Sumário:
I- No tocante ao modo de contagem do prazo de um mês previsto no artigo 101º do CPTA, estando em causa a impugnabilidade de um acto procedimental cuja ilegalidade se repercuta no acto final, o termo "ad quem" do prazo de impugnação ocorre um mês após o acto final procedimental em causa.
II- De acordo com o artigo 49º nº4 do CCP, é proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante, a uma proveniência determinada, ou a marcas, patentes ou modelos que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
III- No artigo 49º nº12 do CCP estabelecem-se restrições à inclusão no Caderno de Encargos de especificações técnicas, proibindo as que, pela sua natureza, possam ter efeito discriminatório, prejudicando a concorrência.
Texto Integral:
Acordam na Secção Administrativa do TCA - Sul:
1. Relatório
A...- A..., Lda, com sede em Linda-a-Velha, intentou no TAC de Lisboa, contra a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão) acção de contencioso pré-contratual, visando a impugnação da deliberação tomada em Reunião do Júri do Procedimento de Ajuste Directo, Proc. nº828/2010/CMRA, da SCML-CMRA, de 04.11.2010 que, em sede de Relatório Final, excluiu a A. do referido procedimento.
Formulou, ainda, ao abrigo do disposto nos artigos 46º nº3 e 47º nºs 1, 2, al.c) e 4º, al.a), ambos do CPTA, pedido cumulativo para declaração de invalidade do posteriormente processado, nomeadamente do acto de adjudicação e do contrato que, em 09.11.2010, foi celebrado com a adjudicatária Paulo e Conde, Lda.
Finalmente, pediu ainda, ao abrigo do disposto no artigo 47º nºs 1 e 2, al.a) do CPTA, a condenação da entidade demandada à prática de acto devido.
Indicou os seguintes contra-interessados:
1B..., UNIPESSOAL, LDA., Avenida ...MATOSINHOS;
2. C...- C..., SA., ...AMADORA;
3. D...- D..., Lda., Av. ...Lisboa;
4. E...- E...SA., ...ALGÉS;
5. F...- F..., Lda., ..., LISBOA;
6. G..., S.A., Rua ...AMADORA;
7. H...- H...Lda., R. ... LINDA- A-VELHA;
8. I...- ..., Lda., R ... LISBOA;
9. J...- J..., Lda., ...AMADORA;
10. L..., S.A., R ... CARNAXIDE;
11. K..., Lda., Rua ... LISBOA;
12. M..., Unipessoal Lda., Rua ...LOURES;
13. N...e...Lda., Rua ...PORTO SALVO;
14. O..., S.A., Rua ... LISBOA;
15. P..., S.A., ... SACAVÉM;
16. Q..., Lda., Rua ... RIO TINTO.
Por despacho de 25.01.2011, o TAC de Lisboa declarou-se incompetente em razão do território e ordenou a remessa dos autos ao TAF de Sintra.
Por sentença de 09.06.2001, a Mmª Juíza do TAF de Sintra julgou a acção procedente, anulando o acto de exclusão da proposta da A. e condenando a entidade demandada a repetir o procedimento sem a prática das ilegalidades detectadas.
Inconformada, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa interpôs recurso jurisdicional para este TCA- Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes:
"1 - O objecto do recurso é a douta sentença de 9 de Junho de 2011, que julgando parcialmente procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada por A...- A..., Lda, decidiu anular o acto de exclusão da sua proposta, tomada em reunião do Júri do procedimento por ajuste directo nº828/2010/CMRA, de 4 de Novembro de 2010, bem como anular o acto de adjudicação e o contrato celebrado com a contra interessada B...Unipessoal Lda e condenar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a repetir o procedimento sem a prática das ilegalidades declaradas, ou seja, avaliando as propostas dos concorrentes, incluindo a da A...A...- A..., Lda, por referência às características dos Equipamentos Informáticos a adquirir, tudo com fundamento em violação da lei, concretamente do disposto no artigo 49º, nº12 do CCP.
2. Ao contrário do que a douta sentença recorrida refere, a decisão impugnada não só não violou o disposto no artigo 492 do CCP ao decidir pela não admissão da proposta apresentada pela A...A... Lda ao procedimento por ajuste directo nº828/2010/CMRA lançado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como o direito de acção, há muito se encontrava ultrapassado.
3. A douta sentença recorrida defende que a contagem do prazo de um mês estabelecida no artigo 101º do CPTA, quando esteja em causa a impugnação de actos procedimentais, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre um mês após o acto final do procedimento em questão.
4. No caso em apreço, a eventual ilegalidade do acto de exclusão da proposta da empresa A...-Soluções Informáticas Lda, só é susceptível de impugnação directa nos trinta dias imediatos à data do conhecimento das especificações técnicas que, só a final, aquela empresa veio a considerar como ilegais, ou seja, nos trinta dias subsequentes à publicação das peças procedimentais na plataforma electrónica Vortal GOV como decorre do n^ 2, do artigo 19002 do CPTA.
5. A A...- Desenvolvimento Soluções Informáticas, Lda, não pode impugnar o acto administrativo praticado pelo Júri do procedimento e do qual resultou a exclusão da sua proposta, uma vez que aceitou, espontânea, expressamente e sem reservas, mediante a apresentação de uma declaração de aceitação das peças procedimentais, as especificações técnicas constantes do Anexo l do Caderno de Encargos. ( cfr 56º do CPTA, nos nºs 1 e 2 )
6. O direito de acção caducou e à data da acção intentada pela A...Soluções Informáticas Lda o respectivo prazo, há muito, havia expirado.
7. Ao contrário do que refere a douta sentença recorrida a SCML não devia ter verificado se as impressoras propostas pela A...A... Lda detinham ou não as mesmas características mínimas obrigatórias estabelecidas no Anexo l do Caderno de Encargos e assim demonstrar a não existência de equivalência entre aquelas e estas.
8. A proposta da empresa A...A... Lda foi excluída por não conter quaisquer elementos que indiciassem, ao Júri do procedimento, que as impressoras com que pretendia contratar possuíam características técnicas mínimas equivalentes às características técnicas mínimas constantes do Anexo l do caderno de encargos do procedimento por ajuste directo em apreço.
8. No Anexo VI da Directiva nº2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelece-se que as especificações técnicas devem constar do caderno de encargos e serem fixadas de forma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
9. A lei proíbe a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante, marca, fabrico, patente, modelo, como forma de favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens, mas permite, excepcionalmente, a fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção "equivalente" quando exista impossibilidade de descrever, de forma precisa e inteligível as prestações pretendidas, com decorre do estabelecido no nº13, do art. 49º do CCP.
10. A Santa Casa estabeleceu especificações técnicas por referência aos modelos de impressoras Laser cor HP 1515n e Laser Monocromática HP P2055DN, como se alcança do Anexo l do Caderno de Encargos, determinando tais referências, como características técnicas mínimas obrigatórias, abrindo, assim, à concorrência a possibilidade de apresentação de propostas que reflectissem diversidade de soluções técnicas.
11. Cabia aos interessados, apresentar as propostas que entendessem, sem prejuízo de, no mínimo manifestarem a intenção de contratar com impressoras que tivessem as características mínimas estabelecidas no Caderno de Encargos, devendo, obrigatoriamente, demonstrar a equivalência mínima.
12. Sempre que as entidades adjudicantes recorram à possibilidade de estabelecer especificações técnicas por referência, cabe ao proponente demonstrar na sua proposta, por qualquer meio adequado e suficiente para a entidade adjudicante, que a obra, o produto ou o serviço conforme a norma correspondente ao desempenho ou cumpre as exigência funcionais da entidade adjudicante.
É o que decorre do nº5, do artigo 23 da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 e dos nºs 4 e 9, do artigo 49^ do Código dos Contratos Públicos.
13. Cabia, pois, à A...Soluções Informáticas Lda demonstrar, na sua proposta, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas satisfaziam, de modo equivalente, ou mesmo superior, as exigências definidas nas peças procedimentais .
14. A A...Soluções Informáticas Lda, na sua proposta, não demonstrou, a equivalência dos bens propostos, nem sequer arguiu tal equivalência, nem uma mera brochura ou catálogo juntou, vindo, apenas, em sede de audiência prévia arguir tal equivalência e juntar documentos probatórios.
Pelo que o Júri do procedimento não podia verificar se as impressoras propostas pela A...A... Lda detinham ou não as mesmas características mínimas obrigatórias estabelecida no Caderno de Encargos
15. Assim, ao contrário do referido na douta sentença recorrida, o acto recorrido não padece de qualquer ilegalidade, nada mais podendo o Júri do procedimento fazer do que excluir a A...do procedimento por incumprimento do disposto nas peças procedimentais, sob pena de, não o fazendo, aí sim praticar uma ilegalidade, nomeadamente por violação dos princípios da igualdade, da concorrência e da não discriminação."
A Contra-Interessada B...UNIPESSOA interpôs, igualmente, recurso para este TCA-Sul, concluindo como segue:
"1- A questão que se discute no que diz respeito ao presente problema, é a dialéctica entre entender que tendo em linha de conta a opção pelo contencioso pré contratual, tendo carácter urgente, conforme dispõem o artº51 nº3 e do artº100 nº2 do CPTA, se se entende a norma enquanto uma faculdade dada ao concorrente a um concurso público, de exercer o seu direito, ou de outra forma, se entendemos, tal norma, enquanto dever ou obrigação do concorrente, de mo do a corrigir quanto antes a falta ou a ilegalidade de um qualquer concurso público, conforme o dos autos.
2- Naturalmente, que o aqui recorrente, pretendeu defender a inimpugnabilidade do acto impugnável.
3- Isto porque, por força do disposto no nº3 do artº51º e do nº2 do artº100º do CPTA, a a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
4- Contudo, é justamente, quando se atinge o final da disposição legal, que se define a mesma. Assim, nada impede a recorrida de impugnar o acto final com a alegação de ilegalidades ocorridas ao longo do processo, salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado.
5- Ora, com o devido respeito mais uma vez por opinião em contrário, este é o fundamento que distancia o recorrente da decisão do Tribunal "ad quo".
6- Precisamente, porque o acto leia-se a decisão do relatório preliminar constante no concurso objecto do presente processo, exclui do dito concurso a aqui Recorrida.
7- Daí que, tendo conhecimento da decisão que excluiu a Recorrida da decisão final do concurso, e consequentemente do próprio concurso, esta deveria de imediato recorrido à presente acção, para impedir a decisão do Júri do Concurso.
8- Não fazendo, como não o fez, conformou-se com mesma decisão, e veio tarde e fora de horas, lançar mão de uma disposição legal, que faz entrar pela "janela", aquilo que se pretendia impedir entrar pela "porta".
9- Constituindo inclusivamente, o presente processo a prova evidente da adulteração da lei, ao admitir, que a parte final do disposto no nº3 do artº51 e do nº2 do artº100 do CPTA, seja esvaziada de valor, aceitando que a Recorrida tenha múltiplos recursos e múltiplos momentos, para exercer os seus direitos.
10- Ao recorrer à utilização dos efeitos da acção de contencioso pré-contratual, após a decisão final do concurso, vem criar um exercício excepcional dos seus direitos, fazendo concluir, e produzir o acto administrativo os seus efeitos, fazendo-os inclusive consumar-se os efeitos do contrato, para vir agora ressuscitar algo que já estava consumido, como é exemplo a presente decisão.
11- Ou seja, o acto administrativo consumou-se, a contra interessada venceu, segundo os pressupostos aceites em sede de decisão do concurso público, nada tendo a Recorrida evidenciado ou exteriorizado, quando teve momento, para o fazer, que demonstrasse a existência de qualquer ilegalidade no sobredito concurso.
12- A decisão foi publicada, o contrato e o serviço foi cumprido, os bens foram entregues, o valor foi liquidado.
13- Após este momento, eis que a Recorrida se lembra que se verificaram incorrecções no concurso, e com a cobertura da acção de contencioso pré-contratual, com os condicionalismos de uma acção urgente, sim porque a partir daquela data, passam a ter urgência, mesmo nada tendo dito até ao momento, da decisão.
14- O tribunal promove o processo, e conclui da anulando o acto de exclusão da proposta tomada em reunião de Júri de Ajuste directo de 04.11.2010, identificada na decisão.
15- Mais, condena a autoridade demandada a repetir todo o concurso fazendo incluir novamente a Recorrida por referência às características das impressoras.
16- A decisão pese embora célere, tem a data de 9 de Junho de 2011, 8 meses depois da decisão do concurso, e num momento, em que por exemplo as impressoras objecto do contrato administrativo estão já descontinuadas, não sendo possível no momento, a reversão dos efeitos constantes na decisão de que agora se recorre, nem sequer é possível a existência de uma restituição natural.
17- Naturalmente, admitir a presente situação, não só para o presente contrato, como para todos os contratos existentes diariamente na administração pública, constituirá um pesadelo, que o legislador pensou evitar com o "fecho" do disposto na parte final do nº3 do artº51º e do nº2 do artº 100º do CPTA.
18- Termos em que o artº51 nº3 deve ser entendido dentro de hermenêutica jurídica, e avaliado casuisticamente em função da ratio legis. Se a especificação é feita em relação a um acto intermédio que encerra uma fase do procedimento ou um seu incidente, em termos de se considerar que as questões aí decididas não devem poder ser retomadas em momento ulterior, deve entender-se que a norma não tem carácter indicativo, mas antes imperativo para impedir a verificação do acto lesivo.
19- No caso concreto a recorrida tinha a faculdade de utilizar o disposto no artº51 nº3, se não fosse a resolução do Júri, uma decisão de exclusão definitiva, revestindo esse efeito, deveria ter utilizado desde logo o disposto nos artº100 e ss. para acção de contencioso pré contratual, e não aguardado pela conclusão do concurso para o fazer."
A A...contra-alegou, enunciando as conclusões de fls. 288 a 299, que se transcrevem:
1. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
2. Improcede a invocada caducidade do direito de acção da recorrida, porquanto a acção foi aberta com respeito pelo prazo fixado no art.° 101.° do CPTA, devendo tal prazo contar-se da data da notificação do acto que determinou a exclusão da ora recorrida.
3. Não assume aceitação tácita ou expressa de acto administrativo, que possa depois impedir a sua impugnação nos termos do art.°56.° do CPTA, o facto de a recorrida ter apresentado proposta no procedimento, com uma declaração onde se comprometia a respeitar e aceitar as normas dos documentos concursais.
4. Mais ainda quando a norma do Caderno de Encargos - cuja interpretação e aplicação ilegais por parte da Entidade demandada tiveram por consequência a prática de uma acto final inválido - se lida e aplicada de acordo com o que bem se decide na sentença recorrida, não era passível de impugnação inicial, por não ser prejudicial aos direitos e interesses da ora recorrida.
5. O que impugna a recorrida é não o Anexo I do caderno de Encargos, mas a sua interpretação e aplicação, concordando que a mesma se mantenha, desde que interpretada e aplicada de acordo com a sentença, aliás concorde com o disposto no art.° 49.° do CCP.
6. A Entidade demandada excluiu do procedimento a recorrida, pelo simples facto de os equipamentos que a mesma propôs não serem da marca HP.
7. Vem agora dizer, contra o que dissera, e contra a evidência dos factos, que a exclusão da recorrida se deveu ao facto de a mesma não ter evidenciado que os seus equipamentos cumpriam as mesmas funções que aqueles da marca HP.
8. Ora, para além de a recorrida o ter feito, como também está provado, não foi esse o motivo da sua exclusão,
9. Pelo que a decisão de exclusão da recorrida violou flagrantemente o disposto no art.° 49.°, nº12,°, do CCP, conforme se decidiu, e bem, na sentença ora recorrida, que deve ser, por isso, mantida.
10. Tendo em conta o exposto, e o agora defendido pela Entidade Demandada, cuja alegação corresponde a um inaceitável e9omportamento processual, deve a mesma ser condenada, nos termos do art.°456.° do CPCiv., em multa e indemnização por litigância de má fé, desde já se requerendo, embora se deixe a sua fixação ao avisado critério deste Venerando Tribunal, que a indemnização se fixe em montante não inferior a € 3.000,00, atendendo à gravidade da má fé processual demonstrada pela Entidade Demandada."
O Digno Magistrado do Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
" (...) Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu:
i) "Anular o acto de exclusão da proposta da Autora tomada em reunião do Júri do Procedimento de Ajuste Directo, de 4/11/2010, identificada em K) do probatório, do acto de adjudicação e do contrato celebrado com a Contra-interessada B..., Unipessoal, Ld.ª
ii) Condenar a autoridade demandada a repetir o procedimento sem a prática das ilegalidades ora declaradas, ou seja, avaliando as propostas dos concorrentes, incluindo a da Autora, por referência às características dos equipamentos informáticas a adquirir ou seja, as mesmas que as impressoras Laser cor HP 1515n e impressoras Laser Monocromática HP P2055DN (Anexo I do Caderno de Encargos)".
O recurso interposto pelas recorrentes suscita várias questões jurídicas:
a) A caducidade do direito de acção, em particular no que concerne ao modo de contagem do prazo de 1 mês estabelecido pelo artigo 101.° do CPTA;
b) Saber se a exclusão da recorrida por parte da entidade adjudicante violou o disposto no artigo 49.° do Código dos Contratos Públicos e se as especificações técnicas constantes do Caderno de Encargos foram feitas «por referência aos modelos de impressoras Laser cor HP 1515n e impressoras Laser Monocromática HP P2055DN».
VEJAMOS
1. Em relação à problemática da caducidade do direito de acção evidencia a sentença, bem como as alegações e contra-alegações, que existe um diferendo na jurisprudência sobre a questão, que não é pacífica, tanto mais que foi admitido «recurso de revista para o STA, para uniformização de jurisprudência, conforme acórdão proferido em 25/5/2011 (Recurso 426/2011).
Por isso, e até que o recurso de uniformização de jurisprudência venha a dirimir as dificuldades de interpretação do preceito, no que concerne à forma de contagem do prazo, propendemos a considerar mais adequada a posição adoptada pelo TCA Sul (acórdão de 17/2/2011 - Processo n.°06985/10) cujo sumário é o seguinte: "No tocante ao modo de contagem do prazo de um mês do art. 101.° CPTA, esteja em causa a impugnação de acto endo-procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre 1 mês após o acto final procedimental em causa".
Deste modo, afigurando-se que a sentença está devidamente fundamentada, e em conformidade com a mais recente jurisprudência deste TCA Sul, propendemos a considerar que a contagem do prazo se deve fazer a partir do momento em que, de forma definitiva, se determinou e fixou, a exclusão do concorrente. É a partir dessa data (4/11/2010) que o concorrente excluído fica definitivamente conhecedor de um acto administrativo cujo conteúdo é susceptível de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (cf. art. 51.° n.°1 do CPTA).
2. Quanto à problemática das «especificações técnicas», objecto da previsão do artigo 49.° do CPP afigura-se-nos que a sentença não merece reparo. Efectivamente, em matéria de especificações técnicas, o Anexo I limitou-se a fazer constar que se pretendia a aquisição de impressoras Laser cor HP 1515n e impressoras Laser Monocromática HP P2055DN, conforme consta da matéria de facto dada como provada.
Acresce, por outro lado, que os factos provados (ponto F) consignem que a decisão do júri do Ajuste Directo (Relatório Preliminar) excluiu a proposta da recorrida por entender que «a marca do equipamento proposta é obrigatoriamente marca HP». Isto é, tudo indica que não seria admissível a apresentação a concurso de propostas com outra marca de equipamento, ainda que tivesse as mesmas características ou outras mais favoráveis ao desempenho do equipamento contratado.
Consideramos que a sentença recorrida está convenientemente fundamentada, sendo nosso entendimento (na linha do que defende a entidade recorrida) que a exclusão do recorrido viola o disposto no artigo 49.° n.°12 do CCP quando refere que «é proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens».
Como sublinha Jorge Andrade da Silva ("Código dos Contratos Públicos Comentado e Anotado, Almedina, 2009, pág. 189), estabelecem-se neste artigo "restrições à inclusão no Caderno de Encargos de especificações técnicas proibindo as que, pela sua natureza, possam ter um efeito discriminatório e, portanto, impeditivo do livre acesso aos procedimentos adjudicatórios, prejudicando consequentemente a concorrência. Por isso, os Estados comunitários não podem incluir nos cadernos de encargos especificações técnicas mais redutoras da concorrência que as resultantes deste preceito, designadamente com a menção de produtos de determinada origem ou qualquer procedimento de que resulte favorecimento ou afastamento de determinados produtos ou potenciais concorrentes".
Não se vislumbra, nem essa matéria de facto foi consignada, que algema vez tivesse sido admitido no Caderno de Encargos a apresentação de propostas a concurso com características equivalentes àquelas que tinham os produtos de marca especificados.
Por isso, e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a decisão recorrida deve ser confirmada e, em consequência, julgado improcedente o recurso."
2. Fundamentação.
2.1. De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão:
A) Por convite recebido via plataforma electrónica de contratação www.vortal.gov.pt tomou a Autora conhecimento da abertura do Procedimento por Ajuste Directo nº828/2010/CMRA lançado pela ora Ré, SCML para aquisição de equipamento informático - confissão e processo administrativo apenso;
B) O referido Procedimento regeu-se pelo Convite e Caderno de Encargos - cf. processo administrativo apenso (pasta documentação);
C) O Convite tinha por objecto a aquisição de equipamento informático, conforme descrito no Anexo l e em conformidade com as condições definidas no Convite à apresentação de Proposta - cfr. processo administrativo apenso (pasta Documentação);
D) No Anexo l que tem como epígrafe "Características Técnicas Mínimas Obrigatórias" consta "20 Impressoras Laser cor HP 1515n" e "40 impressoras Laser Monocromática HP P2055DN)" - cfr. processo administrativo apenso (pasta Documentação);
E) A Autora apresentou a sua Proposta de fornecimento de 20 "impressoras Laser Policromática OKI C5750n" e 40 "impressoras Laser Monocromática OKI B431dn", onde descreve as características das mesmas - cf. processo administrativo apenso (pasta PROPOSTAS);
F) Em 7.10.2010, o Júri do Ajuste Directo reuniu para elaborar o Relatório Preliminar, nos termos do art. 146º do CCP, onde deliberou excluir a proposta da Autora, assim como de outras concorrentes, com fundamento no seguinte:
"(...) de acordo com as Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos Anexo l "Características Mínimas Obrigatórias" refere que o equipamento a ser proposto deverá respeitar as características mínimas descritas, como consta do referido Anexo l, a marca do equipamento proposto é obrigatoriamente marca HP. O Júri verifica que as Empresas referidas apresentam para o equipamento proposto a marca Oki, Lexmack, e Kinoca Minolta. Assim o Júri delibera excluir as propostas" - cf. processo administrativo apenso (pasta Documentação);
G) A Autora pronunciou-se nos termos constantes de fls. 51 do processo administrativo apenso (pasta Documentação), onde afirma que não deveria ter sido excluída mas sim admitida a sua proposta;
H) Em reunião de 25.10.2010, o Júri do Ajuste Directo reuniu a fim de proceder á análise das alegações apresentadas pelos concorrentes tendo mantido a o conteúdo do Relatório Preliminar, designadamente por "as alegações providas pelo Concorrente só teriam fundamento se de especificação técnica se tratasse", tendo elaborado o "Relatório Prelimina II" - cf. fls. 53 a 56 do processo administrativo apenso (pasta documentação);
l) Os concorrentes foram notificados do Relatório Preliminar II "nos termos do art. 123º de CCP", - cf. fls. 114 a 119 do processo administrativo apenso (pasta documentação);
J) A que a Autora se pronunciou mantendo que não deveria ser excluída - cf. fls. 124º do processo administrativo apenso (pasta Documentação);
K) Em 4.11.2010, o Júri do Ajuste Directo reuniu para elaborar o Relatório Final onde mantém o teor do Relatório Preliminar II quanto à exclusão da proposta da Autora, e propõe a adjudicação da proposta que obteve maior pontuação na aplicação dos critérios de adjudicação e que corresponde à proposta apresentada pelo concorrente da firma "B..., Ldª), pelo valor de 13.771,51" (acto impugnado) - cf. fls. 69 do processo administrativo apenso (pasta documentação);
L) Em 4.11.2010 foi aprovada pelo Administrador Delegado do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, a proposta de Adjudicação à empresa B..., Ldª, pelo valor de 13.771,51 -cf. fls. 62 do processo administrativo apenso (pasta documentação)."
2.2. De direito
As questões suscitadas pelas recorrentes no seu recurso são as referentes à caducidade do direito de acção, em particular no que concerne ao modo de contagem do prazo de um mês previsto pelo artigo 101º do C.P.T.A., e a de verificar se a exclusão da recorrida por parte da entidade adjudicante violou o disposto no artigo 49º do Código dos Contratos Públicos, bem como se as especificações técnicas constantes do Caderno de Encargos foram feitas "por referência aos modelos de impressoras Laser Cor HP 1515n e impressora Laser Monocromática HP P2055DNA.
Vejamos cada uma destas questões.
Como ressalta da sentença recorrida, a caducidade do direito de acção tem gerado alguma controvérsia jurisprudencial, tendo sido admitido recurso de revista para o STA, para uniformização de jurisprudência (Rec.426/2011).
Sublinha-se, no entanto, que tem sido dominante a orientação seguida no TCA-Sul, designadamente o Ac. de 17.02.2001, roc.0698/10, com o seguinte sumário: "No tocante ao modo de contagem do prazo de um mês do artigo 101º do CPTA, em que esteja em causa a impugnação de um acto procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo "ad quem" do prazo de impugnação ocorre um mês após o acto final procedimental em causa".
No mesmo sentido se pronuncia o Prof.M. Aroso de Almeida, in "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 2010, p.343 -344.
Assim, ter-se-á de concluir que a contagem se deve fazer a partir do momento em que de forma definitiva, se determinou e fixou a exclusão do recorrente, ou seja, a partir de 0411.2010 (cfr. o Parecer do Ministério Público, a fls.305).
É esta a solução mais lógica, pois só a partir do momento da exclusão definitiva fica o recorrente, definitivamente, conhecedor de um acto administrativo cujo conteúdo é susceptível de lesar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. artigo 51º nº1 do CPTA).
Bem andou, pois, a decisão recorrida ao julgar improcedente a caducidade do direito de acção.
Passemos ao ponto seguinte.
A questão de mérito consiste em saber se houve violação do artigo 49º nº12 do Código dos Contratos Públicos pelo facto de a exclusão da A. do Procedimento de Ajuste Directo decorrer de a mesma não ter apresentado na sua proposta um equipamento da marca HP, como constava do Anexo 1 do Caderno.
De facto, a exclusão da A. foi assim fundamentada pelo Júri do Ajuste Directo:
"(...) de acordo com as Cláusulas Especificas do Caderno de Encargos, Anexo I "Características Mínimas Obrigatórias", refere que o equipamento a ser proposto deverá respeitar as características mínimas descritas. Como consta do referido Anexo I, a marca do equipamento proposto é, obrigatoriamente, a marca HP. O Júri verifica que as empresas referidas apresentam para o equipamento proposto a marca OKI, Lexmarck, Kimoca Minolta. Assim, o Júri delibera excluir as propostas" (cfr. alínea f) do probatório assente).
Como se vê, a decisão de exclusão da recorrida por parte do Júri do Ajuste Directo baseou-se no entendimento de que a marca do equipamento proposto é obrigatoriamente HP, recusando propostas com outra marca de equipamento, ainda que possuíssem as mesmas características ou até outras mais favoráveis ao desempenho do equipamento contratado.
Ora, como prescreve o artigo 49, nº12 do Código dos Contratos Públicos, " É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinada, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos ou a uma dada origem de produção que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens".
Em face do teor desta norma, parece-nos claro que a exclusão da A...é ilegal, por violação ostensiva do artigo 49 nº 12 do Código dos Contratos Públicos, em favorecimento de determinados produtos, impressoras marca HP, impedindo assim a promoção da concorrência.
A promoção da concorrência é um objectivo que consta do considerando (29) da Directiva nº2004/18/CE; segundo o qual, "As especificações técnicas definidas pelos adquirentes públicos devem permitir a abertura dos contratos públicos à concorrência. Para o efeito, deve possibilitar-se a apresentação de propostas que reflictam diversidade nas soluções técnicas. Neste sentido, as especificações técnicas devem poder ser estabelecidas em termos de desempenho e de exigências funcionais e, em caso de referência à norma europeia - ou, na ausência desta, a norma nacional - as propostas baseadas em soluções equivalentes deverão ser consideradas em soluções equivalentes e também ser consideradas pelas entidades adjudicantes "(sublinhado nosso).
Como se escreve na decisão recorrida, a entidade adjudicante deveria ter demonstrado a não existência de uma equivalência (cfr. considerando 29 da Directiva nº2004/18/CE e artigo 49º nº5 do Código dos Contratos Públicos), verificando se as impressoras propostas pela A..., " impressoras LASER Policromatic ORI C750N e impressoras LASER Monocromática LASER cor HP 1515 n" detinham ou não a mesmas características das impressoras HP.
Com efeito, no artigo 49º nº12 do Código dos Contratos Públicos estabelecem-se restrições à inclusão no Caderno de Encargos de especificações técnicas, proibindo as que, pela sua natureza, possam ter efeito discriminatório, prejudicando a concorrência. Ou seja, "os Estados Comunitários não podem incluir no Caderno de Encargos especificações técnicas mais redutoras da concorrência que as resultantes daquele preceito, designadamente com a menção de produtos de determinada origem ou qualquer procedimento de que resulte favorecimento ou afastamento de determinados produtos ou potenciais concorrentes (cfr. Jorge Andrade da Silva, "Código dos Contratos Públicos", Comentado e Anotado, Almedina, 2009, p.189).
Em suma, como a decisão de exclusão da recorrida do procedimento resultou do simples facto de que os equipamentos propostos não eram da marca HP, houve nítida violação das normas supracitadas e dos princípios comunitários relativos à concorrência, como bem se concluiu na sentença recorrida.
3. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida
Custas pela entidade demandada e pela contra-interessada em ambas as instâncias.
Lisboa, 27/10/2011
COELHO DA CUNHA
FONSECA DA PAZ
RUI PEREIRA