Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Setembro de 2011 (proc. 7808/11)

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Sumário:

I - De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respectiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar.
II - A exigência pelo Programa do Procedimento que os documentos que constituem a proposta sejam assinados pelos representantes legais dos candidatos reconhecidos na qualidade tem como objectivo o de assegurar que as pessoas que os subscreveram têm poderes para o acto.
III - Estando demonstrado que quem subscreveu os documentos da proposta tinha poderes para tal, mostrando-se já celebrado o contrato a que se destinava o procedimento concursal onde aqueles outorgaram na qualidade de gerentes da sociedade e não constituindo a aludida falta de reconhecimento da assinatura fundamento legal para a exclusão da proposta, deve ter-se por irrelevante a preterição dessa formalidade.

 

Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. "A..., Lda", com sede na Av. Dr. ..., em Carvalhos, Vila Nova de Gaia, inconformada com a sentença do TAF de Ponta Delgada, que julgou improcedente o processo de contencioso pré-contratual que intentara contra a Região Autónoma dos Açores e em que era contra-interessado o agrupamento "B..., Lda/C..., Lda/D..., Lda", dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

"1ª - No ponto 5.4 do "Programa do Procedimento" do Concurso Público Internacional para a prestação do serviço de transporte na Ilha de Santa Maria estipulava-se o seguinte "Os documentos que constituem a proposta são assinados pelos seus representantes legais, reconhecidos na qualidade";

2ª - Os Anexos I, II, III, V e VI exigem, quer na fase anterior à adjudicação, quer depois desta, o reconhecimento das assinaturas dos legais representantes dos concorrentes na qualidade, fazendo remissão expressa para os nos 4 e 5 do art. 57º do CCP;

3ª - A única proposta apresentada ao concurso que demonstrou, por reconhecimento da qualidade, que os seus subscritores representavam, obrigando efectivamente o concorrente, foi a da ora recorrente; Com efeito, a proposta da contra-interessada (...) apresenta a declaração a que se refere a al. a) do nº 1 do art. 57º do CCP, com assinaturas ilegíveis; e se pelas sociedades "B..., Lda" e "C..., Lda" se acham apostos carimbos com a indicação "A Gerência" sobre essas assinaturas ilegíveis, pela Sociedade "D..., Lda" alcança-se a aposição de um carimbo com os únicos dizeres "D..., Lda" Ponta Delgada S. Miguel Açores", ou seja, esta sociedade nem sequer apôs o carimbo de "Gerência" sobre a assinatura ilegível que se vislumbra na mencionada declaração, nem na "Proposta" com a indicação do preço, nem no "Plano de Exploração";

4ª - O art. 57º, nº 4, do CCP, estabelece a obrigatoriedade da declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, prevista no nº 1, al. a), do mesmo preceito, dever ser assinada por aquele ou por representante que tenha poderes para o obrigar;

5ª - O art. 70º, nº 2, al. f), do CCP, estabelece o dever de exclusão por parte do júri das propostas cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;

6ª - E no mesmo sentido prescreve o art. 146º, nº 2, als. d) e e), do CCP, que comina igualmente com a exclusão por parte do júri das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no nº 1 do art. 57º ou que não cumpram o disposto nos nos 4 e 5 do art. 57º";

7ª - A jurisprudência produzida sobre esta matéria neste Tribunal tem sido a de considerar que o reconhecimento na qualidade das assinaturas dos legais representantes dos concorrentes constitui uma formalidade essencial cuja violação deve determinar a exclusão do concurso por parte do júri das propostas que não contenham o aludido reconhecimento, como se alcança do douto acórdão proferido no processo 00340/04, CA 2º Juízo, em 28/10/2004 e disponível em www.dgsi.pt, e do proferido no processo 03087/07, CA 2º Juízo, em 8/11/2007 e disponível em http://www.dgsi.pt/;

8ª - A sentença em apreço, ao concluir pela inexistência do direito invocado pela recorrente, decretando, por via disso, o indeferimento da providência cautelar, é ilegal, dado violar quer o estatuído no ponto 5.4 do "Programa do Procedimento", quer o estipulado nos arts. 57º, nos 4 e 5, 70º, nº 2, al. f) e 146º, nº 2, al. e), do C.C.P.;

9ª - Mais viola os princípios da legalidade e da igualdade contemplados nos arts. 3º e 5º nº 1, do CPA, e os princípios de segurança e certeza jurídicas, na medida em que permite que em qualquer concurso público internacional participem como concorrentes pessoas que não detenham poderes de representação legal das entidades pelas quais assinam e subscrevem propostas".
Nas respectivas contra-alegações, tanto a entidade demandada como o contra-interessado concluíram pela improcedência do recurso.

A digna Magistrada do M.P. emitiu parecer, onde concluíu que o recurso não merecia provimento.

Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2.1. Consideramos provados os seguintes factos:

a) No D.R., II Série, nº 217, de 9/11/2010, foi publicado o anúncio de procedimento nº 5093/2010, referente ao concurso público internacional nº 11/DRETT/2010, para prestação de serviço de transporte público colectivo regular de passageiros na Ilha de Santa Maria (documento constante do processo administrativo apenso);

b) O programa desse procedimento e o Caderno de Encargos constam de fls. 18 a 72 dos autos, dando-se o seu teor aqui por reproduzido;

c) A recorrente e o agrupamento contra-interessado candidataram-se ao referido concurso público, apresentando as respectivas propostas e documentos que constam do processo administrativo apenso e cujo teor aqui se dá por reproduzido;

d) Após o acto público de abertura das propostas de que foi lavrada a acta de fls. 120 e 121 dos autos, o júri do concurso elaborou o relatório preliminar de fls. 110 a 119 dos autos, cujo teor aqui dá por reproduzido e onde propunha a adjudicação da prestação de serviços ao agrupamento contra-interessado;

e) A recorrente, em sede de audiência prévia, pronunciou-se sobre esse relatório preliminar nos termos constantes de fls. 122 a 124 dos autos, onde concluía, requerendo a exclusão do agrupamento contra-interessado, por violação do preceituado no ponto 5.4 do Programa do Procedimento e no art. 57º, nº 4, do C.C.P.;

f) O júri do concurso elaborou o "Relatório Final de Apreciação das Propostas" constante de fls. 129 a 133 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde considerou que não existia fundamento para a exclusão requerida pela recorrente, tendo, por isso, mantido o conteúdo do relatório preliminar;

g) Após homologação do relatório final referido na alínea anterior, a recorrente foi notificada que, por despacho de 31/1/2011, do Secretário Regional de Habitação e Equipamentos, a prestação de serviços em causa foi adjudicada ao agrupamento contra-interessado, pelo valor anual de 174.999,96 Euros e pelo prazo de 9 anos (Fls. 128 dos autos);

h) Na sequência do aludido concurso, foi, em 2/4/2011, celebrado o contrato nº 11/2011/DRETT, constante de fls. 272 a 277 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

2.2. No processo de contencioso pré-contratual que intentou no T.A.F., a ora recorrente pediu a anulação do acto que adjudicou ao agrupamento "B..., Lda/C..., Lda/D..., Lda" a prestação de serviço de transporte público colectivo regular de passageiros na Ilha de Santa Maria e a condenação da R. a adjudicar-lhe essa prestação de serviço.
A sentença recorrida, considerando que o reconhecimento da autenticidade da assinatura dos representantes legais exigida pelo ponto 5.4 do Programa do Concurso não constituía fundamento de exclusão da proposta ao abrigo do art. 146º, nº 2, al. d), do C.C.P., julgou a acção improcedente.
No presente recurso jurisdicional, a recorrente continua a sustentar que constitui violação de uma formalidade essencial a falta de reconhecimento das assinaturas constantes da proposta apresentada pelo agrupamento contra-interessado e o facto de a Sociedade "D..., Lda" não ter aposto qualquer carimbo com indicação da qualidade de gerente sobre a assinatura ilegível que alguém fez na declaração referida na al. a) do nº 1 do art. 57º do CCP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em regra, a ilegalidade dos actos procedimentais de particulares gera a invalidade do acto jurídico-público do procedimento que o tomou como pressuposto ou requisito.
Tem-se entendido, porém, que os concorrentes não devem ser penalizados por faltas ou irregularidades das propostas que sejam irrelevantes ou insignificantes em relação à firmeza do compromisso assumido com a respectiva apresentação ou em sede de sua apreciação ou ordenação (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in "Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública", 2011, pág. 243).
Por isso, como entendem estes autores (ob. cit., pág. 247), fazendo apelo à teoria das formalidades relativamente essenciais, "a inobservância ou deficiente cumprimento de formalidades legais ou regulamentares respeitantes à sua prática só implica a "invalidade" do acto procedimental do particular, isto é, a sua inaptidão para produzir os efeitos próprios ou típicos a que tende ou seja, aqui, só implique a exclusão da respectiva proposta quando se tratar de formalidade a cuja preterição a lei assaque tal sanção ou, se não puder, mesmo assim, dar-se como acautelados e assegurados, no caso concreto, por qualquer outra via (por mero acaso, até) os interesses ou valores que essa formalidade visava tutelar".
No caso em apreço, afigura-se-nos ser indubitável que a proposta do agrupamento contra-interessado desrespeitou o ponto 5.4. do Programa do Procedimento, quando exigia que os documentos que constituíam a proposta fossem "assinados pelos seus representantes legais, reconhecidos na qualidade".
A exigência desta formalidade, que não consta da lei e cuja preterição não constitui fundamento para a exclusão da proposta (cfr. nº 2 do art. 70º do CCP), tem por objectivo assegurar que as pessoas que a subscreveram tinham poderes para o acto.
E se é certo que, como nota a recorrente, as certidões permanentes juntas com a proposta não demonstram que esta foi subscrita pelos gerentes das sociedades que integravam o agrupamento contra-interessado, não se pode olvidar que entretanto foi celebrado o contrato a que se destinava o procedimento concursal onde outorgaram, na qualidade de gerentes dessas sociedades, precisamente aqueles que subscreveram os documentos que constituíam a proposta.
Assim, estando demonstrado que quem subscreveu os documentos da proposta tinha poderes para o acto e já tendo sido celebrado o contrato que constituía objecto do procedimento concursal, mostra-se irrelevante a formalidade preterida por ter sido atingido o objectivo que com ela se pretendia.
Alega ainda a recorrente que, quanto à Sociedade "D..., Lda", não se deve considerar assinada a declaração a que se refere a al. a) do nº 1 do art. 57º do CCP, em virtude de nela não se ter aposto qualquer carimbo com indicação de que quem a assinava eram os gerentes.
Entendemos, todavia, que a situação descrita não configura uma falta de assinatura da aludida declaração, pois, além de a mesma estar assinada, resulta claramente do seu teor que a assinatura é a daqueles que estão identificados nessa declaração com "a qualidade de representantes legais" das sociedades que integram o agrupamento e que "declaram, sob compromisso de honra, que as suas representadas se obrigam a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos" (cfr. declaração constante do processo administrativo apenso). Acresce que as referidas assinaturas são idênticas às constantes de outros documentos que constituem a proposta e cujo carimbo contém a menção "Os Gerentes" (cfr. "Plano de Exploração", Anexo II, constante do processo administrativo apenso). Assim, a mencionada declaração não enferma da apontada ilegalidade.
Portanto, improcede o presente recurso jurisdicional.

3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com 1 UC de taxa de justiça, nos termos da Tabela II anexa ao RCP.

Lisboa, 15 de Setembro de 2011

as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
António de Almeida Coelho da Cunha