Sumário:
1. Uma vez esgotado o prazo de apresentação das candidaturas, o candidato não pode prevalecer-se dos esclarecimentos sobre o documento de habilitação que entregou com a proposta, para dotar a sua posição jurídica do factor de aptidão financeira exigido, seja por lei seja pelo programa, que não documentou por incorporação no procedimento até ao termo de apresentação das candidaturas.
2. O ónus de esclarecimento sobre o conteúdo das peças do procedimento corre pelo lado dos candidatos interessados, não pelo lado da entidade adjudicante.
3. O artº 183º CCP tem por objecto esclarecimentos que o júri entenda pedir caso, do seu ponto de vista, os considere necessários à clarificação do conteúdo da documentação apresentada pelo candidato conjuntamente com a proposta.
Texto Integral:
A Agência Nacional de Comprar Públicas EPE, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:
1. Resulta evidente das regras fixadas no PC que as candidaturas - a apresentar até às 17 horas do dia 30.06.2010 (prazo prorrogado) - teriam de ser instruídas, sob pena de exclusão, com os documentos indicados no art. 10.° do PC, para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira definidos no art. 7.° do PC.
2. A exclusão das candidaturas deve ser, obrigatoriamente, proposta pelo Júri do Concurso no relatório preliminar da fase de qualificação (bem como no relatório final), a aprovar pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso, o Conselho de Administração da Recorrente.
3. Pese embora a Recorrida ter apresentado a candidatura antes de terminar o prazo fixado para o efeito, o certo é que a sua candidatura não foi instruída com as declarações de IES referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, em clara violação, pois, dos arts. 10.°, n.° 1, al. a), e 11.°, n.° 1, do PC, conforme se encontra provado nos autos.
4. Entendeu o Tribunal a quo que, no caso vertente, impunha-se decisão diferente por parte do Júri do Concurso: ao invés da exclusão, deveriam ter sido solicitados esclarecimentos à Recorrida sobre os documentos apresentados na respectiva candidatura.
5. Para sustentar a decisão recorrida, o Tribunal a quo invoca o art. 47.° da Directiva 2004/18, de 31 de Março (relativo à "capacidade económica e financeira" dos candidatos/concorrentes), directiva essa transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o CCP.
6. Ao contrário do que se deixa subentendido na sentença recorrida, e como decorre do enunciado que se fez no ponto II das presentes alegações, aquele ónus foi cumprido pela Recorrente, uma vez que, no PC, exigiu expressamente aos candidatos a apresentação das declarações l ES (entre outros documentos de candidatura).
7. Assim sendo, qualquer interessado não "residente" em Portugal poderia, no momento procedimentalmente adequado, ou seja, em sede de pedidos de esclarecimentos sobre as peças do Concurso, questionar o Júri do Concurso sobre quais os elementos alternativos que poderia apresentar para comprovar os requisitos mínimos de capacidade financeira. Isto, claro está, no caso de não poder satisfazer os requisitos documentais exigidos pela Recorrente, designadamente por não existir documento equivalente no seu país de origem.
8. Todavia, ficou provado nos autos que em Espanha é emitida a declaração modelo 200, a qual equivale, para todos os efeitos legais, à "nossa" declaração IES.
9. Refira-se - porque tal foi totalmente olvidado na sentença recorrida - que a prova da capacidade económica e financeira por qualquer outro documento, que não o exigido nas peças do procedimento - teria, em primeiro lugar, de ser justificada - o "motivo fundamentado" - e, em segundo lugar, essa justificação teria de ser apreciada e aceite pela "entidade adjudicante", ficando sempre sujeita a um juízo de "adequação", quer por parte do Júri do Concurso, quer, a final, pela própria Recorrente, conforme resulta manifesto do n.° 5 do citado art. 47.° da Directiva.
10. No caso vertente, a Recorrida, ciente de que os documentos que instruíam a sua candidatura não correspondiam aos que eram exigidos no PC, e não tendo procurado saber de antemão qual seria a posição do Júri sobre esses documentos, quis correr o risco de, sem "motivo fundamentado", apresentar documentos divergentes dos requeridos no PC, documentos esses que foram considerados "inadequados" pelo Júri do Concurso e, posteriormente, pela Recorrente, tudo conforme a lei.
11. Ao contrário do que se defende na sentença recorrida, a Recorrente não estava legalmente obrigada a publicitar quais os documentos que considera equivalentes à exigida declaração de IES, bem como a quaisquer outros documentos constantes do PC.
12. Tal obrigação não resulta, seguramente, do citado art. 47.° da Directiva, de 31 de Março - que, aliás, foi correctamente transposto nos arts. 164.° e ss. do CCP- porquanto aí se exige apenas que sejam especificados os elementos de referência escolhidos pela entidade adjudicante para prova da capacidade financeira dos candidatos.
13. E essa exigência foi, sem margem para dúvidas, cumprida pela Recorrente no PC.
14. O juízo sobre a "equivalência" ou "adequação" de outros elementos apresentados pelos candidatos, que não correspondessem às referências pedidas pela Recorrente, seria sempre emitido em função do caso concreto, podendo ocorrer em dois momento distintos: 1° - na resposta do Júri do Concurso aos pedidos de esclarecimentos formulados pelos candidatos sobre as peças do procedimento; ou 2° - na fase da apreciação e avaliação das candidaturas, momento em que o Júri avaliaria, numa primeira fase, o "motivo fundamentado" para apresentação de documentos divergentes dos requeridos no PC e, numa segunda fase, se os documentos eram, de facto, "adequados" para comprovar os requisitos de capacidade financeira exigidos no PC.
15. Afigura-se-nos, por isso, que não é legítimo exigir à Recorrente - nem a qualquer outra entidade adjudicante -, que, nos documentos que enformam os seus procedimentos pré-contratuais, elabore uma extensa lista com todos os documentos considerados equivalentes aos exigidos aos candidatos para comprovação dos requisitos de capacidade económica e financeira.
16. Isso não resulta da lei (nem tão pouco da citada Directiva), como, no caso vertente, não está em causa a falta de reconhecimento de equivalência da declaração modelo 200 espanhola, na medida em que a mesma não foi aceite somente por ter sido apresentada extemporaneamente.
17. Causou enorme perplexidade na Recorrente a afirmação contida na sentença recorrida de que a Recorrente "não indicou quais os elementos a retirar de tais declarações de IES que iria relevar para fazer a avaliação da capacidade financeira".
18. Com o devido respeito, que é muito, essa afirmação resulta de um gritante e manifesto lapso do Tribunal a quo, porquanto basta ler o n.° 2 do 7.° do PC - que aqui se dá por integralmente reproduzido - para, de imediato, se chegar à conclusão que a Recorrente indicou, expressamente, quais os campos da declaração IES que iriam ser utilizados para comprovar o preenchimento do requisito mínimo obrigatório de capacidade financeira.
19. Mais, para a pontuação dos candidatos que demonstrassem cumprir o requisito mínimo obrigatório de capacidade financeira, estabelece o n.° 15 do art. 8.° do PC, quais os campos da declaração IES que seriam considerados para da "cálculo da liquidez geral" dos candidatos, e respectiva avaliação da capacidade financeira e subsequente graduação dos candidatos.
20. Todos estes elementos vêm referidos, abundantemente, nas deliberações do Júri do Concurso que, por remissão, fundamentam o acto - mal - anulado pelo Tribunal a quo.
21. Assim, estamos perante um flagrante erro de julgamento, porquanto da matéria dada como provada, bem como dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, resultam elementos que impõem, obrigatoriamente, conclusão inversa à que chegou o Tribunal a quo na sentença recorrida.
22. No caso dos autos, o Júri avaliou da necessidade de pedir esclarecimentos à Recorrida sobre os documentos de candidatura, tendo concluído que tal era desnecessário porquanto, atendendo à natureza "particular" desses documentos, não poderiam ser retirados os elementos necessários para dar como preenchido o requisito mínimo de capacidade financeira previsto no PC.
23. Com efeito, no exercício de um poder/dever legal, o Júri considerou os documentos apresentados, sem "motivo fundamentado", pela Recorrida - e que não correspondiam aos que foram exigidos no PC - não eram "adequados" à comprovação do requisito mínimo de capacidade financeira, conforme resulta manifesto no ponto 3 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
24. Ademais, e repetindo, no PC exigia-se a apresentação de documentos "oficiais", o que foi cumprido por todos os candidatos qualificados, ao passo que a Recorrida se limitou a apresentar "documentos da sua autoria".
25. Na verdade, e conforme foi dado como provado pelo Tribunal a quo (cfr. ponto 20 da "fundamentação de facto"), "A A. na sua candidatura não apresentou as declarações de IES exigidas no PC nem declarações modelo 200, além de que nem todos os documentos de prestação de contas que entregou atestam a sua apresentação às autoridades fiscais espanholas, concretamente, os Livros de Inventário e Contas Anuais de 2008 (resposta ao quesito n.° 11)."- negrito nosso.
26. É fácil antever que, se o Júri do Concurso tivesse considerado válido um elemento - bastava um! - de uma declaração subscrita pela própria Recorrida - que, querendo, poderia ter apresentado a declaração modelo 200 espanhola - para comprovação do requisito mínimo de capacidade financeira, estaria, automaticamente, a conferir-lhe um tratamento privilegiado em face dos restantes candidatos, aos quais manteve, estoicamente, a exigência de apresentarem "documentos oficiais" (a declaração IES portuguesa),
27. Saliente-se: o Júri estaria a agir de modo diferente com a Recorrida sem qualquer "motivo fundamentado" que permitisse justificar essa conduta, o que, no limite, corresponderia a uma interpretação ilegal das normas do PC.
28. Conforme bem entendeu o Júri do Concurso, nunca um pedido de esclarecimentos poderia servir para a Recorrida suprir omissões da sua candidatura, tanto mais que, como se viu, estava em causa uma omissão determinante da exclusão da candidatura da Recorrida.
29. Ademais, a actuação do Júri do Concurso no procedimento pré-contratual está fortemente limitada também ao nível dos esclarecimentos a solicitar aos candidatos, designadamente sobre os documentos destinados à sua qualificação
30. O legislador nacional, em obediência ao comando comunitário, consagrou expressamente no art. 183.° do CCP a possibilidade de "o júri do procedimento (...) pedir aos candidatos quaisquer esclarecimentos sobre os documentos, da sua autoria, destinados à qualificação que considere necessários para efeitos da análise das candidaturas" - negrito nosso.
31. Ao mesmo tempo, limitou o sentido e alcance dos esclarecimentos a prestar, no caso, pelos candidatos: "os esclarecimentos (...) fazem parte integrante das respectivas candidaturas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem ou não visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea e) do n.° 2 do artigo seguinte." (cfr. n.° 2 do art. 183.° do CCP).
32. Esta foi também a conclusão a que se chegou na sentença recorrida (cfr. pág. 22), porquanto aí se diz "(...) a notificação em falta imputada à R., não poderia nunca servir para juntar as declarações modelo 200, relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, sem mais, como pretende a A. [ora Recorrida] (...), sob pena de violação do princípio da concorrência (...)", aludindo-se ainda ao "(...) atropelo de regras que propiciaria a desvalorização da inobservância de formalidades, em nome de razões substanciais."
33. Ora, sendo ponto assente que a declaração modelo 200 espanhola não pode ser tida em consideração no presente Concurso - por ter sido apresentada extemporaneamente -, não compreende a Recorrente como, ainda assim, o Tribunal a quo decidiu anular o acto impugnado.
34. Sobretudo se tivermos em conta que o Tribunal a quo entende que "o júri deveria ter pedido à A. esclarecimentos sobre os documentos da sua autoria, destinados à qualificação (...)".
35. É que, na verdade, na pág. 22, o Tribunal a quo havia dado como assente que "a A. não se propôs a si própria tal tarefa [a de demonstrar que o conteúdo dos documentos apresentados na candidatura permitiria obter os mesmos elementos que constam da declaração modelo 200], nem ao nível do procedimento concursal, nem na presente acção, não obstante ter formulado um pedido condenatório na prática de acto devido."
36. Segundo o Tribunal a quo, "(...) podia tê-lo feito, pois que, senhora dos elementos levados em linha de conta pela R., podia ter alegado que tais dados também poderiam ser obtidos através dos documentos que juntou."
37. Em suma: o Tribunal a quo reconhece expressamente que a Recorrida não só não instruiu correctamente a sua candidatura, como no decorrer dos presentes autos nunca se preocupou em demonstrar que os "dados [necessários e expressamente exigidos no PC] também poderiam ser obtidos através dos documentos que juntou",
38. Mas, ainda assim, entende que o Júri do Concurso é que deveria ter feito mais aquando da análise da candidatura da Recorrida, pedindo-lhe "esclarecimentos", transferindo-se, assim, de forma ilegítima, um ónus procedimental que deveria ter sido cumprido pela Recorrida para a esfera de actuação do Júri, uma vez que teria de ser o Júri a procurar esclarecer e complementar os dados constantes dos documentos juntos inicialmente, que, repita-se, não correspondiam aos exigidos no PC e a sua apresentação não foi acompanhada de nenhum "motivo fundamentado".
39. Como sublinhou o Tribunal a quo, ao longo do presente processo de contencioso pré-contratual, a aqui Recorrida nunca se preocupou em fazer essa demonstração.
40. Por essa razão, a Recorrente entende que se o Júri do Concurso for obrigado a ir tão longe, como ordena o Tribunal a quo, estará, no caso concreto, a violar o princípio da igualdade. Para o efeito, não basta ter em linha de conta os candidatos qualificados, mas também todos os outros candidatos que não apresentaram algum dos documentos exigidos no PC e foram excluídos por esse motivo!
41. Assim, entende à Ré que a sentença recorrida não se pode manter na ordem jurídica, por conter errada interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 do art. 183.° do CCP.
42. A manter-se a sentença recorrida, a Recorrente ver-se-á obrigada a exigir menos à Recorrida do que exigiu aos restantes candidatos do presente Concurso (recordamos que todos os candidatos qualificados apresentaram "documentos oficiais"), o que configura, para a Recorrente, um tratamento verdadeiramente desigual entre os candidatos, sem que haja fundamento material para tal.
43. Na verdade, a Recorrente irá "desaplicar" normas a que auto se vinculou.
44. Nestes termos, a sentença recorrida encerrada errada interpretação e aplicação dos arts. 7.°, 8.°, e 10.° do PC, bem como do art. 184.°, n.° 2, ai. l), do CCP.
45. Como se deixou bem patente, as normas aplicáveis à entrega das candidaturas e aos documentos que as acompanham, prevêem, expressamente, a cominação para a falta de algum dos documentos exigidos: a exclusão da candidatura.
46. E a exclusão da candidatura é obrigatoriamente proposta pelo Júri do Concurso, quer nos termos dos arts. 10.°, n.° 1, e 16.°, n.° 3, do PC, quer nos termos do art. 184.°, n.° 2, al. e), do CCP.
47. Trata-se, como é bom de ver, de um acto de conteúdo vinculado a praticar, quer pelo Júri
do Concurso, quer pelo órgão competente para a decisão de qualificar (no caso, o
Conselho de Administração da Recorrente), conforme entende a jurisprudência e a doutrina (cfr. respectivamente, o Acórdão do TCA Sul, de 25.01.2007, Proc. N.° 2205/09 in www.dgsi.pt ), e Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in "Concursos e outros procedimentos de Contratação Pública", Almedina, 2011, págs. 838, 839, 955 e 960)
48. Assim, na doutrina e na jurisprudência existe unanimidade no sentido de que a inobservância de um requisito das peças procedimentais é cominada com a exclusão das propostas ou das candidaturas, mediante uma decisão vinculada do Júri do Concurso, a que este não se pode subtrair, uma vez que deve obediência ao definido na lei e no PC.
49. Recorde-se que, no caso vertente, a Recorrida não invocou qualquer razão impeditiva de apresentar as declarações de IES, relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008, dentro no prazo fixado no PC.
50. Apesar de o PC exigir aqueles documentos, a Recorrida entendeu apresentar outros documentos, que nem sequer eram o "modelo 200" emitido pelas autoridades espanholas, mesmo tendo perfeito conhecimento de que esse documento equivale à pretendida declaração IES, conforme ficou provado no Tribunal a quo.
51. Ora, se na a) do n.° 1 do art. 10.° PC se exige aos candidatos a entrega de determinados documentos (declarações de IES relativas aos anos de 2006, 2007 e 2008), para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira indicados no art. 7.° do PC, e os candidatos apresentam outros documentos que não correspondem ao solicitado pela entidade adjudicante, esta situação tem de equivaler, por regra, à falta de apresentação dos documentos concretamente exigidos na referida a) do n.°1 do art. 10.° PC.
52. Aliás, afigura-se-nos que esta é a única interpretação que não coloca em causa a unidade e a coerência do sistema jurídico, sendo, por isso, imperioso equiparar a apresentação de documentos de candidatura desconformes com o exigido no programa de procedimento à falta de apresentação desses documentos no prazo fixado nesse programa.
53. Nestes casos - em que um documento destinado à comprovação da capacidade financeira não corresponde ao que foi exigido no programa do procedimento - é de concluir que o candidato incumpriu, no prazo legalmente fixado, o ónus a que estava obrigado em matéria de documentos que constituem a candidatura. Consequentemente, a sua candidatura deve ser excluída.
54. Face ao exposto, ficou demonstrado que o acto impugnado não padece do vício que determinou a sua anulação pelo Tribunal a quo.
NESTES TERMOS, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença de 20.07.2011, com as legais consequências.
A Informática A...SA - Sucursal em Portugal, ora Recorrida, contra-alegou concluindo como segue:
1. Está em causa nestes Autos a aplicação de Princípios Gerais da Actividade Administrativa previstos nos artigos 267º, nº 5 e 268° da CRP aos procedimentos de contratação pública, por via do artigo 2°, nº 5, do CPA, nas situações de candidaturas que sejam instruídas irregularmente
face ao previsto num Programa de Concurso;
2. Com efeito, provou-se que, no concurso dos Autos, a Recorrida não instruiu a sua candidatura com as declarações de IES referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, em desconformidade aos artigos 10°, nº l, alínea a) e 11°, nº l, do respectivo PC;
3. Ficou igualmente provado que a Recorrida não entregou as ditas declarações de IES em virtude de os Júris dos concursos aberto pela recorrente ANCP em 2008, e aos quais a Recorrida concorreu, terem aceite Balanços de Comprovação de Somas e Saldos para fazer a prova da capacidade financeira;
4. Comportamento este que gerou na Recorrida a convicção de que a Recorrente não iria pôr em causa os documentos anteriormente apresentados naqueles concursos;
5. Igualmente ficou provado que o Júri do Concurso não notificou a ora Recorrida para suprir quaisquer irregularidades dos documentos então apresentados para prova da sua capacidade financeira;
6. Assim, é a ausência desta notificação e a consequente omissão da apreciação da capacidade financeira da ora recorrida que têm de ser avaliadas face aos Princípios Gerais da Actividade Administrativa aplicáveis aos procedimentos de contratação pública, a saber, o Princípio
da Audiência Prévia e o Principio do Inquisitório, tudo por força do artigo 2°, nº5, do CPA;
7. Ora, muito embora a Recorrente ANCP se tenha esforçado por demonstrar perante este Tribunal ter o júri respeitado na íntegra as normas regulamentares do PC e das normas do CCP, a verdade é que a Recorrente ignorou que, por força do artigo 2°, nº 5, do CCP, o Júri está igualmente vinculado ao cumprimento dos Princípios Gerais da Actividade Administrativa previstos na Constituição e no CPA;
8. E a realidade é que, o Júri, escudando-se unicamente no cumprimento das normas do PC, ignorou tais Princípios, incorrendo assim na sua violação;
9. Assim, perante um candidato estrangeiro que tinha instruído a sua candidatura com documentos que não as declarações de IES, documentos unicamente exigíveis a candidatos Portugueses, o Júri não se podia ter recusado a avaliar a capacidade financeira da Recorrida sob o pretexto de, esta, ter apresentado documentos diferentes dos exigidos no PC;
10. Devia assim, ao abrigo dos arts. 2°, nº 5, 56°e 100° do CPA, notificar a Recorrida, na qualidade de candidato estrangeiro, para apresentar os documentos para prova da sua capacidade financeira que, em Espanha, fossem equivalentes às declarações de IES, fixando prazo para o efeito;
11. Se assim não fosse, podia também, ao abrigo dos artigos 2º, nº 5, 56º e 100° e seguintes do CPA, notificar a ora Recorrida para esclarecer o Júri sobre o conteúdo dos documentos apresentados com vista à avaliação da sua capacidade financeira, fixando prazo para o efeito;
12. Só no caso de a recorrida nada ter feito ou fazendo-o, não ter suprido as irregularidades e prestados os esclarecimentos solicitados, é que devia haver lugar à aplicação do artigo 184º, n°2, alínea l), do CCP, com a sua exclusão;
13. As notificações mencionadas nas conclusões 10a e 11a, se tivessem sido feitas pelo júri do concurso dos Autos, dariam cumprimento aos Princípios da Audiência Prévia e do Inquisitório, correspondendo ao que já foi decidido pelo STA em matéria idêntica à dos Autos;
14. Com efeito, o SIM, no seu Acórdão de 8/7/10, Prc. nº 0275/10, a propósito de uma declaração de caducidade por irregularidades nos documentos de habilitação, entendeu que, em nome dos Princípios da Concorrência e da Audiência Prévia, antes de ser decretada a caducidade por irregularidades nos documentos de habilitação, impõe-se dar ao respectivo concorrente oportunidade para ser ouvido e, se for caso disso, para as suprir em prazo razoável, e isto porque,
15. Segundo o STA, por imposição constitucional, tem de ser permitida aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre os actos que os afectam e consentir-lhes participar na formação da vontade final da Administração;
16. Ora, a sentença recorrida, embora não tenha invocado o Princípio da Audiência Prévia, veio defender e decidir que, em nome do Principio do Inquisitório, o Júri devia ter notificado a ora Recorrida para o esclarecer sobre o conteúdo dos documentos juntos com a sua candidatura com
vista à avaliação da sua capacidade financeira e,
17. Só em face da constatação de que os mesmos não forneciam os elementos de que necessitava para aplicar a fórmula de avaliação da capacidade financeira, proceder então à sua exclusão nos termos da alínea l), do n"2, do artigo 184° do CCP;
18. Assim, sob o ponto de vista do cumprimento de dois Princípios Gerais da Actividade Administrativa previstos na Constituição e no CPA, entre eles, o Princípio da Audiência Prévia, não há qualquer censura legal a fazer à sentença recorrida, pelo que a mesma deve manter-se na ordem jurídica.
Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:
1. Por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 12 de Maio de 2010, com o n° 201 O/S 92-138178 e no Diário da República, n° 90, 2a Série, de 10 de Maio de 2010, com o n° 1916/2010, a ora R procedeu à abertura do "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro de cópia e impressão" (Doe. l junto à p.i.).
2. Em 18/06/2010, pelas 16:26:03 horas, a A apresentou a sua candidatura na plataforma electrónica da ora R (Doc.2 junto à p.i.).
3. Em 9/8/2010 o Júri do concurso procedeu à elaboração do "Relatório preliminar da fase de qualificação, tendo aí feito constar, a págs. 77/81, relativamente à capacidade financeira da A, em síntese, o seguinte:
- (i) O candidato não demonstrou que os documentos contabilísticos por si apresentados em relação aos anos de 2006, 2007 e 2008 constituem, no país de origem, documento equivalente à declaração de IES
(ii) nem fez prova da sua validação pelas autoridades fiscais competentes no mesmo país, sendo certo que
(iii) a análise de cada uma dessas declarações apenas revela que os Livros de Inventário e Contas Anuais de 2006 e 2007 foram submetidos ao Registo Comercial de Madrid - Serviço de Legalização, mas não já os relativos ao ano de 2008 (Doe. 3 junto à p.i.) bem como " O candidato também não fez a correspondência entre os campos AO 109, AO112 e AO113 do modelo de declaração de IES para cálculo do EBITDA, conforme alínea a) do nºl do artigo 8° do PC e os campos dos mencionados livros onde poderiam ser encontrados os correspondentes dados relativos aos elementos relevantes nos termos do Anexo IV do CCP para apurar o EBITDA e verificar a expressão matemática que traduz o requisito mínimo obrigatório da capacidade financeira exigido pelo CCP. A este propósito, o candidato limitou-se a elaborar e subscrever, através do seu representante legal, a "Declaração capacidade financeira", já mencionada na alínea c), na qual inscreve valores de EBITDA sem, no entanto, identificar os valores parciais utilizados, nem informar os documentos de onde os extraiu. "
4. O Júri propôs a exclusão da ora A por não ter apresentado nenhum documento comprovativo nem do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade financeira a que se refere o n° 2 do artigo 165° do CCP e são fixados no n°2 do artigo 7° do PC, nem do preenchimento do requisito alternativo de capacidade financeira a que se referem a alínea a) do n°3 do artigo 179° do CCP e o n°3 do artigo 7° do PC. (Doc.3 junto à p.i.).
5. Em resposta à proposta de exclusão contida no Relatório, a ora A, em 16/8/10, veio dizer, em síntese, o seguinte:
- Se o Júri entendia que os documentos apresentados pela então exponente não eram
idóneos para cumprir com algum dos requisitos previstos no PC, deveria tê-la notificado para suprir a irregularidade que estivesse em causa, concedendo-lhe prazo para o efeito;
- Tendo a então exponente apresentado documentos para prova da sua capacidade
financeira que já tinha apresentado noutros procedimentos concursais abertos pela ANCP, e sem que esses mesmos documentos tivessem sido questionados pela ANCP, não se compreendia porque é que agora tais documentos não eram aceites para prova da capacidade financeira da IECISA. (Doe. 4 junto à p.i.);
6. O júri não notificou a A. para suprir quaisquer irregularidades dos documentos apresentados por esta com vista à demonstração da sua capacidade financeira (resposta ao quesito n.° 1);
7. A A, na sua resposta, datada de 16.8.2010, requereu a junção de documentos que constituíam o modelo 200 das Finanças espanholas, modelo este considerado como equivalente ao IES (Does. 5, 6 e 7 juntos à p.i.);
8. O modelo 200 foi emitido pela Administração Tributária espanhola, obedecendo às directrizes comunitárias, estando em condições de poder ser aceite como documento idóneo em todos os países membros da União Europeia (Doc.4 junto à p.i.);
9. Com base neste documento é possível fazer a aludida correspondência entre os campos AO 109, AO 112 e AO 133 do modelo de declaração do IES para cálculo do EBITDA, de acordo com o disposto na alínea c) do n°l do artigo 8° do PC e os campos dos livros onde poderiam ser encontrados os correspondentes dados relativos aos elementos relevantes nos termos do Anexo IV do CCP para apurar o EBITDA e verificar a expressão matemática que traduz o requisito mínimo obrigatório da capacidade financeira exigido pelo CCP (Doe.4 junto à p.i.);
10. O modelo 200 apresentado pela A. aquando da apresentação da sua resposta em sede de audiência prévia de interessados, abrangia os anos de 2006, 2007 e 2008 e permitia aplicar a fórmula prevista no anexo IV do CCP bem como o modelo de avaliação constante do art.° 8.° do Programa de Concurso (resposta ao quesito n.° 2);
11. Em 25/8/10 o Júri do Concurso procedeu à elaboração do Relatório Final da Fase de Qualificação, tendo aí deliberado, relativamente à candidatura da ora A e aos documentos
que tinha apresentado na sua resposta que:
- Entende o Júri não ter ocorrido a necessidade de solicitar qualquer esclarecimento porquanto não existia qualquer circunstância que a isso conduzisse, sendo certo que, nos termos do n°2 do artigo 183° do CCP, nunca eventuais esclarecimentos poderiam ter conduzido à substituição dos documentos da candidatura e à entrega de novos documentos para suprir as omissões que determinaram a exclusão daquela.
A não legitimação pelo CCP da entrega pelo candidato e por conseguinte da possibilidade de aceitação pelo júri de novos documentos em momento posterior ao da apresentação da candidatura constitui a garantia de que são respeitados os princípios da igualdade e da imparcialidade em relação a todos os interessados, não sendo facultado a qualquer deles
a alteração da respectiva candidatura.
Cabe salientar que, em face das faculdades concedidas aos interessados pelo n° 2, do artigo 183° do CCP no âmbito da prestação de esclarecimento, o momento temporal relevante para efeitos de exclusão imposta pela alínea e) do n°2 do artigo 184° do mesmo código não é o da emissão dos documentos que constituem a candidatura, mas sim o da sua entrega no procedimento concursal, sendo irrelevante a anterioridade daquela data em relação ao termo do prazo para a apresentação da mesma, ou as razões pelas quais o interessado não os tenha apresentado tempestivamente. (Doe.5 junto à p.i.), pelo que, entendeu manter a sua proposta de exclusão da ora A do concurso em causa (Doe.8 junto à p.i.);
12. O júri não apreciou a capacidade financeira da A. com base nos documentos apresentados aquando da sua candidatura, sendo que apenas o documento relativo ao ano de 2006 fora apresentado junto da Ré e por esta aceite, em quatro concursos públicos anteriores, abertos em 2008 (resposta ao quesito n.° 3);
13. O Júri também ignorou o que foi invocado pela ora A na sua resposta de 16/8/10 relativamente aos documentos que esta tinha apresentado para prova da sua capacidade financeira, pois, tais documentos eram exactamente os mesmos que a ora A tinha apresentado noutros concursos anteriormente abertos pela R ANCP (resposta ao quesito n.° 4);
14. Os júris dos concursos ANCP-AQ-PEC12008, ANCP-AQ-C12008, ANCP-AQ-EI- II 2008 e ANCP-AQ-2008LS (Does. 9,10,11 e 12), abertos no ano de 2008, anteriormente à entrada em vigor do CCP, aceitaram Balanços de Comprovação de Somas e Saldos para fazer a prova da capacidade financeira da A. (resposta ao quesito n.° 5);
15. O referido comportamento da Ré gerou na A. a convicção de que a Ré não ia por em causa os documentos apresentados no procedimento concursal em apreço (resposta ao quesito n.° 6);
16. A candidatura apresentada a Concurso não foi instruída com as declarações de IES referentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, em clara violação, pois, dos arts. 10.° n.° l, al. a), e 11.°, n.° l, do PC (resposta ao quesito n.° 7);
17. O júri considerou que os documentos apresentados pela A. aquando da sua candidatura, não são documentos equivalentes às declarações de IES (resposta ao quesito 8);
18. O júri não atendeu à declaração apresentada pela A. na sua candidatura por a mesma não indicar a origem dos valores aí apresentados, o que impediu a confirmação dos mesmos (resposta ao quesito n.° 9);
19. Em todo o caso, a A. não demonstra o alegado cumprimento do requisito de capacidade financeira (resposta ao quesito n.° 10);
20. A A. na sua candidatura não apresentou as declarações de IES exigidas no PC nem declarações modelo 200, além de que nem todos os documentos de prestação de contas que entregou atestam a sua apresentação às autoridades fiscais espanholas, concretamente, os Livros de Inventário e Contas Anuais de 2008 (resposta ao quesito n.° 11);
21. Por deliberação tomada em 20/9/10, o Conselho de Administração da ora R, ANCP, aprovou o Relatório Final do Júri, com a qualificação dos candidatos aí referidos e a consequente exclusão da candidatura da ora A (Doe. 13), (deliberação esta objecto da presente impugnação).
DO DIREITO
O caso presente respeita ao procedimento do concurso público limitado para a formação de acordo-quadro plural de 2 anos tendente à aquisição futura dos bens móveis e serviços nele especificados, no caso, cópia e impressão, tendo como questão central da controvérsia trazida a recurso o regime legal em matéria de esclarecimentos sobre a documentação habilitante da capacidade financeira dos candidatos definida no programa do procedimento, conexionada com os requisitos de apresentação e prazo de entrega de tais documentos.
De acordo com o CCP apenas no concurso limitado por prévia qualificação se aprecia a capacidade técnica e/ou financeira dos candidatos, sendo uma evidência que a opção por esta modalidade pelo legislador nacional seguiu de par e passo com a intenção do legislador comunitário "(..) de que os procedimentos de contratação pública levem à escolha de empresas capazes, que garantam a correcta execução das suas propostas. Assim o artº 44º da Directiva 2004/18/CE - que tem por epígrafe «verificação da aptidão, selecção de participantes e adjudicação dos contratos» - determina que a adjudicação em concursos se faça não apenas depois de demonstrada a habilitação, mas igualmente depois de verificada a «aptidão (..) de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira , aos conhecimentos profissionais e técnicos referidos nos artºs. 47º a 52º»(..)situações [em] que as entidades adjudicantes prudentes não poderiam prescindir da apreciação da capacidade, pelo que o centro de gravidade dos procedimentos concursais se deslocaria para o concurso limitado. (..)" (1)
O que significa que "(..) a obrigação ou dever de apresentação e exibição de documentos de habilitação dos concorrentes foi estabelecida, pela lei, no interesse da Administração (permitindo a esta aferir da idoneidade e capacidade daqueles que se pretendam apresentar a concurso) e não no interesse dos concorrentes. - [58] A posição da concorrência em relação àquela exigência administrativa é juridicamente protegida, é óbvio; mas não foi o interesse da concorrência que levou a lei a criar aquela formalidade, a exigir aqueles documentos aos particulares - foi sim no interesse da Administração em ter informação adequada sobre os seus concorrentes. Não se trata, pois, de um direito subjectivo dos concorrentes, mas de um seu interesse reflexa ou indirectamente protegido. - Estabelecido em favor da concorrência é, sim, que todos os candidatos disponham das mesmas condições para documentar e formular as suas propostas e de as terem, também, para consultar a documentação de outros concorrentes com o fim de aferir da admissibilidade da candidatura de cada um em conformidade com os termos do concurso. Aqui sim, as exigências da lei são estabelecidas no interesse de terceiros, não no interesse da Administração: são, portanto, essenciais, inderrogáveis em quaisquer circunstâncias. (..)" (2)
a) documentação referente à capacidade financeira;
Dispõe o artº 168º nº 1 CCP que a candidatura é constituída pelos documentos destinados à qualificação dos candidatos, sendo que em causa está o documento denominado de Informação Empresarial Simplificada (IES) criado pelo artº 1º nº 1, DL 08/07 de 17.01, que "consiste na prestação da informação de natureza fiscal, contabilística e estatística respeitante ao cumprimento das obrigações legais referidas no nº 1 do artº 2º, através da declaração única transmitida por via electrónica." - vd. artº 1º nº 2, DL 08/07.
Dentre essas obrigações legais importa para o caso a referente à "entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal prevista na al. c) do nº 1 do artº 109º do CIRC" - vd. artº 2º nº 1 b), DL 08/07 - sendo que estas obrigações declarativas do citado artº 2º nº 1 "são exclusivamente cumpridas através da entrega da IES" - vd. artº 2º nº 3 DL 08/07.
De modo que o documento em causa materializa o cumprimento de obrigações de natureza declarativa fiscal a cargo do sujeito passivo de imposto em sede de IRC, nomeadamente, a cargo de entidade não residente com estabelecimento estável (artº 5º do CIRC) em território português a que seja imputado o lucro tributável (artº 50º do CIRC), como é o caso da ora Recorrida, dada a sua qualidade de entidade não residente tributada pelos rendimentos obtidos em território português pelo exercício, a título principal, de actividade comercial através de sucursal, sendo esta instalação subsumível no conceito fiscal de estabelecimento estável.
De toda a informação documentada constante dos autos, nomeadamente a carreada pelas partes, nada permite concluir que a ora Recorrida, Informática A...SA - Sucursal em Portugal, com o número de identificação fiscal português NIPC 980 079 659, esteja dispensada pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos de entregar a Informação Empresarial Simplificada (IES) a título de obrigação declarativa acessória.
A questão que se pode suscitar na economia do procedimento concursal em causa, é que, sendo a ora Recorrida uma entidade estrangeira operando em Portugal através de sucursal, poder-se-ia prevalecer do modelo instituído pelas autoridades tributárias do Estado de origem da casa-mãe, documento esse cujo conteúdo informativo contabilístico e fiscal contém e comprova o elenco de menções obrigatórias exigidas pela apresentação da Informação Empresarial Simplificada (IES), ou seja, dito de outro modo, a ora Recorrida, Informática A...SA - Sucursal em Portugal poderia ter entregue como documentação da candidatura comprovativa da capacidade financeira no período definido no programa do concurso para a entrega das candidaturas - até, 30.06.2010 - o mod. 200 das Finanças de Espanha de que fez junção ao procedimento em 16.08.2010 no uso do direito de audiência prévia na sequência da notificação do Relatório Preliminar do Júri na fase de qualificação com proposta de exclusão da candidatura fundada nos termos conjugados dos artºs. 184º nº 2 e) e 185º CCP, documentação junta aos autos a fls. 131 a 193 e a que se referem os itens 3, 4, 5 e 7 do probatório.
Convém, todavia, esclarecer que a informação contabilística e fiscal que resulta do conteúdo do citado mod. 200 das Finanças de Espanha dos anos de 2007, 2006 e 2008, respectivamente, é relativo à empresa-mãe sedeada em Espanha, a Informática El Corte Ingles SA, e não à sucursal operante em Portugal, o que significa que a ora Recorrida estaria - e podê-lo-ia ter feito logo no período de entrega das candidaturas -, a invocar directamente a capacidade financeira de terceiros à luz do disposto no artº 47º nº 2 da Directiva 2004/18. (3)
De acordo com o citado probatório, a documentação habilitante das candidaturas em ordem a aferir da qualificação dos candidatos e exigida pelo artº 10º nº 1 a) e nº 2 do programa do concurso público limitado em causa nos autos, é a declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES) referente aos anos contabilísticos de 2006, 2007 e 2008 tendo por finalidade permitir à entidade adjudicante aferir da "aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar." - vd. artº 165º nº 3 com remissão para o nº 4 do artº 164º, do CCP.
b) esclarecimentos sobre as peças do procedimento e documentos da candidatura;
Vem a propósito referir duas questões em matéria de esclarecimentos, uma (i) sobre as peças do procedimento e outra (ii) sobre os documentos da candidatura.
Quanto à primeira, por conjugação do disposto nos artºs. 50º nºs. 1 e 2 e 166º nº 1 CCP, os esclarecimentos das peças do procedimento na fase de qualificação podem ser solicitados por escrito pelos candidatos no "primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas" devendo ser dada resposta por escrito pela "entidade para o efeito indicada no programa competente até ao termo do segundo terço" do dito prazo.
O que significa que o ónus de esclarecimento sobre o conteúdo do programa do concurso limitado, para o caso que importa no tocante aos requisitos de capacidade financeira nesta fase da apresentação de candidaturas e qualificação dos candidatos, corre pelo lado dos candidatos interessados, não pelo lado da entidade adjudicante, o que não significa que a Administração esteja impedida de prestar oficiosamente esclarecimentos sobre as peças concursais patenteadas, nem isenta de consequências no domínio jurídico em caso de deficiências a si imputáveis, nomeadamente, de clareza do programa do concurso.
Relativamente aos esclarecimentos sobre os documentos da candidatura, o artº 183º nº 1 CCP expressamente autoriza o júri a "pedir aos candidatos quaisquer esclarecimentos sobre os documentos, da sua autoria, destinados à qualificação que considere necessários para efeitos da análise das candidaturas."
A previsão deste artº 183ºCCP tem por objecto esclarecimentos que o júri entenda pedir por, do seu ponto de vista, ou seja, no âmbito da sua margem de apreciação, os considerar necessários à clarificação do conteúdo da documentação apresentada conjuntamente com a proposta, documentação essa pela qual o candidato fundamente, do seu ponto de vista, o preenchimento dos requisitos habilitacionais exigidos na lei e/ou no programa do concurso, pelo que se trata de documentação que, na exacta medida do respectivo conteúdo, permite ao júri avaliar da capacidade técnica e/ou financeira do candidato que os apresentou ao procedimento.
Temos, assim, que o domínio próprio deste normativo se cinge à fase de qualificação dos candidatos, artº 163º a) CCP, insusceptível de ser alargado à subsequente fase de análise das propostas, não apenas porque esta só tem início com o convite aos candidatos qualificados, artºs. 163º b) e 189º nº 1 CCP, mas porque a solicitação e prestação de esclarecimentos sobre as propostas tem um regime legal próprio, constante do artº 72º CCP, na medida em que se trata de "(..) matéria de alta sensibilidade concorrencial, situada nas fronteiras do (praticamente) inviolável princípio da intangibilidade das propostas, por se tratar de um instrumento, esse do seu esclarecimento, que desemboca ou pode desembocar de maneira fácil, consciente ou inconscientemente, numa adaptação ou ajustamento da proposta que torne válido ou valioso aquilo que não o era ou não parecia tanto assim (..) A ideia essencial deste preceito é, portanto, a de que os esclarecimentos são isso mesmo, algo (uma informação ou explicação, etc.) destinado a aclarar, a tornar claro, congruente ou inequívoco um elemento que na proposta estava (ou parecia estar) apresentado ou formulado de modo pouco claro ou menos apreensível, não percebendo o júri (ou não percebendo ele seguramente) o que aqui se queria dizer. (..)" (4)
Na medida em que a candidatura é constituída pelos documentos que incorporam declarações de vontade negocial, documentos há cuja essencialidade procedimental é erigida a um patamar de cominação de exclusão da proposta ou da candidatura na hipótese de não apresentação no prazo, documentos esses que o CCP define muito claramente por conjugação do disposto nos artºs. 57º nº 1, 146º nº 2 d) e 184º nº 2 e) CCP.
Por isso, os esclarecimentos sobre documentos das candidaturas não podem extravasar o conteúdo próprio do que se entende por "esclarecer" que é tornar claro, inequívoco e congruente o texto das declarações de vontade negocial apresentado pelo candidato que, através desses documentos, manifesta a sua vontade de se qualificar no procedimento, afirmando, mais uma vez, através desses documentos que está habilitado do ponto de vista da capacidade técnica e/ou financeira exigidos pela lei e/ou pelo programa do concurso.
De modo que, uma vez esgotado o prazo de apresentação das candidaturas, o candidato não pode prevalecer-se dos esclarecimentos sobre o documento de habilitação que entregou com a proposta, para dotar a sua posição jurídica do factor de aptidão financeira exigido, seja por lei seja pelo programa, que não documentou por incorporação no procedimento até ao termo de apresentação das candidaturas. (5)
No concurso limitado o artº 184º nº 2 e), 1ª parte, CCP comina com a exclusão a candidatura (estamos, pois na fase da qualificação dos candidatos, artº 163º a) CCP) que não seja constituída com todos os documentos exigidos.
Excepciona a lei desta cominação de exclusão os documentos "que se refiram ao requisito de capacidade financeira previsto no nº 2 do artº 165º" [vd. artº 184º nº 2 e) CCP, referindo-se aquele normativo ao "requisito mínimo traduzido na expressão matemática constante do anexo IV do presente Código", fórmula V x t < R x f ] na condição de "que tenha sido apresentado um dos documentos previstos no nº 3 do artº 179º.".
Deixando de lado a hipótese legal de candidatura de um agrupamento porque não vem ao caso, a remissão expressa do artº 184º nº 2 e) para o artº 179º nº 3 a) significa que, em vez de preencher o mínimo obrigatório de capacidade financeira através da citada fórmula matemática do anexo IV do CCP, o candidato pode optar por comprovar a capacidade financeira mediante apresentação de declaração bancária no modelo do anexo VI do CCP, em que a instituição bancária se obriga perante o candidato e a entidade adjudicante a pôr à disposição todos os meios financeiros necessários ao integral cumprimento do contrato a celebrar.
O regime dos artºs 166º nº 1, 183º nº 1 e 184º nº 2 e), CCP em matéria de esclarecimentos sobre as peças do procedimento e sobre documentos das candidaturas e de exclusão destas com fundamento na falta de documentos legalmente exigidos, tem implicações no caso concreto em sentido contrário ao sustentado pelo Tribunal a quo.
Primeiro, não tendo a ora Recorrida levado ao procedimento no prazo de apresentação das candidaturas o citado documento denominado Informação Empresarial Simplificada (IES) exigido no domínio dos requisitos mínimos de capacidade financeira, de carácter obrigatório no procedimento adoptado do concurso limitado por prévia qualificação como decorre do artº 165º nº 2 CCP, tal significa que a falta deste documento inviabilizou o próprio funcionamento da fórmula de cálculo constante do anexo IV do CCP.
Efectivamente, nesta expressão matemática V x t < R x f , o factor R é dado por outra fórmula traduzida, por sua vez, numa outra função matemática que recorre ao factor denominado por EBITDA (i) que reporta aos proveitos operacionais societários deduzidos de determinados componentes contabilísticos desse mesmo exercício, como se esclarece no anexo IV do CCP, sendo que na economia do caso concreto, esta discriminação de proveitos operacionais líquidos tem como base documental avalizada os dados contabilísticos dos exercícios em causa, 2006, 2007 e 2008, exarados na Informação Empresarial Simplificada (IES), declaração anual de informação contabilística e fiscal prevista na al. c) do nº 1 do artº 109º do CIRC.
Donde se conclui que os requisitos mínimos da capacidade financeira exigidos pela ora Recorrente no artº 7º nº 2 do programa do concurso (PC) dados pela "correspondência entre os campos AO 109, AO112 e AO113 do modelo de declaração de IES para cálculo do EBITDA, conforme alínea a) do nº l do artigo 8° do PC", conforme itens 3 e 11 do probatório referente ao Relatório Preliminar e mantido no Relatório Final não foram comprovados pela ora Recorrida.
Segundo, a apresentação ao procedimento em 16.08.2010 do mod. 200 das Finanças de Espanha, relativo à empresa-mãe sedeada em Espanha, aquando do exercício do direito de audiência prévia na sequência da notificação do Relatório Preliminar do Júri com proposta de exclusão da candidatura, não pode assumir relevância probatória no domínio da comprovação da capacidade financeira exigida por lei e nos termos do programa do concurso na medida em que não é documento subsumível na previsão do artº 184º nº 2 e) in fine, CCP, pelas razões expostas supra.
Pelo que vem dito, colhem procedência as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 53 das conclusões não pode subsistir o entendimento sustentado na sentença recorrida no tocante ao do pedido impugnatório e consequente decisão.
Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença proferida.
Custas a cargo da Recorrida.
Lisboa, 27.OUT.2011
(Cristina dos Santos)
(António Vasconcelos)
(Paulo Gouveia
1- Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no CCP - Estudos de Contratação Pública, I -CEDIPRE, Coimbra Editora/2008, págs. 188/189.
2- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa - das fontes às garantias, Almedina/2003, pág. 399.
3- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina /2011, págs 461/462.
4- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos..., Almedina /2011, págs. 294/296, 600/601 e 622/623.
5- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos..., Almedina /2011, págs. 836/838.