Sumário:
I - O facto da contra-interessada ter proposto apenas um encarregado de refeitório não significa necessária e inevitavelmente que a sua proposta devesse ter sido excluída, já que nem o artigo 18º, nº 3 nem o artigo 27º, nºs 2 e 7 das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos exigem que o encarregado seja sempre a mesma pessoa, o trabalhador X ou Y, mas sim que é exigível que um trabalhador com aquela categoria esteja em permanência diariamente no local da prestação do serviço das 7h30 minutos às 17 horas.
II - Não sendo obviamente possível - nem legalmente admissível - exigir a qualquer trabalhador que preste serviço durante 9 horas e 30 minutos sete dias por semana, sem direito a folgas ou férias, nada obsta a que o proponente substitua o trabalhador com a categoria de encarregado de refeitório, por forma a permitir a todos os seus trabalhadores afectos à prestação do serviço o gozo dos direitos estabelecidos na legislação laboral, nomeadamente o gozo de férias e das folgas semanais.
III - O elemento determinante na interpretação das referidas cláusulas resume-se, afinal, à presença permanente de um trabalhador com a categoria de encarregado de refeitório, durante os sete dias da semana, no período compreendido entre as 7h30 minutos e as 17 horas; porém, isso é um problema de gestão de recursos humanos que apenas compete ao adjudicatário, nos termos previstos no nº 1 do artigo 18º das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos, para quem apenas se impunha "contratar ou fazer destacar dos seus quadros, de forma a assegurar o fornecimento de refeições deste Instituto aos doentes e funcionários, o pessoal que entender necessário para a boa prestação do serviço objecto do contrato".
IV - Se quer o Convite, quer o Caderno de Encargos projectam a concretização da cessão de exploração de um bar/cafetaria para utentes, num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009, bem como a cessão da exploração do espaço do Refeitório, para o fornecimento de pequenos-almoços e lanches, para o futuro, não era possível aos convidados proporem valores para as ditas cessões, por não estavam ainda definidos os elementos essenciais para o efeito, nomeadamente local, horário de funcionamento, número de utentes e de refeições a fornecer.
Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
I. RELATÓRIO
"G...- , SA", com sede em Carnaxide, Oeiras, intentou no TAF de Sintra uma Acção Administrativa de Contencioso Pré-Contratual contra o "I...", indicando como contra-interessada "C...- Realização de Eventos, Ldª", pedindo a anulação do acto de adjudicação a esta última dos serviços objecto do Procedimento por Ajuste Directo nº 21/2009, e a condenação do I... a abster-se de celebrar o contrato com a contra-interessada, a ser o mesmo anulado, caso já tenha sido celebrado, a excluir a proposta da contra-interessada do aludido procedimento e, finalmente, a adjudicar-lhe os serviços objecto dom referido procedimento.
Por sentença datada de 20-4-2009, foi a acção julgada improcedente [cfr. fls. 182/195].
Inconformada, veio a autora interpor recurso jurisdicional daquela sentença, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
"1. Resulta das disposições dos artigos 18º, nº 3 e 19º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos que o concorrente está obrigado a propor um quadro de pessoal que permita assegurar a presença diária [portanto, todos os dias] de um encarregado do refeitório, das 7h30 minutos às 17h00 e de um cozinheiro às horas das refeições principais, sem deixar de cumprir a legislação laboral.
2. Para cumprir o disposto no artigo 18º, nº 3 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos e o disposto na legislação laboral, nomeadamente, no que respeita ao período normal de trabalho diário e semanal, ao intervalo de horário de trabalho e ao descanso semanal dos trabalhadores, o quadro de pessoal proposto tem que ser composto no mínimo por dois encarregados de refeitório e dois cozinheiros.
3. Se for proposto um quadro de pessoal composto apenas por um único encarregado de refeitório e por um único cozinheiro, estes trabalhadores nunca poderão folgar porque a sua presença no Instituto é exigida todos os dias. Em violação, portanto, das leis laborais!
4. Se o quadro de pessoal proposto for composto apenas por um único encarregado de refeitório este será obrigado a trabalhar nove horas e meia por dia uma vez que é exigida a sua presença diária entre as 7h30 às 17h00! Em violação, portanto, das leis laborais!
5. O artigo 18º, nº 3 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos não estabelece que a presença do encarregado do refeitório é exigida apenas nos dias úteis; estabelece que é exigida a sua presença diária.
6. Pelo que «ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus».
7. Da disposição do artigo 27º, nº 7 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos não resulta que a presença do encarregado não é exigida aos fins-de-semana;
8. Quando se refere a 1 encarregado(a), a disposição do artigo 27º, nº 7 não distingue entre dias úteis e fins-de-semana, contrariamente ao que faz em relação aos restantes elementos.
9. A única interpretação possível e consentânea com a disposição do artigo 18º, nº 3 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos é a de que é exigida a presença de um encarregado de refeitório todos os dias [úteis e fins-de-semana].
10. A contra-interessada propôs um quadro de pessoal composto apenas por um encarregado de refeitório e uma cozinheira;
11. O que constitui violação do disposto nos artigos 18º, nº 3 e 19º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos e determina a sua exclusão do procedimento nos termos do disposto no artigo 11º, nº 3 do Convite, e nos artigos 122º, nº 2, 146º, nº 2, alínea o) e 70º, nº 2, alíneas a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos.
12. Conforme entendimento expresso no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19-3-2003, processo nº 492/03, é ilegal, por violação dos princípios da transparência e da publicidade, a admissão de uma proposta que não satisfaz um dos requisitos exigidos pelo caderno de encargos.
13. Ao decidir em contrário, violou a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 18º, nº 3 e 19º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, no artigo 11º, nº 3 do Convite, e nos artigos 122º, nº 2, 146º, nº 2, alínea o) e 70º, nº 2, alíneas a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos.
14. O objecto do contrato consiste:
a) No fornecimento de serviços de alimentação [cfr. artigo 2º, nº 1 do Convite e artigo 1º, nº 1 das cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos];
b) Na exploração de um bar/cafetaria para utentes [cfr. artigo 2º, nº 2 do Convite e artigo 1º, nº 4 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos]; e,
c) Na exploração do espaço do refeitório para o fornecimento de pequenos-almoços, lanches e mini pratos [cfr. artigo 2º, nº 2 do Convite e artigo 1º, nº 4 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos].
15. Do artigo 4º, nº 1, alíneas i) e j) das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos resulta que os concorrentes estão obrigados à apresentação de propostas para cessão de exploração do Bar/Cafetaria e para cessão de exploração do refeitório, fazendo as mesmas parte integrante do contrato a celebrar.
16. Do artigo 29º, nº 1 das clausulas técnicas do Caderno de Encargos, sob a epígrafe "Execução do contrato" resulta que a exploração do bar/cafetaria e do refeitório iniciam-se ao mesmo tempo que o serviço de fornecimento de refeições.
17. Aliás, isso mesmo foi já confirmado pela contra-interessada no artigo 22º da sua contestação, tendo a mesma afirmado que já iniciou a exploração do bar/cafetaria e do refeitório.
18. Se a exploração do bar/cafetaria e do refeitório não fizessem parte do objecto do contrato, então não se compreenderia a referência que a essa exploração é feita no Caderno de Encargos.
19. As cláusulas do Caderno de Encargos dispõem [ao menos negativamente] o que as propostas devem ser quanto ao seu conteúdo: não vinculam apenas o adjudicante [entidade contratante] e o adjudicatário [entidade contratada] no momento da minuta e celebração do contrato, vinculam os próprios concorrentes, enquanto tais, a não apresentar propostas que violem as disposições em que a Administração disse estar disposta a contratar constantes do caderno de encargos [cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Das Fontes As Garantias, Almedina, pág. 141].
20. Apesar de respeitarem ao conteúdo dos direitos e deveres das partes em sede de execução do acto ou contrato adjudicado, as cláusulas dos cadernos de encargos não deixam de vincular o próprio procedimento de adjudicação, impondo a exclusão das propostas que não se conformem com as suas prescrições [cfr. ob. cit. página 141, nota 232].
21. A interpretação feita pelo Tribunal «a quo» no sentido de que os concorrentes não estão obrigados à apresentação de propostas para a cessão de exploração do bar/cafetaria e do refeitório permite que essa exploração seja adjudicada à contra-interessada sem o obrigatório e necessário procedimento concursal prévio, cobrando a contra-interessada os preços que entender, como efectivamente já está a acontecer, conforme confirmado pela contra-interessada no artigo 22º da sua contestação.
22. Resulta do disposto no artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite e nos artigos 1º, nºs 1 e 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos que a exploração do bar/cafetaria e do refeitório integra o objecto do contrato estando os concorrentes obrigados a apresentar propostas para essa exploração que inclua a relação dos bens fornecidos e dos serviços prestados e o respectivo preçário.
23. A contra-interessada não apresentou propostas para a cessão de exploração do bar/cafetaria para utentes e para a cessão de exploração do refeitório.
24. Pelo que a conclusão não pode deixar de ser senão a de que a proposta da C...violou ostensivamente o disposto no artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite e nos artigos 1º, nºs 1 e 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos.
25. Ao decidir em contrário, violou a douta decisão recorrida o disposto no artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite, nos artigos 1º, nºs 1 e 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos, e nos artigos 122º, nº 2, 146º, nº 2, alínea o) e 70º, nº 2, alíneas a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos.
26. Deverá, por conseguinte, ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!".
O I... não contra-alegou.
Mas fê-lo a contra-interessada "C...- Realização de Eventos, Ldª", tendo concluído a sua contra-alegação nos seguintes termos:
"1. As exigências constantes de toda a regulamentação escrita do concurso [programa de concurso, caderno de encargos, proposta apresentada e relatórios do júri] foram estritamente cumpridas pela Cortesia;
2. O suposto incumprimento do período normal de trabalho aludido pela G...é totalmente despiciendo;
3. A C...não tinha qualquer obrigação de apresentação de uma proposta para a cessão de exploração de um bar/cafetaria nem de uma proposta para a cessão de exploração do espaço do refeitório; o objecto do contrato consta do nº 1 do artigo 1º das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos, e não do nº 4 do artigo 1º, como pretendeu fazer crer a Gertal, sendo que do nº 4 do artigo 1º das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos e do nº 1 do artigo 2º do Convite facilmente se percebe que este se refere a uma prestação de serviços que se irá verificar apenas no futuro;
4. O critério da ponderação de interesses feita pelo Tribunal «a quo» foi realizado correctamente, o qual percebeu a correspondente lesão inequívoca do interesse público caso fossem adoptadas as providências que eram pretendidas pela Gertal;
5. A proposta apresentada pela C...respeitou todos os termos definidos na regulamentação escrita do procedimento e cumpriu todas as exigências legais que se impunham;
6. O interesse público deverá ser indubitavelmente respeitado e resultar vencedor e, para que tal aconteça, as pretensões da G...não deverão ser consideradas e entendidas como uma afronta aos mais elementares princípios em Direito reconhecidos, designadamente o Princípio da boa-fé, o Princípio da Equidade e o Princípio da Legalidade;
7. Para que tal suceda, o recurso interposto pela G...deverá ser declarado totalmente não provado e improcedente".
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 272/273].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente - sem qualquer reparo - a seguinte factualidade:
i. O I..., na qualidade de entidade adjudicante, lançou o procedimento por Ajuste Directo nº 21/2009, que tem por objecto o fornecimento de serviços de alimentação - Acordo e cfr. proc. adm. apenso;
ii. Constitui a regulamentação escrita do procedimento, o Convite e o Caderno de Encargos, nos termos e com o teor constante do doc. 1, ora junto aos autos, para que se remete e cfr. proc. adm.;
iii. O critério de adjudicação previsto foi o do mais baixo preço - cfr. artigo 14º do Convite;
iv. A ora autora e a ora contra-interessada foram convidadas a apresentar proposta - Acordo;
v. No Relatório Preliminar, datado de 23-1-2009, o júri do procedimento ordenou a proposta da ora contra-interessada em 1º lugar, com o valor de € 47.979,00 e a da autora em 2º lugar, sendo o valor da proposta de € 70.313,50 - cfr. doc. 2, junto com a petição inicial, e fls. 569 do proc. adm.;
vi. A ora autora pronunciou-se em audiência prévia alegando que a ora contra-interessada devia ser excluída por violação do disposto no nº 3 do artigo 18º e 19º das cláusulas técnicas do caderno de encargos, e dos artigos 2º, nº 2 do Convite e 1º, nº 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do caderno de encargos - cfr. doc. 3, junto aos autos, e fls. 573-574 do proc. adm.;
vii. Em 3-2-2009 foi elaborado o Relatório Final do júri, o qual após apreciar a pronúncia escrita da ora Autora, manteve a ordenação das propostas constantes do Relatório Preliminar - cfr. doc. 4, junto com a petição inicial, a fls. 589-593 do proc. adm.;
viii. Em 4-2-2009 o Relatório Final foi aprovado pelo Conselho de Administração da Entidade ora Autora - cfr. doc. 4, a fls. 593 e 595 do proc. adm.;
ix. Em 4-2-2009 foi praticado o acto de adjudicação à C...- Acordo e cfr. fls. 595 e segs. do proc. adm.;
x. Em 5-2-2009 foi disponibilizado na plataforma electrónica o Relatório Final do júri, que concluiu pela adjudicação à ora Contra-interessada - cfr. doc. 4, cfr. fls. 611 do proc. adm.;
xi. Em 17-2-2009 foi disponibilizada na plataforma electrónica a minuta do contrato a celebrar com a contra-interessada - cfr. doc. 5 e Acordo;
xii. A autora encontra-se a prestar serviços de segurança para a entidade pública demandada - Acordo e cfr. doc. 6;
xiii. Nos termos da proposta apresentada pela contra-interessada pode ler-se que "a C...colocará nas instalações do Instituto Oftalmológico 5 [cinco] funcionários, 1 Encarregado (...), 1 Cozinheira (...) 3 Empregadas de Refeitório (...)" - cfr. doc. de fls. 295-354 do proc. adm., para que se remete e se considera integralmente reproduzido;
xiv. Em 23-2-2009 entre a entidade requerida e a ora contra-interessada foi
celebrado o Contrato de prestação de serviços de alimentação no montante global de € 53.736,48 - cfr. doc. de fls. 614-629 do proc. adm.;
xv. A autora instaurou os presentes autos em 27-2-2009, mediante envio por correio electrónico - cfr. SITAF;
xvi. Em 1-3-2009 iniciou-se a execução do contrato entre a entidade demandada e a contra-interessada - cfr. fls. 629 do proc. adm..
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
São no essencial duas as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso jurisdicional, a saber:
a) Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao não anular o acto de adjudicação à contra-interessada dos serviços objecto do Procedimento por Ajuste Directo nº 21/2009, em virtude da proposta daquela violar o disposto nos artigos 18º, nº 3 e 19º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, no artigo 11º, nº 3 do Convite, e nos artigos 122º, nº 2, 146º, nº 2, alínea o) e 70º, nº 2, alíneas a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos; e,
b) Se persistiu no erro, face à ausência de apresentação de propostas por parte da contra-interessada para a cessão de exploração do bar/cafetaria para utentes e para a cessão de exploração do refeitório, violando deste modo o disposto no artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite, nos artigos 1º, nºs 1 e 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos, e nos artigos 122º, nº 2, 146º, nº 2, alínea o) e 70º, nº 2, alíneas a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos.
Para sustentar que a proposta da contra-interessada viola as disposições dos artigos 18º, nº 3 e 19º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, sustenta a recorrente que aquelas cláusulas exigem que os concorrentes proponham um quadro de pessoal que permita assegurar a presença diária [portanto, todos os dias] de um encarregado do refeitório, das 7h30 minutos às 17h00 e de um cozinheiro às horas das refeições principais, sem deixar de cumprir a legislação laboral.
Ora, continua a recorrente, para cumprir o disposto no artigo 18º, nº 3 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, bem como o disposto na legislação laboral, nomeadamente, no que respeita ao período normal de trabalho diário e semanal, ao intervalo de horário de trabalho e ao descanso semanal dos trabalhadores, o quadro de pessoal proposto tem que ser composto no mínimo por dois encarregados de refeitório e dois cozinheiros, visto que se for proposto um quadro de pessoal composto apenas por um único encarregado de refeitório e por um único cozinheiro, estes trabalhadores nunca poderão folgar porque a sua presença no Instituto é exigida todos os dias, além do que, se o quadro de pessoal proposto for composto apenas por um único encarregado de refeitório este será obrigado a trabalhar nove horas e meia por dia, uma vez que é exigida a sua presença diária entre as 7h30 às 17h00, em violação, portanto, das leis laborais.
Vejamos, pois.
Como decorre do artigo 27º, nº 7 das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos, a entidade adjudicante procedeu à caracterização das equipas de pessoal afectas à prestação de serviço, considerando que as mesmas deveriam ser constituídas, no mínimo, por 4 elementos, um dos quais com as funções de encarregado de refeitório, sendo esse número reduzido aos fins-de-semana para 2 elementos, sendo que a proposta da contra-interessada contemplava 5 elementos [cfr. alínea M) dos factos provados].
Porém, o artigo 18º, nº 3 das aludidas cláusulas técnicas do Caderno de Encargos determina que a presença do encarregado do refeitório é exigida diariamente, das 7h30 minutos às 17h00, prevendo inclusivamente o nº 4 do citado artigo que "todos os funcionários, excluindo o encarregado do refeitório, só poderão ausentar-se por motivo de férias e folgas semanais" [negrito e sublinhado nossos].
Ora, salvo melhor interpretação, da conjugação dos nºs 3 e 4 do artigo 18º das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos resulta expressamente que foi intenção do adjudicatário manter um encarregado de refeitório em permanência durante os 7 dias da semana, durante o período compreendido entre as 7h30 minutos e as 17 horas, e não apenas durante os dias úteis, como decidiu a sentença recorrida, pois que se assim fosse, não faria sentido excluí-lo da possibilidade de se ausentar durante as férias e as folgas semanais como prevê o nº 4 do artigo 18º.
Porém, o facto da contra-interessada ter proposto apenas um encarregado de refeitório não significa necessária e inevitavelmente que a sua proposta devesse ter sido excluída, já que nem o artigo 18º, nº 3 nem o artigo 27º, nºs 2 e 7 das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos exigem que o encarregado seja sempre a mesma pessoa, o trabalhador X ou Y, mas sim que é exigível que um trabalhador com aquela categoria esteja em permanência diariamente no local da prestação do serviço das 7h30 minutos às 17 horas.
Não sendo obviamente possível - nem legalmente admissível - exigir a qualquer trabalhador que preste serviço durante 9 horas e 30 minutos sete dias por semana, sem direito a folgas ou férias, nada obsta a que o proponente substitua o trabalhador com a categoria de encarregado de refeitório, por forma a permitir a todos os seus trabalhadores afectos à prestação do serviço o gozo dos direitos estabelecidos na legislação laboral, nomeadamente o gozo de férias e das folgas semanais. O elemento determinante na interpretação das referidas cláusulas resume-se, afinal, à presença permanente de um trabalhador com a categoria de encarregado de refeitório, durante os sete dias da semana, no período compreendido entre as 7h30 minutos e as 17 horas; porém, isso é um problema de gestão de recursos humanos que apenas compete ao adjudicatário [e não adjudicante, como certamente por lapso consta do nº 1 do artigo 18º das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos], nos termos previstos no nº 1 do artigo 18º das cláusulas técnicas do Caderno de Encargos, para quem apenas se impunha "contratar ou fazer destacar dos seus quadros, de forma a assegurar o fornecimento de refeições deste Instituto aos doentes e funcionários, o pessoal que entender necessário para a boa prestação do serviço objecto do contrato".
Por conseguinte, a não inclusão de pelo menos dois encarregados de refeitório [o mesmo valendo para os cozinheiros] na proposta apresentada pela contra-interessada não era idónea a conduzir inevitavelmente à respectiva exclusão e, por conseguinte, à anulação do acto de adjudicação, como decidiu a sentença recorrida, soçobrando deste modo as conclusões 1ª a 13ª da alegação da recorrente. * * * * * *Nas conclusões 14ª a 25ª da sua alegação sustenta a recorrente que o objecto do contrato consistia no fornecimento de serviços de alimentação, na exploração de um bar/cafetaria para utentes e na exploração do espaço do refeitório para o fornecimento de pequenos-almoços, lanches e mini pratos [cfr. artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite, e artigo 1º, nºs 1 e 4 das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos], resultando do artigo 4º, nº 1, alíneas i) e j) das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos que os concorrentes estavam obrigados à apresentação de propostas para a cessão de exploração do Bar/Cafetaria e para a cessão de exploração do refeitório, fazendo as mesmas parte integrante do contrato a celebrar.
Uma vez que a contra-interessada não apresentou propostas para a cessão de exploração do bar/cafetaria para utentes e para a cessão de exploração do refeitório, conclui a recorrente que a proposta daquela violou ostensivamente o disposto no artigo 2º, nºs 1 e 2 do Convite e nos artigos 1º, nºs 1 e 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos, pelo que a interpretação feita pelo Tribunal "a quo", no sentido de que os concorrentes não estavam obrigados à apresentação de propostas para as referidas cessões de exploração do bar/cafetaria e do refeitório permite que essa exploração seja adjudicada à contra-interessada sem o obrigatório e necessário procedimento concursal prévio, cobrando a contra-interessada os preços que entender.
Vejamos se assim se poderá entender.
O artigo 2º do Convite que foi endereçado às três empresas proponentes estabelecia o seguinte: "Artigo 2º
Objecto do Contrato1. O presente procedimento tem por objecto o Fornecimento de Serviços de Alimentação, de acordo com as condições e especificações previstas no caderno de encargos e anexos, nomeadamente:
a) Refeições aos doentes internados;
b) Refeições dos funcionários, incluindo almoços, ceias e suplementos para o pessoal do Bloco Operatório;
c) Reforços aos doentes intervencionados em ambulatório;
d) Reforços para diabéticos.
2. Pretende-se ainda ceder a exploração de um bar/cafetaria para utentes num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009 e ceder a exploração do Refeitório dos funcionários, para o fornecimento de pequenos-almoços, lanches e mini pratos".
Por seu turno, o artigo 1º das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos, reproduzindo a anterior, estabelecia o seguinte: "Artigo 1º
Objecto do Contrato1. O objecto do contrato consiste no Fornecimento de Serviços de Alimentação, de acordo com as cláusulas técnicas descritas no capítulo II deste caderno de encargos.
2. O fornecimento das refeições será feito no sistema tradicional [distribuição a quente] para o refeitório do pessoal e para os doentes.
As refeições a fornecer são as seguintes:
a. Refeições aos doentes internados;
b. Refeições aos funcionários, incluindo almoços, ceias e suplementos para o pessoal do Bloco Operatório;
c. Reforços aos doentes intervencionados em ambulatório;
d. Reforços para diabéticos.
3. As quantidades previsíveis de refeições a confeccionar mensalmente são as indicadas em Anexo.
4. Pretende-se ainda ceder a exploração de um bar/cafetaria para utentes num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009, bem como ceder a exploração do espaço do Refeitório, para o fornecimento de pequenos-almoços e lanches".
Como decorre do teor das aludidas normas, o objecto do contrato a celebrar consistia fundamentalmente no fornecimento de serviços de alimentação, nomeadamente as refeições aos doentes internados, aos funcionários, incluindo almoços, ceias e suplementos para o pessoal do Bloco Operatório, os reforços aos doentes intervencionados em ambulatório e os reforços para diabéticos [objecto imediato ou principal], e também a cessão da exploração de um bar/cafetaria para utentes num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009, bem como a cessão da exploração do espaço do Refeitório, para o fornecimento de pequenos-almoços e lanches [objecto mediato ou secundário].
Caracterizado deste modo o objecto do contrato a celebrar, a sentença recorrida considerou que não "resulta das aludidas normas ou nas demais previstas nas peças do procedimento que permita extrair que os concorrentes devessem desde logo apresentar qualquer proposta, desde logo, sob a forma de renda, como alega a autora, quanto à cedência de espaço a ocorrer.
Assim deve ser entendido pela seguinte ordem de razões.
Em primeiro lugar porque a ser necessária a apresentação pelos concorrentes das condições ou termos em que se propõem efectuar tal prestação de serviços, igualmente necessário seria que estivessem previstas pela entidade adjudicante todas as condições sobre a mesma, como seja a área do espaço, o horário a praticar, entre outros, o que não se verifica.
Em segundo lugar, a ser como a autora defende, então mostra-se incompleto ou imperceptível o critério de adjudicação previsto, o do mais baixo preço [cfr. artigo 14º do Convite], já que tal proposta não só incluiria o preço pela prestação de serviço das refeições como as condições pela cedência de espaço a que aludem os supra transcritos artigos 2º, nº 2 do Convite, e do artigo 1º, nº 4 e 4º, nº 1, alíneas i) e j) das cláusulas jurídicas do caderno de encargos".
Este entendimento sufragado pela sentença recorrida não merece reparo.
Com efeito, projectando quer o Convite, quer o Caderno de Encargos a concretização da aludida cessão de exploração de um bar/cafetaria para utentes, num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009, bem como a cessão da exploração do espaço do Refeitório, para o fornecimento de pequenos-almoços e lanches, para o futuro, não era possível aos convidados proporem valores para as ditas cessões, por não estarem ainda definidos os elementos essenciais para o efeito, nomeadamente local, horário de funcionamento, número de utentes e de refeições a fornecer.
Obviamente que era intenção da entidade recorrida obter proventos de natureza económica com a cessão da exploração dos referidos espaços, na medida em que ao proporcionar à empresa adjudicatária - fosse ela a empresa A, B ou C - a exploração, em seu proveito, de espaços existentes no local da prestação de serviços principal, permitindo a que aquela, desse modo, expandisse a possibilidade de gerar lucros, esperaria certamente obter como contrapartida o pagamento pela utilização dos espaços cedidos.
Porém, como salientou a sentença recorrida, se o critério de apreciação das propostas e consequente adjudicação era o do mais baixo preço [cfr. artigo 14º do Convite], dificilmente o mesmo se coaduna com a apresentação duma proposta referente às cessões de exploração, onde o interesse da entidade adjudicante penderia para a escolha da proposta que oferecesse o valor mais elevado, e não o mais baixo valor.
Daí que se afigure que a interpretação mais correcta das cláusulas do Convite e do Caderno de Encargos aqui em causa seja aquela a que chegou a sentença recorrida, isto é, a de que o concorrente não estava obrigado a propor desde logo um valor como contrapartida da cessão da exploração de um bar/cafetaria para utentes, num espaço a definir até ao final do primeiro semestre de 2009, bem como da cessão da exploração do espaço do Refeitório, para o fornecimento de pequenos-almoços e lanches.
Deste modo, a não inclusão na proposta da contra-interessada do valor oferecido como contrapartida da cessão da exploração dos locais em causa não era susceptível de conduzir à respectiva desqualificação e, por conseguinte, à anulação do acto de adjudicação, como decidiu a sentença recorrida, improcedendo deste modo as conclusões 14ª a 25ª da alegação da recorrente.
IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 2º Juízo do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando deste modo a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente "G...- , SA", fixando-se a taxa de justiça devida em 8 UC, já reduzida a metade, nos termos do artigo 73º-E, nº 1, alínea d) do CCJudiciais. Lisboa, 6 de Agosto de 2009 [turno]
[Rui Belfo Pereira - Relator]
[António Coelho da Cunha]
[Magda Geraldes]