Sumário:
I - O artigo 184º nº 1 al. e) do CCP, atinente à fase de apresentação das candidaturas, não fixa qualquer mecanismo que autorize os candidatos a juntarem novos documentos ou suprirem irregularidades que os mesmos apresentem nas respectivas candidaturas.
II - Tal inerência decorre dos princípios da legalidade, igualdade e intangibilidade das propostas, que não autorizam, na fase de audiência prévia, que os candidatos alterem ou adicionem elementos às suas candidaturas, já que a audiência não se destina a abrir novo prazo para apresentação de documentos ou correcção dos mesmos, mas apenas permite que os concorrentes se pronunciem sobre o teor das deliberações relativamente às propostas ou candidaturas apresentadas.
Texto Integral:
Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:
Informática A...SA., com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAC de Lisboa, de 14 de Abril de 2011, que julgou improcedente a acção de contencioso pré - contratual por si intentada tendente à anulação da deliberação, de 25 de Agosto de 2010, do Conselho de Administração da Agência Nacional de Compras EPE (ANCP EPE), que aprovou o relatório final do Júri do "concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para fornecimento de papel, economato, e consumíveis de impressão", bem assim, a condenação da ora Recorrida à prática de acto legalmente devido de qualificação da ora Recorrente no referido concurso, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
" 1º A sentença recorrida, sentença do TAC de Lisboa de 14/4/11, proferida no Processo nº 1965/10.0BELSB, salvo o devido respeito, errou ao decidir que o CCP tinha quebrado o regime anteriormente previsto no DL 197/99 em matéria de admissões condicionais - regularização de documentos no prazo de três dias após a notificação para o efeito nos termos do art. 118º, nº 3, do DL 197/99;
2º Com efeito, a douta sentença recorrida ignorou completamente que a alteração feita pelo DL 278/2009, de 2 de Outubro, ao novo CCP, veio possibilitar a supressão de irregularidades nos documentos apresentados;
3º O DL 278/2009, alterou os artigos 115º, nº 1, alínea j) , 132º, nº 1, alínea g) e 164º, nº 1, alínea g), do CCP, permitindo, no que diz respeito ao concurso publico e concurso limitado por prévia qualificação, que o PC preveja o prazo a conceder pela entidade adjudicante para supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados;
4º Em face desta alteração do CCP, a doutrina não hesitou em defender que, a mesma acabou por seguir solução idêntica à que constava dos anteriores regimes da contratação pública, onde se admitia a possibilidade da correcção de irregularidades dos documentos de habilitação;
5º Assim sendo, com as novas alterações introduzidas aos preceitos referidos na conclusão 3ª, o DL 278/2009, limitou-se a consagrar nos procedimentos adjudicatórios aquilo que já resultava dos Princípios Gerais de Dto. Administrativo aplicáveis à actuação da Administração Publica, a saber, o Principio da Audiência Prévia, aplicação esta confirmada pelo nosso STA no seu Acórdão de 8/7/10 - Proc. nº 0275/10;
6º É pois bom recordar, como o fez o STA no referido Acórdão, que o Principio da Audiência Prévia permite aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre todos os actos que o possam afectar;
7ª Ora, as alterações referidas nas conclusões anteriores, para além de terem consagrado, no CCP, o Principio da Audiência Prévia em matéria de regularização de documentos apresentados pelos concorrentes, permitindo-lhes, em prazo fixado para o efeito, a regularização de tais documentos, veio também reforçar um importantíssimo Principio em matéria de contratação publica, o Principio da Concorrência;
8º Com efeito, ao permitir-se a regularização de documentos apresentados, ficou assegurada a existência de um maior numero de propostas a apreciar pela Administração, dando-lhe assim uma maior possibilidade de escolher, num leque amplo de propostas, qual a mais favorável ao interesse público, ou seja, mais e melhores propostas, utilizando a expressão deste TCA no seu Acórdão de 29/4/10;
9º Assim sendo, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, face ao artigo 267º, nº 5, da CRP, artigos 2º, nº 6, 8º e 100º, do CPA e artigos 1º, nº 4, 115º, nº 1, alínea j), 132º, nº 2, alínea g) e 164º, nº 1, alínea g), do CCP, está pois consagrado no regime jurídico da contratação publica um direito de audiência prévia dos concorrentes para efeitos de lhes ser dada a possibilidade de, tal como no anterior regime, procederem à correcção de irregularidades dos documentos de habilitação apresentados;
10º Face aos preceitos legais referidos na conclusão anterior, o Júri do " Concurso por Prévia Qualificação para a Celebração de acordo Quadro para o fornecimento de papel, economato e consumíveis de impressão", , devia ter dado à ora Recorrente a possibilidade de proceder a tal correcção de modo a que os documentos por si apresentados fossem regularizados face ao disposto no respectivo PC;
11º Assim, ao decidir que o Júri do dito Concurso tinha aplicado correctamente o artigo 184º, nº 2, alínea e), do CCP, assumindo, erradamente, que o novo CCP tinha quebrado com o regime anterior em matéria de regularização de documentos de habilitação apresentados, violou a douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, os Princípios da Audiência Prévia e da Concorrência aplicáveis à contratação pública,
12º Violando ainda, deste modo, o artigo 267º, nº 5, da CRP, os artigos 2º, nº 6, 8º e 100º, do CPA e artigos 1º, nº 4, 115º, nº 1 alínea j), 132º, nº 2, alínea g) e 164º, nº 1, alínea g), do CCP, sendo assim ilegal"
A Recorrida Agência Nacional de Compras EPE contra - alegou pugnando pela manutenção do decidido.
Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.
A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.
Tudo visto cumpre decidir.
Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a acção de contencioso pré - contratual intentada pela Recorrente tendente à anulação da deliberação, de 25 de Agosto de 2010, do Conselho de Administração da Agência Nacional de Compras EPE (ANCP EP), que aprovou o relatório final do Júri do "concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para fornecimento de papel, economato e consumíveis de impressão", bem assim, a condenação da ora Recorrida à prática de acto legalmente devido de qualificação da ora Recorrente no referido concurso.
Em síntese, entendeu a sentença em crise que o Júri do concurso aplicou correctamente o artigo 184º nº 2 al. e) do Código dos Contratos Públicos (doravante designado CCP), ao excluir a ora Recorrente por não ter apresentado os documentos exigidos no Programa do Concurso.
Considerou ainda que, face ao citado preceito, não é licito ao Júri pedir esclarecimentos quando isso implique suprir omissões dos referidos documentos.
Mais considerou que o novo Código dos Contratos Públicos veio quebrar o regime anteriormente previsto no Dec. - Lei nº 197/99, de 8 de Junho, regime este que permitia aos candidatos a possibilidade de completarem a sua candidatura com os documentos em falta, no prazo de três dias após a notificação para o efeito - artigo 118º nº 3 do Dec. - Lei nº 197/99, de 8 de Junho.
Por último, entendeu a sentença em crise que não houve violação do direito de audiência prévia, visto a ora Recorrente ter exercido esse direito, acrescentando que tal direito não contempla a junção de documentos após a apresentação da candidatura.
Discorda deste entendimento a Recorrente ao alegar que a sentença em crise ignorou completamente que a alteração feita pelo Dec. - Lei nº 278/2009, de 2 de Outubro, ao novo CCP, veio possibilitar a supressão de irregularidades nos documentos apresentados (cfr. artigo 115º nº1 al. j), 132º nº 1 al. g) e 164º nº 1 al. g) do CCP).
Assim sendo, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, face ao artigo 267º nº 5 do CRP, artigos 2º nº 6º , 8º e 100º do CPA e artigos 1º nº 4, 115º nº 1 al. j), 132º nº 2 al. g) e 164º nº 1 al. g) do CCP, está pois consagrado no regime jurídico da contratação publica um direito de audiência prévia dos concorrentes para efeitos de lhes ser dada a possibilidade de tal, como no regime anterior, procederem à correcção de irregularidades dos documentos de habilitação apresentados.
Analisemos a questão.
Desde logo, importa realçar que a Recorrente se conforma com o decidido quanto à circunstância, dada como assente, de que não apresentou todos os documentos exigidos no Programa do Concurso (PC) e destinados à qualificação dos candidatos.
Na verdade, como se alcança da alínea M) da factualidade dada como assente, a ora Recorrente não apresentou "as declarações de IES( alínea a) do nº 1 do artigo 10º do PC) nem outro documento oficial equivalente que permitisse aprovar o cumprimento do requisito mínimo obrigatório da capacidade financeira", facto que levou à exclusão da sua candidatura.
Ou seja, no entender da sentença em crise a falta de qualquer dos documentos exigidos no referido artigo 10º, nº 1 do PC constituía causa de exclusão de uma candidatura, socorrendo-se do disposto na al. e) do nº 2 do artigo 184º do CCP, que comina com a exclusão das candidaturas " que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos..." .
E, quanto a nós, com inteiro acerto.
Com efeito, não tendo a aqui Recorrente exibido todos os elementos mencionados na al. a) do nº 1 do artigo 10º do PC, como, aliás, confessa, não podia ser outra a solução a tomar na deliberação que não passasse pela exclusão da sua candidatura, em face das normas regulamentares e legais aplicadas supra elencadas.
Pretende, contudo, a Recorrente que com tal procedimento é violador do direito de audiência, fazendo alusão à redacção que o Dec. - Lei nº 278/2009, de 2 de Outubro, conferiu aos artigos 132º nº 1 al. g) e 164º nº 1 al. g) , ambos do CCP.
Porém, as disposições legais invocadas pela aqui Recorrente, atinentes à possibilidade de supressão de irregularidades detectadas em documentos apresentados circunscreve-se, nos termos legalmente fixados, à fase de habilitação, não podendo este regime ser extensivo a outras fases do procedimento.
Com efeito, se o legislador tivesse querido que tal possibilidade fosse extensiva a outras fases do procedimento teria introduzido normas nesse sentido.
Aliás, a diferença de regime entre a fase de habilitação e da apresentação das candidaturas explica-se, desde logo, pelo facto de na habilitação do adjudicatário nos depararmos, por regra, apenas perante uma única entidade a quem foi adjudicado determinado bem ou serviço, não estando, por isso, aí em causa o principio da intangibilidade das propostas ou das candidaturas, tanto mais que nada mais há a comparar nesses domínios.
E, ainda que a possibilidade de supressão de irregularidades fosse aplicada às situações de exclusão das candidaturas, o certo é que a Recorrente sempre teria de demonstrar que a não apresentação dos documentos não lhe era imputável.
Na verdade, como resulta do seu próprio clausulado, o disposto nos artigos 132º nº 1 al. g) e 164º nº 1 al. g) do CCP aplica-se por referência ao artigo 86º também do CCP, ou seja, tal supressão de irregularidades apenas tem lugar relativamente aos " documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do artigo 86º".
Ora, como resulta do nº 3 do artigo 86º do CCP, apenas haverá possibilidade de corrigir situações que tenham levado à caducidade da adjudicação, quando as mesmas resultem de facto não imputável ao adjudicatário.
Por conseguinte, o CCP ao fixar que a deliberação final quanto à admissão, ou não, das candidaturas apresentadas, seja precedida de audiência prévia, está precisamente a dar cumprimento ao artigo 100º do CPA, ou seja, que os interessados num procedimento administrativo sejam ouvidos antes de ser tomada a decisão final.
Porém, face aos princípios da legalidade, igualdade e intangibilidade das candidaturas, não é admissível, na fase de audiência prévia, que os candidatos alterem ou adicionem elementos às suas candidaturas, já que a audiência não se destina a abrir novo prazo para apresentação de documentos ou correcção dos mesmos, mas apenas permite que os concorrentes se pronunciem sobre o teor das deliberações relativamente às propostas ou candidaturas apresentadas.
Por conseguinte, no caso em apreço não ocorre a alegada violação do direito de audição prévia, uma vez que a mesma teve lugar no presente concurso (cfr. alíneas F, G) , H e I) da factualidade dada como assente), sendo de salientar que a aqui Recorrente se pronunciou, por duas vezes, sobre os motivos da exclusão da sua candidatura.
Concluímos assim, face ao disposto no artigo 184º nº 1 al. e) do CCP e artigo 10º do PC , tal como referido na sentença a quo " não estabelecendo a lei qualquer margem de discricionariedade, o Júri não teria outra alternativa senão excluir a Autora da qualificação", invocando a propósito os Acórdãos do STA de 5 de Dezembro de 2002 in Rec. nº 1130/02, de 13 de Janeiro de 2000 in Rec. nº 36585, de 13 de Maio de 1999 in Rec. nº 42161e do Pleno de 20 de Janeiro de 1998 in Rec. nº 34779.
Em face do que ficou exposto, improcedem as conclusões da alegação da Recorrente , sendo de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e de confirmar na íntegra a sentença recorrida.
Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na integra a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 15 de Setembro de 2011
ANTÓNIO VASCONCELOS
PAULO GOUVEIA
CRISTINA DOS SANTOS