Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Abril de 2011 (proc. 7261/11)

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Sumário:

I - Se o Programa do Procedimento relativo a um concurso público para a realização de uma empreitada estabelece que todos os documentos que constituem a proposta devem ser redigidos em língua portuguesa, está sujeito a essa cláusula o plano de trabalhos junto com ela e que constitui um documento caracterizador dos seus atributos.
II - Apresentando o plano de trabalhos elementos gráficos com legenda integralmente redigida em língua inglesa, deve ser excluída a proposta respectiva, nos termos do art. 146º., nº 2, al. e), do C.C.P.
III - A caducidade da adjudicação não é susceptível de conduzir à anulação desta, constituindo uma ocorrência posterior a ela que tem de ser declarada pela Administração após a audição da adjudicatária e que tem como consequência a adjudicação à proposta classificada em lugar subsequente.
IV - Assim, além de a referida caducidade não constituir um vício do acto de adjudicação, não tem legitimidade para a arguír a recorrente cuja proposta foi excluída.

 

Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. A "M...... - Gestão, .............., Lda", com sede na Rua ............, 2, 2º Esq., em ............., inconformada com a sentença do TAF de Almada, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que intentara contra o Município da Moita e em que era contra-interessada a "............ S.A.", dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
"A) O que releva são os documentos caracterizadores dos atributos da proposta ou os documentos referentes a termos ou condições não sujeitas a concorrência, exigidos pelo procedimento. Se há documentos adicionais que não fazem parte destes dois grupos, eles não podem ser relevados. Não podendo ser relevados, é irrelevante se eles cumprem ou não as normas do concurso quanto à língua em que vêm redigidos;
B) O mesmo sucede tratando-se de partes de documentos, em concreto, de uma legenda que o programa do procedimento não exige e que não pode por isso ser relevada, como o não foi, até por terem sido avaliadas propostas sem legenda alguma menções que não são exigidas pelo programa do concurso, desnecessárias, facultativas, que não podem ser relevados para a apreciação das propostas nem determinar a exclusão de propostas;
C) Importa, por isso, para demonstrar a irrelevância da referida legenda, fazer constar da matéria dada como provada, por ter sido expressamente aceite como verdadeira pela entidade recorrida a seguinte factualidade:
i. No Plano de Trabalhos do concorrente ......... e .........., S.A., elaborado pelo mesmo programa, na 2ª folha ao final, consta também na legenda a expressão "External Milestone".
ii. Já no Plano de Trabalhos do concorrente V..........., elaborado pelo mesmo programa, não há legenda alguma no gráfico.
D) O art. 58º do CCP (que contém no seu art. 322º uma epígrafe em inglês), que tem paralelo nos arts. 139º nº 1 e 138º nº 3 do C.P. Civil, obrigando ao uso da língua portuguesa não veda a utilização de expressões em latim ou anglicismos;
E) Assim, nunca numa proposta redigida em língua portuguesa, a inclusão de uns poucos anglicismos na legendagem de um gráfico que não carece de legendagem para ser interpretado, cuja legendagem era facultativa e não poderia ser objecto de avaliação, poderia determinar a sua exclusão por não ter impedido ao júri e aos concorrentes nem a sua compreensão exacta nem a sua comparação com as demais propostas;
F) Não tendo o adjudicatário apresentado todos os documentos de habilitação no prazo fixado no programa do procedimento, do que nem deu conta até ao momento em que a própria A. o informa do facto, assim violando a Cl. 7ª nos 6.1, 6.2, 6.3 e 6.5 e o disposto no art. 86º, nº 1, do C.C.P., caducou já a adjudicação da sua proposta;
G) A concessão graciosa e espontânea pela entidade adjudicante de um prazo adicional que apenas poderia ser concedido em caso de justo impedimento, é ilegal por violar as normas do procedimento a que está obrigada, concretamente, a Cl. 8ª nº 1 e do mesmo que referem:
"1. A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresenta os documentos de habilitação dentro do prazo e nos termos da cláusula anterior.
2. Quando as situações previstas no número anterior se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, a entidade adjudicante deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação".

Nas respectivas contra-alegações, tanto o Município da Moita como a "Poligreen Engenharia, S.A." concluíram pela improcedência do recurso.

O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde concluíu que o recurso não merecia provimento.

Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2.1. Consideramos provados os seguintes factos:
a) Em 27/5/2010, foi publicado, na 2ª Série do Diário da República, nº 103, Parte L - Contratos Públicos, o anúncio de procedimento nº 2239/2010 relativo ao concurso público de empreitada de obras públicas, para a construção do Centro .............................;
b) O "Programa do Procedimento" era o constante de fls. 152 a 183 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
c) Em 16/7/2010, o Júri do Concurso elaborou o Relatório Preliminar constante de fls. 201 a 209 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se concluía que era parecer do júri que fosse considerada Vencedora a proposta apresentada pela ora recorrente, pelo valor de € 1.101.351,50;
d) Em 29/7/2010, o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final constante de fls. 212 a 218 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
"....
7. Ordenação final dos concorrentes
A ordenação final dos concorrentes foi alterada pela exclusão da proposta M............. - Gestão, ..............., Lda, passando a ser a seguinte a classificação e a ordenação final:
CONCORRENTES CLASSIFICAÇÃO
1º. ..............., SA 82,58
2º. Construtora .........., Lda. 80,40
3º. ............., Construções, SA 79,85
4º. José .......... e .........., SA 79,74
5º. V...... - Construção Civil, SA 73,95
6º. ........e ..........., SA 73,15
7º. V........, P........ e G...., Lda. 70,52
8. Conclusão
Após o exposto, é parecer do júri que seja considerada a proposta economicamente mais vantajosa a apresentada pela concorrente "P........... - Engenharia, S.A." pelo valor de € 1.245.844,31 (um milhão duzentos e quarenta e cinco mil oitocentos e quarenta e quatro euros e trinta e um cêntimos), acrescido de IVA de 6% e pelo prazo de 8 meses.
9. Nova audiência prévia (art. 148º, nº 2)
Ao abrigo do nº 2 do art. 148º do CCP irá o júri do procedimento efectuar nova audiência prévia, nos termos do art. 123º, por remissão do art. 147º, ambos do CCP, fixando em 5 dias o prazo para a pronúncia, por escrito, dos concorrentes";
e) A ora recorrente pronunciou-se sobre a sua exclusão, em sede de audiência prévia, nos termos constantes de fls. 219 a 230 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
f) Em 25/8/2010, o júri do concurso elaborou o segundo Relatório Final constante de fls. 234 a 244 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde deliberou manter a exclusão da proposta da ora recorrente e as conclusões e ordenação das propostas constantes do Relatório Final de 29/7/2010, propondo, assim, a adjudicação da empreitada à "P.............. - Engenharia SA", pelo valor de € 1.245.844,31;
g) A Câmara Municipal da Moita, na reunião de 1/9/2010, deliberou, por unanimidade, aprovar o Relatório Final referido na alínea anterior e a adjudicação da empreitada à "P............. - Engenharia, SA";
h) A deliberação referida na alínea anterior, que se designa na plataforma electrónica em uso pela entidade adjudicante por "intenção de adjudicação" foi disponibilizada na plataforma electrónica em 7/9/2010, juntamente com a notificação da contra-interessada para a apresentação dos documentos de habilitação;
i) Em 22/9/2010, verificou a entidade requerida que a contra-interessada não havia apresentado quaisquer documentos de habilitação referentes aos sub-empreiteiros propostos, do que informou a contra-interessada;
j) Em 22/9/2010, a contra-interessada solicitou a prorrogação do prazo para a entrega da documentação solicitada;
k) Nessa mesma data, a entidade requerida autorizou a prorrogação do prazo até ao dia 28/9/2010;
l) A contra-interessada remeteu o documento em falta o certificado de registo criminal de um dos dois gerentes de um dos subempreiteiros por si propostos em 27/9/2010;
m) Em 29/9/2010, os serviços da entidade requerida publicitaram a resposta da contra-interessada;
n) Nos documentos juntos à proposta da recorrente Plano de Trabalhos constam as expressões "task", "critical task", "progress", "milestone", "rolled to task", "rolled to task", "rolled up critical task", "rolled up milestone", "rolled up progresss", "split", "external task", "project summary", "group by summary" e "deadline", constando dos quadros de plano de mão de obra e de plano de equipamentos a expressão "task name";
o) No Plano de Trabalhos apresentado pelo concorrente "C........e C.........., S.A." consta da legenda a expressão "External Milestone" (Fls. 163 da 4ª pasta do processo administrativo apenso);
p) No Plano de Trabalhos da concorrente "Vamaro - Construção Civil, SA", não consta legenda alguma do gráfico (4ª pasta do processo administrativo apenso, fls. 78 e segs. da proposta dessa concorrente). x2.2. No processo de contencioso pré-contratual que intentou, a ora recorrente impugnou a deliberação, de 1/9/2010, da Câmara Municipal da Moita, que excluíu a proposta que apresentara ao concurso público para a empreitada do "Centro ..............." e adjudicou o contrato respectivo à "P............ - Engenharia, S.A.", pedindo que, com fundamento em vício de violação de lei, por infracção do art. 58º do C.C.P. e da Cláusula 10ª, nº 9, do Programa do Procedimento, fosse essa deliberação anulada.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente, por entender que, "constatada a utilização da língua inglesa na legenda de um documento que integra a proposta, cabia à entidade administrativa proceder à sua exclusão" e uma vez que a adjudicação não caducara, "sendo certo que a declaração de caducidade, com referência ao nº 1 do art. 86º do CCP, sempre careceria de ser declarada pela Administração, que tem na sua disponibilidade a prorrogação do prazo de apresentação dos documentos e após prévia audiência do adjudicatário".
Contra este entendimento, a recorrente, para além de impugnar a matéria fáctica considerada provada, invoca, fundamentalmente, que o art. 58º, do C.C.P., não veda a utilização de expressões em latim ou anglicismos e que, não tendo o adjudicatário apresentado todos os documentos de habilitação no prazo fixado no programa do procedimento, caducou a adjudicação.
Considerando-se assistir-lhe razão quanto à impugnação da decisão de facto motivo por que se aditou as atrás referidas als. o) e p) aos factos que a sentença deu por provados, por poderem revestir algum interesse em face das soluções plausíveis da questão de direito , analisemos as demais questões suscitadas.
O art. 58º, do C.C.P., estabelece que os documentos que constituem a proposta são obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa, embora permita que o programa do procedimento admita que alguns documentos sejam redigidos em língua estrangeira, indicando quais os idiomas admitidos.
O nº 9 da Cláusula 10ª do Programa do Procedimento em causa nos autos dispunha que "todos os documentos que constituem a proposta devem ser redigidos em língua portuguesa".
Assim, não há dúvidas que, na situação em apreço, o plano de trabalhos junto com a proposta da recorrente tinha de se mostrar redigido em língua portuguesa, sob pena de exclusão da sua proposta, nos termos do art. 146º, nº 2, al. e), do C.C.P.
Mas a questão que se coloca é a de saber se está sujeita a essa sanção um plano de trabalhos redigido em língua portuguesa, mas que contém um gráfico que tem no final uma legenda em Inglês (cfr. al. n) dos factos provados).
Alega a recorrente que a concorrente "V........... - Construção ........, S.A." nem sequer apresentava legenda no seu Plano de Trabalhos, o que demonstraria a irrelevância desta. Por isso, à luz da doutrina do Ac. deste Tribunal de 18/11/2010 Proc. nº 06724/10, a legenda em língua estrangeira, tal como a sua falta, não justificaria a exclusão da proposta.
No mencionado Ac. deste Tribunal escreveu-se o seguinte:
"(...) Se um dos concorrentes apresentou documentos para além dos exigidos para a apreciação dos atributos da proposta em língua não admissível, tais documentos, porque pela sua natureza não podem nunca relevar para efeitos da avaliação da proposta, não devem justificar a exclusão dessa proposta. O que releva são os documentos caracterizadores dos atributos da proposta ou os documentos referentes a termos ou condições não sujeitas a concorrência, exigidos pelo procedimento. Se há documentos adicionais que não fazem parte destes dois grupos, eles não podem ser relevados. Não podendo ser relevados, é irrelevante se eles cumprem ou não as normas do concurso (...)".
O trecho que ficou transcrito é demonstrativo que a situação que esteve na base da decisão não tem qualquer analogia com a que está em causa nos presentes autos. Efectivamente, o que está em questão não é um documento que não pode ser relevado para apreciação dos atributos da proposta (e se não pode ser relevado para o "bem", compreende-se que também o não deva ser para o "mal"), mas o plano de trabalhos que é um documento caracterizador dos atributos da proposta (cfr. art. 57º, nº 2, al. b) e 361º, nº 1, do C.C.P.) que no procedimento em causa devia ser apresentado com esta e constituía mesmo um subfactor do factor "Qualidade Técnica da Proposta" de apreciação do critério de adjudicação (cfr. Cláusulas 10ª, nº 2, al. e) e 14ª, pontos 14.4 e 14.4.2, do Programa do Procedimento).
Assim, se nada obstava à apresentação de elementos gráficos sem legenda (por a leitura daqueles não implicar o recurso a esta), no caso de esta constar do plano de trabalhos estava sujeita às mesmas regras a que obedecia a redacção deste. É que se as propostas têm de ser claras e se a recorrente entendeu que para a leitura do gráfico era necessária a legenda, teria esta de ser redigida em língua portuguesa.
Também não assiste razão à recorrente quando invoca que, no caso, se está perante a mera utilização de "anglicismos" que não é vedada pelo art. 58º do C.C.P.
Efectivamente, se, para não dar azo a subjectivismos, se deve entender que o art. 58º exige que a proposta e os documentos que a instruem sejam integralmente redigidos em língua portuguesa e que não proíbe a utilização de uma ou outra expressão isolada em língua estrangeira, já não se pode considerar como tal a situação em apreço, onde a legenda do gráfico está totalmente redigida em língua inglesa.
Assim, tal como considerou a sentença recorrida, na esteira do Ac. do TCA - Norte de 26/1/2006 Proc. nº 00980/05.0BEBRG, que decidiu um caso idêntico ao dos autos, afigura-se-nos que constitui fundamento de exclusão de proposta concursal o facto de em documento integrante do plano de trabalhos constarem palavras e expressões em língua inglesa, independentemente da maior ou menor intelegibilidade desse documento.
Finalmente, quanto à alegada caducidade da adjudicação, deve-se notar, em primeiro lugar, que ainda que a mesma se verificasse não constituía um vício da deliberação impugnada susceptível de conduzir à sua anulação, mas uma ocorrência posterior que teria de ser declarada pela Administração após a audição da adjudicatária (cfr. art. 86º, nº 2, do C.C.P.) e, em segundo lugar, que, tendo ela como consequência a adjudicação à proposta classificada no lugar subsequente (cfr. nº 4 do aludido art. 86º), a recorrente cuja proposta foi excluída não teria legitimidade para a arguír na acção de contencioso pré-contratual por nenhum benefício poder dela retirar.
Portanto, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente, devendo, por isso, ser confirmada.
3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, nos termos da Tabela II anexa ao R.C.P. xEntrelinhei: deve entender que xLisboa, 28 de Abril de 2011
as. ) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Ferreira Belfo Pereira
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo (em substituição)