Sumário:
I- De acordo com o Código de Contratos Públicos (artº 70º, n.º 2, al. a) e 146º n.º2, al. i)), cada concorrente só pode apresentar uma proposta, sob pena de violação dos princípios da igualdade e concorrência.
II- O artigo 29º da Directiva Comunitária 92/50, de 18 de Junho, ao estabelecer sete causas de exclusão na participação nos concursos de serviço, não impede que os Estados membros possam prever outras, a fim de garantir, em cada caso, o respeito por aqueles princípios.
III- O Júri pode excluir concorrentes que pertencem a uma única empresa, constituindo sociedades coligadas (cfr. artº 59º n.º 7 do C.C.P.), a fim de evitar práticas de distorção e violação das regras da concorrência.
Texto Integral:
Acordam em conferência no 2º Juízo do TCA - Sul:
1. Relatório
G......., Companhia .................., com sede em Carnaxide, intentou, no TAF de Sintra, contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., a presente acção emergente de contencioso pré-contratual, relativamente ao concurso n.°2009.210.0050, lançado pela R. para o fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Formação Profissional.
Indicou como contra-interessadas a U.........., ................. de Restaurantes de Empresas, Lda., a N........., ............... Alimentar, S.A., a ICA, Indústria e Comércio, S.A., a S..........., Restaurantes e Alimentação, S.A e o I.......- ................. de Alimentação Humana, S.A.
Por decisão de 30.04.2010, o Mmº Juiz do TAF de Sintra julgou a acção procedente, condenando o R. a abster-se de excluir a proposta da G....... no Concurso Público n.º n.°2009.210.0050, e a abster-se de adjudicar à U....... o fornecimento objecto do concurso, bem como a proceder à avaliação da proposta da G.........., de acordo com o critério de adjudicação definido no artigo 6º do Programa do Concurso e, consequentemente, a colocar em 1º lugar a proposta da G........., adjudicando-lhe o fornecimento do aludido concurso.
Inconformado, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, enunciando nas suas alegações as conclusões seguintes:
1.ª Desde logo, a sentença é manifestamente omissa e contrária ao regime jurídico resultante do Título VI - Sociedades Coligadas - do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.):
2.ª Na verdade, tal omissão, enferma e invalida o alcance que o Tribunal "a quo" pretendeu com a transcrição do Acórdão Assitur, Processo c - 538/07 (...), de 19 de Maio de 2009, como fundamentação do processo sub judicie;
3ª Na realidade, ao invés da interpretação do Tribunal "a quo" na decisão ora impetrada - "administração das requerentes não é idêntica, as propostas são diferentes em conteúdo e montantes" - decorre do próprio regime jurídico aplicável a respectiva subordinação e interdependência relativamente à sociedade dominante - T..........., S.A (S.G.P.S.);
4ª Isto é, o regime vertido no Titulo VI - Sociedades Coligadas do Código das Sociedades Comerciais, que como resulta do respectivo n.º1 do artigo 481º do C.S.C, é aplicável a relações que entre si estabelecem sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita, por acções;
5.ª Ora, sem prejuízo da transcrição do aresto comunitário por parte do Tribunal "a quo", em nenhuma passagem do mesmo é afastada a respectiva natureza das Requerentes como sociedades anónimas, cujo único accionista é a T..........., S.A. (S.G.P.S.);
6.ª E, de acordo com a alínea c) do artigo 482.° do C.S.C., consideram-se sociedades coligadas as sociedades em relação de domínio;
7.ª Quer isto dizer que, para efeitos do Código das Sociedades Comerciais a Autora e a I.......... são sociedades coligadas, por se encontrarem em situação de relação de grupo, de domínio total inicial por parte da T..........., S.A. (S.G.P.S.), face ao estabelecido no artigo 488.°do C.S.C,;
8.ª E, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491° do C.S.C., a T..........., S.A. (S.G.P.S.), tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas, isto é, à Autora e à I.........., como expressamente resulta do artigo 503º do C.S.C.;
9.a A T..........., S.A, (S.G.P.S.), ao agregar um conjunto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direcção económica unitária e comum;
10.a Por outras palavras, "há uma combinação entre a manutenção da individualidade jurídico - formal e a dissolução da autonomia económico -material das sociedades comerciais componentes.";
11.ª "A atenção que a lei de defesa da concorrência presta a favor destas operações é perfeitamente compreensível. Com efeito, não é indiferente ao ordenamento jurídico que as empresas conjuguem os seus esforços, uma vez que podem, através dessa congregação de esforços, vir a lesar os interesses económicos da generalidade, criando situações de oligopólio ou mesmo situações de monopólio. Portanto é uma matéria que está de certo modo condicionada";
12ª A mesma orientação é perfilhada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, vertida no Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, no âmbito do Processo n.°04105/08:
"a prática concertada entre duas empresas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes (...), ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectiva propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito da conjugação das propostas." (cfr. Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.°04105/08);
13.ª Aliás, como o próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no aresto de 4 de Junho de 2009:
"não é necessário que a concorrência seja efectivamente impedida, restringida ou falseada, nem que haja uma ligação directa entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objectivo anti-concorrencial quando é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas empresas em causa, (...) sempre que a empresa que participa na concertação permaneça activa no mercado de referência, é aplicável a presunção de nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento da referida empresa no mercado".
14.ª Face a todo o exposto, devidamente provado que a Autora e a I.......... se encontram coligadas, por se encontrarem em situação de relação de grupo, de domínio total inicial por parte da T..........., S.A. (S.G.P.S.), constitui uma única sociedade/empresa;
15.ª E, a decisão em causa, omite de forma ostensiva que, apesar de juridicamente autónomas, os administradores de ambas as sociedades são nomeados pelo único sócio, ou seja, pela administração da T..........., S.A. (S.G.P.S.), que também define os objectivos a alcançar e define a política comercial daquelas sociedades;
16ª. Facto que, por si só, é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas sociedades/empresas em causa, ao invés do decidido pelo Tribunal "a quo";
17.ª Ao decidir de outro modo, o Tribunal "a quo" violou as regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, na sua vertente - tratar de forma desigual situações diferentes -, expressamente previstos no n.° 4 do artigo 1.° do C.C.P.;
18.ª Por conseguinte, mal andou o Tribunal "a quo" ao considerar que estamos perante entidades com administração distinta e autónoma do mesmo grupo de sociedades coligadas - T..........., S.A. (S.G.P.S.), - em domínio total inicial, e nesse sentido, afigura-se-nos manifestamente incorrecta e em manifeste violação do regime jurídico decorrente dos artigos 481º a 503.º do C.S.C.;
19.ª Acresce que, o que está verdadeiramente em causa na presente demanda, é o Tribunal "a quo" sufragar a tese indefensável que"(...) o Júri não afirma que, em concreto, existam factos indiquem a violação os princípios da igualdade, transparência e confidencialidade, limitando-se a concluir a partir de um facto - o capital social da Autora e da I.......... - ser na íntegra detido pela T........... - que se mostram violados os princípios da igualdade e de "a cada concorrente corresponde uma proposta";
20.ª Ora, foi precisamente em homenagem aos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, expressamente previstos no n.°4 do artigo 1.°e bem assim do estabelecido no artigo 52°, no artigo 53.°, no n.°7 do artigo 59.°, na alínea g) do n.°3 do artigo 70.º do C.C.P., e na alínea i) do n.°2 do artigo 146.° todos do C.C.P., que o Júri do procedimento em crise, decidiu não admitir as propostas da Autora e da I.........., por violação:
"Do princípio da igualdade, na medida em que se verifica uma situação de vantagem por parte das sociedades G........., S.A., I.........., S.A., e T..........., S.A., perante os restantes concorrentes, que apenas puderam apresentar uma única proposta, em violação do artigo 14° do Programa do Concurso e do n.°7 do artigo 59° do C.C.P.
Do princípio da concorrência, porque, consubstanciando-se as propostas da G........., S.A e I.........., S.A., duas propostas de uma "única empresa" - a T..........., S.A., entre as mesmas não pode haver uma efectiva e sã concorrência."
21.ª A decisão em causa, fez letra morta dessa fundamentação, ao exigir que se deveria "verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo.";
22.ª E, na continuação desse raciocínio, só depois de devidamente provado esse (alegado) comportamento, o Júri poderia decidir então pela exclusão das propostas;
23.ª A ser aceite tal tese, seria mais um passo na chamada "judicialização" da actividade administrativa e enquistamento do respectivo funcionamento, manifestamente indefensável, porque fomentadora da formação de cartéis e oligopólios;
24.ª Tanto assim é que, não é por acaso que todos as outros concorrentes (contra interessados no âmbito deste procedimento), suscitaram a questão da violação dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, caso a proposta da Autora e da I.........., fossem aceites;
25.ª Pelo que, afigura-se-nos manifestamente incorrecta tal interpretação e era manifesta violação do disposto no n.º 4 do artigo 1.°, e bem assim do estabelecido no artigo 52°, no artigo 53.°, no n.°7 do artigo 59.°, na alínea g) do n.° 3 do artigo 70.° do C.C.P., e na alínea i) do n.°2 do artigo 146.° todos do C.C.P.;
26.ª Acrescente-se que, a decisão em apreço não contempla de modo algum na respectiva fundamentação, uma alusão, ainda que superficial ao princípio do Direito Comunitário da proibição das práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum;
27.ª Mas mesmo que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, sempre se dirá que o artigo 29.° da Directiva n.°92/59/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, não visa a proibição da legislação nacional ser mais exigente que a legislação comunitária, mas o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento dos proponentes, da transparência no âmbito dos contratos públicos e da concorrência a nível comunitário;
28.ª E, a verdade é que o acto suspenso nos presentes autos, visou precisamente impedir o tratamento desigual de situações desiguais (em termos de propostas), a opacidade (por falta de transparência) do procedimento em termos de adjudicação, assim como a defesa da concorrência sã e livre, ao invés do que parece resultar da decisão ora impetrada;
29.ª Por último, afigura-se que, a decisão em apreço não acautelou como deveria que, nos termos do artigo 234.° do tratado que institui a comunidade europeia publicada no JOUE n.°C 321 E, de 29/12/2006, estando no domínio de interpretação de um acto adoptado pelas Instituições da Comunidade Europeia, deverá ser submetida ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia;
30.ª A isso acresce que, como se viu, existe uma decisão do referido Tribunal que sobre a mesma matéria decidiu e bem, em sentido oposto ao propugnado pelo Tribunal "a quo";
31.ª Pelo que, mal andou o Tribunal "a quo" ao considerar que não foi respeitado o disposto no artigo 29.° da Directiva n.° 92/59/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, pelo facto do Júri ter de "verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo.";
32.ª E, em consequência, afigura-se-nos manifestamente incorrecta tal interpretação e em manifesta violação do estabelecido no artigos 57.°, 66.°, 81.°, 82.° e artigo 234.°, todos do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia.
33.ª Por fim, mal andou o Tribunal "a quo" ao considerar que o Réu violou os princípios da igualdade e de "a cada concorrente corresponde uma proposta '';
34.ª Porquanto, é indesmentível que o ora Recorrente fundamentou a sua decisão com base nos preceitos legalmente aplicáveis sem qualquer discriminação e visou precisamente impedir o tratamento desigual de situações desiguais (em termos de propostas), a opacidade (por falta de transparência) do procedimento em termos de adjudicação, assim como a defesa da concorrência sã e livre, ao invés do que parece resultar da decisão ora impetrada;
35.ª Não obstante, do teor da decisão ora recorrida, não se vislumbra objectivamente qual foi o preceito que o acto em causa terá violado, mas apenas designações genéricas e sem qualquer concretização;
36.ª Assim, ao ter concluído de forma inversa, afigura-se-nos que o Tribunal "a quo", cometeu um erro de julgamento e, nesse sentido, deverá ser revogada a sentença em causa e manter a decisão recorrida.
A G.........- ......................... Restaurantes de Alimentação, S.A., contra alegou, concluindo como segue:
1.°- O Recorrente baseia a sua convicção de que G......... e I.......... devem ser consideradas um só concorrente no conceito de "empresa" constante do artigo 2° da Lei n.°18/2003 (cfr. al. 11ª dos Factos Provados).
2.°- O CCP contém um conceito próprio de "concorrente" alicerçado (apenas) no conceito tradicional de personalidade jurídica (artigo 53.°), e não nas relações de grupo existentes entre duas ou mais entidades.
3.°- Tal solução tem integral apoio nos princípios que se visam assegurar com a regulação da contratação pública (igualdade e concorrência - artigo 1° n.°4) já que do mero facto de existir uma relação de domínio ou de grupo entre duas ou mais concorrentes não se extrai que estas não estejam em posição de igualdade com as demais concorrentes ou que partilhem entre si informações que permitam falsear ou restringir a concorrência.
4.°- Não se pode concluir que duas ou mais entidades constituam um só concorrente, apenas com base na existência de relação de grupo entre elas. ,
5.°- Prevendo o CCP um conceito especifico e próprio de concorrente o intérprete tem que se ater e cingir a este.
6.°- Inexistindo qualquer lacuna no CCP, não permite a lei a aplicação analógica de qualquer outra definição de empresa (artigo 10.° do Código Civil). Acresce que7.°- O conceito de "empresa" constante do artigo 2.° da Lei n.°18/2003 é privativo daquela lei, como se alcança da própria letra ("considera-se empresa, para efeitos da presente lei...", devendo ser utilizado unicamente para efeitos nesta previstos, isto é, para determinação e cálculo da quota de mercado e do volume de negócios das empresas.
8.°- Assim, o conceito de empresa da Lei n.°18/2003 não deve ser confundido com aquele que é utilizado noutros ramos do direito (Lei da Concorrência Anotada, Miguel Mendes Pereira, Coimbra Editora, pág. 67), pelo que não se pode ater a este para aplicação das normas do CCP.
9.°- De igual forma, o conceito de "sociedades coligadas" é apenas aplicável no domínio do Código das Sociedades Comerciais e tem como consequências apenas as exaradas neste normativo, designadamente, a atribuição de responsabilidade da sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dependente e a obrigação de prestar contas consolidadas.
10.°- O conceito de sociedade coligada apenas se deverá considerar aplicável fora do âmbito jurídico-societário quando o próprio diploma legal que utilize contenha remissão para a lei societária (José A. Engrácia Antunes «Os grupos de Sociedades» , 2a Edição, Almedina, pág. 285).
11.°- Acresce que o CCP não ignorou a existência dos conceitos de "empresa" do Direito da Concorrência nem de "sociedades coligadas" do Direito das Sociedades Comerciais.
12.°- Nas alíneas c) a f) do n.°1 do artigo 13.° é excluída a aplicação da parte II do CCP aos contratos a celebrar nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais entre certas entidades adjudicantes e empresas que a esta estejam associadas e entre entidades adjudicantes e certos adjudicatários e empresas associadas a estes últimos.
13.°- O conceito de "empresa associada" (artigo 14.° do CCP) é idêntico ao de "empresa" (artigo 2° e 10° n.°1 da Lei n.°18/2003) e de "sociedades coligadas" (artigo 486° do Código das Sociedades Comerciais).
14.°- O legislador do CCP optou por introduzir um conceito próprio de "empresas associadas", não remetendo directamente para os conceitos de "empresa" e de "sociedades coligadas", e apenas para proibir a participação daquelas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores de água, da energia, dos transportes e dos serviços postais.
15.°- E não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos.
16.°- De igual forma o legislador comunitário também utilizou o conceitos de "empresas associadas" mas apenas para excluir certos contratos do âmbito de aplicarão dos diplomas que regulamentam a contratação pública (cfr. artigo 2° n.°1 b) e artigo 23° n.°1 e 2) da Directiva 2004/17/CE e artigo 63° n.°1e 2 da Directiva 2004/18/CE, ambas de 31 de Março).
17.°- Se o legislador do CCP tivesse pretendido aplicar o conceito de "empresas associadas" na definição de "concorrente", teria remetido para o artigo 14°.
18.°- O que não fez, porque não entendeu restringir o conceito de "concorrente" ao de "empresa", "sociedades coligadas" ou "empresas associadas".
19.°- Deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.° n.°3 do Código Civil).
20.°- Se o legislador do CCP ao definir concorrente não remeteu para aqueles conceitos foi porque entendeu que não se justificava a sua aplicação.
21.°- Assim, inexiste qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que proíba a participação, no mesmo concurso, de empresas que se encontrem entre si em relação de domínio ou de grupo (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25 de Março de 2010, proferido no processo 05806/09)
22.°- G......... e I.......... têm personalidades jurídicas distintas e autónomas (al. 12.° dos Factos Provados) pelo que ambas se consideram concorrentes (artigo 53° do CCP).
23.°- A apresentação de propostas individuais por parte de G......... e I.......... não consubstancia a apresentação de mais de uma proposta pelo mesmo concorrente pelo que não houve violação do artigo 146° n.°2 i) n.°3 do CCP. Acresce que24.°- Não pode ser determinada a exclusão automática de propostas de duas ou mais concorrentes apenas por se encontrem numa relação de subordinação.
25.° - O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em Acórdão proferido em 19 de Maio de 2009 (processo C-538/07) entendeu que: a mera constatação de uma relação de domínio entre as empresas em causa, em razão de um direito de propriedade ou do número de direitos de voto que possam exercer nas assembleias gerais ordinárias, não basta para que a entidade adjudicante possa excluir automaticamente estas empresas do processo de adjudicação, sem verificar se tal relação teve uma incidência concreta sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse processo.
26.°- E que "a questão de saber se a relação de domínio em causa teve influência sobre o conteúdo respectivo das propostas apresentadas pelas empresas envolvidas no âmbito de um mesmo concurso público exige um exame e uma apreciação dos factos que cabe às entidades adjudicantes efectuar.
27.°- As legislações nacionais apenas podem excluir propostas se for possível concluir que a relação de domínio ou de grupo influenciou a actuação dos concorrentes no procedimento, tendo estes adoptado um comportamento paralelo.
28.°- Nesse sentido prevê o artigo 70° n.°2 al. g) do CCP a exclusão das propostas cuja análise revele a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
29.°- Para excluir as propostas, o Júri limitou-se a concluir a partir de um facto (capital social de G......... e I.......... ser integralmente detido pela T...........) que existiam indícios de prática concertada (al. 11ª dos Factos Provados).
30.° - Nada na Lei nacional ou comunitária proíbe a permanência e actuação no mercado de empresas que constituam uma unidade económica na acepção do n.°2 do Art.°2° da Lei 18/2003.
31.°- A proibição a que alude o Art.° 4° n°1da Lei 18/2003, isto é, de realização de práticas concertadas, não é aplicável a empresas que façam parte do mesmo grupo ou que, de alguma outra forma, constituam uma unidade económica.
32.°- Já que a existência de um acordo, de uma prática concertada exige, pelo menos, a existência de duas empresas independentes (Cfr. Miguel Mendes Pereira, Lei da Concorrência Anotada, Coimbra Editora, pág. 71/72, Acórdãos do Tribunal de Justiça (quarta secção) de 12.7.1984 no processo 170/83, Recueil 1984, p. 2999 e (sexta secção) de 24.10.1996 no processo C-73/95, Colect. 1996, p.l-5457.).
33.°- Como G......... e I.......... são consideradas, para efeitos concorrenciais, uma única empresa, não pode, por qualquer prática que apenas envolva as duas entidades, ser imputado Acordo ou Prática concertada proibidos pelo citado Art.°4° da Lei n.°18/2003. Mas mais34.°- Não pode, nem a lei o permite, confundir-se a unidade económica decorrente do n°2 do Art.°2° da Lei 18/2003 com o Acordo ou a Prática concertada proibidos pelo Art.°4° n°1 da mesma Lei.
35.°- São os seguintes os pressupostos de facto exarados no Art.°4° da Lei 18/2003 de cuja verificação depende a ocorrência de prática concertada proibida: 1) a qualidade de empresa, 2) a realização de um acordo ou prática concertada entre empresas, 3) o objecto ou efeito anti concorrencial da prática, 4) o carácter sensível da restrição da concorrência e 5) a existência de um mercado relevante, (cfr. Miguel Mendes Pereira, Lei da Concorrência Anotada, Coimbra Editora, pág. 85).
36.°- Das supracitadas disposições decorre a absoluta ilegalidade de qualquer presunção no sentido da verificação de uma prática concertada entre empresas.
37.°- A verificação de eventual acordo ou prática proibidos há-de traduzir-se na ocorrência de factos concretos que se consubstanciem nos pressupostos de facto exarados na norma do art. 4° da Lei 18/2003.
38.°- O artigo 70° n.°2 g) do CCP exige a análise das propostas para que se possa concluir pela sua exclusão ("são excluídas as propostas cuja análise revele ...")
39.°- Os pressupostos de facto exarados no Art. 4° da Lei 18/2003 de cuja verificação de depende a ocorrência de prática concertada proibida são: 1) a qualidade de empresa, 2) a realização de um acordo ou prática concertada entre empreses, 3) o objecto ou efeito anti concorrencial da prática, 4) o carácter sensível da restrição da concorrência e 5) a existência de um mercado relevante, (cf. Lei da Concorrência Anotada, Miguel Mendes Pereira, Almedina, pág. 85).
40.°- A prática concertada entre duas ou mais empresas no âmbito dos procedimentos concursais é aferida perante as circunstâncias concretas do caso, e basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas (Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Janeiro de 2009 (processo 04105/08) e de 25 de Março de 2010, (processo 05806/09).
41.°- Também a jurisprudência comunitária entende que é necessário estudar o conteúdo das propostas para concluir se a relação de domínio teve influência na actuação dos concorrentes (citado Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009).
42.°- Impõe-se, assim, efectiva análise das propostas apresentadas por forma a aferir se existem semelhanças entre estas que permitam indiciar coordenação entre os concorrentes e comportamento paralelo.
43.°- A celeridade procedimental não permite que as entidades adjudicantes e os Júris possam fazer tábua rasa de uma disposição legal (artigo 70° n.°2 g) do CCP), abstendo-se de efectuar tal exame ao conteúdo das propostas apresentadas, limitando-se a concluir de factos exteriores à propostas que há indícios de práticas concertadas.
44.°- Sendo, assim, improcedente o argumento do Recorrente de que tal análise "seria mais um passo na chamada "judicialização" da actividade administrativa e enquistamento do respectivo funcionamento".
45.°- Teria o Júri de ter evidenciado a existência de causalidade entre a relação de grupo e qualquer concertação de actuação entre G......... e I...........
46.°- O que não fez, sendo o Relatório Final também totalmente omisso quanto a mais três elementos essenciais à verificação da prática concertada, isto é, objecto ou efeito anti concorrencial, carácter sensível da restrição de concorrência e mercado relevante (al. 11ª dos Factos Provados).
47.°- A coordenação dos comportamentos entre os concorrentes afere-se através de dados objectivos como identidade (ou semelhança) de administrações, representantes que apresentaram as propostas, estrutura formal e gráfica das propostas, preços propostos, número de trabalhadores e período e horário de trabalho dos mesmos (cfr. citados arestos do Tribunal Central Administrativo Sul).
48.°- G......... e I.......... têm sedes sociais e administrações distintas (al. 13ª dos Factos Provados.
49.°- As propostas foram apresentadas por representantes distintos (cfr. al. 14ª dos Factos Provados).
50.°- O preço proposto pela G......... para a refeição completa é de 2,28€, e pela I.......... de 2,36€ (cfr. al. 15ª e 16ª dos Factos Provados).
51.°- As propostas apresentam uma estrutura gráfica semelhante e o mesmo quadro pessoal apenas por exigência dos documentos concursais que impunham formulários pré-definidos e de preenchimento obrigatório e fixavam o número de funcionários a afectar à unidade (artigo 12.° do Programa de Concursos e artigo 32.° e Anexo l do Caderno de Encargos).
52.°- Da confrontação das propostas apresentadas pelas concorrentes G......... e I.......... decorre a absoluta divergência entre ambas, qualquer que seja a comparação efectuada, impondo-se a conclusão de que, no caso concreto, inexistem aspectos objectivamente indiciadores de ter havido qualquer espécie de articulação entre as empresas.
53.°- Pelo que não se verifica a previsão do artigo 70° n.°2 g) do CCP, inexistindo qualquer fundamento para a exclusão da proposta da G......... e da I...........
54.°- Devem também improceder os demais "vícios" imputados pelo Recorrente à sentença recorrida. Já que55.°- Contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, o tribunal a quo não desconsiderou o regime das sociedades coligadas (fls. 14 e 20 da sentença), apenas entendeu (e bem) que desta não derivava que G......... e I.......... constituem um só concorrente, ou que se tenham concertado, influindo no conteúdo das propostas apresentadas.
56.°- Assim, a sentença atendeu ao facto de a T........... nomear a administração da G......... e I.......... e lhes pode dirigir instruções, mas não extraiu destes dados as ilações pretendidas pelo Recorrente.
57.°- Da suscitação da questão da relação de grupo entre G......... e I.......... pelos demais concorrentes não se pode retirar qualquer argumento favorável à tese do Recorrente que tal faz presumir a existência de concertação ilícita, já que, como é sobejamente conhecido no âmbito dos concursos públicos, qualquer concorrente que veja a sua proposta preterida invoca todos os argumentos que possam determinar a exclusão das propostas que tenham merecido melhor classificação.
58.°- O tribunal a quo ao recorrer à jurisprudência fixada no citado Acórdão de 19 de Maio de 2009 do Tribunal de Justiça, para defender que do simples facto de os concorrentes estarem envolvidos numa relação de grupo ou de domínio não se extrai a existência fortes indícios de práticas anti-concorrenciais, analisou aquele argumento invocado pelo Recorrente.
59.°- O artigo 29.° da Directiva não proíbe a legislação nacional de ser mais exigente que a comunitária, mas exige a observação do principio da igualdade, que não se verifica quando uma norma nacional proíbe a participação no mesmo procedimento de duas ou mais entidades em relação de domínio, quando esta não teve qualquer influência no comportamento adoptado no concurso (Acórdão de 19 de Maio de 2009 do Tribunal de Justiça).
60.°- A interpretação das normas aplicáveis defendida pelo Recorrente é, assim, incompatível com o Direito Comunitário.
61.°- Como a decisão proferida pelo tribunal a quo é passível de recurso no direito interno, o reenvio prejudicial é meramente facultativo e não se justificava no presente caso dado que existia decisão do Tribunal de Justiça que analisava caso idêntico ao dos presentes autos (Acórdão de 19 de Maio de 2009 do Tribunal de Justiça).
62.°- É, assim, improcedente a argumentação do Recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 234° do Tratado da Comunidade Europeia.
63.°- O Acórdão de 4 de Junho de 2009 (processo C-08/08) foi proferido no âmbito do artigo 81° do Tratado da Comunidade Europeia, pelo que não é aplicável no âmbito do contexto específico da existência de indícios de prática concertada para efeitos de exclusão de propostas em concursos públicos.
64.°- O tribunal a quo afirmou que se verificaria a violação dos princípios da igualdade e da concorrência se não tivesse sido cumprido o disposto nos artigos 70° n °2 g), 146°n.°2 i) e n.°3 do CCP (fls. 14 da sentença).
65.°- Ao concluir que tais princípios não foram violados (fls. 22 da sentença) entendeu que os citados preceitos do CCP também o não foram.
66.°- Pelo que concretizou o tribunal a quo quais as normas específicas violadas pelos actos de exclusão de propostas da G......... e I.......... e adjudicação à Uniself.
67.°- Improcedem assim as conclusões formuladas pelo Recorrente, pelo que deverá sentença recorrida ser mantida, assim se fazendo a Consumada JUSTIÇA!
O Digno Magistrado do Mº Pº emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
2. Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou indiciariamente adquirida a seguinte matéria de facto:
1.°)O Réu lançou o Concurso Público Internacional n.°2009.210.0050 para aquisição de serviços de fornecimento de refeições e serviços de bar para o Centro do Formação Profissional do Porto, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, 2.° Série, n.°187, de 25 de Setembro de 2009;
2.°)No âmbito do qual, o critério de adjudicação definido foi o do mais baixo preço, conforme decorre do n.°12 do anúncio (cfr. Fls. 127 do Dossier n.°1 do P.A.), bem como do programa do concurso constante do n.º1 do artigo 6.° - cfr. Fls. 18 do Dossier n.°1 do processo instrutor (doravante designado P.A.);
3.°)Ao referido procedimento foram apresentadas propostas pelas seguintes concorrentes:
- I......., S.A. -cfr. Fls. 335 e 336 - Dossier n.°1 - cfr. Fls. 136 a 137 ;
- U......, S.A -cfr. Fls. 329 e 330 - Dossier n.°1 - cfr. Fls. 572 a 842 ;
- N................, S.A. - Dossier n.° 2 - cfr. Fls. 842 a 992 ;
- G........., S.A. - Dossier n.° 3 - cfr. Fls. 993 a 1327;
- I.........., S.A. - Dossier n.° 3 - cfr. Fls. 1328 a 1479;
- S.........., S.A. - Dossier n.° 4 - cfr. Fls. 1480 a 1650;
4.º)A prestação do serviço que constitui o objecto do Concurso tem o seu início previsto para o dia 01.01.2010, sendo que o anúncio publicado no Diário da República prevê que o prazo contratual de 12 meses se conte da celebração do respectivo contrato:
5.°)A 27 de Novembro de 2009 o Júri elaborou o primeiro relatório preliminar do qual consta os resultados da análise e a avaliação das propostas apresentadas e a respectiva ordenação - cfr. fls. 1650 a 1657 - Dossier n.°4;
6.°)E procedeu à ordenação provisória - cf. mesmo doc.;
7.°)Em seguida o júri procedeu à notificação dos interessados do primeiro relatório preliminar, para efeitos de audiência prévia - cfr. mesmo doc.;
8.°)Em 7 de Dezembro de 2009 foram apresentadas as respectivas pronúncias dos concorrentes no âmbito do procedimento quanto ao sentido provável da decisão -cfr. Fls. 1658 a 1684 - Dossier n.°4;
9.°)A 17 de Dezembro de 2009, o Júri elaborou relatório final no qual propôs excluir as concorrentes G......... e I.......... - cf. doc. 5 junto com o requerimento inicial;
10.°)Bem como a ordenação das concorrentes não excluídas, ficando a U........ em 1° lugar -cf. mesmo doc.;
11.°)Nesse relatório pode ler-se:
" (...) a sociedade T..........., S.A. (SGPS), detentora de 100% do capital social das sociedades G........., S.A. e I.........., S.A., para além do direito de dar instruções vinculantes, responde por todo o passivo destas últimas, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo inter-societário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo no dizer de vários, independente da respectiva fonte ou conteúdo (...).
Por esta razão existe ..., uma relação de subordinação, devendo, por força do art. 2° e 109, n.º1 da Lei n.°18/2003, de 11 de Junho, ser considerada como uma única empresa. " Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou que mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes dos direitos ou poderes enumerados no n.°1 do artº 10º" (art. 2°, n.° 2 da Lei n.º18/2003, de 11 de Junho).
Considerando que G.......... e I.........., apesar de serem juridicamente distintas, são, para efeitos concursais e de concorrência, consideradas como uma única empresa, estas violam o disposto no artigo 14.° do Programa de Concurso e no n.° 7 do artigo 59.° do CCP, apresentando-se numa situação de vantagem relativamente a todos os outros concorrentes que apenas puderam apresentar uma única proposta.
Por esse motivo, o júri entende que as suas propostas devem ser excluídas ao abrigo da alínea i) do n.°2 do artigo 146.°e alínea g) do n.°1 do artigo 70°do CCP.
Acrescenta-se o facto de haver violação dos princípios da igualdade e concorrência, princípios nucleares da contratação pública, ambos espelhados no CCP. Há violação do princípio da concorrência por haver duas propostas (uma da G......... e outra da I..........) apresentadas por uma única empresa a T..........., S.A., não podendo existir entre aquelas duas primeiras uma sã e efectiva concorrência. O princípio da igualdade não se verifica dado que um concorrente apresentou duas propostas, ao contrário der todos os outros concorrentes". - cf. doc. 1 junto com a oposição da Contra-interessada;
12.°)A T..........., S.A. (SGPS) é detentora de 100% do capital da Autora e da I.......... - cf. www.portaldaempresa.pt/CVE/IES/ConsultaCertidao.aspx, com os números de acesso 5277-0834-3076 e 8532-0850-6578;
13.°)A Autora e a I.......... têm sedes sociais e administrações distintas - cf. mesmo doc;
14.°)A proposta da G......... está assinada pelo Director Geral ............... - cf. doc. 3 junto com a petição;
15.°)O preço proposto pela G......... para refeição completa é de 2,28€ e para refeição em regime de mini-prato 1,94€ - cf. doc. 3 junto com a petição;
16.°)O preço proposto pelo I.......... para refeição completa é de 2,36€ - cf. dossier n.° 3 do p.a.;
Os preços propostos, para refeição completa, pela U......... é de 2,44€, pela N.........2,80€ e pala I........ 2,95€ - cf. fls. 1650 a 1657 - dossier n.°4.
3. Direito Aplicável
Considerou a sentença recorrida que, ao excluir a A. com fundamento no artigo 70º, n.º1, alínea g) e 144 n.º2, alínea i), ambos do CCP, o Júri do Concurso praticou acto ilegal, o que determinou a classificação da U....... em 1º lugar, apesar de a Autora ter apresentado a proposta com preço mais baixo, razão pela qual condenou o R. a abster-se de excluir a proposta de G......... do Concurso Público em referência e a abster-se de adjudicar o fornecimento objecto do Concurso à U...........
A questão nuclear dos autos é a de apurar se duas sociedades (a G......... e a I..........) que são detidas a 100% pela sociedade T..........., e a esta se acham subordinadas, podem, apesar disso, concorrer ao mesmo procedimento concursal, sem que haja violação dos princípios da igualdade e concorrência.
A sentença recorrida entendeu que nada obstava a essa concorrência dupla e autónoma, motivando-se no Direito Comunitário, designadamente na interpretação efectuada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre o artigo 29º, parágrafo 1º, da Directiva 92/50/CEE, de 18 de Junho de 1992, do Conselho, e na circunstância de, no concurso em causa, não ter sido realizado pelo IEFP, IP, a ponderação que consistia em verificar se a relação de domínio por parte da T........... teve ou não uma incidência concreta sobre o comportamento da G......... e do I.......... no mesmo procedimento.
Com base na factualidade assente, e citando os artigos 70º, n.º2, al.a) e 146º, n.º2 alínea i) e n.º3, apesar de reconhecer que cada concorrente só pode apresentar uma proposta, a decisão recorrida entendeu, não obstante, que não houve violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
Seguidamente, salientou que " toda a matéria ligada ao contencioso da formação dos contratos está fortemente informada pelo Direito Comunitário, e atentos os princípios da supremacia do Direito Comunitário face ao Direito Interno e da interpretação do Direito Interno conforme o Direito Comunitário - vd. Sabine von Colson and Elisabeth Kamann v Land Nordrhein -Westfalen, Mary Murphy and others v. An Bord Telecom Elireann e Marleasing SA v. La Comercial Internacional de Alimentacion SA, ou para os anglo-saxónicos, o princípio do efeito indirecto, há que lançar um olhar sobre as mais recentes decisões do Tribunal de Justiça".
E, efectuado esse visionamento, a sentença recorrida salientou ainda, mencionando o Acórdão Assitur, Proc. C-538/09, de 19.05.2009, que " (...) o artigo 29º da Directiva 92/90 (...), ao estabelecer sete causas de exclusão da participação nos concursos de serviços, configura um "numerus clausus" de causas impeditivas e, consequentemente, obsta a que o artigo 10º, nº1 da Lei 109/1994, substituído pelo artigo 34º, último paragrafo, do Decreto-Lei n.º136/06 proíba a participação simultânea num concurso de empresas que se encontrem, entre si, em relação de domínio" (sublinhado nosso).
Escreve ainda a Mmª Juíza " a quo" que " seria contrário a uma aplicação eficaz do direito comunitário excluir, sistematicamente, empresas associadas entre si de participar num mesmo processo de adjudicação de um contrato público. Com efeito, tal solução reduziria consideravelmente a concorrência a nível comunitário".
Nesta linha de orientação, conclui a Mmª Juíza do TAF de Sintra que " é muito claro para o Tribunal de Justiça que o mero facto de existir uma relação de domínio, indesmentível neste caso face ao facto de o capital social da Autora e da concorrente I.......... ser detido em 100% pela T..........., SGPS, não constitui razão suficiente para que se conclua que esse facto teve importância no conteúdo das propostas".
Salvo o devido respeito, discordamos do entendimento perfilhado na decisão " a quo".
A nosso ver, e de acordo com o parecer do Ministério Público, o artigo 29º, parágrafo primeiro, da Directiva 92/50/CEE, de 18 de Junho de 1992, do Conselho, para além das causas de exclusão nela previstas, não impede os Estados membros de preverem outras, desde que destinadas a garantir o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.
E foi essa a finalidade visada pela exclusão da recorrente e do I.......... do procedimento.
Com efeito, aquelas concorrentes, apesar de juridicamente distintas, são consideradas sociedades coligadas para efeitos concursais e de concorrência, por se encontrarem em situação de relação de grupo, sob domínio total da "T..........." (cfr. artigos 481º, n.º1, 482º, alínea c) 488º , 491º e 5003º do Código das Sociedades Comerciais). Deste modo, como diz ainda o Ministério Público, "formam uma única empresa, dispondo " a priori" no concurso, de uma nitidamente dupla e confortável vantagem, relativamente a todos os demais concorrentes, que se viram confinados a uma única proposta". E, como essa situação envolvia inobservância do artigo 14º do Programa do Concurso e do artigo 59º n.º7 do Código dos Contratos Públicos, as respectivas propostas teriam forçosamente de ser excluídas, ao abrigo dos artigos 146º, n.º2, al.i) e 70º, n.º1, alínea g) deste diploma.
Em segundo lugar, é de referir que esta questão não é nova no TCA-SUL.
No acórdão de 29.01.2009, Proc. n.º4105/08 escreveu-se que "(...) a prática concertada entre duas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes, (...) ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectivas propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito dessa conjugação das propostas ".
Em suma, pode concluir-se que o facto de a Autora e da I.......... pertencerem ao mesmo grupo de sociedades coligadas - T..........., S.A. (S.G.P.S.), em domínio total inicial, consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, previstos no n.º4 do artigo 1º do Código dos Contratos Públicos.
Com efeito, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491º do Código das Sociedades Comerciais, a T..........., S.A. (S.G.P.S.) tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas (à recorrida e à I..........), como expressamente resulta do artigo 503º do Código das Sociedades Comerciais, o que implica uma direcção económica e comum.
É, pois, inequívoco que a sentença recorrida, além de ser omissa em relação ao regime jurídico resultante do Título VI (Sociedades coligadas) do Código das Sociedades Comerciais, interpretou, incorrectamente, o disposto no n.º4 do artigo 1º, artigo 52º, artigo 53º, n.º7, artigo 59, alínea g) n.º3, artigo 70º e artigo 146, n.º2, alínea g) do Código dos Contratos Públicos.
4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e mantendo o acto de exclusão da recorrente e da I.......... do procedimento concursal.
Custas pela ora recorrente G......... em ambas as instâncias.
Lisboa, 31.08.2010
António A. Coelho da Cunha
Rogério Martins
Eugénio Sequeira