Sumário:
I - Anulado o acto de adjudicação e sendo impossível retomar o procedimento pré-contratual por o contrato já ter sido integralmente executado, o art. 166º, nº 1, do C.P.T.A., confere ao exequente uma "indemnização devida pelo facto da inexecução".
II - Essa indemnização, a arbitrar na execução do julgado, apenas visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal.
III - Na indemnização referida em I não se pode incluir o montante dos honorários pagos a um advogado nem das despesas resultantes da afectação de um funcionário da exequente à análise do processo, quer porque não está provado que essas quantias se reportam ao processo executivo, quer porque tais danos se verificariam ainda que a sentença pudesse ser integralmente executada, não sendo, por isso, a respectiva execução apta a removê-los.
IV - O afastamento ilegal de um candidato a um concurso com perda da oportunidade de nele poder obter um resultado favorável constitui um dano indemnizável, o qual, não podendo ser quantificado com exactidão, deverá ser fixado com recurso à equidade, tomando como referentes a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e a possibilidade que o lesado teria de a alcançar.
V - Porque se está perante a efectivação de responsabilidade por facto lícito, os juros de mora são devidos desde a data da sentença se a iliquidez não é imputável ao devedor.
Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1. O Município de Almada, inconformado com a sentença do T.A.F., que julgou parcialmente procedente o processo de execução de sentença anulatória contra ele intentado pela "A...─ ..., SA", dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
"A) O art. 166º., nº 1, contempla o pagamento de uma indemnização, devida pelo facto da inexecução, admite que o processo de execução para prestação de facto ou de coisa, em vez de conduzir à adopção das providências necessárias a execução no plano dos factos, possa conduzir ao reconhecimento de que existe uma causa legitima de inexecução porque a execução não é possível ou seria gravemente prejudicial para o interesse público e, por via disso à fixação de uma indemnização destinada a compensar o exequente;
B) A douta sentença acabou por condenar a entidade requerida no pagamento de danos que de forma alguma poderão ter resultado da impossibilidade de execução da sentença anulatória;
C) Não existe nexo de causalidade entre a interposição da presente execução e a inexecução da sentença anulatória, porque na verdade a requerente não veio aos presentes autos apenas peticionar a referida compensação pela inexecução mas peticionar prejuízos supostamente resultantes do acto considerado ilegal pelo Tribunal;
D) As despesas referentes às deslocações ao escritório do mandatário, bem como os honorários pagos a este não resultaram da impossibilidade de se executar a referida sentença anulatória;
E) A indemnização a fixar nos termos e para os efeitos da citada disposição legal tem uma finalidade meramente reparadora e não sancionatória, por isso não sendo possível determinar os danos resultantes da inexecução, o Tribunal julgará equitativamente;
F) Poderão considerar-se como danos resultantes da inexecução a frustração das expectativas da requerente, mas cujo montante fixado não respeita o disposto no art. 556º. do C.C.;
G) Por fim, importa referir que a douta sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento ao condenar a entidade demandada no pagamento de juros de mora;
H) Acontece que só com a prolação desta decisão se tornou líquida a obrigação consabido é que não há mora enquanto o crédito se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (cfr. art. 805º. do C.C.).
O recorrido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
O digno Magistrado do M.P. junto deste Tribunal emitiu parecer, onde concluíu que o recurso merecia parcial provimento, por o montante indemnizatório a atribuír dever ser inferior ao que foi fixado.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
2.2. Por acórdão deste TCAS, foi confirmada a sentença do TAF que, julgando procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela ora recorrida, anulou o despacho, de 22/12/95, do Presidente da Câmara Municipal de Almada, que adjudicara à "B...─ ..., S.A.", o contrato de fornecimento de Servidores e SAN no âmbito do Projecto Almada Cidade Digital.
Sendo notificada da existência de causa legítima de inexecução do referido acórdão, por o aludido contrato já estar integralmente executado, a ora recorrida, concordando com a existência dessa causa legítima, veio, ao abrigo do art. 177º., nº. 3, do CPTA, intentar execução de sentença para fixação da indemnização devida, pedindo a condenação do ora recorrente a pagar-lhe a quantia de 43.903,40 Euros, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como das demais despesas e custos em que incorra por causa da presente lide e que se liquidarão à medida que forem ocorrendo.
A sentença recorrida julgou a "acção parcialmente procedente", condenando "o R. a pagar à A. uma indemnização que se fixa em € 3.936,40 acrescida de juros à taxa de 4% desde 31/1/2007 até efectivo e integral pagamento, improcendo a acção nos montantes remanescentes".
Nessa indemnização global, a sentença incluíu os seguintes danos:
─ Despesas com a afectação de um funcionário da exequente à preparação da execução de sentença, correspondente a 12 horas de trabalho do Sr. C...cujo valor era de 416,40 Euros;
─ Honorários pagos ao mandatário da exequente, no montante de 2.020,00 Euros;
─ Expectativa perdida resultante da inexecução da sentença que se considerou razoável fixar no montante de 1.500,00 Euros.
No presente recurso jurisdicional, o recorrente, alegando que o meio processual instaurado apenas visa assegurar ao exequente uma compensação "pelo facto da inexecução" e não uma indemnização pelos prejuízos sofridos em resultado do acto anulado, entende que a sentença apenas poderia condená-lo nos danos derivados da frustração da expectativa resultante da inexecução da sentença, cuja fixação no montante de 1.500 Euros é desproporcional face à situação concreta, e que não havia lugar ao pagamento de juros de mora desde a citação, visto que só com a sentença o crédito se tornou líquido.
Vejamos se lhe assiste razão.
Nos termos do art. 166º., nº 1, do CPTA, aqui aplicável por força do art. 177º., nº 3, do mesmo diploma, a verificação de causa legítima de inexecução de sentença anulatória de acto administrativo confere ao exequente uma "indemnização devida pelo facto da inexecução".
Essa indemnização justifica-se pela "perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença teria proporcionado ao requerente" (cfr. Ac. do STA de 25/2/2009 ─ Proc. nº. 47472-A) e não se confunde com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo acto ilegal.
Como se escreveu no Ac. do STA de 2/12/2010 ─ Proc. nº. 47579-A/01, "haverá, pois, que distinguir entre a indemnização devida pela impossibilidade de execução por causa legítima ─ que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do acto anulado ─ da indemnização devida pelos danos causados pela prática desse acto ─ a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais ─, visto se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas quer no tocante aos danos que compensam, quer no tocante à forma do seu cálculo".
Só a indemnização pela perda do direito à execução pode ser arbitrada no processo executivo; para obter o ressarcimento dos restantes danos, o interessado terá que recorrer ao que dispõe o art. 45º., nº 5, do CPTA, deduzindo pedido autónomo de reparação desses prejuízos resultantes da actuação ilegal da Administração (cfr. citado Ac. do STA de 2/12/2010).
Tratando-se de uma indemnização que apenas visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado e que, por isso, não oferece especiais dificuldades de apuramento, compreende-se que, ao contrário do que sucedia no regime anterior (cfr. art. 10º, do D.L. nº 256-A/77, de 17/6, onde se admitia que a fixação da indemnização abrangesse não só os prejuízos resultantes da inexecução da sentença por causa legítima de inexecução, como também os resultantes do acto anulado), não esteja prevista a possibilidade de reenvio da apreciação da questão para a acção de indemnização, motivo por que é no processo executivo que deve ser fixada a "indemnização devida pelo facto da inexecução" (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha in "Comentário ao CPTA", 3ª edição revista - 2010, págs. 1078 e 1079).
Quanto à questão da determinação do montante da indemnização devida ao interessado pelo facto de não poder obter a utilidade pretendida ─ ou seja, por não ser possível impor judicialmente a realização das prestações devidas ─ "tudo depende da exacta configuração da pretensão que ficou insatisfeita e do quadro envolvente, de facto e de direito" (cfr. Mário Aroso de Almeida, "Impossibilidade de satisfazer a pretensão do autor e a indemnização devida: aproximação ao tema", in C.J.A., nº 83, pág. 9). Se o interessado consegue demonstrar que era a ele que deveria ser atribuída a adjudicação tem o direito de ser indemnizado pelo interesse contratual positivo, pelo facto de não ter podido celebrar e executar o contrato; se não consegue fazer essa prova, também tem direito a ser indemnizado, por não ser possível extraír da sentença anulatória as devidas consequências que consistiriam na substituição de um acto ilegal por um outro praticado em conformidade com a legalidade aplicável. Nesta última hipótese, a indemnização a arbitrar ao lesado é a que corresponde à perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado e que se traduz na perda de oportunidade de obter a adjudicação do contrato.
Como escreve Carlos Fernandes Cadilha (in "Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado", 2ª. ed., pág. 99), "a indemnização for "perda de chance" traduz-se na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado. Com esse conteúdo, a "perda de chance" não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter".
Assim, o afastamento ilegal de um candidato de um concurso, com perda da oportunidade de nele poder obter um resultado favorável é uma vantagem cuja perda é indemnizável e que, não podendo ser quantificável com exactidão, deverá ser fixada com recurso à equidade, nos termos do art. 566º., nº 3, do C. Civil, tendo como referentes a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e a probabilidade que o lesado teria de a alcançar (cfr. Acs. do STA de 29/11/2005 - Proc. nº 41321-A e de 25/2/2009 - Proc. nº. 47472-A).
Aplicando os princípios que ficaram expostos à situação em apreço, conclui-se que assiste razão ao recorrente quando considera que a indemnização não deveria incluir os honorários nem as despesas com a afectação de um funcionário da exequente, visto não se tratar de danos resultantes da perda do direito à execução.
É que ─ como nota Mário Aroso de Almeida (in "Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes", 2002, págs. 816 e 817) ─, no caso de a execução de sentença ser impossível, a indemnização apenas abrange o "ressarcimento daqueles danos que, na esfera jurídica do recorrente, se produzem em consequência da impossibilidade de obter o cumprimento de tais deveres e que, portanto, não existiriam se eles pudessem ter sido cumpridos; não cobrindo já os eventuais danos que o acto ilegal possa ter causado e que, pela sua natureza, a execução da sentença não teria sido, em qualquer caso, apta a remover, pelo que teriam subsistido mesmo que ela tivesse podido ter lugar".
Assim, porque os aludidos danos se verificariam ainda que a sentença pudesse ser integralmente executada, não sendo a respectiva execução apta a removê-los, não podem os mesmos ser incluídos na indemnização devida pelo facto da inexecução.
Além disso, parece-nos que, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, não resulta da matéria de facto provada que o Sr. C...tenha dispendido 12 horas de trabalho na preparação da presente execução (o que está provado é apenas que essas horas foram gastas para "obter aconselhamento jurídico sobre o resultado do concurso e delinear a melhor forma de impugnação a adoptar" e que "a preparação da presente execução originou despesas com a afectação de funcionários da exequente") nem que o montante pago a título de honorários se reporta ao processo de execução de sentença (na al. v) dos factos provados não é referido a que título e a que processos se reporta o pagamento aí mencionado).
Quanto aos danos que a sentença recorrida fixou em 1.500 Euros, apenas está em causa no presente recurso o seu montante que o recorrente considera exagerado e não respeitar o art. 566º. do C. Civil.
Não nos parece, porém, que assim se deva entender.
Efectivamente, sabido que o direito ao ressarcimento com fundamento em "perda de chance" depende da avaliação que se faça da probabilidade que o lesado teria de alcançar a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e estando provado que ele apresentou uma proposta no valor de € 70.467,00, que o lucro previsto era o de 20% deste valor e que ela ficou ordenada no 2º. lugar, entendemos que, de acordo com a equidade (cfr. art. 566º., nº. 3, do C. Civil), não se pode considerar exagerado o valor atribuído.
Finalmente, quanto à data a partir da qual são devidos juros moratórios, cremos que se terá de considerar a data da sentença e não a da citação, dado que se está perante a efectivação de responsabilidade civil por facto lícito e não ilícito (cfr. Diogo Freitas do Amaral in "A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos" 2ª. ed., pág. 122) e só naquela data o crédito se torna líquido, não sendo a iliquidez imputável ao recorrente (cfr. art. 805º., nº 3, C. Civil).
Portanto, procede parcialmente o presente recurso jurisdicional.
3. Pelo exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a sentença recorrida e condenando o ora recorrente a pagar à ora recorrida a indemnização de € 1.500,00, acrescida dos juros de mora contados à taxa legal desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo recorrente e recorrida na proporção do respectivo decaimento.
Entrelinhei: e
Lisboa, 8 de Setembro de 2011
as. ) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
António de Almeida Coelho da Cunha