Acórdão n.º 10/2011, de 3 de Maio de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1200/2010)

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ACÓRDÃO Nº 10 /11 - 03.MAI. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 5/2011

(Proc. nº 1200/2010)

DESCRITORES:

Empreitada de obras públicas.

Concurso público urgente.

Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho (Execução orçamental para 2010).

Situação de urgência.

Prazo de 24 horas para a apresentação de propostas.

Princípios da transparência, da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência.

SUMÁRIO:

I - De acordo com o disposto no artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, pode adoptar-se o procedimento de concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19º do CCP, e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

II - A observância dos pressupostos referidos no artigo 52º, nº2, do citado DL nº 72-A/2010 constitui um mecanismo excepcional de aplicação, às empreitadas de obras públicas, do concurso público urgente previsto no artigo 155º e seguintes do CCP, uma vez que, por um lado, aquele diploma legal regula matérias relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 - e não matérias relativas a empreitadas de obras públicas - e, por outro lado, o concurso público urgente, previsto no CCP, tem o seu âmbito de aplicação dirigido à celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente;

III - A adopção do procedimento referido em I, pressupõe a verificação de uma situação de urgência, a qual tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses colectivos.

IV - Nos termos do artigo 63º, nº2, do CCP, na fixação do prazo para a apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou a equipamentos por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência.

V - No caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo mínimo para a apresentação de propostas é de 20 dias, só podendo ser reduzido a 9 dias, no caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, tudo de harmonia com o disposto no artigo 135º, nº1, do CCP.

VI - O prazo de 24 horas concedido para a apresentação de propostas é insuficiente para a elaboração completa, sustentada e consistente de propostas e não permite o acesso ao concurso do mais vasto leque possível de concorrentes, o que acarreta a inobservância dos princípios da igualdade, da transparência, da proporcionalidade e da concorrência, bem como a violação do citado artigo 63º, nº2, do CCP;

VII - A utilização do procedimento de concurso público urgente, nos termos referidos no ponto anterior, e sem se verificar uma situação de urgência, tal como referida acima no ponto III, não garante o respeito pelos princípios da transparência, da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência, o que é susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato e constitui o fundamento de recusa do visto estabelecido na alínea c), do nº3, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto;

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

 

ACÓRDÃO Nº 10 /11 - 03.MAI. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 5/2011

(Proc. nº 1200/2010)

 

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção: 

I - RELATÓRIO

1. Recorreu a Câmara Municipal de Mangualde do Acórdão nº 2/2011, de 21 de Janeiro de 2011, da 1ª Secção do Tribunal de Contas, que recusou o visto ao contrato de empreitada relativo ao "Centro Escolar nº1 de Mangualde", celebrado entre o Município de Mangualde e a empresa "João Cabral Gonçalves & Filhos, Lda.".
A decisão recorrida foi proferida com base no disposto no artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, e apoiou-se, essencialmente, nos seguintes fundamentos:
a) Por um lado, no facto de não se ter verificado uma situação de urgência que justificasse a adopção do procedimento de concurso público urgente;
b) Por outro, a circunstância de ter sido fixado um prazo de 24 horas, para a apresentação de propostas, o que viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência, estabelecidos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos (CCP);
Segundo o Acórdão recorrido, as ilegalidades verificadas ofendem os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos, sendo que as violações de lei ocorridas, podendo restringir o universo de potenciais interessados e concorrentes, são susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e do consequente contrato.

2. Nas suas alegações, a Câmara Municipal de Mangualde formulou as seguintes conclusões:
" A) Do art. 52º nºs 2 e 3 do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18/6 resulta inequivocamente que a remissão nele efectuada para o art. 155º e ss do CCP, opera-se sem restrições, ressalvas ou excepções;

B) A única ressalva em relação a esse regime, é a que expressamente consta do nº3 do art. 52º referido, ao ordenar a aplicação do disposto nos arts. 88º a 91º do CCP aos concursos públicos urgentes que forem adoptados ao abrigo do disposto no nº 2 do mesmo art. 52º;

C) A remissão operada para os arts. 155º e ss do CCP, é uma remissão em bloco, isto é, para o regime jurídico traçado por aqueles arts. 155º e ss;

D) A única excepção à remissão assim efectuada é a que consta expressamente do referido nº3 do art. 52º, e se esta foi a única excepção prevista, forçoso é concluir que outras não existem, pois se assim não sucedesse, o legislador tê-las-ia, à semelhança desta, também previsto;

E) O esforço interpretativo que em sentido inverso é feito no douto Acórdão recorrido, conduz a uma interpretação da lei que não encontra na letra da mesma o mínimo de correspondência verbal, redundando em violação do disposto no art. 9º nº3 do Código Civil;

F) E não tem, tal interpretação, em conta o espírito do legislador e bem assim as circunstâncias e condições específicas em que a lei é aplicada, à revelia do disposto no nº1 do mesmo art. 9º;

G) O art. 52º nº2 do D. L. nº72-A/2010 de 18/6, mais não visa do que possibilitar o cumprimento do prazo para regularização das iniciativas comunitárias e a execução do QREN, a ocorrer até ao final do exercício orçamental de 2011, como impunha o art. 62º, nº1da Lei nº 3-B/2010 de 28/4, permitindo com esse fim, a adopção do concurso público urgente desde que, para o efeito, se encontrem reunidos todos os pressupostos, como no presente caso se encontram, previstos no art. 52º nº2 do referido D. L. nº 72-A/2010;

H) A não ser assim, estará inevitavelmente o intérprete a distinguir onde o legislador não o faz, acrescentando-se requisitos de aplicação àquele normativo que inevitavelmente colocarão em causa a razão de ser do mesmo e inviabilizarão a prossecução do objectivo por ele preconizado;

I) E esta não se reconduz a uma interpretação literal da lei, pois bem ao invés, é ela a única que permite atender ao pensamento do legislador e às circunstâncias em que a referida disposição legal foi elaborada, concretamente a de permitir dar execução efectiva à Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2010;

J) Foi o Governo que, ao prever a possibilidade legal de recorrer, no caso concreto, ao concurso público urgente, qualificou ele próprio, a existência de uma situação dominada pelo risco iminente de prejuízo para o interesse público, pelo que ao lançar mão do concurso público urgente, a Recorrente mais não fez do que adoptar um procedimento no âmbito de um quadro já qualificado como urgente;

K) A interpretação preconizada no Douto Acórdão recorrido, não pode portanto nesta parte merecer acolhimento por se afastar em absoluto da letra da lei e por ser estranha ao pensamento do legislador, violando consequentemente os arts. 155 e ss do CCP, o art. 52º nº2 do D. L. nº 72-A/2010 de 18/6, o art. 62º nº1 da Lei nº 3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9º nºs 1 e 2 do Código Civil, o que constitui motivo suficiente para a revogação daquela douta decisão e consequentemente, para ser concedido visto ao contrato em questão;

L) Independentemente do que vem de alegar-se, sempre inexistiria fundamento para recusar o visto ao mesmo contrato, dado que efectivamente existia urgência na abertura do concurso em causa, pois foi entendimento conjunto do Governo e da Associação Nacional de Municípios que se procedesse à "aceleração" da execução dos projectos incluídos no QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional, o que não pode reconduzir-se à mera prontidão e eficácia administrativa;

M) Isto porque, existiam concretas situações que impunham a urgência no procedimento em causa, fruto do contrato de financiamento celebrado entre o Município de Mangualde e a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro, sob pena de não ser aproveitado o financiamento comunitário disponibilizado para este tipo de obra;

N) Partindo da premissa, que se presume incontestada, de que o não aproveitamento integral desses fundos comunitários redunda em prejuízo para o interesse público, equivalente à não execução da obra ou à sua execução com recurso a fundos da Recorrente, cuja utilização era dispensável por ser substituível por tais fundos comunitários, a adopção de concurso público urgente impôs-se em concreto dado que nos termos da cláusula terceira do Contrato de Financiamento do Centro Escolar nº1 de Mangualde, a data de início desta operação se situava em 02/12/2009 e o seu terminus em 02/12/2010;

O) Por seu turno, a cláusula décima nº1 do mesmo Contrato de Financiamento, dispunha que o mesmo podia ser objecto de alteração por proposta do beneficiário e por motivos devidamente justificados nos seguintes casos:
"a) Alteração substancial das condições financeiras, que justifiquem uma interrupção do investimento, uma alteração do calendário da sua realização ou uma modificação das condições de exploração e/ou operação;
b) Alteração da operação que implique modificação do montante dos apoios concedidos;
c) Alteração imprevisível dos pressupostos contratuais."

P) No caso concreto, a candidatura ao QREN para a requalificação do Centro Escolar nº1 de Mangualde, que englobava a realização do projecto de execução, a empreitada e o equipamento, foi apresentada pela Recorrente em 02/06/2009, nela se prevendo como data de início da operação 02/12/2009 e o seu fim em 02/12/2010;
Q) Para o efeito, os projectos de especialidades, necessariamente anteriores à empreitada, foram adjudicados por despacho do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Mangualde de 11/05/2010, após início do respectivo procedimento em 21/04/2010;

R) Porém, esses projectos, por motivos a que a Recorrente é alheia, foram apresentados tardiamente, razão pela qual, em face da adopção dos procedimentos administrativos que se impunham, só foi possível proceder à deliberação para abertura de procedimento, destinado à celebração do contrato de empreitada, em 19/07/2010;

S) Porém, o aumento das taxas de co-financiamento para 80% no âmbito dos POR e a inerente reprogramação financeira e consequente aumento daquela taxa FEDER para aquela percentagem, entretanto disponibilizada, exigia impreterivelmente que à data dessa reprogramação as operações aprovadas atingissem um grau de execução superior a 50%;

T) Por isso, os Municípios beneficiários só poderiam solicitar a reprogramação financeira e consequente aumento daquela taxa para 80% se, à data daquela reprogramação, tivessem remetido 50% da despesa elegível aprovada para o projecto;

U) Isto mesmo resultou do memorando de entendimento estabelecido entre o Governo e a ANMP e foi comunicado à Recorrente por correio electrónico de 18/06/2010, tendo sido também comunicado a todos os municípios intervenientes neste tipo de procedimentos;

V) Em face desta circunstância, por forma a poder beneficiar do acréscimo de 10% da taxa de comparticipação para o projecto em causa, tornou-se imperiosa a reprogramação temporal e financeira do Contrato de Financiamento no período previsto para a operação (entre 02/12/2009 e 02/12/2010) e bem assim que à data dessa reprogramação já tivesse sido atingido um grau de execução superior a 50%;

W) Ora, tendo em conta que não é provável que a duração de um concurso público "normal" não excedesse três meses, atentas as vicissitudes legais ao mesmo inerentes, afigurava-se impossível que, lançado como foi tal procedimento em 02/08/ 2010, as operações aprovadas até 02/12/2010 (data limite para a reprogramação temporal e financeira do Contrato de Financiamento), atingissem um grau de execução superior a 50%, pois àquela data apenas poderiam ter sido executados trabalhos no âmbito da empreitada pelo período de um mês;

X) Fica assim demonstrado que a adopção do concurso público urgente se revelou imprescindível para a necessária reprogramação temporal e financeira do Contrato de Financiamento celebrado, pois se assim não fosse essa reprogramação ficaria inviabilizada com o consequente desaproveitamento da taxa FEDER de 80% de comparticipação;

Y) Só com este procedimento público urgente foi possível que em 29/11/2010 já tivessem sido aprovadas operações cujo grau de execução era superior a 50% e que, consequentemente, fosse possível ao Município de Mangualde outorgar o dito Contrato de Reprogramação temporal e financeira do Contrato de Financiamento anteriormente celebrado;

Z) Por outro lado, a impossibilidade da outorga de tal contrato de reprogramação geraria inevitavelmente o incumprimento do prazo de execução prevista na cláusula terceira do Contrato de Financiamento, a caducidade do mesmo e a impossibilidade de aproveitamento da comparticipação financeira prevista na cláusula quarta nº2 daquele mesmo contrato;

AA) O procedimento de contratação em causa não foi despoletado no início do prazo previsto para a operação em face de se tratar de uma obra co-financiada e de à data existir grande incerteza quanto ao momento em que os fundos provenientes do QREN seriam postos à disposição, o que, aliado à impossibilidade de endividamento das autarquias e à falta de fundos próprios para o efeito, aconselhou prudência, traduzida na contingência de apenas se avançar com o procedimento quando houvesse a certeza de que tais fundos iriam ser efectivamente disponibilizados;

BB) O procedimento em causa foi publicitado na plataforma electrónica com todos os elementos exigidos por lei por forma a permitir a elaboração completa e a apresentação de propostas em conformidade com os mesmos, tendo-se apresentado ao concurso 7 concorrentes, tendo sido admitidas 4 propostas e excluídas 3 delas;

CC) É pois inequívoco que o prazo concedido para o efeito se revelou suficiente para a apresentação de candidaturas, devidamente elaboradas;

DD) Por outro lado, tratou-se da fixação de um prazo concedido a todos os potenciais candidatos que assim ficaram em situação de absoluta igualdade e de oportunidade;

EE) Não se vislumbra portanto motivo para se concluir, como se concluiu no Douto Acórdão recorrido, que não ficou garantida a sã e livre concorrência entre todos os potenciais candidatos, já que todos se encontravam em posição de absoluta igualdade para poderem concorrer ao presente concurso;

FF) Não se concorda além disso com o entendimento de que, a fixação de um único prazo para todos os candidatos, possa só por si comprometer os invocados princípios da proporcionalidade e da igualdade, pois que, manifestamente não ocorreu neste caso, o risco destes poderem ter sido violados;

GG) A defendida exiguidade do prazo para a apresentação das propostas em nada pode contender com tais princípios, tanto mais que ficou por demonstrar que, se tal prazo fosse mais dilatado, teriam sido apresentadas outras propostas e muito menos, com preço inferior ao da proposta objecto de adjudicação pela Recorrente, a qual, diga-se, foi até manifestamente inferior ao preço base da empreitada, em € 291.586,36;

HH) A hipotética e incerta apresentação de outra(s) proposta(s) de valor ainda inferior àquela, se o prazo previsto para o efeito fosse superior, não pode sair do domínio da pura especulação e incerteza e não pode só por si ser arvorada em argumento suficiente para levar a concluir que a ilegalidade imputada ao Recorrente (que não se admite pelos motivos supra expostos) possa alterar o respectivo resultado financeiro;

II) O Douto Acórdão recorrido, ao decidir no sentido inverso, violou portanto, também nesta parte, os arts. 155º e ss do CCP, o art.52º nº2 do D. L. 72-A/2010 de 18/6, o art. 62º nº1 da Lei nº3-B/2010 de 28/4 e ainda o art. 9º nº2 do Código Civil;

JJ) Ainda que assim se não entendesse, o que por mera hipótese académica se admite, sempre estariam reunidos os pressupostos necessários para a concessão do visto ao contrato em questão ao abrigo do disposto no art. 44º nº4 da Lei nº 98/97 de 26/8, o que, subsidiariamente se peticiona.

Terminou as suas alegações referindo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e concedendo-se o visto ao contrato de empreitada aqui em causa.

3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 

II - MATÉRIA DE FACTO

Tendo em conta o disposto no artigo 100º, nº2, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, o que consta da decisão recorrida, bem como as alegações da recorrente, considera-se assente a seguinte matéria de facto:

a) A Câmara Municipal de Mangualde remeteu ao Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, o contrato de empreitada para execução dos trabalhos respeitantes à construção do edifício escolar denominado "Centro Escolar n.º1 de Mangualde", celebrado entre aquele Município e a sociedade "João Cabral Gonçalves & Filhos, Lda.", em 17 de Agosto de 2010, no valor de € 793.738,56, acrescido de IVA à taxa legal aplicável;
b) O contrato em apreço foi precedido de concurso público urgente, invocando-se, para tanto, o disposto no artigo 52º, do DL n.º 72-A/2010, de 18 de Junho e os artigos 155.º e seguintes, do Código de Contratos Públicos (CCP);
c) O Aviso de Abertura do mencionado concurso foi publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Agosto de 2010;
d) A escolha do tipo de procedimento pré-contratual acima referido assentou em Informação interna, a qual, invocando os artigos 52º, nº 2, do DL nº 72-A/2010, de 18 de Junho e 155.º e seguintes, do CCP, e destacando também a circunstância de o projecto em causa ser co-financiado por fundos comunitários, sugeriu a adopção do concurso público urgente;
e) Em 19 de Julho de 2010, a Câmara Municipal de Mangualde, em reunião ordinária, deliberou, por unanimidade, aprovar a minuta do contrato, o projecto, o programa do procedimento e o caderno de encargos, e, bem assim, a abertura do procedimento de concurso público urgente, em ordem à execução da empreitada referida na alínea a);
f) Ao concurso em causa apresentaram-se sete concorrentes, tendo sido excluídas três propostas, em razão da violação do disposto no artigo 13º, do DL n.º 143-A/2000, de 25 de Julho, do incumprimento do artigo 27º, da Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho (documentos assinados de forma incorrecta), e, por último, por força da inobservância do disposto no artigo 70º, nº 2, al. b), do CCP (apresentação extemporânea da proposta);
g) O prazo de execução da obra é de 270 dias;
h) A obra foi consignada em 24 de Agosto de 2010;
i) O preço base da empreitada foi de 1.085.324,92 €;
j) O critério de adjudicação foi o do preço mais baixo;
k) No ponto 9. do Anúncio de abertura do concurso estabeleceu-se que o prazo para a apresentação das propostas era de 24 horas, contado a partir da data e hora do envio do referido Anúncio para publicação no Diário da República;
l) O anúncio de abertura do concurso foi remetido para publicação no Diário da República, no dia 2 de Agosto de 2010, pelas 11:30 horas;
m) O anúncio mencionado na alínea anterior contém informação sobre o objecto do contrato (designação e tipo deste, bem como o preço base do procedimento) e o serviço da Autarquia onde se encontravam disponíveis as peças do concurso, para consulta dos interessados (Divisão Financeira do Município de Vila Verde); a informação de que o meio electrónico de apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.compraspublicas.com) e, ainda, a informação de que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos estavam disponibilizados em plataforma electrónica;
n) Questionada a Câmara Municipal de Mangualde sobre as razões em que assentava a adopção do procedimento pré-contratual (de natureza urgente), a mesma aduziu o seguinte:

§ A escolha do procedimento em causa deveu-se ao facto de a Câmara Municipal ter a candidatura aprovada ao QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional - e resultar do entendimento existente entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios que se procedesse à "aceleração" da execução dos projectos incluídos no referido Quadro (vide. ofício n.º 8253, de 15.12.2010, da Câmara Municipal de Mangualde);

§ A opção de 24 horas para a apresentação de propostas deveu-se a motivos já aduzidos em esclarecimentos anteriores, resulta ainda de alguma inexperiência dos Serviços que se ocuparam da condução do processo, e, ainda, por se tratar de uma efectiva urgência, atento o risco iminente de se perder o financiamento da obra já aprovado no domínio do QREN.  

o) A adjudicação ao concorrente "João Cabral Gonçalves & Filhos, Lda.", teve lugar em 9 de Agosto de 2010, por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal, ratificado por deliberação da mesma Câmara Municipal, de 16 de Agosto de 2010;
p) O contrato de financiamento do projecto foi celebrado em 21 de Julho de 2010, entre a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro e o Município de Mangualde, anotando-se que este foi objecto de uma Adenda (Reprogramação temporal e financeira) que, entre o mais, e na delimitação do prazo da respectiva execução, situa o início da operação em 20 de Agosto de 2010 e o fim em 30 de Dezembro de 2011.
q) O procedimento de formação do contrato seguiu a seguinte cronologia:

§ Deliberação para a abertura do procedimento - 19 de Julho de 2010;

§ Celebração do contrato de financiamento da obra - 21 de Julho de 2010;

§ Envio do anúncio para publicação no Diário da República - 2 de Agosto de 2010, pelas 11:30 horas;

§ Publicação do anúncio no Diário da República - 2 de Agosto de 2010;

§ Prazo de apresentação das propostas - 24 horas a contar da data e hora de envio do Anúncio para publicação no Diário da República;

§ Adjudicação da obra - 9 de Agosto de 2010;

§ Aprovação da minuta do contrato - 16 de Agosto de 2010;

§ Celebração do contrato - 17 de Agosto de 2010;

§ Remessa do contrato ao Tribunal de Contas - 26 de Agosto de 2010. 

III - O DIREITO

1. Como se viu acima, a decisão recorrida teve, essencialmente, um duplo fundamento:
- Por um lado, o facto de não se ter verificado uma situação de urgência que justificasse a adopção do procedimento de concurso público urgente;
- Por outro, a circunstância de ter sido fixado um prazo de 24 horas, para a apresentação de propostas, o que viola os princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.
Além disso, o Acórdão recorrido considerou que as ilegalidades verificadas ofendem os princípios da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos, sendo que as violações de lei ocorridas, podendo restringir o universo de potenciais interessados e concorrentes, são susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e do consequente contrato.

2. Vejamos, então, a bondade, ou não, da decisão recorrida, tendo em conta a matéria de facto dada por assente, bem como o alegado pela recorrente, no que concerne à questão de ter sido adoptado um procedimento de concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), e, ainda, ao facto de ter sido fixado um prazo de 24 horas, para a apresentação de propostas.

2. 1. O artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho (1), sob a epígrafe "Disposições especificas na aquisição de bens e serviços", dispõe o seguinte, no seu nº 2:

Artigo 52º
Disposições especificas na aquisição de bens e serviços
............................................................................
2 - Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b), do artigo 19º, do CCP (2); e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
............................................................................

Por seu lado, o artigo 155º do CCP, integrado na Secção VII (Concurso público urgente), do Capítulo II, do Título III, da Parte II do mesmo Código, sob a epígrafe "Âmbito e pressupostos", estabelece o seguinte:

Artigo 155º
Âmbito e pressupostos
Em caso de urgência na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante, pode adoptar-se o procedimento de concurso público nos termos previstos na presente secção, desde que:
a) O valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos
na alínea b) do nº1 e no nº2, do artigo 20º, consoante o
caso (3); e
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.


Uma das particularidades mais salientes do regime do concurso público urgente é a que consta do artigo 158º do CCP, relativamente ao prazo para a apresentação das propostas.
É a seguinte a redacção deste artigo 158º:

Artigo 158º
Prazo mínimo para a apresentação das propostas
O prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.

2. 2. Verifica-se, assim, que, durante a vigência do citado DL nº 72-A/2010, o legislador entendeu estender o regime do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, aos contratos de empreitada, desde que ocorressem os pressupostos definidos nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 52º daquele diploma legal.
No caso em apreço, e tal como entendeu o Acórdão recorrido, verifica-se que, previamente à realização do procedimento que antecedeu a celebração do presente contrato, estavam verificados os seguintes pressupostos:
a) A obra a que respeita o contrato de empreitada, aqui em apreço, integra-se num projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato (793.738,56 €) é inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19º, do CCP;
c) Finalmente, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.
Ocorrem, pois, todos os requisitos que, no âmbito do nº2, do citado artigo 52º, são fixados para que seja possível, no que toca às empreitadas de obras públicas, a adopção do mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP.

2. 3. Contudo, dissemos atrás que a observância dos requisitos fixados no artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, constituía um mecanismo excepcional de aplicação, às empreitadas de obras públicas, do procedimento do concurso público urgente, previsto no CCP.
Ora, tal afirmação tem por base o seguinte:
Por um lado, o DL nº 72-A/2010 é um diploma que visa estabelecer disposições relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 e não matérias relativas à contratação pública.
Por outra banda, o artigo 52º, deste diploma legal, tem por epígrafe, como se disse, "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços" e, não obstante, regula, num dos seus números, matéria concernente a empreitadas de obras públicas.
Daí que deva entender-se a aplicação deste mecanismo excepcional com as naturais cautelas e tendo em conta as particularidades de cada um destes tipos procedimentais.
Não pode, deste modo, dizer-se - como faz a recorrente, efectuando uma interpretação puramente literal da norma do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho - que a remissão efectuada por este normativo, para o artigo 155º e seguintes do CCP, opera sem ressalvas ou restrições.
Não é assim.
É que, de acordo com o disposto no artigo 9º, nºs1 e 3, do Código Civil, na interpretação da lei não pode o intérprete cingir-se à sua letra, devendo, ao invés, e a partir do texto, reconstituir o pensamento legislativo tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, sendo de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
Ora, se é certo que o artigo 155º do CCP define o âmbito e os pressupostos de aplicação do concurso público urgente, logo se vê que esta modalidade de concurso não está vocacionada, nem prevista, para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, o que, aliás, bem se compreende, dado que a apresentação de propostas, para este tipo de obras, se insere num procedimento pré-contratual mais elaborado e demorado, que se não compagina com o procedimento "aligeirado" que se encontra previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP.
Por isso, é que, ao prever a adopção do concurso público urgente, este artigo 155º estabelece que tal procedimento é aplicável em caso de urgência, e, por outro lado, na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou ainda de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante.
Ora, uma vez que o artigo 157º, nº2, do CCP, estabelece, relativamente ao concurso público urgente, que o programa de concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio do concurso, manifesto é que tal regime não é compatível com o conteúdo de um anúncio de abertura de um procedimento respeitante à celebração de um contrato de empreitada, pois que, como é óbvio, não é possível, designadamente, incorporar no anúncio os elementos de solução da obra que devem integrar o caderno de encargos, em conformidade com o que estabelece o artigo 43º, do mesmo Código.
Por outro lado, o artigo 158º do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
Ora, esta disposição compreende-se no quadro de um procedimento tendente à formação de um contrato de locação ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente, mas, ainda assim, nos apertados termos indicados nas alíneas a) e b) do artigo 155º, do mesmo Código.
Porém, se repararmos na redacção do artigo 135º, nº1, do mesmo Código, logo verificamos que, de acordo com o seu nº1, para a apresentação de propostas num concurso público cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) não pode ser fixado um prazo inferior a 9 dias.
Além disso, e no que concerne, especificamente, ao procedimento para a formação de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo para a apresentação de propostas é de 20 dias, a contar do envio do anúncio do concurso para publicação no Diário da República.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, é que o CCP, no nº2, do mesmo artigo 135º, estabelece que aquele prazo mínimo, para a apresentação de propostas, pode ser reduzido em 11 dias, ou seja, pode a apresentação de propostas ser efectuada num prazo de apenas 9 dias.
Assim é que um prazo mínimo de 24 horas, para a apresentação de propostas - tal como fixado no artigo 158º, do CCP - podendo ser admissível num procedimento que tenha em vista a prestação de certos serviços, ou o fornecimento de bens móveis, não se coaduna com a natureza dos contratos de empreitada.
É que tal prazo de 24 horas, manifestamente não se mostra conforme com as exigências que decorrem da observância do princípio da proporcionalidade - com assento constitucional - nem, ainda, com o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência.
E isto, porque não possibilita uma ampla divulgação do procedimento - com reflexo na quantidade de candidaturas que podem apresentar-se ao concurso e nos preços que podem ser apresentados - nem permite, por outro lado, a elaboração completa e sustentada de propostas para a realização da obra em causa.
Aliás, os elementos exigidos pelo artigo 57º, nºs 1 e 2, do CCP, para o conteúdo das propostas, mostram amplamente a complexidade que está associada à celebração de contratos de empreitada de obras públicas e que não é comparável, sequer, com o procedimento inerente à celebração de contratos de aquisição de serviços ou de aquisição de bens móveis.
Efectivamente, num procedimento conducente à formação de contratos de empreitada de obras públicas, as propostas dos concorrentes são constituídas pelos documentos mencionados no nº1, do artigo 57º do CCP e ainda pelos elementos referidos no nº2, deste normativo, ou seja: i) uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no projecto de execução; ii) um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do mesmo Código, quando o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução; iii) um estudo prévio, nos casos previstos no nº3, do artigo 43º do CCP, competindo a elaboração do projecto de execução ao adjudicatário.

2. 4. Prosseguindo na análise da legislação atinente ao concurso público urgente, na óptica da sua aplicação às empreitadas de obras públicas, deve referir-se que, de acordo com o estabelecido no artigo 156º, nº1, do CCP, o procedimento de concurso público urgente rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes, ou que com estes seja incompatível.
Uma das formalidades essenciais a observar, no concurso público urgente, é, como se dispõe no artigo 157º, nº1, do CCP, a publicitação do mesmo no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
Por outro lado, devem constar do anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos, de harmonia com o definido no nº2, do mesmo artigo 157º, do CCP.
Acontece que a portaria, atrás referida, é a Portaria nº 701-A/2008 de 29 de Julho, a qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº1, al. b), contém no seu Anexo II, o modelo de anúncio de concurso público urgente.
Tal modelo especifica que o anúncio deste concurso deve incluir informação, designadamente, sobre o "objecto do contrato" (vide o nº2 do Anexo II), e, dentro deste, a "designação do contrato (4)", com a descrição sucinta do seu objecto, bem como o "tipo de contrato (5)" (locação de bens imóveis/aquisição de bens móveis/aquisição de serviços (6)), para além do Programa de Concurso (nº 12 do Anexo II) e do Caderno de Encargos (nº13 do mesmo Anexo II), os quais são de preenchimento obrigatório.
No caso em apreço, o anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, mas não obedeceu totalmente ao modelo previsto na dita Portaria nº 701-A/2008, uma vez que não incluiu informação relativa ao Programa de Concurso nem ao Caderno de Encargos, apenas contendo a indicação de que essas peças concursais estavam disponibilizadas "em plataforma electrónica".
O acórdão recorrido, todavia, não retirou deste facto quaisquer ilações pelo que, no âmbito do presente recurso, tal matéria não carece de ser abordada no que concerne às suas consequências.

3. Tendo sido demonstrado que a aplicação do procedimento de concurso público urgente, às empreitadas de obras públicas, constituía um mecanismo excepcional, só possível pela existência da norma do artigo 52º do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, importa verificar se o recurso a tal procedimento está apenas sujeito aos pressupostos indicados neste normativo, como parece resultar da alegação da recorrente.

3. 1. Ora, tratando-se de um concurso público urgente, necessário é que, como resulta do artigo 155º do CCP, se esteja perante um caso de urgência.
Por isso, de seguida, enfrentar-se-á a questão da verificação do fundamento de recusa do visto, em que se baseou a decisão recorrida, relativo à existência - ou não - no caso em apreço, de uma situação urgência, como motivo justificativo da adopção, no caso vertente, do procedimento de concurso público urgente.
Já vimos que, na situação que nos ocupa, estamos perante um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas, que só pode ser objecto de um concurso público urgente, em face da existência de uma norma (artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho) que o consente, mas, excepcionalmente, e dentro dos apertados termos a que acima aludimos.
Ora, a adopção de um procedimento de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 155º e seguintes do CCP, tem, desde logo, e como se disse, um pressuposto prévio, que é determinante da sua admissibilidade: a circunstância de se estar perante um caso de urgência na celebração do contrato a que se destina.
O termo urgente veicula um conceito indeterminado.
Conceitos indeterminados ou conceitos standard, são, como referem J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO (7), aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa a que, na fase de aplicação, se deverá dar uma significação específica, em face de factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis.
Por isso, constituindo a urgência um conceito com esta natureza, torna-se necessário proceder a operações tendentes à sua concretização específica, o que passa pelo recurso a valores e após ponderação das circunstâncias de cada caso.
A urgência, como fundamento de um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos constitui, como salienta ANDRADE DA SILVA (8), uma excepção à regra da concorrência nos termos gerais.
Uma vez que a caracterização e o preenchimento do conceito de urgência, carece de apreciação casuística, pode afirmar-se que, para que uma situação possa ser considerada de urgência, terá que se estar perante um caso em que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária.
Há que assinalar, aliás, que a urgência se distingue da celeridade, dever que impende sobre a Administração, nos termos do disposto no artigo 57º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Na verdade, a celeridade procura atingir outros valores, designadamente a prontidão e a eficácia da acção administrativa.
Ao invés, uma situação de urgência tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses públicos (9).

3. 2. No caso sub judice, como resulta da matéria de facto dada por assente na alínea n) do probatório, a Câmara Municipal de Mangualde, quando questionada sobre qual a urgência que se verificou para justificar a adopção do procedimento pré-contratual utilizado, veio dizer que a escolha do procedimento se deveu ao facto de ter sido aprovada a candidatura ao QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional, e resultar do entendimento entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios que se procedesse à aceleração da execução dos projectos incluídos no citado Quadro.
Por outro lado, diz a recorrente, nas suas alegações, que a candidatura ao QREN, para a realização da requalificação do Centro Escolar nº1, de Mangualde, foi apresentada em 02-06-2009, nela se prevendo como data de início da operação o dia 2 de Dezembro de 2009 e de fim a data de 02-12-2010.
Todavia, porque os projectos foram apresentados tardiamente, só foi possível proceder à abertura do procedimento tendente à celebração do contrato, em 19-07-2010.
Além disso, - diz ainda a recorrente, para justificar a urgência da adopção do procedimento pré-contratual utilizado - para beneficiar do aumento da taxa de co-financiamento, tornou-se necessária a reprogramação financeira do contrato de financiamento para o período correspondente à realização da obra, pois que, se assim não fosse, ficaria inviabilizado o aproveitamento da taxa FEDER de 80% de comparticipação, sendo que tal reprogramação só poderia ser solicitada se, à data, tivesse remetido 50% da despesa elegível aprovada para o projecto.
Ora, quanto a esta argumentação, há que dizer que, como já várias vezes decidiu este Tribunal (10), a invocação da utilização de fundos comunitários, não serve como fundamento justificativo de urgência.
A urgência há-de resultar de factores inerentes ao objecto do contrato e que sejam determinados por situações de risco ou de perigo com que a Administração se veja confrontada na satisfação do interesse público, situações essas que demandem uma resposta célere e eficaz, sob pena de grave lesão para os interesses colectivos.
Por isso, não pode a circunstância da obtenção do financiamento comunitário ser invocada uma situação urgente, constitutiva de fundamento da adopção de um procedimento pré-contratual com a natureza de um concurso público urgente, até pela circunstância de ser possível a reprogramação temporal do contrato de financiamento, tal como previsto no nº1, da cláusula 10ª deste contrato.
Aliás, no caso presente, não se vislumbra qualquer motivo que configure a existência de uma situação de urgência - com os contornos expostos - para a realização da obra que é objecto do contrato, até pela circunstância de ser longo o prazo da sua execução (270 dias).
Além disso, também não se pode aceitar a existência de uma situação de urgência, como justificação da adopção do concurso público urgente, - sobretudo com o estabelecimento do curtíssimo prazo de 24 horas para a apresentação de propostas - quando, designadamente, entre a data de celebração do contrato de empreitada (17-08-2010) e a data de remessa do mesmo a este Tribunal, para fiscalização prévia (26-08-2010) decorreram 9 (nove) dias!

4. Importa analisar, de seguida, a questão que, mais relevantemente, constituiu fundamento para a decisão que ora vem impugnada.
Efectivamente, no caso em apreço, e no âmbito do concurso público urgente que foi utilizado, foi estabelecido, no respectivo anúncio de abertura, que a apresentação de propostas deveria ser efectuada no prazo de 24 horas, a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República.
A decisão recorrida considerou que o prazo estipulado para a apresentação de propostas, sendo manifestamente injustificado e inadequado à complexidade e natureza do projecto em causa, tem aptidão para restringir o número de concorrentes, impedindo-se, assim, a optimização das propostas, o que afronta os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência.
Relativamente a esta questão, sustenta a recorrente, essencialmente, o seguinte:

- O procedimento foi publicitado na plataforma electrónica, tendo-se apresentado ao concurso 7 concorrentes;

- O prazo concedido revelou-se, pois, suficiente para a apresentação de candidaturas, devidamente elaboradas;

- Tratou-se da fixação de um prazo concedido a todos os potenciais concorrentes, que, assim, ficaram em situação de absoluta igualdade de oportunidades;

- Ficou por demonstrar que, se o prazo fosse mais dilatado, seriam apresentadas outras propostas e muito menos com preço inferior ao da proposta da adjudicatária;

- A hipotética e incerta apresentação de outra(s) proposta(s), caso o prazo de apresentação fosse superior, não pode sair do domínio da pura especulação e não pode ser arvorado em argumento suficiente para concluir pela ilegalidade imputada à recorrente.

Ora, quanto a isto, há que ter em conta o seguinte:
Embora, como se disse, o artigo 158º do CCP estabeleça que é de vinte e quatro horas, o prazo mínimo, para a apresentação de propostas, num concurso público urgente, deve recordar-se que este tipo de procedimento está previsto, no CCP, para os contratos de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou de serviços, e não para a contratação de empreitadas de obras públicas.
Deste modo, cabe aqui indagar da admissibilidade e da conformidade legal do prazo que foi fixado, no caso - como o presente - de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada.
Por outro lado, cabe perguntar também se, para a apresentação de propostas para um concurso de empreitada de obras públicas, é suficiente o prazo de 24 horas, tal como foi estabelecido no caso em apreço.
É que não pode deixar de ser questionável se o referido prazo de 24 horas permite a elaboração completa, sustentada e consistente, de propostas para a realização da obra posta a concurso.
Além disso, ainda se pode questionar se aquele prazo de 24 horas permite o acesso ao concurso, do mais vasto leque possível de concorrentes, e, com isso, a observância dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.
Ora, para estas questões, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, importa recordar que, como se assinalou atrás, o artigo 135º, nº1, do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, no caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, é de 20 dias, a contar do envio, para publicação, do respectivo anúncio de abertura.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos é que a lei consente que tal prazo mínimo pode ser diminuído, e, ainda assim, não pode ser inferior a 9 dias.
Ora, tratando-se, no caso em apreço, de uma obra relativa à construção do Centro Escolar nº1 de Mangualde, e tendo presente o valor do contrato em causa (793.738,56 €), bem como o prazo de execução da obra (270 dias), não poderá dizer-se que se está perante trabalhos com manifesta simplicidade.
Mas, ainda que assim fosse, o certo é que o prazo para a apresentação das propostas, que foi fixado, é muito inferior, até, ao prazo mínimo de 9 dias, definido legalmente para a apresentação de propostas relativas a uma obra que tenha essa natureza!
Isto para além de, como se acentuou acima, o prazo de 24 horas, fixado para a presentação de propostas, também não ser comparável com o prazo de 9 dias que decorreu entre a celebração do contrato e a remessa do mesmo a este Tribunal, para fiscalização prévia...
Por outra banda, reconhecendo-se, à entidade adjudicante, alguma margem de liberdade na fixação do prazo de apresentação de propostas, pelos operadores económicos que desenvolvem a sua actividade no mercado, o certo é que tal liberdade está limitada pela observância dos princípios da proporcionalidade, da transparência e da concorrência, devendo ser utilizada de modo a assegurar e respeitar estes princípios.
Aliás, e a este respeito, não pode deixar de se referir que o artigo 63º, do CCP, que tem por epígrafe "Fixação do prazo para a apresentação das propostas", estabelece no seu nº2 que "na fixação do prazo para a apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar ... bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou a equipamentos por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência".
Por outro lado, como acentuou o Acórdão de 25 de Março de 2010, do Tribunal Central Administrativo Norte (11), na concretização dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devem ainda ser observados os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes, por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos, por parte dos interessados em contratar.
O prazo fixado para a apresentação de propostas, no caso em apreço, não é, pois, consentâneo com o respeito por princípios como os da proporcionalidade e da concorrência, nem com a observância da disciplina do artigo 63º, nº2, do CCP.
E não se diga - como justificou a recorrente - que o facto de se terem apresentado 7 concorrentes, traduz inequivocamente a suficiência do prazo de 24 horas concedido para a apresentação de propostas.
É que, como apontou o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, não é pela circunstância de, no caso presente, se terem apresentado sete concorrentes, que podemos concluir pela observância do princípio da concorrência.
Na verdade, e por um lado, não se conhecem as circunstâncias que permitiram a estes concorrentes conhecer o objecto do concurso e apresentar as suas propostas no curtíssimo prazo concedido para esse efeito.
Por outro lado, com toda a probabilidade, no caso de o prazo de apresentação de propostas ter sido mais dilatado, maior poderia ser o número de propostas que seriam apresentadas, - dada a existência de mais tempo para uma ampla divulgação do procedimento - e mais tempo haveria para a preparação, elaboração e apresentação de propostas.
Para a entidade adjudicante seria do maior interesse a existência do mais vasto leque possível de concorrentes, uma vez que isso lhe poderia proporcionar um mais vasto campo de selecção e, consequentemente, uma melhor escolha entre as propostas, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista financeiro.
A este respeito, importa, ainda, reter que o prazo para apresentação de propostas é uma matéria a que a Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, dá especial relevo.
Na verdade, o artigo 38º, nº1, desta Directiva, determina que as entidades adjudicantes, ao fixarem os prazos de recepção das propostas e dos pedidos de participação, deverão ter em conta, especialmente, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas.
A este propósito deve, também, lembrar-se que o nº4, do mesmo artigo 38º, estabelece que, no caso de as entidades adjudicantes terem publicado um anúncio de pré-informação, o prazo mínimo para a recepção das propostas pode ser reduzido, mas nunca para menos de 22 dias.
Aliás, quanto às opções do legislador em matéria de prazos, há que salientar que o recentemente publicado decreto-lei de execução orçamental para 2011 - o DL nº 29-A/2011 de 1 de Março - continuando, embora, a permitir a adopção do procedimento de concurso público urgente, para a celebração de contratos de empreitada, verificados que sejam os pressupostos que já eram exigidos pelo nº2, do artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, estabelece, no seu artigo 35º, nº6, que, a tal procedimento, é aplicável o prazo mínimo de 15 dias, para apresentação de propostas.
A celeridade processual é um elemento essencial de um Estado de Direito.
Porém, como resulta da lição de MARTIN BULLINGER (12), a necessidade de celeridade, pode, também, ser olhada como um perigo para este mesmo Estado de Direito, já que pode conduzir a uma consideração insuficiente da factualidade e da situação jurídica, sem a profundidade exigida para uma correcta aplicação da lei, e - dizemos nós - ao atropelo de princípios fundamentais que a lei entendeu salvaguardar sem tibiezas.

5. Nesta conformidade, resulta de todo o exposto, que, no caso em apreço, foi utilizado um procedimento cujos termos - especialmente em matéria de prazo de apresentação de propostas - não garantem o respeito pelos princípios da transparência, da concorrência e da igualdade previstos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos, nem o respeito pelo disposto no artigo 63º, nº2, do CCP.
A violação de lei verificada, sendo susceptível de restringir o universo de potenciais concorrentes, é do mesmo modo susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato, pelo que, nestas circunstâncias, bem andou o Acórdão recorrido, ao decidir recusar o visto ao contrato.
Improcedem, assim, as conclusões da recorrente. 

IV - DECISÃO

- Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
- São devidos emolumentos (artigo 16º, nº1, al. b) do Regime Jurídico anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).

Lisboa, 3 de Maio de 2011. 

Os Juízes Conselheiros - (António M. Santos Soares, relator) - (António A. Santos Carvalho) - (Manuel R. Mota Botelho)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto - (Jorge Leal)


(1) Diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010 e que, entretanto, foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2010 de 7 de Dezembro.
(2) Este valor corresponde a 4. 845.000,00 €, a partir de 01-01-2010, ex vi do Regulamento (CE) nº 1177/2009, da Comissão, de 30-11-2009, publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) nº L314/64 de 01-12-2009.
(3) Os valores referidos na alínea b), do nº1 e no nº2, do artigo 20º do CCP correspondem, respectivamente, a 193.000,00 € (a partir de 01-01-2010, ex vi do Regulamento (CE) mencionado na nota anterior) e a 133.000,00 € (vide o artigo único, alínea c), da Portaria nº 701-C/2008, de 29 de Julho).
(4) De preenchimento obrigatório.
(5) Também de preenchimento obrigatório.
(6) Obviamente que no tipo de contrato não se inclui o de empreitada de obras públicas pelas razões supra referidas: não se previa a adopção de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada e porque o artigo 155º do CCP apenas o previa para a celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou de aquisição de serviços.
(7) Vide o "Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado", 3ª edição, Almedina, 1996, pág. 639, em anotação ao artigo 135º.
(8) Vide o "Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado", 2008, ed. Almedina, pág.484.
(9) Veja-se, neste sentido, FREITAS DO AMARAL e MARIA DA GLÓRIA GARCIA, in "O Estado de Necessidade e a Urgência em Direito Administrativo", ROA, 59º, II, pág.515.
(10)
Vide, designadamente, os Acórdãos da 1ª Secção, em subsecção, nºs 155/2001, de 2 de Outubro de 2001, proferido no Proc. nº 2158/2001 (e publicado na Revista do Tribunal de Contas, nº 36, pág. 327 e segs.) e 104/99, de 7 de Dezembro de 2009, no Proc. nº 13.744/99, bem como o Acórdão de 25 de Maio de 1999, proferido em Plenário, no Recurso Ordinário nº14/99.
(11) In Proc. nº 1257/09.7BEPRT, pesquisado em www.dgsi.pt.
(12)
In "Procedimiento Administrativo al ritmo de la economia y la sociedad", R.E.D.A. , nº 69, 1991, pág. 8, citado no "Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado" de J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 245.