nos termos daquele diploma legal, a ARS Norte prossegue as suas atribuições, sob superintendência e tutela do respectivo Ministro, sendo que as mesmas se desenvolvem na respectiva área geográfica de intervenção e materializam-se na tarefa de garantir à população o acesso à prestação de cuidados de saúde de qualidade, adequando os recursos disponíveis às necessidades em saúde, cumprindo e fazendo cumprir o Plano Nacional da Saúde na sua área de intervenção.
Saliente-se, a propósito, que, ainda no âmbito das atribuições da ARS Norte, I.P., se inscrevem o planeamento e gestão dos recursos humanos e, adentro deste segmento de actividade, ainda o desenvolvimento de estudos de gestão previsional a promoção, qualificação e valorização profissional, sempre com referência à área geográfica de intervenção do organismo em causa - a ARS Norte, I.P., [vd. art.º 3.º, do Decreto-Lei n.º 222/2007, de 29.05].
A ARS Norte, I.P., face ao disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. d), do Código de Contratos Públicos, reveste a condição de entidade adjudicante.
Resta, assim, e no que à economia do presente acórdão importa, caracterizada a ARS Norte, I.P., enquanto pessoa colectiva de direito público, seja no concernente à sua natureza jurídica, seja ainda no respeitante à sua missão e atribuições.
Caracterização essa que constitui o pressuposto referencial da abordagem que, de seguida, implementaremos e que incidirá sobre o conceito já denominado "contratação de "in house" ".

c. DA CONTRATAÇÃO "IN HOUSE"
DA SUJEIÇÃO DO PROTOCOLO AO REGIME DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

c.1.
Sob a epígrafe "contratação excluída", o art.º 5.º, do C.C.P., dispõe:
"(...)
2. A parte II do presente Código também não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar pelas entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que:
a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior.(...)".

Ou seja, e indo ao encontro da normação contida no transcrito preceito, a verificação, necessariamente, cumulativa dos pressupostos ali [als. a) e b)] enunciados dispensa a entidade adjudicante da submissão às regras da Contratação Pública, a que se reporta a Parte II, do C.C.P., e que constam do art.º 16.º e seguintes, deste mesmo diploma legal.
Como é sabido, e a melhor doutrina (3) também o assinala, a questão das relações "in house", sob o impulso das instâncias comunitárias [entre outras, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, abreviadamente, T.J.C.E.], tem vindo a erguer-se como temática de abundante e intensa análise, a que não será alheia "a tensão latente entre a liberdade de auto-organização administrativa e a liberdade de mercado", inerente às relações  "in house". Na explicitação do afirmado, diremos que, em regra, a Administração, sempre que necessite de bens ou serviços deverá dirigir-se ao mercado, cumprindo, assim, as normas - art.os12.º, 43.º, 49.º e 86.º -do Tratado C.E. e atinentes à salvaguarda de uma dinâmica concorrencial de mercado e, decorrentemente, dos princípios da igualdade e transparência.                                        
Daí que, e abreviadamente, dizemos que a disciplina contida no citado art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., traduz uma clara excepção ao ordenamento geral aplicável. Donde decorre, ainda, uma maior exigência de análise da questão em causa. 

c.2.
Dos requisitos da relação "in house".

Segundo  jurisprudência do T.J.C.E.  [vd. o denominado processo  "TECKAL" , com o n.º C-107/98] verifica-se a relação  "in house", legitimadora do não apelo ao procedimento pré-contratual de natureza concursal para fornecimento de bens ou serviços, por parte da entidade adjudicante, sempre que a entidade adjudicatária, embora distinta daquela no plano formal, não seja da mesma autónoma no âmbito decisório.
Por outro lado, e ainda de acordo com o referido Tribunal de Justiça, a verificação da relação "in house" subordina-se à ocorrência, de modo cumulativo e permanente, dos seguintes requisitos:

§ Exercício, pela entidade adjudicante e sobre a adjudicatária, de um controlo análogo ao exercido por aquela sobre os seus próprios serviços
e que
§ A entidade adjudicatária realize o essencial da sua actividade para a entidade adjudicante que a controla.

Tais pressupostos [da relação "in house"] constam também do mencionado art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo DecretoLei n.º 18/2008, de 29.01, normação essa que, como já sublinhámos, constitui uma  derrogação excepcional das regras da contratação pública e, naturalmente, devem ser objecto de interpretação restritiva (4), em preservação do princípio da concorrência.
O Código de Contratos Públicos não densifica o conteúdo daqueles requisitos, o que obriga a um esforço de interpretação casuístico, em que concorrerão a factualidade pertinente e, ainda, a legislação e jurisprudência comunitárias ajustáveis. 

c.2.1.
Do Controlo análogo.

Tal como refere Bernardo Azevedo (5), a existência de uma posição de sujeição ou de subordinação da entidade adjudicatária em relação à entidade adjudicante, retirando àquela autonomia decisória e submetendo-a à orientação desta última, já denuncia a substanciação do conceito "controlo análogo" constante do art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P.
No entanto, e ainda na peugada daquele autor, a relação de "controlo análogo", estabelecida entre a entidade adjudicante e uma outra dela distinta formalmente, exige o designado poder de "indirizzo" [expressão de R. Perin/D.Casalini] ou um adstringente poder de direcção  [vd. R. Ursi]sobre a entidade submetida ao seu poder de controlo, um poder que, ainda nas palavras de Bernardo Azevedo, viabilize o exercício de uma influência determinante no âmbito da estratégia e decisão da organização  "in house". Só, deste modo, é sustentável que a entidade controlada  [e também adjudicatária] se assuma como uma estrutura interna da entidade adjudicante, erguendo-se, afinal, e na expressão de  S. Columbari, como uma simples relação de "delegação inter-orgânica". Ou seja, e convocando aqui, o juízo formulado no aresto recorrido, "a entidade adjudicatária comportar-se-á como mero instrumento de concretização da vontade do adjudicante, não tendo autonomia real, nem vontade negocial própria.
E, a propósito, adianta, também, Pedro Gonçalves[6] que na "relação" sob análise, a entidade dominada ou adjudicatária não goza "de uma margem de autonomia decisória sobre aspectos relevantes da sua vida, relacionados, por exemplo, com a estratégia concorrencial a seguir, as actividades a desenvolver, endividamentos a contrair ...", estando a entidade adjudicante, por sua vez, em condições de fixar a orientação geral da empresa, atribuindo-lhe o capital de dotação, assegurando a cobertura de eventuais custos sociais, verificando o resultado da gestão e exercendo supervisão estratégica".
Explicitado o conceito legal de  "controlo análogo", vejamos agora e,  "in casu" , se entre a entidade adjudicante  [ARS Norte] e a entidade adjudicatária [SUCH] ocorre a denominada relação "in house", legitimadora da não aplicação das regras da contratação pública à formação de contratos a celebrar pela primeira. Tal exercício determinará, naturalmente, a consideração da factualidade dada como provada no domínio do acórdão sob recurso e bem assim o enquadramento normativo, doutrinário e jurisprudencial do conceito "controlo análogo", ou, mais latamente, da expressão "relação in house". 

c.2.2.
Conforme se inscreve em II o), deste acórdão, a entidade adjudicante [ARS Norte, I.P.] é um dos 95 associados do SUCH, onde pontificam ainda entidades públicas empresariais, outros institutos públicos, pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública administrativa, cooperativa [CESPU],  instituições particulares de solidariedade social e sociedades anónimas. Ou seja, entre os associados do SUCH figuram entidades públicas e privadas.
E, conforme decorre dos Estatutos do SUCH [vd. art.os7.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º...] e acima evidenciámos aquando da caracterização desta entidade, tais associados, públicos e privados, integram a Assembleia Geral, apreciam e aprovam os planos estratégicos e de actividades do SUCH, pronunciam-se sobre a gestão deste, aprovam o relatório e contas anuais, elegem a sua mesa, designam a maioria dos membros do conselho de administração, indicam a totalidade dos membros do conselho fiscal, deliberam sobre a aquisição, alienação e oneração de bens imóveis e sobre a contracção de empréstimos, para além de decidirem dos recursos interpostos pelos associados de decisões irregulares tomadas pelo Conselho de Administração.
Assim, e sublinhando, mostra-se indubitável que os Estatutos do SUCH admitem associados de natureza privada [e existem, de facto], os quais detêm os poderes acima referenciados.
E tais poderes, pela sua preponderância que os Estatutos lhes conferem, detêm aptidão para influenciar a actividade do SUCH, estratégica e gestionáriamente. 

c.2.3.
Na materialização da referida previsão estatutária [associação ao SUCH de entes de natureza privada], e tal como se acentua no acórdão recorrido, o SUCH, certamente no sentido de consolidar a sua capacidade competitiva em diversos segmentos do mercado, passou a deter participações sociais nas entidades empresariais seguintes:

§ SUCH Dalkia, Serviços Hospitalares [criada em 1996, trata-se de um Agrupamento Complementar de Empresas [ACE], sendo 50% propriedade do SUCH e os restantes 50% da Dalkia - Empresa de Serviços, Condução e Manutenção de Instalações Eléctricas, S.A., e tendo por objecto social a produção de energia eléctrica e a gestão de actividades de apoio na área da manutenção de equipamentos e exploração de lavandarias];

§ Coimbravita - Agência de Desenvolvimento Regional, S.A., criada em Julho de 2000 e onde o SUCH detém uma participação de 3,69%,tendo por finalidade a promoção de acções tendentes à criação de emprego e melhoria do ambiente no distrito de Coimbra nas áreas dos Serviços, Indústria e Comércio, mas sempre relacionadas com o sector da saúde;

§ EAS - Empresa de Ambiente na Saúde, criada em Maio de 2001 e totalmente detida pelo SUCH, ocupa-se do tratamento de resíduos hospitalares.

Em Maio de 2008 constituiu-se em EAS, Unipessoal,  Lda., possuindo ainda uma participação social de 64,53% no capital da empresa  "Valor Hospital, S.A.";

§ Coimbra Inovação Parque - Parque de Inovação em Ciência, Tecnologia, Saúde, S.A., constituída em Fevereiro de 2004 e onde o SUCH detém 2% do capital, tendo por objecto a implementação, gestão e administração de parques empresariais, científicos e tecnológicos;

§ Somos Compras, ACE, constituída em Abril de 2007, onde o SUCH detém a participação na percentagem de 86%, mas também integrada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, e o Hospital de Santa Maria, EPE, e ainda, até Março 2009, pela "SGG - Serviços de Gestão, S.A.", uma empresa do universo da "Deloitte Touche Tohmatsu";

§ Somos Pessoas, ACE, constituída em Junho de 2007, em que o SUCH detém uma participação de 95%, mas também integrada pela empresa "Capgemini, S.A.", na percentagem de 5%, disponibilizando serviços partilhados na área de gestão dos recursos humanos;

§ Somos Contas, ACE, constituída em Junho de 2007, em que o SUCH detém uma participação de 95%, também integrada pela empresa "Accenture", Consultores de Gestão, S.A., na percentagem de 5%, disponibilizando serviços partilhados no âmbito da gestão financeira;

§ Somos Ambiente, ACE, constituída em Julho de 2008, aí figurando o SUCH com uma participação de 80%, participando ainda um parceiro especializado e um outro tecnológico, destinando-se, de modo principal, à construção e exploração de um centro integrado de valorização energética, reciclagem e tratamento de resíduos. 

E, repercutindo já uma complexa organização empresarial, facto que as participações e empresas várias já denunciam, o Relatório de Gestão e Contas referente a 2008 confirma tal asserção, ao adiantar que, neste mesmo ano, teve lugar o arranque das operações dos ACE, a externalização dos processos transaccionais e a definição da estratégia de empresarialização das áreas, sendo que o SUCH se consolidou como gestor e parceiro de contratos.
É, assim, seguro concluir que o SUCH vem adoptando uma estratégia claramente empresarial e de mercado [a propósito, 9,82% da facturação relativa a 2008 respeita a entidades não associadas do SUCH], onde se incluem negócios com empresas privadas que assumem carácter claramente mercantil. Logo, bem distante de uma actividade traduzida em mera cooperação e interajuda e de "colocação em comum de meios para a obtenção de vantagens comuns, dentro do mesmo circulo pessoal dos associados" (7) ou de se perfilar como um mero instrumento dos seus associados para a auto-satisfação dos suas necessidades.
Com adequada propriedade, e sem prejuízo do exercício de análise que segue, não é temerário afirmar, desde já, que se nos depara um real contrato celebrado entre entes colectivos distintos, sendo que a entidade adjudicatária configura um modelo empresarial que tende a autonomizá-la, formal e decisoriamente. 

c.2.4.

Para além do enquadramento normativo, doutrinário e jurisprudencial  [do T.J.C.E.] que definem e melhor explicitam o conceito de "relação in house"e, mais particularmente, do requisito  - controlo análogo  - que o enforma, importará saber se a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade a que se associa a entidade adjudicante, permitirá, ou não, por parte desta, um controlo análogo ao exercido sobre os seus serviços.
O  encontro da resposta não dispensará, obviamente, o apelo à jurisprudência comunitária. 

c.2.4.1.
Tal como refere Bernardo Azevedo (8),  " não basta, para poder afirmar estaideia de dependência decisória da organização "in house" por relação à entidade adjudicante, que esta última, no caso de sociedades participadas, ainda que integralmente, por capitais públicos, detenha a maioria do capital social, uma vez que o exercício, em sede de assembleia-geral, dos direitos de accionista, nos termos da Lei Comercial, pode não se afigurar suficiente para garantir um controlo efectivo sobre as escolhas mais relevantes da entidade controlada".
Exige-se, pois, o denominado equilíbrio de  "governance" que assegure a efectiva e determinante influência do ente público sobre as opções de gestão da sociedade.
Também o Tribunal de Justiça  [vd. acórdãos proferidos nos processos C-26/03 [Stadt Halle], c-410/04 (ANAV)] vem sustentando que a participação, embora minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual também participa a entidade adjudicante  "exclui, de qualquer forma, que esta última exerça sobre aquela sociedade um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços".
E no desenvolvimento da orientação ali firmada, aí se sustenta, com relevância, o seguinte:

§ Uma entidade pública, adjudicante, estabelece uma relação com os seus próprios serviços, que se rege por mecanismos tendentes à prossecução do interesse público; ao invés, a participação de capital privado numa empresa persegue objectivos de natureza diversa, por radicar em interesses diferentes.

§ A atribuição, sem concurso, de um contrato público a uma empresa de economia mista colide com o objectivo da livre concorrência, pois permite a uma empresa privada com capital nessa empresa uma vantagem no confronto com eventuais concorrentes.

Tal como se afirma no acórdão recorrido e também já sublinhámos acima, ao SUCH, estatutariamente, é cometida a possibilidade de ter  [ e tem, efectivamente!] associados privados e de ser ainda detentor de participações em entidades privadas, o que também se verifica. Ou seja, e como bem se decidiu noutro lugar [vd. ac. N.º 4/2010, 1.ª S/SS], o SUCH, para além de entidade em si, abrange também um universo de entidades, que, ao abrigo do art.º 2.º dos respectivos Estatutos, são passíveis de constituição e certamente beneficiários de decisões de adjudicação dirigidas ao SUCH, sem procedimento cumpridor do princípio da concorrência. E estas, públicas e/ou privadas, detêm poderes para influenciar a actividade do SUCH, estratégica e gestionáriamente  [vd. c.2.2.].
Ora, na esteira da doutrina e jurisprudência citadas a propósito da melhor dilucidação do conceito "controlo análogo" a que se reporta o art.º 5.º, n.º 2, do Código de Contratos Públicos, e como facilmente se intui,  entre as entidades públicas adjudicantes associadas do SUCH e as demais entidades terceiras, intervenientes e beneficiárias de decisões de cariz adjudicatório, não ocorre um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços.

E, ainda na explicitação e confirmação do afirmado, e sempre com referência ao regime estatutário do SUCH, adiantamos o seguinte:

§ O regime estatutário do SUCH não assegura a subordinação exclusiva da respectiva gestão a objectivos de interesse público, sendo que as relações contratuais estabelecidas entre aquela entidade e demais associados não se traduzem na mera partilha e utilização de bens comuns [forma de auto-satisfação de necessidades colectivas], mas envolve, indirectamente, a contratação de entidades terceiras [onde se incluem empresas privadas] que, assim, se posicionam, de modo privilegiado, no confronto com outros concorrentes;
§ As competências atribuídas ao SUCH, onde se incluem as iniciativas tendentes ao funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados [vd. art.º 2.º, dos Estatutos], decorrem do respectivo objecto social e não de alguma determinação da entidade adjudicante [ARS Norte];
§ O SUCH possui autonomia decisória, implementando as suas actividades, independentemente da solicitação da adjudicante;
§ A circunstância do SUCH não ser uma Sociedade Comercial, mas uma associação em que os seus membros contribuem com uma quota, contribuições, dotações e subsídios [cfr. art.º 24.º, dos Estatutos], não impede que alguns destes últimos, de natureza privada e não perseguindo interesses exclusivamente altruísticos, influenciem a actividade e gestão do SUCH;
§ Neste contexto, e ainda que o substrato associativo do SUCH seja, maioritariamente, composto por entidades adjudicantes, a inevitável consideração dos interesses inerentes à componente privada que o [SUCH] integra, sempre nos impediria de admitir que o SUCH depende, operacional e tecnologicamente, apenas das referidas entidades adjudicantes; E esta ausência de exclusividade retira a verificação de um absoluto controlo da entidade adjudicante [ARS Norte] sobre a entidade adjudicatária que, para o preenchimento do requisito do "controlo análogo" [e não igual] não se basta com a suficiência.
§ "In casu", e na hipótese da participação privada se revelar irrelevante e, porventura, meramente beneficiária da actividade do SUCH, sempre questionaríamos os ACE constituídos pelo SUCH, os quais, sendo entidades prestadoras de serviços, integradas por parceiros privados, forçariam à violação do princípio da concorrência quando ocorressem procedimentos de adjudicação directa ao SUCH.

c.2.5.
Não se questiona a possibilidade de qualquer entidade pública, no desempenho das suas tarefas, actuar sem recurso a entidades externas, assim auto-satisfazendo as suas necessidades.
Admite-se que a Administração constitua entes instrumentais  [vd. serviços partilhados], tendentes ao bom desempenho das suas incumbências, ainda que mediante estratégia empresarial e com recurso a entidades privadas.
Porém, já não se admite que se associem entidades privadas à satisfação de necessidades públicas sem que se salvaguardem os procedimentos inerentes ao princípio da concorrência, com a subsequente violação do princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos que pretendam contratar com a Administração e evidente subtracção da celebração de contratos públicos às regras que disciplinam a contratação pública.

c.2.6.
Assim, e concluindo, a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., não exerce, por si, ou conjuntamente com as demais entidades públicas associadas, sobre o SUCH, um controlo análogo ao exercício sobre os serviços que a integram.  

c.2.7. Da destinação essencial da actividade

Previamente, diremos que, em tese, a abordagem do requisito acima enunciado e constante da al. b), do n.º 2, do art.º 5.º, do C.C.P., perfila-se como desnecessária e, quiçá, inútil, pois, de um lado, o acórdão recorrido não o desenvolve ou aprecia e, do outro, porque a inaplicabilidade das regras da contratação pública a que se reporta o citado art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., exige, cumulativamente, a verificação dos requisitos referidos em a) e b), do n.º 2, desta mesma norma,  ["logo, concluindo-se pela inverificação do requisito "controlo análogo", prescindir-se-ia, naturalmente, da apreciação do requisito "destinação essencial" da actividade"].
No entanto, e apesar do exposto, não deixaremos de atentar, ainda que abreviadamente, no requisito "destinação essencial da actividade", previsto no mencionado art.º 5.º, n.º2, al. b), do Código de Contratos Públicos.

c.2.7.1.
O art.º 5.º, n. º2, als. a) e b), do C.C.P., dispõe que as regras da contratação pública  [parte II] também não são aplicáveis desde que, verificado o requisito mencionado na citada al. a), a entidade adjudicatária desenvolva  ainda  o essencial da sua actividade em benefício da entidade adjudicante [vd. Ac.Teckal-Proc. n.º C-107/98].
Na verdade, e como acentua Bernardo Azevedo em obra já citada, "enquanto a exigência de controlo análogo traduz a necessária dependência decisória da entidade controlada em relação à entidade dominante, já a obrigatoriedade do essencial da actividade da adjudicatária se destinar a abastecer a entidade adjudicante exprime a sua dependência económico-jurídica em relação a esta última". Ou seja, e ainda nas palavras de  E. Fatôme, A. Ménéménis, a entidade dependente deve, assim, funcionar como um operador dedicado que "serve" a entidade adjudicante, de modo exclusivo ou quase, no cumprimento dos respectivos objectivos.

E, como aferir da referida "dedicação"?

A propósito, o T.J.C.E.  [vd. Ac. Carboterno - Proc. n.º C- 340/04] apela a conceitos vagos e  indeterminados  ["quase-exclusividade", "substancialmente", "maior parte"] para densificar tal expressão, facto que confere insegurança no âmbito da aplicação de tal critério. Por outro lado, a tentativa de substanciar o conceito de "destinação essencial da actividade"mediante a fixação de uma percentagem mínima  [ex: 80% ou 90%, como se alude no Ac.  Tragsa - Proc.º n.º C-295/05] também não mereceu acolhimento incondicional.
Deste modo, e com referência ainda à significação do termo  "essencial", o conceito  de  "destinação essencial da actividade" pressupõe, sob a nossa óptica, que o essencial da actividade inscrita no objecto social da entidade adjudicatária [controlada] se centre, de modo principal, na satisfação das necessidades da entidade adjudicante, muito embora não iniba aquela de, subsidiária ou complementarmente, exercer outras actividades.
Embora nos movamos ainda no âmbito de alguma indeterminação, esta será suprida, entre o mais, pelos citados elementos quantitativos. E, assim, tal definição substanciará, afinal, um critério adequado e acolhível.

c.2.7.2.
"In casu", e sem mais delongas,  reconhecemos que ocorre o requisito "destinação essencial da actividade" previsto no art.º 5.º, n.º 2, al. b), do C.C.P, porquanto o SUCH, entidade adjudicatária, tem desenvolvido a sua actividade, de modo principal, na satisfação das necessidades da adjudicante e outros associados públicos.
Esta constatação suporta-se, obviamente, na percentagem  [9,82] de serviços prestados no ano de 2008 a não associados do SUCH  e no correspondente valor de facturação [€8 770 095,98], em contraponto com o valor de facturação  [€79 847 577,00] respeitante a serviços prestados aos associados públicos, elementos que, embora de natureza quantitativa, contribuem, adjuvantemente, para a densificação do citado critério.
E, para a substanciação do mencionado critério de aferição do conceito "dedicação", concorrem ainda os Estatutos que regem a actividade do SUCH, seja na vertente empresarial, seja nas obrigações que decorrem do respectivo objecto social.
Anotamos, também, que reconhecemos a correcção das percentagens e valores de facturação indicados nos n.os33 e 44 das alegações de recurso juntas, após melhor análise e oportuna ponderação. 

d.
DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE

A recorrente advoga ainda que o acórdão sob recurso viola  o princípio da separação de poderes consagrado nos art.os110.º, n.º 2 e 111.º, n.º 1, da C.R.P, e bem assim o princípio da reserva geral de Administração, vertido nos art.os182.º e 199.º, daquela Lei Fundamental, porquanto, e em seu entender, o entendimento aí concedido ao art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P, coarcta a liberdade de auto-organização da Administração.
À semelhança da recorrente, não nos alongaremos na abordagem desta matéria, embora não prescindamos de tecer, a propósito, breves considerações.

d.1.
É sabido  [cf. art.º 110.º, da C.R.P.] que os Tribunais são, a par do Presidente da República, Assembleia da República e do Governo, órgãos de soberania, os quais devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Lei Fundamental.
Também não se ignora que o Governo é, constitucionalmente [vd. art.os182.º e 199.º, da C.R.P], o órgão superior da Administração Pública, cabendo-lhe, nesta área, a organização dos serviços administrativos, a direcção dos serviços da Administração directa do Estado, a fiscalização da Administração mediata do Estado e tutela da Administração autónoma.
Porém, a referida separação de poderes, que apenas visa a divisão das funções do Estado e a sua ordenação/distribuição pelos vários órgãos de soberania, não exclui, antes pressupõe, alguma interdependência entre si, traduzível na exigência de intervenção de vários órgãos no exercício de certas competências [vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in C.R.P. Anotada].
Ao Tribunal de Contas, órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas  [vd. art.º 214.º, da C.R.P.], cabe, obviamente, a verificação da conformidade legal do acto gerador da despesa, seja no plano administrativo, seja no âmbito financeiro. E, adentro de tais competências, melhor elencadas no  art.º  1.º, n.º 1, da Lei n.º98/97, de 26.08, e exercitáveis aquando da submissão dos correspondentes contratos a visto,  mostra-se incluída a verificação da legalidade da escolha do procedimento.
A actividade do Tribunal de Contas, expressa, afinal, no acórdão recorrido, correspondeu, assim, à verificação da legalidade do procedimento, exercício que, necessariamente, obrigou à apreciação da norma contida no art.º 5.º , n.º 2, do C.C.P., e sempre no sentido de concluir pela bondade ou não da sua melhor interpretação e subsequente aplicação.
Também a apreciação da racionalidade financeira ou justificação económica [economicidade] da despesa não funda algum juízo de inconstitucionalidade, pois tal exercício inclui-se ainda no domínio  das competências  do Tribunal de Contas, fixadas nos já citados art.os2.º, 44.º e 46.º, da Lei n.º 98/97, de 26.08 e adentro do controlo financeiro que lhe é cometido.
Não se vislumbra, assim, que o acórdão recorrido tenha violado alguma norma constitucional e, designadamente, as constantes dos art.os110.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, 182.º e 199.º, da Constituição da República Portuguesa.

e.
DOS  PARECERES DO  CONSELHO  CONSULTIVO DA  P.G. DA REPÚBLICA  -N.OS145/2001 E 1/95.

Previamente, e no plano do valor dos Pareceres elaborados pelo Concelho Consultivo, importa adiantar, de acordo com o disposto nos art.os42.º e 43.º, do Estatuto do Ministério Público, o seguinte:

§ A doutrina contida em tais Pareceres poderá ser, obrigatoriamente, seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público, caso o Procurador Geral da República emita despacho nesse sentido;

§ Quando homologados pelas entidades que os tenham solicitado, tais Pareceres são publicados no Diário da República para valerem como interpretação oficial nos serviços respectivos. 

Daqui se retira que a doutrina contida em tais Pareceres,  constitutiva de interpretação de índole normativa, detém a aptidão vinculativa atrás enunciada e legalmente prevista, não condicionando ou interferindo no poder de decisão dos Tribunais e, mais particularmente, do Tribunal de Contas.
Deste modo, a invocação dos Pareceres acima referidos integrará, a par de outros elementos, o exercício analítico em curso, sem mais.

e.1.
Os referidos Pareceres  - 145/2001 e 1/95  - foram emitidos no decurso da vigência das Directivas n.os93/36/C.E.E. e 93/38/C.E.E., sendo que, no âmbito do direito interno, o primeiro posiciona-se com referência ao Decreto-Lei n.º 211/79, de 12.07, e o segundo já se sustenta na vigência dos Decretos-Lei n.os 55/99, de 02.03, e 197/79, de 08.07.
Basicamente, a doutrina contida no Parecer n.º 145/2001 pressupõe sempre a ausência da necessidade de recurso a algum contratante externo no domínio dos contratos celebrados entre o SUCH e os seus associados públicos. Ou seja, o SUCH emerge aí como cerne de uma  "actividade materialmente cooperativa" e de  "auto-organização das entidades do sistema de Saúde", onde não se questiona o "recurso a entidade externas" que obrigue à equação e salvaguarda dos princípios da concorrência, igualdade e imparcialidade e, inerentemente, ao seguimento dos procedimentos concursais.
No entanto, e segundo o referido Parecer, sempre que o SUCH, enquanto adjudicante, careça de contratar com terceiros, tal actividade subordinar-se-á ao regime da contratação pública [vd. n.º 4, do Parecer].
Aquele entendimento, traduzido na admissibilidade da contratação directa entre órgãos da mesma natureza, era até compatível com alguma interpretação "construída" sobre as Directivas Comunitárias 92/50/C.E.E. e 93/38/C.E.E., mas sempre sob reserva crítica do T.J.C. Europeias.
E a esta reserva não é ainda alheia a ocorrência de várias circunstâncias que, ajustadamente, colocam em crise a actualidade dos Pareceres referidos, e de que destacamos as seguintes:

§ Publicação das Directivas n.os2004/18/C.E.E. e 2004/17/C.E.E. de 31.03, clarificadoras dos pressupostos de celebração dos contratos entre entidades adjudicantes;
§ Jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, enunciadora das excepções à aplicação das regras da contratação pública e sublinhando o seu carácter restritivo;
§ Publicação do Código de Contratos Públicos [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01], com especial enfoque na salvaguarda do princípio da concorrência e restrição das excepções à aplicação do regime da contratação pública;
§ Inovação operada no estatuto jurídico dos Hospitais Públicos, acentuando, tendencialmente, a sua natureza empresarial;

E, por último

§ A evolução estatutária do SUCH [vd. versão de 2006, in D.R., II Série, de 29.12.2006].

E, com referência à evolução estatutária do SUCH, sublinha-se:

§ O Presidente da mesa da Assembleia-Geral é eleito pelos membros desta, sendo que, anteriormente, era nomeado pelo Ministro da Saúde;
§ O Conselho Fiscal é integralmente eleito em Assembleia-Geral;
§ Os actos do Conselho de Administração e da Assembleia-Geral não são recorríveis pelos Associados para o Ministro da Saúde, permitindo-se apenas o recurso para a Assembleia-Geral dos actos do referido Conselho;
§ O SUCH passou a ter como objecto a possibilidade de constituir unidades de Serviços partilhados, sob a forma de unidades orgânicas suas, ou sob a forma de pessoas colectivas integradas por si, por seus associados e/ou terceiras entidades;
§ O Ministro da Saúde não homologa agora as decisões da AssembleiaGeral relativas à contracção de empréstimos, a menos que esses determinem um endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no ano transacto.

Tais alterações, de cariz estatutário, caracterizam o SUCH como uma entidade bem diversa da existente à data da emissão dos referidos Pareceres, pois, de um lado, reforçaram a sua natureza privada e associativa, e, do outro, reduziram o poder tutelar e de controlo por parte do Estado.
Argumentário bastante para não reputarmos de actual a  doutrina ali expendida. 

f.
DA ILEGALIDADE VERIFICADA.

Tal como concluímos em c), o presente Protocolo,  real contrato público de aquisição de serviços, decorre de um procedimento que infringe o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P.. Ou seja, muito embora ocorra o requisito expresso "na destinação essencial da actividade" desenvolvida pela entidade adjudicatária em benefício da entidade adjudicante,  resta  demonstrado que esta última não exerce sobre aquela um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços.
As regras da contratação pública não são aplicáveis à formação de contratos a celebrar entre entidades adjudicantes e outras entidades,  desde que, cumulativamente, ocorram os pressupostos enunciados no art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Contratos Públicos.
Assim, o presente Protocolo ou contrato não se mostra abrangido por alguma excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que, lhe é aplicável a Parte II, do C.C.P.
O presente contrato, celebrado por  um Instituto Público, encerra um valor superior ao referido na al. b), do art.º 7.º, da Directiva n.º 2004/18/C.E. [€ 206 000,00].
Assim, e de acordo com o disposto no art.º 20.º, n.º 1, al.b), do C.C.P., o contrato deveria ser precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação.
A ausência de concurso, de carácter obrigatório, integra a falta de um elemento essencial da adjudicação, a qual, por sua vez, enforma a nulidade reportada no art.º 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.
Tal nulidade, geradora da invalidade do contrato  [vd. art.º 283.º, n.º 1, do C.C.P.], é fundamento de recusa do visto, atento o disposto no art.º 44.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 98/97, de 26.08.

Neste contexto, de facto e de direito,  inexiste motivo para alterar o aresto recorrido.
 

IV. DECISÃO
  

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de Maio de 2010 

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (António Augusto dos Santos Carvalho) - (José Luís Pinto Almeida))

Fui presente,

(Procurador-Geral Adjunto) - (Daciano Pinto)


(1) Neste sentido, Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II, pág. 518 e Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, in Direito Administrativo Geral, Tomo III.
(2) Vd., a propósito, Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Vol. 1, 577 e Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Coimbra 1980, p. 208.
(3) Vd. Bernardo Azevedo, Estudo Sobre "Contratação in house: Entre a liberdade de Auto-Organização Administrativa e a Liberdade de Mercado".
(4) Cf., ainda, Bernardo Azevedo, em "Estudo" já identificado.
(5) Vd. Estudos da Contratação Pública I, fls.126.
(6) Vd. Regime Jurídico das Empresas Municipais.
(7) Vd. Pareceres do C. Consultivo da P.G.P., n.ºs 1/95 e 145/2000.
(8) Estudos da Contratação Pública, I