Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Junho de 2011 (proc. 7483/11)

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Sumário:

I - Preceitua o art. 71º, nº 1 do CCP como critério supletivo de determinação do preço anormalmente baixo, aquele que seja igual ou inferior a 40% ou 50% do preço base, conforme, respectivamente, se trate de um contrato de empreitada de obras públicas ou de qualquer outro contrato;
II - Nessa situação, sendo possível aferir se o preço proposto é ou não considerado um preço anormalmente baixo, deve o concorrente, desde logo, instruir a sua proposta com uma nota justificativa das razões da apresentação do dito preço anormalmente baixo, devendo ser excluída a proposta cuja análise revele um preço anormalmente baixo cujos esclarecimentos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados aceitáveis pela entidade adjudicante (cfr. arts. 57º, n.1, al. d), 70º, n.° 2, al. e) e 71º, nº 4 do CCP)
III - No caso em apreço a Contra-interessada cumpriu este procedimento legal, tendo instruído, desde logo, a sua proposta com uma Nota Justificativa do preço apresentado, e, por sua vez, o Júri analisou e apreciou, criticamente, as razões justificativas apresentadas tendo concluído pela sua suficiência e validade;
IV - Não sendo questionada a veracidade dos aspectos justificativos, antes se considerando os mesmos irrelevantes, e, não se imputando qualquer erro grosseiro na apreciação feita pelo Júri neste particular, e consequentemente também não o demonstrando conforme era ónus da Autora, a valoração feita pelo Júri quanto à justificação do preço da proposta da Contra-interessada regeu-se por critérios de discricionariedade técnica e revela-se insindicável.

 

Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual, na qual se impugna o acto de adjudicação da prestação de serviços "Levantamento Vídeo e respectiva Georeferenciação e carregamento em Base de Dados SIG da Sinalização Rodoviária do Concelho de Lisboa".

Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1- A decisão sobre a matéria de facto registada na sentença recorrida é manifestamente insuficiente para a boa decisão da causa;
2- O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre os seguintes factos alegados na p.i.:
«art. 12º - No sua proposta a concorrente I......... - Sistemas de Informação e Conteúdos, não apresentou Plano de Mão de Obra, com a indicação dos técnicos a afectam à prestação de serviços, nem o número de horas de trabalho nas diversas fases da execução.»
«art. 13º - No sua proposta o concorrente I............. - Sistemas ................., SA, não apresentou Plano de Equipamentos com descrição concreta e por fases dos meios técnicos a utilizar na execução dos serviços a concurso.»
«art. 15º - A concorrente I......... - Sistemas de Informação e Conteúdos, SA, para justificar o preço proposto de 100.000,00 euros - inferior a 50% ao preço base - apresentou na sua proposta as seguintes razões:
- experiência dos técnicos em projectos de georeferenciação e experiência na estimação de custos;
10 - boa organização do caderno de encargos;
- posse de meios próprios para a realização de coberturas aerofotagráficas e produção de ortofotomapas;
- utilização de fotografia aérea de alta resolução bem como a propriedade de uma câmara DIGICAM/H39, com resolução 7216/5412 com lente Hasselblad de 8o mm.»
- «art.19º: Os serviços a concurso não se destinam à produção de ortofotomapas.»
- «art.19º: Os serviços a concurso não exigem fotografia aérea.»
«art.19º ... a produção de ortofotomapas e a fotografia aérea não constam do caderno de encargos, clausulas técnicas.»
- «art. 20º: A fotografia aérea não constitui qualquer mais valia para o serviço o prestar uma vez que se trata de espaço urbano (Lisboa) densamente construído e com grande coberto de vegetais (Monsanto) o que impede a visualização e georeferenciação da sinalização de trânsito conforme pedido no objecto do concurso.»
- «art. 21º: O concorrente I......... não fez qualquer demonstração objectiva e comprovada das «especiais» condições económico/financeiras que alega ter em matéria de ortofotomapas e de fotografia aérea».
-«art. 22º: O concorrente I......... não dispõe de meios técnicos próprios adequados para o levantamento videográfico que constitui o objecto do concurso».
«art. 22º: Nem dispõe de experiência em trabalhos semelhantes.».
-«art. 24º: O concorrente I......... não apresentou Plano de Actividades».
-«art. 36.: O preço apresentado pelo concorrente I........., inferior em quase 67% ao preço base, é consideravelmente inferior ao custo real dos serviços a prestar face à mão de obra e meios técnicos que é necessário afectar»;
3- Os factos referidos na conclusão anterior são relevantes para a boa decisão da causa;
4- A mera remissão para peças do processo como consta nomeadamente dos números 5, 6,7, 8, 9 e 11 da fundamentação não constitui decisão sobre a matéria de facto;
5- A sentença de recorrida padece de nulidade manifesta por violação do disposto nos arts. 94º, nº 1 e 95º, do CPTA e 653º, nº 2, 659º, nº 3 e 668º, nº 1, d) do CPC;
6- Para apreciar a questão do preço anormalmente baixo era necessário que o tribunal recorrido tivesse dado como provados ou não os factos invocados pela contra interessada para o justificar.
7- Não podia o tribunal recorrido concluir que o júri actuou ao abrigo de um poder discricionário ao aceitar o preço anormalmente baixo apresentado pela contra interessada Info Portugal porque não consta da fundamentação de factos os motivos concretos que justificaram o referido preço;
8- Os fundamentos invocados pela contra interessada I......... na sua Nota Justificativa do Preço, impugnados pela autora na p.i. arts. 152 a 232, são manifestamente insuficientes para justificar um preço inferior em mais de 66% do preço base;
9- Carece de justificação a afirmação da contra interessada de que a formação dos preços da presente proposta teve em consideração os custos directos de mão de obra, equipamentos e margens comerciais adequados à cobertura de custos de natureza administrativa da empresa (parte final da Nota Justificativa) se esses custos que contribuíram para a formação do preço não estão discriminados na sua proposta, não sendo assim possível nem ao júri nem ao tribunal sindicá-los.
10- As condições excepcionalmente favoráveis (art.71º, nº 4, b) do CCP) invocadas por um concorrente para apresentar um preço anormalmente baixo têm de ser reais, ou seja, suportadas por factos objectivos e devidamente comprovados, de natureza absolutamente excepcional, baseados na disponibilidade de tecnologia ou meios de produção não disponíveis pelos restantes concorrentes que, sem margem para dúvida, permitam concluir que os bens ou serviços podem ser fornecidos por um preço «anormal» no sentido de inferior ao que é expectável de acordo com as regras do mercado e respectivo custo. É por isso que o preço é «anormal».
11- Consta da página 25 da proposta do concorrente I......... o seguinte: «Serão produzidos ortofotomapas digitais com 8 cm l pixel (equivalente à cartografia 1:2000) para servir de base a todo o projecto, sobre os quais será feita a digitalização da sinalização horizontal Estes ortofotomapas serão cedidos gratuitamente á Câmara Municipal de Lisboa, será produzido o modelo digital do terreno da totalidade da área do projecto, necessária para a produção dos ortofotomapas, e cedido gratuitamente à Câmara Municipal de Lisboa. Esta informação, juntamente com os ortofotomapas, permitirá criar em ambiente GIS uma visualização 3D de todo o projecto. O rigor geométrico dos dados obtidos por fotografia aérea é superior aos obtidos exclusivamente por videografia terrestre.» (ver também página 37 da proposta, na qual se descreve o modelo digital do terreno e os ortofotomapas que serão gratuitamente cedidos à Câmara Municipal de Lisboa);
12- A cedência gratuita de serviços constitui, objectivamente, uma forma de subfacturação do custo dos serviços. Essa subfacturação constitui prática ilícita porque viola as regras da sã concorrência e do mercado. A admissão de tal prática - fornecimento de serviços a «custo zero»- em sede de concurso público, falseia a concorrência, constitui a prática de dumping e viola inequivocamente o disposto no art. 4º, nº1, da Lei 18/2003, de 11 de Junho;
13- A contra interessada fundamentou a seu preço anormalmente baixo com o recurso à cedência gratuita de serviços, como consta da alínea e) da Nota Justificativa: a I......... possui meios próprios para a realização de coberturas aéreo fotográficas e produção de ortofotomapas, que utilizará neste projecto;
14- Razão porque o tribunal recorrido deveria ter reconhecido e declarado que o preço apresentado pelo concorrente I........., inferior em quase 67% ao preço base, é consideravelmente inferior ao custo real dos serviços a prestar face à mão de obra e meios técnicos que é necessário afectar - art.36º da p. i..
15- A cedência gratuita de serviços viola também o art. 60º do CCP que impõe obrigatoriedade de apresentação de preço pelos serviços a prestar pelos concorrentes no concurso, não sendo admissíveis, em caso algum, em matéria de preço dos serviços doações, gratuitidades, favores, atenções, simpatias e outro tipo de práticas semelhantes para diminuir o seu valor, actos estes que são, inclusivamente, susceptíveis de afectar a transparência do processo decisório;
16- A sentença recorrida violou o disposto nos arts. art. 8.9 do programa de concurso, no 71º, nºs. 1, b), e 4 do CCP, no art. 60º do mesmo diploma e no art. 4º, nº1, da Lei 18/2003, de 11 de Junho.

Em contra-alegações o Município de Lisboa formula as seguintes conclusões:
A. A sentença que conhece dos vícios arguidos pelo autor não enferma de omissão de pronúncia;
B. Esse conhecimento revela-se manifesto quando, como é o caso dos autos, o autor individualiza os vícios e a sentença conhece deles, pontualmente e identificando cada uma das correspondentes causas de invalidade;
C. Não poderá, contudo, exigir-se do tribunal que conheça das questões suscitadas pelo recorrente quando estas constituam objecto de um juízo de discricionariedade administrativa e não foi alegado nem identificado um erro de facto ou manifestamente grosseiro;
D. Ao juiz assiste a faculdade de dispensar a produção de prova testemunhal quando entende que os documentos constantes dos autos fornecem os elementos bastantes para conhecer do mérito da causa;
E. Não deve ser admitida a impugnação no recurso da decisão que decidiu dessa dispensa quando a mesma, além de ter transitado em julgado, mereceu da parte impugnante o entendimento de que os documentos existentes continham já os elementos necessários para a boa decisão do pleito;
F. Quando se declara na sentença que ficaram provados os actos do concurso documentados nos autos e nestes se discute a legalidade dos actos, não é tanto a prova da prática dos actos que se toma como assente como o seu conteúdo;
G. A violação das regras da concorrência no concurso sem a identificação dos factos que a consubstancia não pode ser objecto de julgamento.

Em contra-alegações a Contra-Interessada (CI) I......... - Sistemas ......................, SA, formula as seguintes conclusões:
1 Refere a Recorrente que a sentença ora recorrida padece de nulidade manifesta por violação do disposto nos artigos 94.º n.º 1 e 95.º do CPTA e 653.º n.º 2, 659.º n.º 3 e 668.º n.º 1 d) do CPC (cfr. conclusões 1 a 5 das alegações de recurso).
2 Para esse efeito, vem a Recorrente referir que a decisão sobre a matéria de facto registada na sentença recorrida é supostamente insuficiente para a boa decisão da causa. Tal omissão origina, no seu entender, uma nulidade de sentença nos termos do artigo 668.º n.º 1 d) do Código do Processo Civil.
3 Refira-se, desde logo, que para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, só o absoluto desconhecimento de questões submetidas à apreciação do Tribunal, e não o de algum dos seus argumentos de facto ou de direito, é que origina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pelo que tudo o alegado a este respeito pela Recorrente carece totalmente de sentido.
4 Em todo o caso, sempre se diga que, ao contrário do referido pela Recorrente, o Tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre os factos por si alegados nos artigos 12.º, 13.º, 15.º e 24.º da petição inicial.
5 Relativamente aos factos referidos nos artigos 19.º, 20.º, 21.º e 22.º da petição inicial é falso que o Tribunal recorrido não se tenha sobre eles pronunciado; o Tribunal apenas entendeu que os mesmos eram insindicáveis pelo facto de esses aspectos terem sido avaliados pelo Júri com base em critérios de discricionariedade técnica e pela circunstância de não ter sido alegado ou demonstrado, conforme era ónus da Autora, qualquer erro grosseiro por parte do Júri na valoração da justificação apresentada para o preço (pressuposto da sindicabilidade judicial de actos ou decisões praticados dentro da livre margem da decisão administrativa).
6 Refere ainda a Recorrente que a sentença viola o disposto nos artigos 8.9 do programa de concurso, no 71.º n.ºs 1, b), 3 e 4 do CCP, no artigo 60.º do mesmo diploma e no artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho (cfr. conclusões 6 a 16 das alegações de recurso).
7 Antes contudo, refira-se que na secção das alegações da Recorrente nesta matéria é ainda invocada a nulidade da sentença nos termos do artigo 668.º n.º 1 b) do CPC, sendo que este vício não foi levado às conclusões do recurso pelo que não deve ser atendido pelo Tribunal ad quem. Em todo o caso, sempre se diga que este vício pressupõe uma falta absoluta de fundamentação da sentença, o que no presente caso é totalmente desprovido de sentido.
8 No que diz respeito à suposta violação pela sentença do disposto nos artigos 8.9 do programa de concurso, no 71.° n.°s 1, b), 3 e 4 do CCP, no artigo 60.° do mesmo diploma, refira-se que a Recorrente carece de qualquer razão. A I........., ora Recorrida, cumpriu escrupulosamente a lei tendo instruído, desde logo, a sua proposta com uma Nota Justificativa do preço apresentado. Por sua vez, o Júri analisou e apreciou, criticamente, as razões justificativas apresentadas tendo concluído pela sua suficiência e validade.
9 Saber se a justificação do preço anormalmente baixo fundamenta e suporta o preço apresentado é uma matéria que, pela sua natureza eminentemente técnica, escapa ao Julgador, pelo que o Tribunal se deve escusar a entrar nesse domínio, sob pena de violar o princípio da separação de poderes, substituindo-se à Administração Pública, excepto em caso de erro crasso e manifesto.
10 Assim, não tendo sido sequer invocada pela Recorrente em 1.a instância (muito menos demonstrada) a existência de qualquer erro (ainda para mais manifesto), por parte do Júri na valoração feita relativamente à justificação do preço apresentada pela ora Recorrida, bem andou o Tribunal recorrido a não sindicar tal juízo técnico, por entender que tal decisão pertence à discricionariedade da Administração. Não existe assim qualquer violação do CCP ou do Programa de Concurso por parte da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
11 Relativamente à alegação de que a sentença recorrida violou o artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, bem andou o Tribunal recorrido ao afirmar a inexistência de qualquer facto concreto, consistente e credível que tenha sido invocado em sede de petição inicial, susceptível demonstrar em juízo sobre a apontada prática de dumping.
12 Em todo o caso, sempre se refira que na execução da prestação de serviços objecto do contrato, e por força da solução técnica adoptada pela I........., ora Recorrida, serão produzidos os ditos ortofotomapas, documentos esses que mais não são que o resultado da prestação de serviços, pelo que faz todo o sentido que sejam cedidos à entidade adjudicante. Não está, assim, em causa a " cedência gratuita de serviços", mas simplesmente a cedência de um bem resultado de um serviço pago, não tendo sido de modo algum violadas as disposições citadas pela Recorrente da Lei n.º 18/2001, de 11 de Junho ou do CCP.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA, não tendo sido emitido parecer.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A Direcção Municipal de Protecção Civil Segurança e Tráfego, Departamento de Segurança Rodoviária e Tráfego promoveu a abertura de Concurso Público n° 66/DMS/DA//2009, para "Levantamento Video e respectiva Georeferenciação (mobile maping) e carregamento em (Base de (Dados SIG da Sinalização Rodoviária do Concelho de Lisboa", cujo termos constante a fls 130 e seg do Vol I do (processo Instrutor aqui se dão por reproduzidos na integra.

2. O Programa de Concurso fixou em 300.000,00€ o preço base para fornecimento dos serviços a concurso.

3. No art 7, o Programa de Concurso define como critério de adjudicação, o da proposta economicamente mais vantajosa nos termos aí desenvolvidos e aqui dados por reproduzidos na integra.

4.O art 8 do Programa de Concurso identifica os documentos a entregar com a proposta, nos termos aqui dados por reproduzidos na íntegra.

5. A Info Portugal apresentou pedido de esclarecimentos quanto ao preço da proposta, nos moldes constantes a fls 145 do vol I do processo Instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;

6.Em 27.11.2009, o Júri prestou os esclarecimentos lavrados na Acta a fls 147 e seg do Vol l do processo Instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.

7. A Autora apresentou proposta ao concurso, nos moldes constantes a fls 34 a 134 do II vol do processo Instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.

8. A contra-interessada I.............. apresentou proposta a concurso, nos moldes constantes a fls 326 a 350 do II vol do processo Instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.

9.O Júri do Concurso emitiu o Relatório Preliminar de Avaliação de propostas, com o teor de fls 215 e seg do Vol I do Processo Instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra.

10. Em 2.3.2010, a Autora apresentou reclamação do relatório supra, advogando ser o preço da I................. anormalmente baixo.

11. Em 23.3.2010, o Júri do Concurso lavrou Relatório Final, pelo qual, após se pronunciar pelo indeferimento da reclamação enunciada, atento os fundamentos constantes a fls 17 a 33 e fls 258 e seg do Vol I do processo instrutor, aqui dado por reproduzidos na íntegra, ordenou e classificou os concorrentes da seguinte forma: - 1º lugar I....... ........ com a pontuação final de 1,00; - 2º a ora Autora, com a pontuação de 0,90; - 3º Municípia;

12. O fornecimento dos serviços a concurso foi adjudicado à concorrente Info Portugal pelo preço de 100.000,00€.


O Direito
A sentença recorrida julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual, na qual se impugna o acto de adjudicação da prestação de serviços "Levantamento Vídeo e respectiva Georeferenciação e carregamento em Base de Dados SIG da Sinalização Rodoviária do Concelho de Lisboa", no âmbito do concurso público nº 66/DMSC/DA/2009, aberto pelo Município de Lisboa.
Nas conclusões das suas alegações, e são estas que delimitam o objecto do recurso, a Recorrente alega que a sentença recorrida:
- Padece de nulidade manifesta por violação do disposto nos artigos 94°, n° 1 e 95.° do CPTA e 653.° n.° 2, 659°, n° 3 e 668°, n° 1, al. d) do CPC (cfr. conclusões 1 a 5 das alegações de recurso);
- Viola o disposto nos artigos 8.9 do programa de concurso, no 71º, nºs 1, al. b), 3 e 4 do CCP, no art. 60º do mesmo diploma e no artigo 4º, nº 1 da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho (cfr. conclusões 6 a 16 das alegações de recurso).

Vejamos então.

1 - Da nulidade manifesta por violação dos arts. 94º, nº 1 e 95º do CPTA e 653º, nº 2, 659º, nº 3 e 668º, nº 1, al. d) do CPC
Invoca a Recorrente que a decisão sobre a matéria de facto constante na sentença recorrida é insuficiente para a boa decisão da causa.
Tal omissão origina, no seu entender, uma nulidade de sentença nos termos do art. 668º, nº 1, al. d) do CPC.
É jurisprudência uniforme que a sentença só enferma da nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 668º, nº 1, al d) do CPC quando o juiz deixe de conhecer de questões que devesse apreciar, ou seja, todas aquelas que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cujo conhecimento esteja prejudicado pela solução dada a outras, não significa que tenha que pronunciar-se sobre todos os argumentos avançados pelas partes (cfr. arts. 660º, nº 2 e 664º do CPC).
Como ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143), "são, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".
No caso concreto o que a Recorrente invoca como constitutivo da nulidade por omissão de pronúncia é que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre: artigo 12º (não apresentação de plano de mão-de-obra), artigo 13º (não apresentação de plano de equipamentos), artigo 15º (justificação do preço apresentado pela I.........), artigo 19º (os serviços não se destinam à produção de ortofotomapas, nem exigem fotografia aérea, não constando os mesmos do caderno de encargos), artigo 20º (a fotografia aérea não constitui uma mais valia para o serviço a prestar), artigo 21º (a I......... não fez a demonstração das especiais condições económico/financeiras que alega ter em matéria de ortofotomapas e de fotografia aérea), artigo 22º (a I......... não dispõe de meios técnicos próprios adequados, nem dispõe de experiência em trabalhos semelhantes), artigo 24º (não apresentação de plano de actividades) e artigo 36º (preço apresentado é consideravelmente inferior ao custo real dos serviços a prestar), todos da petição inicial da ora Recorrente.
Relativamente à não apresentação pela Contra-Interessada (CI), ora Recorrida, do plano de actividades, plano de mão-de-obra e o plano de equipamentos (arts. 12°, 13° e 24° da p. i.), refere-se expressamente na sentença recorrida, que "conforme se alcança da proposta apresentada pela contra-interessada I........., inserta no II vol do Processo Instrutor, esta encerra um cronograma do projecto, no qual contempla a duração de cada etapa, o seu início e final, descreve os recursos afectos e a qualificação profissional da mão de obra. No ponto 3.1. da proposta especifica os equipamentos utilizados".
E mais acrescenta a sentença recorrida que "donde se extrai, não obstante não ter a contra-interessada junto com a proposta documento intitulado de plano de actividades, contendo o plano de mão de obra e o plano de equipamento, o certo é que satisfez a exigência plasmada no artigo 8.9 al. a) do PC com a peça apelidada diversamente de cronograma, contendo todos os elementos exigidos na referida alínea do Programa do Concurso".
Ou seja, ao contrário do que afirma a Recorrente, a sentença recorrida não se limitou a proceder a uma mera remissão "acrítica" para os documentos juntos aos autos para evidenciar a entrega por parte da I......... do plano de actividades, plano de mão-de-obra e plano de equipamentos.
O Tribunal a quo procedeu a uma descrição dos documentos instruídos com a proposta da I........., detalhando o seu conteúdo material, concluindo que, apesar da sua designação formal, os mesmos cumpriam com o solicitado com o Programa de Concurso (PC).
Aliás, o Tribunal a quo refere mesmo que apenas com um "formalismo exacerbado se poderia conceber que a diferente nomenclatura na apresentação da documentação a concurso seria susceptível de configurar violação do Programa de Concurso".
Assim, contrariamente ao defendido pela Recorrente, não se verifica qualquer omissão de pronúncia sobre os factos referidos nos artigos 12º, 13º e 24º da petição inicial, já que a sentença recorrida se pronunciou expressamente sobre tais factos, entendendo que a I......... havia procedido à entrega do plano de actividades, do plano de mão-de-obra e plano de equipamentos, tal como preceituado no Programa de Concurso.
Relativamente ao facto referido no art. 15º da p. i. (descrição da justificação do preço apresentado pela I.........), não se percebe a invocação pela Recorrente de uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, já que a sentença refere expressamente, no segundo parágrafo da respectiva página 13 (fls. 316 dos autos), que na justificação do preço proposto, a CI aludiu à experiência dos técnicos, experiência na estimação de custos, à organização do CE, à produção de ortofotomapas, à disponibilidade de fotografia aérea e às especiais condições económico-financeiras em produção de ortofotomapas e de fotografia aérea e à propriedade de uma câmara DIGICAM/H39 (tal como alegado no artigo 15º da petição inicial).
Assim, não existe também aqui, qualquer omissão de pronúncia sobre o facto referido no artigo 15º da petição inicial.
Relativamente aos restantes factos sobre os quais haveria omissão de pronúncia (arts. 19º, 20º, 21º e 22º), é de referir que nos mesmos, a ora Recorrente, veio tecer considerações sobre as justificações apresentadas pela CI para o preço proposto e que foram tidas em atenção pelo Júri do procedimento.
A este propósito, a sentença recorrida refere que a aqui Recorrente não questionou a veracidade dos aspectos justificativos invocados pela I........., tendo apenas considerado que os mesmos eram irrelevantes para a justificação do preço apresentado.
Mais tendo o Tribunal a quo acrescentado que a matéria em causa se inseria dentro da área de discricionariedade técnica da Administração e ainda que a Autora não havia imputado ou demonstrado qualquer erro grosseiro na avaliação feita pelo Júri na apreciação feita da justificação apresentada (cfr. pág. 13 da sentença - 3º e 4º§).
Termos em que, ao contrário do alegado pela Recorrente, não existe qualquer omissão de pronúncia sobre estes factos, sendo certo que o Tribunal a quo apenas entendeu que os aspectos justificativos do preço eram insindicáveis judicialmente por terem sido avaliados pelo Júri por critérios de discricionariedade técnica.
Improcedem, consequentemente, as conclusões 1 a 5 das alegações da Recorrente, não se verificando qualquer nulidade por violação dos arts. 94°, nº 1 e 95.° do CPTA e 653º, nº 2, 659º, nº 3 e 668º, nº 1, al. d) do CPC.


2 - Da violação dos artigos 8.9 do Programa de Concurso, 71º, nº 1, b), 3 e 4, 60º do CCP e art. 4º, nº 1 da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho
Alega ainda a Recorrente que a sentença recorrida viola o disposto dos artigos 8.9 do PC, 71º, nº 1, al. b), 3 e 4, 60º do CCP e art. 4º, nº da Lei nº 18/2003.
Preceitua o art. 71º, nº 1 do CCP como critério supletivo de determinação do preço anormalmente baixo, aquele que seja igual ou inferior a 40% ou 50% do preço base, conforme, respectivamente, se trate de um contrato de empreitada de obras públicas ou de qualquer outro contrato.
Nessa situação, sendo possível aferir se o preço proposto é ou não considerado um preço anormalmente baixo, deve o concorrente, desde logo, instruir a sua proposta com uma nota justificativa das razões da apresentação do dito preço anormalmente baixo, devendo ser excluída a proposta cuja análise revele um preço anormalmente baixo cujos esclarecimentos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados aceitáveis pela entidade adjudicante (cfr. arts. 57º, n.1, al. d), 70º, n.° 2, al. e) e 71º, nº 4 do CCP).
Ora, no caso em apreço a CI cumpriu este procedimento legal, tendo instruído, desde logo, a sua proposta com uma Nota Justificativa do preço apresentado.
Por sua vez, o Júri analisou e apreciou, criticamente, as razões justificativas apresentadas tendo concluído pela sua suficiência e validade.
Uma das razões apontadas pela ora Recorrida como justificação para o preço proposto foi o facto de planear a digitalização da sinalização horizontal recorrendo a ortofotomapas, produzidos através de meios próprios.
Assim, refere-se na Nota Justificativa, datada de 14.12.2009, que, "o facto de utilizar fotografia aérea de alta resolução permitirá maximizar a produtividade de georeferenciação da sinalização horizontal, que de outro modo seria extremamente moroso digitalizar entidades horizontais nas frames do vídeo." (cfr. ponto 6 da Nota Justificativa de preço, junta ao processo instrutor (p.i.), Parte II do vol. I).
O Júri entendeu no seu Relatório Final, elaborado em 23.03.20010,apreciando a alegação da aqui Recorrente em sede de audiência prévia, que: "As razões apresentadas na nota justificativa do preço anormalmente baixo enquadram-se nas alíneas a), b), e d) do n.º 4 do Art.º 71. Isto porque a proposta da I......... planeja a digitalização da sinalização horizontal recorrendo aos ortofotomapas, produzidos através de meios próprios - e tendo em consideração a experiência do Departamento de segurança Rodoviária e Tráfego, que actualiza em SIG, há mais de 5 anos, a sinalização horizontal através de ortofotomapas é significativamente mais expedita, mesmo no caso dos grandes cobertos vegetais existentes em Lisboa (por exemplo Zona de Monsanto), traduzindo-se numa redução notável do tempo dispendido para a sua elaboração e consequentemente redução dos custos associados." (cfr. Relatório Final, fls. 271 do Vol. I do p.i.).
Ora, tal como entendeu a sentença recorrida, saber se a utilização de ortofotomapas proposta pela CI permite ou não gerar aumentos de produtividade em face de redução de tempo na digitalização da sinalização horizontal é uma valoração que cabe ao Júri do procedimento através de critérios de discricionariedade administrativa, por se tratar de matéria eminentemente técnica, a qual apenas pode ser sindicada pelo Tribunal em caso de erro manifesto por parte desse Júri do procedimento.
Igualmente, saber se os meios invocados pela I......... para executar ortofotomapas a um custo reduzido são ou não credíveis de modo a justificar uma redução dos custos totais é também é uma decisão que pertence à álea discricionária da Administração que apenas deve ser escrutinada judicialmente em caso de erro grosseiro (cfr. sobre esta matéria o Ac deste TCAS de 21.01.2010, Proc. 05786/09, disponível em www.dgsi.pt).
Efectivamente, tal como se diz na sentença recorrida:
"A Autora não questiona a veracidade dos aspectos justificativos, antes os considera irrelevantes para o efeito. De igual modo, não imputa qualquer erro grosseiro na apreciação feita pelo Júri neste particular, e consequentemente também não o demonstrou conforme era seu ónus.
Pelo que, na valoração feita pelo Júri quanto à justificação do preço da proposta da Info Portugal regeu-se por critérios de discricionariedade técnica e revela-se insindicável." (cfr neste sentido
No que diz respeito à alegação da Recorrente sobre a infracção das regras da concorrência pela CI, tal como refere a sentença recorrida inexiste qualquer facto concreto, consistente e credível que tenha sido invocado em sede de petição inicial, susceptível demonstrar em juízo sobre a apontada prática de dumping.
Prevê o art. 4º da Lei nº 18/2003, de 11/6 o seguinte:
"1 - São proibidos os acordos entre empresas, as decisões das associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzem em: ..." (seguindo-se a descrição de diversas circunstâncias que constituem práticas proibidas nas alíneas a) a g)).
Ora como se diz na sentença recorrida: "No que tange à apontada violação da concorrência, imputando a existência de uma situação de dumping, só sendo compreensível aqueles preços pela potencial utilização posterior de dados colhidos pela concorrente para outros fins comerciais, importa denotar tratar-se de uma asseveração da Autora não alicerçada na alegação de qualquer facto concreto, consistente e credível, susceptível de ser demonstrado em juízo.
Por seu turno, dos elementos disponíveis na proposta da Info Portugal inserta no Processo instrutor, não se alcança qualquer indício sequer da apontada prática de dumping."
Efectivamente, não se vê em que consiste a alegada prática de dumping, sendo que a aqui Recorrente não a concretiza em qualquer das situações previstas no citado art. 4º, nº 1 da Lei nº 18/2003, visto que, como refere a CI, aqui Recorrida, não está em causa a "cedência gratuita de serviços", mas simplesmente a cedência de um bem resultado de um serviço pago.
Assim, não se vislumbra qualquer violação do art. 4º, nº 1 da Lei n° 18/2003 ou do art. 60º do CCP, bem como do art. dos artigos 8.9 do programa de concurso e 71°, n° 1, al. b), 3 e 4 do CCP, não enferma a sentença recorrida de erro de julgamento, improcedendo as conclusões 6 a 16 das alegações de recurso.

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;
b) - condenar a Recorrente nas custas.

Lisboa, 9 de Junho de 2011
Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Cristina dos Santos (em substituição).