Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de Novembro de 2011 (proc. 7972/11)

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Sumário:

I- É vinculativa, nos termos do artigo 41º do CCP, a disposição de um procedimento concursal que considera preço anormalmente baixo o preço total resultante de uma proposta mais de 20% inferior ao preço base.
II- A previsão de um preço anormalmente baixo como factor de exclusão das propostas destina-se a evitar o risco de degradação da prestação dos serviços motivada pela prática de preços sobejamente inferiores aos respectivos custos.
III- O conceito de preço anormalmente baixo não se relaciona com cada um dos elementos componentes do preço proposto, de per si, mas com o preço proposto globalmente considerado.

 

Texto Integral:

Acordam na Secção Administrativa do TCA -Sul

1- Relatório
A...- A..., S.A., com sede no Parque Industrial do Arneiro Lotes 32 a 37, S. Julião do Tojal, intentou no TAF de Ponta Delgada a presente acção do contencioso pré-contratual contra a B..., B..., S.A., com sede no ..., ..., Angra do Heroísmo, pedindo a anulação do acto de adjudicação à sociedade C...(Portugal) - C..., Lda, com sede no ..., do acordo quadro relativo à prestação de serviços de confecção e distribuição de refeições aos doentes e pessoas dos três Hospitais, E.P.E. da Região Autónoma dos Açores.
Pede ainda a condenação da Ré a admitir a proposta da requerente ao concurso público nº1/2011 e a condenação da Ré a avaliar e classificar a proposta da A. e a repetir os demais actos concursais, bem como, caso já tenha ou venha a ser celebrado na pendência dos presentes autos, a anulação do acordo quadro / contrato celebrado com a C....
Por sua vez no processo apensado (com as mesmas partes e apenas com a diferença de a Autora A... aí figurar como contra-interessada), a D...- D..., S.A., com sede em Carnaxide, intentou contra a mesma B...a anulação do Concurso Público nº1/2011 para a celebração de acordo quadro relativo à prestação de serviços de confecção de refeições aos doentes e pessoal dos Hospitais, E.P.E. da Região Autónoma dos Açores e, sem prescindir, a anulação da deliberação do Conselho de Administração da entidade demandada, de 25.03.2011, que excluiu a proposta da D...e adjudicou à C...a celebração do acordo quadro objecto do identificado concurso público, bem como a condenação da entidade demandada a admitir a proposta da D...e a avaliar e graduar a mesma em conjunto com as demais, condenando-se a entidade demandada a abster-se de celebrar o acordo quadro com a C...(Portugal), declarando-se o direito da D...fornecer refeições aos doentes do Hospital da Horta, E.P.E. e sendo a entidade demandada condenada a abster-se de celebrar acordo quadro relativo ao fornecimento de refeições aos doentes e pessoal do Hospital da Horta, S.A..
Em 01.07.2011, a sentença recorrida absolveu a Ré da instância quanto aos pedidos formulados pela D...e absolveu a mesma Ré dos restantes pedidos.


Inconformada, a A... interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul enunciando nas suas alegações as conclusões de fls. 275 a 282, que se transcrevem de seguida:
"A. A sentença em crise padece do vício de nulidade, por não se ter pronuncia­do sobre questões que devesse apreciar, por um lado, e por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, por outro, nos termos do artigo 668°, nº1, al. d), CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.
B. Para analisar a questão da exclusão, o Tribunal a quo debruça-se sobre um assunto que não tem qualquer relevância para a causa e que é a de saber se os preços base são aplicáveis a cada um dos preços base unitários.
C. A única questão subjacente aos presentes autos e que constituiu afinal o único motivo de exclusão da proposta da Autora é a de saber quando é que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo para efeitos de se determinar a necessidade da entrega de uma nota justificati­va dos preços (artigos 15.1. e 22.2., e), do PP) e a possível exclusão da respectiva proposta.
D. A determinação daquilo que constitui um preço anormalmente baixo, no caso concreto do concurso em questão, não decorre da lei, mas sim do artigo 15.1. do PP, que determina que: "Para efeitos do presente procedimento considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quan­do seja mais de 20 % inferior ao preço base fixado no caderno de encargos".
E. Resulta, por outro lado, do artigo 22º, nº2 do PP, que são excluídas as propostas cuja análise revele "e) Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados".
F. O preço total da proposta da Recorrente, equivalente ao somatório dos pre­ços unitários, não ultrapassou este valor, pelo que não era necessário apre­sentar qualquer documento justificativo: o preço total indicado para os suplementos na proposta da Recorrente - € 46,24 - não é, com efeito, infe­rior a 20 % do preço total dos preços base definidos pela Recorrida - €55,43.
G. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não era possível, ao abrigo do PP, considerarem-se anormalmente baixos os preços unitários indivi­dualmente considerados, mas tão-somente o preço total.
H. A douta sentença recorrida assenta na ideia, errada, de que a proposta da Recorrente carece de uma "garantia da fiabilidade", considerando que um adjudicatário poderia evitar servir os produtos baratos, sendo "ilegitimamente beneficiad[os]" no concurso.
I. Tal carece, porém, de qualquer fundamento legal ou contratual, uma vez que o adjudicatário jamais poderia efectuar tais manobras, à luz das disposições legais e contratuais aplicáveis (cfr. artigo 255°, nº1, do CCP e cl. 12a, nº1, a), do CE).
J. Acresce que as premissas de que parte e as conclusões erradas a que chega o Tribunal a quo verificar-se-iam perante qualquer adjudicatário, indepen­dentemente da existência de preços anormalmente baixos e, bem assim, da respectiva exclusão.
K. A questão central em discussão reside na interpretação do artigo 15.1. do PP, que define quando é que o preço total resultante de uma proposta, é anormalmente baixo para efeitos de se determinar a necessidade da entrega de uma nota justificativa dos preços (artigo 22.2., e), do PP).
L. Ora, o preço anormalmente baixo é ali definido em função do preço total.
M. Considerando que não há quantidades definidas à partida num acordo quadro, a referência ao preço total do PP há-de ser necessariamente para o somatório dos preços base.
N. O próprio modelo da proposta exige a indicação de um preço total do cabaz, que é precisamente o somatório dos preços base (cfr. Anexo II do PP).
O. Não tem, por conseguinte, qualquer sentido ou fundamento a afirmação do Mm° Juiz a quo de que "a referência ao "preço total", no ponto 15.1 do Programa de Concurso, está desfasada e só poderá resultar de uma adaptação indevida de regras que constariam do formulário de outro concurso menos específico.".
P. A referida norma do PP é uma disposição vinculativa, nos exactos termos em que foi redigida, ao abrigo do artigo 41° do CCP.
Q. E foi com fundamento nessa norma que a Recorrente, legitimamente, con­fiando na sua exactidão, não apresentou qualquer nota justificativa com a sua proposta.
R. A sentença recorrida, sem qualquer base legal para o efeito, desconsiderou, todavia, a relevância do disposto no PP e a informação que dessa formar foi comunicada aos concorrentes.
S. A Recorrida deu, nas peças do procedimento, indicações claríssimas de que os preços dos suplementos seriam sempre considerados no seu valor total e não unitário.
T. A interpretação que foi feita pelo Tribunal a quo não respeita as regras e os princípios de interpretação vigentes no nosso ordenamento jurídico.
U. Mandam estas regras que o intérprete presuma que o autor da norma se soube exprimir correctamente.
V. Ademais, prescreve ainda o nº2 do artigo 9º do Código Civil, que o senti­do a extrair da norma não pode deixar de ter uma correspondência com a sua letra, pelo que defender que quer os preços base, quer o preço anormalmente baixo, se fazem sob a forma de preços unitários não tem qualquer correspondência com a letra da norma concursal em causa e viola este preceito.
W. O intérprete da norma deve sempre manter presente a coerência do sistema normativo concretizado nas normas concursais elaboradas pela Entidade Adjudicante, sendo que as disposições concursais que se referem sós suplementos consideram o preço total (e não os unitários).
X. O próprio elemento teleológico de interpretação da lei aponta num sentido diametralmente oposto ao sustentado pelo Tribunal a quo, uma vez que a previsão de um preço anormalmente baixo como factor de exclusão das propostas destina-se a evitar o risco de degradação da prestação dos servi­ços motivada pela prática de preços sobejamente inferiores aos respectivos custos e só faz sentido analisar o preço total proposto para todas as prestações que constituem objecto do acordo quadro/contrato.
Y. Assim, o Mm° Juiz a quo não só violou o PP e a lei, mas também o princípio da imutabilidade das peças de procedimento, na medida em que aceitou a criação de uma nova regra concursal, e bem assim os princípios da boa fé e da concorrência.
Z. Frustrando as legítimas e fundadas expectativas da Recorrente, que se viu injustamente penalizada, a fazer fé no entendimento do Tribunal a quo, por um alegado erro da Recorrida.
AA. A leitura das peças do procedimento não deixa dúvidas: a Recorrida definiu os preços base como preços unitários e o preço anormalmente baixo como um preço total.
BB. O teor do Anexo III do PP corrobora exactamente o entendimento perfilhado pela Recorrente: a avaliação da pontuação é feita tendo em conta o pre­ço base de cada refeição, e, por outro lado, o somatório dos "preços propos­tos para os suplementos" em relação com o "somatório dos preços bases para os suplementos".
CC. O entendimento preconizado pela Recorrente encontra também alicerce directamente na letra da lei.
DD.O preço contratual é, na verdade, definido no artº97º, nº1 do CCP como o "preço a pagar pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato" .
EE. O preço total da proposta, por seu turno, corresponde, nas palavras de Jor­ge Andrade da Silva, "a todas as prestações que integram o objecto do contrato a celebrar e que, em caso de adjudicação, será o preço contratual" .
FF. Ora, no presente concurso, o preço contratual corresponde ao preço total proposto para todas as prestações que constituem o objecto do contrato -artigo 24º, nº1 do CE. Ou seja, corresponde ao somatório dos preços pro­postos para todas as refeições adicionado do somatório dos preços propostos para todos os suplementos principais - cfr. Anexos I e II do CE.
CC. O preço base surge, por outro lado, definido no artigo 47º, nº1 do CCP como o "preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem" objecto do contrato.
HH. E por referência ao preço base, quando ele é definido, como sucede in casu, nas peças do procedimento, que se determina o preço anormalmente baixo -cfr. artº71º,nº1 do CCP.
II. A jurisprudência existente sobre este assunto pronunciou-se, precisamente, no sentido de que o conceito de "preço anormalmente baixo" deve ser aferido em termos globais e não parcelares, tendo o Tribunal Central Administrativo Norte (Ac. de 03.04.2008) considerado que "O conceito de preço anormalmente baixo não se relaciona com cada um dos elementos componentes do preço proposto, de per si, mas com o preço proposto globalmente considerado"
JJ. A Autora fornecerá um conjunto de serviços cujo preço, na sua totalidade, está longe de se aproximar do conceito de preço anormalmente baixo e por esse motivo é que o artigo 71º do CCP, ao regular o preço anormalmente baixo, faz igualmente referência ao "preço total resultante da proposta".
KK. Acresce que não pode proceder a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da Tabela I-C do Regulamento das Custas Judiciais, com fundamento na especial complexidade que os autos revestiram, nos termos do artigo 6°, nº5, deste diploma.
LL. Não estamos perante um recurso na área civilística nem estamos perante um caso de especial complexidade nos termos do artigo 447°-A, nº7, do CPC.
MM. Não apenas não foi produzida nenhuma prova, como não há nenhuma questão de especialização jurídica ou especificidade técnica, nem houve a análise combinada de questões jurídicas diversas.
NN. A questão dos Autos é apenas uma, de normal complexidade, e a respectiva análise não carece de mais indagação do que uma leitura cuidada e aten­ta dos preceitos e dos documentos trazidos aos Autos.
OO. A isto acresce que o Tribunal se limitou a reproduzir a decisão que havia emitido em sede cautelar e que o presente processo foi decidido conjuntamente com o processo que lhe foi apenso.
PP. A douta sentença recorrida deve ser revogada na parte em que decide pela improcedência dos pedidos de (1) anulação do acto que determinou a exclusão da proposta da Recorrente e decidiu a adjudicação à proposta da C...; (2) condenação da Ré a avaliar e classificar a proposta da Autora e repetir os demais actos concursais e (3) a anulação do contrato celebrado com a C..., caso este tenha sido ou venha a ser celebrado, devendo tais pedidos ser julgados procedentes.
QQ. E deve ainda ser a douta sentença revogada na parte em que determina a aplicação do artigo 6°, nº5, do Regulamento das Custas Judiciais.
RR. A douta decisão recorrida violou os artigos 12.1., j), 15.1., 22.2., 24.3 e Ane­xo III do PP, as cláusulas 24°, nº1, 27°, n.°s 1 e 2, Anexos I e II, do CE, os artigos 1°, nº4, 41°, 47°, n.°s 1 e 5, 56°, nº1, 70°, nº2, 71°, nºs 1 e 3, 97° nº1, 146°, nº2, do CCP, o artigo 9° do Código Civil, o artigo 6°, nº5 do Regu­lamento das Custas Judiciais e ainda os princípios da imutabilidade das peças de procedimento, da boa fé e da concorrência."

Recorreu igualmente a D..., concluindo como segue:
"I. Resultando dos documentos concursais (e da lei e da jurisprudência) que o preço referência para a determinação do preço anormalmente baixo é o preço base total (e não os preços base unitários), que o preço base total é determinável, com recurso ao mecanismo previsto no artigo 47º nº5 do CCP e atentos os dados constantes do Caderno de Encargos, e que só é anormalmente baixo o preço total que seja inferior em mais de 20% ao preço base total,
II. D...e A... ficaram legitimamente convencidas de que apenas poderiam ver as suas propostas excluídas caso o preço total proposto fosse inferior, em mais de 20% ao preço base (total) fixado no Caderno de Encargos;
IIl. Conformando as suas propostas de acordo com esta interpretação, delas resultando que o preço total não é inferior, em mais de 20% ao preço base total
IV. Face ao teor das normas concursais, não é inequívoca a interpretação do Júri feita no Relatório Preliminar, e confirmada no Relatório Final, de que devem ser excluídas as propostas cujos preços unitários propostos sejam inferiores em mais de 20% aos preços base unitários fixados no Caderno de Encargos.
V. A interpretação do júri constitui um motivo de exclusão surpresa com o qual foram confrontadas a D...e a A... com o qual estas concorrentes não podiam, razoavelmente, contar e que, consequentemente, não consideraram nas suas propostas.
VI. Com efeito, se a D...(e certamente a A...) soubessem que poderiam ver a sua proposta excluída por alguns dos preços unitários dela constantes serem em mais de 20% inferiores aos preços base unitários fixados no Caderno de Encargos, certamente que teriam conformado a sua proposta sem contemplar nela tais preços.
VII. É que nenhum concorrente apresenta uma proposta (suportando os custos inerentes à sua elaboração) se estiver consciente de que a mesma padece de um qualquer vício que pode determinar a sua exclusão.
VIII. O princípio da transparência opõe-se à prolação de decisões surpresa, cujos pressupostos não estejam evidenciados de forma inequívoca nas normas concursais.
IX. A C...e a Ica aparentemente interpretaram as normas concursais da mesma forma que o júri, conformando as suas propostas com esta.
X. Se estas concorrentes soubessem que podiam apresentar preços unitários inferiores em mais de 20% aos preços base unitários certamente teriam apresentado propostas mais competitivas.
XI. O princípio da igualdade estabelece que não é admitida qualquer conduta da qual resulte que possa prejudicar ou beneficiar, injustificadamente, qualquer concorrente.
XII. Se a D...e a A... não podem ser prejudicadas pela forma como interpretaram as peças concursais, do mesmo modo, a C...e a Ica também não o podem ser, já que as diferentes interpretações que os concorrentes fizeram das peças concursais foram causadas pela forma como as mesmas foram redigidas.
XIII. Quer a manutenção do acto de adjudicação, quer a anulação deste, geraria violação do princípio da transparência e da igualdade de tratamento já que:
- a prevalecer a interpretação do Júri, tal constitui uma violação do princípio da transparência, por se traduzir num motivo de exclusão surpresa com o qual a D...(e a A...) não podiam, razoavelmente, contar, face ao teor das normas concursais,
- a prevalecer a interpretação da D...(e da A...), e determinando-se a reordenarão das propostas, tal constitui uma violação do princípio da igualdade, já que a C...e a ICA não terão oportunidade de reformular as suas propostas partindo do mesmo pressuposto que aquelas concorrentes.
XIV. Apenas a anulação do concurso assegura a reposição da legalidade, pois permite a repetição do concurso com normas concursais inequívocas, podendo os concorrentes adoptar uma estratégia concorrencial firme, consciente e esclarecida, que seja conformada com o teor inequívoco das peças concursais.
XV. Ao decidir em sentido contrário, violou a douta sentença recorrida o disposto no artigo 1º, nº 4 do CCP. E ainda que assim se não entenda,XVI. Referindo-se as normas dos números 15.1 e 22.2 al. e) do Programa ao «preço total anormalmente baixo» o único sentido que tem apoio na respectiva letra é o de que são excluídas as propostas cujo preço total seja mais de 20% inferior ao preço base fixado no Caderno de Encargos.
XVII. O preço base é o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato (cf. Art.°47ºnº1do CCP) e o preço contratual é o preço a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato (artigo 97º, nº1 do CCP).
XVIII. Destinando-se o regime do preço anormalmente baixo a comparar o preço base e o preço contratual, a referência para ambos tem que ser o valor total das prestações que constituem o objecto do contrato.
XIX. Aliás, visando aquele regime evitar o risco da degradação da prestação dos serviços, globalmente considerada, motivada pela prática de preços largamente inferiores aos custos efectivos desses serviços, não faz qualquer sentido a exclusão de uma proposta em que um dos preços unitários é inferior em mais de 20% ao preço unitário base mas cujo preço total, ou seja, o preço proposto para todas as prestações, não o é.
XX. Os dados constantes das peças concursais permitem determinar o preço base total, com recurso ao mecanismo previsto no artigo 47º nº5 do CCP.
XXI. Consequentemente, da articulação entre o ponto 15 do Programa do Concurso com a Cláusula 27ª nº1 e 2 do Caderno de Encargos não resulta que o preço base do procedimento se reporte a preços unitários e não ao preço global.
XXII. Caso se entenda que não é possível aplicar o Artº47° nº5 do CCP por se entender não estarem previstas quantidades para os suplementos, então a conclusão a retirar é a de que não está definido preço base para os suplementos.
XXIII. E, não estando definido preço base, a entidade adjudicante não pode excluir uma proposta com fundamento no preço unitário anormalmente baixo já que o que a lei prevê é que apenas o poderá fazer quando for anormalmente baixo o preço total e, ainda assim, tem que previamente dar oportunidade ao concorrente para apresentar os esclarecimentos que entenda pertinentes (cf. números 2 e 3 do Artº71° do CCP).
XXIV. As refeições não substituem os suplementos não correspondendo aquelas a um conjunto de suplementos (já que, por exemplo, alimentos como legumes, arroz, batata que compõem as refeições não fazem parte da lista de suplementos (cláusulas 10ª, 11ª e 12ª das cláusulas técnicas e Anexos II e VII do Caderno de Encargos).
XXV. A D...não pode substituir as refeições por suplementos, ou vice-versa nem optar por fornecer apenas refeições, em detrimento dos suplementos não podendo, pois, auferir um benefício ilegítimo violador do princípio da concorrência por ter apresentado alguns preços unitários dos suplementos inferiores, em mais de 20%, aos preços base.
XXVI. Resulta das disposições concursais e das normas do CCP que apenas podem ser excluídas as propostas cujo preço total seja anormalmente baixo, pelo que, não preenchendo a proposta da D...aquela previsão, a decisão de exclusão deveria ter sido anulada.
XXVII. Ao decidir em sentido contrário, violou a douta sentença recorrida, entre outras, as disposições dos números 15.1 e 22.2 al. e) do Programa, dos artigos 1º nº4, 47° nº1 e 5, 57º nº1 al.d), 70° n°2 al. e), 71° n°1, 97° nº1 e 146° n°2 al. d) do CCP."

Contra-alegou a C...(Portugal), como consta de fls. 407 a 409:
"A) Não existe qualquer nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, na medida em que a sentença recorrida apreciou a questão suscitada pelas Recorrentes, tendo concluído que o preço anormalmente baixo se apurava, no caso dos autos, por referência aos preços base unitários;
B) Sendo o preço base uma premissa para o apuramento do que seja o preço anormalmente baixo, também não existe qualquer excesso de pronúncia quando o Tribunal a quo se debruça sobre tal conceito, tanto mais que ele é convocado quer pelas Recorrentes quer pelas Recorridas;
C) Já quanto aos erros de julgamento, verifica-se que nenhum deles ocorre;
D) O objecto do concurso em apreço é a celebração de um acordo-quadro, visando-se fixar o co-contratante e os preços unitários a fornecer determinado tipo de bens e serviços;
E) As entidades adquirentes não serão a entidade adjudicante, mas antes os Hospitais, E.P.E. da Região Autónoma dos Açores;
F) Para o contrato dos autos, apenas os preços unitários são submetidos à concorrência;
G) O Caderno de Encargos apenas fixa preços base unitários, quer das refeições quer dos suplementos, não fixando quanto a estes últimos qualquer estimativa de quantidades a fornecer;
H) Estes últimos preços apenas são agregados para efeitos de aplicação do critério de avaliação, não podendo retirar-se dessa agregação qualquer consequência sobre o que seja o respectivo preço base global;
I) Nos termos do art°47°, n°5 do CCP, apenas é possível determinar um preço base global quando o PC ou o CE estipulem as quantidades a fornecer, caso contrário, o preço base unitário deve ser utilizado para os efeitos do disposto no art°71° do CCP, para aferição do que seja um preço anormalmente baixo;
J) Da mesma forma, as propostas das Recorrentes seriam excluídas caso apresentassem preços unitários de suplementos superiores aos respectivos preços base unitários;
K) Seria absolutamente absurdo pretender ponderar os referidos preços base com o somatório dos preços base unitários fixados;
L) Se o preço base unitário serve para limitar qual o máximo preço admissível, também serve de referência para limitar qual o mínimo preço admissível sem que seja necessário um documento justificativo do preço;
M) Chegando-se à conclusão que no presente concurso os preços base são unitárias e que os preços anormalmente baixos se apuram por referência àqueles preços base unitários, as propostas que os apresentem e não contenham o respectivo documento justificativo foram bem excluídas, como é o caso das propostas das Recorrentes;
N) É que a incorrecta interpretação das regras concursais é-lhes imputável, contrariamente ao que invocam, inclusivamente por esta ser a única interpretação que é coerente com o respectivo sistema normativo;
O) A incorrecta interpretação da lei não isenta do respectivo cumprimento, pelo que deveriam as Recorrentes ter apresentado com as suas propostas os documentos justificativos dos preços anormalmente baixos apresentados;
Termos em que, Devem os presentes recursos ser julgados improcedentes, por não provados, e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, com as legais consequências. Só assim se decidindo, SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!"

O Digno Magistrado do M.º P.º não emitiu parecer.

2. Fundamentação
2.1 Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão, que vão por nós numerados:
"1) Por Anúncio de Procedimento n°5/2011, publicado no Diário da República, II Série, n°2, de 4 de Janeiro de 2011, foi lançado o Concurso Público n°1/2011 para a celebração de acordo quadro relativo à prestação de serviços de confecção e distribuição de refeições aos doentes e pessoal dos Hospitais E.P.E. da Região Autónoma dos Açores.
2) O identificado Concurso Público tem por objecto a celebração de acordo quadro relativo à prestação de serviços de confecção e distribuição de refeições aos doentes e pessoal dos três Hospitais E.P.E. da Região Autónoma dos Açores, nomeadamente, o Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, E.P.E., o Hospital da Horta, E.P.E., e o Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, E.P.E. (cf nº1.1 e 2.1 do Programa do Procedimento).
3) Rege-se pelos respectivos Programa e Caderno de Encargos.
4) A entidade adjudicante é a B... - B..., S.A., criada pelo Decreto Regulamentar Regional n°4/2009/A, de 15 de Fevereiro.
5) Nos termos do artigo 1° do Decreto Regulamentar Regional n°4/2009/A, de 15 de Fevereiro, a B..., S.A., foi criada para o sector da saúde da Região Autónoma dos Açores para celebrar contratos de aprovisionamento para o estabelecimento de condições de fornecimento de bens e serviços específicos desse sector, bem como adjudicar propostas a pedido e em representação das entidades compradoras na locação ou aquisição de bens ou serviços que lhes são destinados.
6) A B...- B..., S.A., resultou da transformação do Instituto de Gestão Financeira da Saúde da Região Autónoma dos Açores em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos operada pelo Decreto Legislativo Regional n°41/2003/A, de 6 de Novembro de 2003.
7) Apresentaram proposta no identificado Concurso Público a D...- D..., S.A., a C...(Portugal) - C..., Lda, a A... - A..., SA, e a E..., SA.
8) No Relatório Preliminar, o Júri do Concurso propôs a exclusão das propostas da D...e da A... porque apresentaram "preços contratuais para vários suplementos que são mais de 20% inferiores ao preço base para cada um deles", nenhuma delas tendo apresentado documento justificativo de tal, pelo que, no seu entender, as mesmas caem na previsão dos números 15.1., 22.2. al e) e 24.3. do Programa.
9) Em sede de audiência prévia, a D...e a A... pronunciaram-se contra a sua exclusão.
10) O Júri do Concurso, no Relatório Final, manteve o teor e as conclusões do Relatório Preliminar, deliberando a exclusão das propostas da D...e da A..., e propondo a adjudicação à C....
11) Em 25 de Março de 201 1, o conselho de Administração da B..., SA, deliberou adjudicar o concurso público para celebração de acordo quadro relativo à prestação de serviços de confecção e distribuição de refeições aos doentes e pessoal dos Hospitais EPE da Região Autónoma dos Açores ao concorrente C...Portugal, Lda, por ter sido o concorrente mais bem classificado nos termos da sua proposta.

2.2. Matéria de Direito
Em sede de fundamentação jurídica, a sentença recorrida expendeu o seguinte:
"(...)1. Compulsemos os preceitos do Código dos Contratos Públicos com interesse para a decisão, nomeadamente os que são invocados pelas autoras, para fundamentar a sua pretensão, na parte em que atacam a decisão da sua exclusão.
Artigo 47.°
« 1 - Quando o contrato a celebrar implique o pagamento de um preço, o preço base é o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o seu objecto, correspondendo ao mais baixo dos seguintes valores: a) O valor fixado no caderno de encargos como parâmetro base do preço contratual; b) O valor máximo do contrato a celebrar permitido pela escolha do procedimento, quando este for adoptado nos termos do disposto nos artigos 9°, 20° ou 21°; c) O valor máximo até ao qual o órgão competente, por lei ou por delegação, pode autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar.
(...)
5 - Quando o caderno de encargos fixar apenas preços base unitários, considera-se que o valor referido na alínea a) do nº1 corresponde à multiplicação daqueles pelas respectivas quantidades previstas no caderno de encargos».
Artigo 56°, n°1- «a proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo».
Artigo 57°, nº1°- «a proposta é constituída pelos seguintes documentos: (...) b) documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; (...) d) documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento».
Artigo 70°, n°2 - «são excluídas as propostas cuja análise revele: a) que não apresentam algum dos atributos, nos termos do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 57.°; (...) e) um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos de disposto no artigo seguinte; (...)».
Artigo 71°, n°3 - «nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito».
Artigo 72°- «1 - o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas; 2 - os esclarecimentos prestados pelos respectivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n°2 do artigo 70°»
Artigo 97°, n°1 - «para efeitos do presente Código, entende-se por preço contratual o preço a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato».
Artigo 146°, n°2 - «no relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: (. .) d) que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº1 do artigo 57.°».
Bem como os artigos em causa do Programa de Procedimento
15.1 - «para efeitos do presente procedimento considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja mais de 20% inferior ao preço base fixado no caderno de encargos».
12.1, alínea j) - «a proposta deve incluir os elementos documentais enunciados em seguida, pela ordem aí elencada, de apresentação obrigatória: (...) j) documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento».
22.2, alínea e) - «são excluídas as propostas cuja análise revele: (...) e) um preço anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados».
E as cláusulas do Caderno de Encargos visadas
Cláusula 24ª, n°1 - «pelo fornecimento dos serviços objecto do Contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações decorrentes do presente Caderno de Encargos, a Entidade contratante deve pagar ao Adjudicatário o preço constante no Acordo Quadro».
Cláusula 27ª, n°s1 - «o preço base contratual para as principais refeições é o constante do Anexo I» -, 2 - «o preço base contratual para o fornecimento dos principais suplementos alimentares é o constante do Anexo II» - e 6 - «os preços devem referir-se às unidades que, para cada produto, sejam indicadas nas Cláusulas Técnicas Especiais e este preço unitário não deve exceder o preço máximo estipulado nos Anexos I e II».
2. As autoras fundamentam os seus pedidos, em síntese, em manifesta ilegalidade do acto impugnado que, ao excluir as propostas daquelas, com fundamento em apresentarem preços contratuais para vários suplementos que são mais de 20% inferiores ao preço base para cada um deles, violou flagrantemente o disposto nos artigos 15.1., 22.2, alínea e), 24.3 e Anexo III do Programa de Procedimento, das cláusulas 24°, n°1, 27°, nºs 1 e 2, e Anexos I e II do Caderno de Encargos, 1°, n°4, 47°, n°s 1 e 5, 56º, n°1, 70°, n°2, alínea a), 71°, n°1, e 97°, n°1, do CCP.
No entanto, se compulsarmos o Relatório Preliminar, de páginas 5 a 11, e o Relatório Final, de páginas 2 a 6, constatamos que a decisão de exclusão das autoras se encontra muito bem fundamentada, não sendo nada evidente que a mesma padeça do vício de violação de lei. Muito pelo contrário, só podemos concordar com os seus pressupostos.
Na verdade, resulta da articulação do artigo 15° do Programa do Procedimento com os n°s 1 e 2 da cláusula 27ª do Caderno de Encargos que o preço base se reporta aos preços unitários e não a um preço global decorrente da soma de todos estes. Sendo inaplicável in casu a disciplina do n°5 do artigo 47° do CCP, já que não estão previstas quantidades que permitam o resultado que esse preceito preconiza.
A lógica do concurso, que visa um acordo quadro (cfr. os artigos 251° e seguintes do CPP), é bem diferente. Como claramente é frisado ma página 4 do referido Relatório Final, em trecho que, por ilustrativo, passamos a transcrever:
O mesmo acontece para as refeições, pois além de não existirem quantidades de aquisição, em alguns casos uns Hospitais utilizam refeições principais que outros não o fazem (como é o caso do "meio da manha").
O que equivale a dizer que, em abstracto, além das refeições principais, um determinado concorrente pode fornecer apenas os suplementos para os quais apresenta um preço unitário anormalmente baixo. O que tornaria - na óptica dos reclamantes - o preço global dos suplementos durante a execução do contrato anormalmente baixo.
Assim, estando definidos preços base unitários para os suplementos e não definindo a entidade adjudicante sequer quantidades previstas a fornecer não se poderia adoptar um critério de "preço global" que resultaria - novamente na óptica dos reclamantes - da consideração da quantidade de 1 (um) artigo de cada suplemento para chegar a esse total, o que não corresponde minimamente ao regime contratual fixado neste contrato. Razão pela qual o art. 47°, n°5, do CCP não obsta ao entendimento do júri, na medida em que aposição dos reclamardes distorce a interpretação desse preceito, pois - sendo o objecto do concurso a celebração de um acordo quadro - não existem quantidades previstas para os suplementos cujo preço anormalmente baixo motivou as exclusões.
Efectivamente, seria contrário ao princípio da concorrência aplicar o limite de 20% à soma dos diversos preços unitários, o que não traduziria a necessária garantia da fiabilidade das propostas, por não reportadas a quantidades determinadas nem a serviços delimitados no tempo. Assim, nada impediria a adjudicatária de evitar servir, durante um lapso de tempo substancial, os suplementos que apresentou com um preço unitário inferior em 20% ao preço base. Nada lhe tolhendo essa possibilidade, viria a ser ilegitimamente beneficiada no concurso, já que o preço global de cada uma das refeições acabaria por ser efectivamente mais alto do que aquele que resultasse da média dos preços dos diversos suplementos. A única garantia de que tal não aconteça é aplicar aquele limite a cada um dos preços base unitários.
Se assim discorrermos, como em uma análise sumária parece ser o mais correcto, perde todo o sentido a invocação por parte das autoras dos diversos preceitos em que se louvam, nomeadamente daqueles que lhe dariam a possibilidade de justificar a desconformidade da sua proposta. Neste último aspecto, voltamos a remeter para os considerandos do Relatório Preliminar do júri, páginas 9 e 10, quando nele se alerta para o facto de que 01 pedido de esclarecimentos previsto no n°3 do artigo 71° do CCP apenas terá lugar nos casos em que não tenha sido fixado preço base.
Do mesmo modo, se conclui que a referência ao "preço total" no ponto 15.1 do Programa do Concurso, está desfasada e só poderá resultar de uma adaptação indevida de regras que constariam do formulário de outro concurso menos específico. Tal como a menção do "preço base fixado no caderno de encargos", já que neste se não reporta apenas um mas sim muitos preços base.
Pelo exposto, não cabe a anulação do concurso, da adjudicação ou dos actos subsequentes.
(...)
Face ao que supra se expõe,
Absolvo a ré da instância, quanto aos pedidos formulados pela autora D...sob 3. e 4.
Absolvo a ré dos restantes pedidos.(...)".

Inconformadas com este recurso, a A... e a D...invocam os seguintes vícios: Nulidade da sentença por omissão e por excesso de pronúncia, erros de julgamento e consequente ilegalidade do acto de exclusão das propostas das recorrentes.
Vejamos se tais vícios procedem, recordando que a apensação ordenada a fls. 213 derivou do nexo existente entre o presente processo e o processo que corre termos neste tribunal sob o registo nº303/2011, com as mesmas partes (apenas com a diferença de a ora Autora A... aí figurar como contra-interessada e de a ora contra-interessada D...aí ser Autora), sendo idêntica causa de pedir e o pedido. Recordemos, igualmente, que as recorrentes fundamentam o seu recurso invocando a manifesta ilegalidade do acto impugnado que, ao excluir as suas propostas por as mesmas apresentarem preços contratuais para vários suplementos que são mais de 20% inferiores ao preço base para cada um deles, violou flagrantemente o disposto nos artigos 15.1, alínea e) e 24.3 do Programa de Procedimento, bem como os artigos 1º nº4, 47º nºs 1 e 5, 70º nº2 , alínea a) e 97º nº1 do C.C.P..
Quanto à recorrente D..., esta fundamenta o seu recurso, no essencial, no contrato que celebrou com o Hospital da Horta.
Comecemos pelo recurso interposto pela A..., que começa por arguir a nulidade da sentença, dizendo que o acto que determinou a exclusão da Autora tem por fundamento o facto de esta ter apresentado um preço anormalmente baixo sem que as propostas viessem acompanhadas do respectivo documento justificativo, como decorre do Relatório Final.
Ora, diz a recorrente A..., para analisar a questão da exclusão, a sentença recorrida discorre, essencialmente, sobre um assunto que não tem relevância para a causa, que é a de saber se os preços base são aplicáveis a cada um dos preços unitários, e sobre a possibilidade de o preço global das refeições ser efectivamente mais alto do que o que resulta da média, concluindo que "a única garantia de que tal não aconteça é aplicar aquele limite a cada um dos pontos unitários (cfr. p.11 e12 da sentença)".
Ainda segundo a recorrente, embora seja legitimo conhecer de causas de invalidade de actos administrativos diferentes das que tenham sido alegadas (artigo 95º nº2 do CPTA), já não será certamente legitimo conhecer de justificações para a legalidade de um acto que não constem do próprio acto.
Pelo que, diz a recorrente, o tribunal se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento, e deixou de se pronunciar sobre uma questão que deveria ter apreciado, que, constitui o único motivo de exclusão da proposta, ou seja, a de saber quando o preço total de uma proposta é anormalmente baixo para efeitos de se determinar a necessidade de entrega de uma nota justificativa dos preços do procedimento (artigos 15.1 e 22.2, al.e), do PP.
Nesta medida, o tribunal terá cometido tanto omissão como excesso de pronúncia, sendo nula a sentença.
Salvo o devido respeito, entendemos que a questão não se situa no plano da nulidade da sentença, que se encontra motivada, mas mais no plano do erro de julgamento, no qual , a nosso ver assiste razão à recorrente A....
Com efeito a sentença recorrida aderiu à deliberação do júri do concurso, que propôs a exclusão das propostas da D...e da A..., porque apresentaram preços contratuais para vários suplementos que são mais de 20% inferiores ao preço base para cada um deles, sem que nenhuma delas tivesse apresentado documento justificativo para tal.
Entendeu a sentença recorrida que resulta da articulação do artigo 15º do Programa do Procedimento com os números 1 e 2 da cláusula 27ª do Caderno de Encargos que o preço base se reporta aos preços unitários e não a um preço global decorrente da soma de todos estes.
Sendo inaplicável "in casu" a disciplina do nº5 do artigo 47º do CCP, já que não estão previstas quantidades que permitam o resultado que esse preceito preconiza.
Salvo o devido respeito, não é assim.
O conceito de preço anormalmente baixo, no caso concreto, não decorre da lei, mas sim do artigo 15.1 do Programa do Procedimento, que prescreve o seguinte: " Para efeitos do presente procedimento considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja mais de 20% inferior ao preço base fixado no Caderno de Encargos".
Ora, como defende a recorrente, e ao contrario do decidido em 1ª instância, o preço total da proposta da Autora é equivalente ao somatório dos preços unitários, e não ultrapassa esse valor, pelo que não era necessário apresentar qualquer documento justificativo.
É inquestionável que o artigo 15.1 do PP se refere tão somente ao preço total, não sendo possível, ao abrigo desse artigo, considerarem-se anormalmente baixos os preços unitários individualmente considerados.
Assim, é patente a ilegalidade da exclusão da recorrente A..., não se compreendendo a conclusão da sentença recorrida no sentido de que "a referência ao preço total no ponto 15.1 do Programa de concurso, está desfasada, e só poderão resultar de uma adaptação indevida de regras que constariam do formulário de outro concurso menos específico ".
Em suma, preço anormalmente baixo é o preço total resultante de uma proposta, que seja mais de 20% inferior ao preço base (artigo 15.1 do PP), sendo pedido aos concorrentes que indiquem na sua proposta um preço total que consista no somatório dos preços parcelares.
Finalmente, sublinha-se, para dissipar quaisquer dúvidas, que o preço total indicado para os suplementos na proposta da recorrente é de 46,24 e, por isso, inferior a 20% do preço total dos preços base definidos pela recorrida que é de 55,43.
Finalmente, dir-se-á que a jurisprudência se tem pronunciado no sentido que o conceito de preço anormalmente baixo deve ser aferida em termos globais e não parcelares. Como se escreveu, designadamente no TCA-Norte, Proc. 01274/07.1BERPT, de 03.04.2008, "O conceito de preço anormalmente baixo não se relaciona com cada um dos elementos componentes do preço proposto, de per si, mas com o preço proposto globalmente considerado". No mesmo sentido vai a doutrina, considerando que "o preço total da proposta corresponde a todas as prestações que integram o objecto do contrato a celebrar e que, em caso de adjudicação, será o preço contratual "(cfr. Jorge Andrade da Silva, "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado", 2009, p.273).
Procedem, pois, as conclusões C) e seguintes das alegações da recorrente, devendo ser revogada a sentença recorrida.

Passemos, agora, à apreciação do recurso interposto pela D....
Desde logo se verifica, pela leitura das respectivas alegações que a recorrente D...defende a anulação do concurso em causa, com argumentos praticamente iguais, no tocante à causa de exclusão das propostas, conceito de preço anormalmente baixo e interpretação dos números 15.1 e 22.2 alínea e) do Programa de Procedimento, defendendo igualmente que o preço total da proposta corresponde a "todas as prestações que integram o objecto do contrato a celebrar e que, em caso de adjudicação, será o preço contratual".
A causa de pedir e o pedido são idênticos, pedindo ambas a anulação do acto de adjudicação à C..., com base nos mesmos normativos, doutrina e jurisprudência.
Julgamos, assim, inútil, proceder à reapreciação das razões já analisadas no recurso interposto pela A....
Finalmente, as conclusões apresentadas nas contra-alegações da C...(Portugal) reproduzem na íntegra a argumentação da sentença recorrida, pelo que o seu conhecimento se tem, igualmente, por prejudicado.

3. Decisão
Em face do exposto acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, anulando o acto de adjudicação à Sociedade C...- C..., Lda e concedendo à Ré nos demais pedidos formulados pelas recorrentes.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
Lisboa, 23/11/2011

COELHO DA CUNHA
FONSECA DA PAZ
RUI PEREIRA