Sumário:
1- A entidade adjudicante não pode escolher livremente as especificações técnicas do caderno de encargos, tem de respeitar as exigências do artº 49 do CCP.
2- A determinação das dimensões de contentores por referência a medidas concretas, escolhidas pela entidade adjudicante, sem referência a nenhuma regra de normalização conhecida, nem por desempenho ou exigências funcionais, não cumpre com as exigências do artº 49.
3- Não tendo nenhum dos concorrentes mostrado ter disponível um contentor com as medidas em causa (que, por coincidência, aparentemente, apenas existem num produto de uma empresa que não concorreu e, com as medidas exatas ao centímetro), a fixação de tais medidas, sem razão aparente que transpareça do processo administrativo junto aos autos, constitui manifesta violação do princípio da concorrência.
Texto Integral:
Recorrente: O........ - Representações Unipessoal, Lda..
Recorrido: A...........- Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos, S. A..
Vem o presente recurso interposto da Sentença que julgou a presente ação improcedente.
Foram as seguintes as conclusões da recorrente:
1- Atenta a prova produzida, existe matéria de facto que deveria ter sido dada como assente e considerada pelo Tribunal a quo, mas que não o foi, com inegável relevo para a questão a decidir, v. g. a vertida nos arts. 12.°, 13.°, 17.°, 18.° a 20.°, 34.° e 35.° da petição inicial, pelo que foi violado o disposto nos arts. 511.° e 660.°, n.° 2, do CPCiv., aplicáveis ex vi do art. 1.° do CPTA;
2- Embora tenha transposto no texto da decisão recorrida uma síntese dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, consignando ter considerado os mesmos nessa exata medida, o Tribunal a quo omitiu a necessária análise crítica desse; meio de prova e nem sequer justificou porque motivo atendeu a uma determinada versão na decisão proferida, em detrimento de outra, assim violando o disposto no art 659.n.° 3, do CPCiv., aqui aplicável por força do art. 1.° do CPTA;
3- O Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na valoração e apreciação da prova produzida, sendo igualmente manifesta a discrepância entre os elementos probatórios recolhidos e a decisão que neles se baseia, que por isso se mostra deficiente e obscura;
4- Considerando a reserva formulada pela aqui recorrente na declaração que instruiu a sua proposta, é também evidente o desacerto da apreciação de mérito feita pelo Tribunal a quo quando refere na fundamentação de direito da decisão recorrida que a candidatura por ela apresentada implica que "a mesma se autovincula ao cumprimento dos requisitos elencados no aviso de abertura e no Caderno de Encargos, passando tal regulação a integrar um requisito essencial a que deve observância";
5- Por força do regime legal vigente e aplicável, as especificações técnicas a inserir no caderno de encargos do concurso público em apreço apenas podiam ter sido fixadas por referência aos elementos mencionados nas alíneas a) e b) do n.° 2 do art: 49.° do DL n.° 18/2008, de 29-01, ou em termos de desempenho e/ou de exigências funcionais, mas sempre, e em qualquer caso, por forma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência, o que não sucedeu;
6- A dimensão exigida nas cláusulas técnicas do caderno de encargos do presente concurso para os contentores externos a fornecer (isto é, com 1,80m de altura, 1,20m de comprimento e 1,00m de largura, admitindo apenas uma variação de 5 %, para mais ou para menos, nessas medidas) não foi estabelecida por referência a quaisquer normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais ou a qualquer outro referencial técnico, não tem qualquer relação com a utilização que a Ré lhes quer dar, nem influi no nível de qualidade do bem ou no seu desempenho, e tem um efeito discriminatório, prejudicando a livre concorrência;
7- É do conhecimento geral - e, como tal, também teria de ser do conhecimento da Ré, pois até lida com o setor de atividade em causa - que as empresas; comercializam oleões de diferentes formatos e dimensões, e é também um dado 'comum e facto notório que o formato e a dimensão de um contentor não é aigo que possa ser obtido de forma pouco dispendiosa e rápida, já que esses fatores são determinados pelo molde utilizado, cujo fabrico teria de ser especificamente encomendado para satisfazer as concretas medidas constantes do caderno de encargos do presente concurso;
8- Apurou-se através da prova produzida nos autos que qualquer potencial concorrente que não dispusesse de um contentor com aquelas concretas dimensões demoraria mais de 90 dias para fabricar as 200 unidades pretendidas e só com a execução;do molde despenderia quantia nunca inferior a 15.000,00€, sendo certo que, conforme consta das alíneas H) e I) dos factos assentes, no presente concurso não era admissível a apresentação de propostas variantes, o preço base é de 190 000,00€, o prazo contratual é de 60 dias a contar da celebração do contrato e o critério de adjudicação fixado é o da proposta economicamente mais vantajosa, sendo para tal considerado o preço total e o prazo de entrega dos bens, com os coeficientes de ponderação de 60 % e 40 %, respetivamente;
9- Qualquer potencial concorrente que não dispusesse de um contentor com as concretas dimensões especificadas apresentaria, de forma necessária ou inevitável, uma proposta economicamente menos vantajosa, quando comparada com a de um concorrente que já comercializasse um oleão com aquelas características - como foi apurado ser o caso da "O......... Portugal - Soluções ..............." seja por ver empolado o custo de cada contentor, pois teria de repercutir no preço proposto o preço do novo molde, seja por o seu fabrico ser mais demorado, por ter de aguardar pela execução desse novo molde e subsequente produção de 200 unidades, com a consequente indicação de um prazo de entrega mais longo;
10- Ao exigir aquelas concretas medidas para o contentor externo a fornecer num prazo de entrega máximo de 60 dias após a encomenda, a Ré não permite que qualquer eventual concorrente participe em condições de igualdade com a(s) empresa(s) do setor que já disponha(m) de um molde com aquelas características, por operar(em) no mercado com oleões daquela dimensão;
11- O que releva nestes autos não é saber se, em concreto, houve o propósito de favorecer ou beneficiar qualquer empresa em detrimento de outra(s), mas antes, e apenas, ajuizar se a especificação em causa é suscetível de, em abstrato, atentar contra os princípios da concorrência, igualdade e imparcialidade que regem qualquer concurso público, cuja observância decorre do imposto nos n.°s 1 e 2 do art. 49,° do CCP, mas é também postulada pela própria essência do Estado de Direito e sempre aplicáveis por estarem consignados no art. 266.°, n.° 2, da CRP e nos arts. 3.°, n.° 1, 5.° e 6.° do CPA;
12- Ao entender que semelhante especificação é admissível à luz das normas e princípios que regem a contratação pública, julgando a ação improcedente por esse motivo, o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei ao caso sub judice, assim violando, nomeadamente, o disposto nos arts. 61.° e 49.° do CCP, no art. 266.° n.° 2, da CRP e nos arts. 3.°, n.° 1, 5.° e 6.° do CPA;
13- Independentemente do que acaba de dizer-se, a inclusão daquela especificação técnica no caderno de encargos do presente concurso é também ilegal por assentar em critério manifestamente inadmissível ou desacertado - qual seja o de que foi fixada por motivos que têm a ver com a integração nos Ecopontos já existentes, nomeadamente quanto à cor, formato e dimensões -, assim impondo a necessária censura por parte desse Venerando Tribunal;
14- O invocado propósito de integração nos Ecopontos já existentes de modo algum justifica a especificação em causa, que é claramente atentatória dos princípios da participação dos concorrentes em condições de igualdade e da promoção da concorrência, e antes deveria ter-se entendido, por força do disposto nos n.°s 4 e 5 do art 49.° do CPP, que a solução apresentada na proposta da Autora e ora recorrente satisfaz, de modo equivalente, aquela exigência;
15- É falso e incompreensível que uma dimensão distinta da exigida no caderno de encargos impeça a colocação dos oleões nos locais onde já existem ecopontos para recolha de resíduos sólidos urbanos (RSU), pois a diferença de formato e dimensão não impede a respetiva integração, nem implica que ocupem "espaço público que não está afeto à recolha seletiva de RSU e de OAU";
16- Conforme o modelo proposto pela aqui recorrente evidencia, não é pelo facto de um oleão ter dimensões distintas das previstas no caderno de encargos do presente concurso que se torna impossível proceder à sua colocação, limpeza e manutenção exatamente da mesma maneira que é feita com os ecopontos já colocados, ou seja, no mesmo local, utilizando os veículos de recolha existentes, adotando as mesmas técnicas e empregando os mesmos meios físicos;
17- É igualmente inconsistente o argumento de que aquela especificação "incentiva ao depósito voluntário deste tipo de resíduos" porquanto é evidente que o público tanto deposita óleos alimentares usados num contentor com as exatas dimensões estabelecidas no caderno de encargos do presente concurso, como num com outras dimensões, sendo certo que aquele que a ora recorrente propôs até tem um design mais moderno e atrativo para o efeito, além de permitir a sua utilização por crianças e pessoas com mobilidade reduzida ou outras limitações de altura;
18- O argumento do puro conceito estético não consta dos itens a valorar no âmbito do presente concurso e o certo é que jamais poderia constituir um requisito imperativo ou preclusivo, pois ficou demonstrado que em nada contende com a funcionalidade ou o desempenho dos contentores a adquirir;
19- Os autos revelam que a especificação impugnada não traduz uma exigência funcional válida ou justificada e, bem pelo contrário, que a dimensão do contentor externo prevista no caderno de encargos é irrelevante em termos de desempenho do bem a adquirir pela Ré, sendo totalmente falso que só um modelo com aquela característica sirva para o fim a que se destinam;
20- Mesmo que pudesse entender-se que a definição da cor, formato e dimensões do contentor a fornecer tem a ver com a necessidade de integração nos Ecopontos já existentes, o Tribunal sempre teria (e terá) de concluir que, para qualquer potencial concorrente que não possua já um oleão com aquelas medidas, a especificação sindicada é de impossível compatibilização com os prazos e o modelo de avaliação das propostas definidos pela Ré e que o desiderato seria alcançado através da previsão de limites mínimos e máximos que ainda permitissem a desejada integração nos Ecopontos já existentes, mas com uma latitude tal que permitisse a participação de todos os eventuais concorrentes em condições de igualdade;
21- Contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal a quo, a especificação relativa à dimensão do contentor a fornecer não tem comparação possível com outras exigências igualmente constantes do caderno de encargos em causa, como por exemplo sucede com a cor estabelecida e a aposição de uma placa metálica, posto que estas últimas são admissíveis à luz da liberdade de decisão da Ré e justificadas por critérios de conveniência e de oportunidade isentas de reparo, na medida em que não ofendem os princípios da participação dos concorrentes em condições de igualdade e da promoção da concorrência, ao contrário do que manifestamente acontece com a especificação impugnada;
22- A sentença recorrida deve ser revogada e emitir-se um novum judicium, que decida pela procedência do pedido formulado a título principal ou, pelo menos, daquele que foi deduzido a título subsidiário.
Foram as seguintes as conclusões da recorrida:
A - A douta sentença recorrida está devidamente fundamentada, de facto e de direito, fez uma adequada interpretação e integração jurídica e não enferma de qualquer deficiência pelo que deve manter-se inalterada.
B - A definição das especificações técnicas dos oleões, tal como foram definidas no Caderno de Encargos, não ofendem qualquer norma ou interesse legalmente protegido.
C - A sentença recorrida apreciou e valorizou fundamentadamente a prova produzida.
D - É irrepreensível na qualificação e integração jurídica que fez.
E - Não enferma de qualquer vício, irregularidade ou obscuridade que possam determinar a sua alteração.
2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
A) A Entidade Demandada implementou um sistema de recolha e gestão de óleos alimentares usados que abrange quase todos os municípios do Algarve (por acordo);
B) No âmbito da sua atividade, por deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, "A............ - Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos - S.A.", de 2010.10.22, foi autorizada a abertura de procedimento necessário para a contratação do fornecimento de contentores plásticos para óleos alimentares usados (cfr ponto 1. do Relatório Preliminar de Análise das Propostas inserto a fls não numeradas do processo administrativo);
C) A Entidade Demandada, "A.......... - Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos - S.A.", lançou Concurso Público para "Concurso Público para fornecimento de contentores plásticos para óleos alimentares usados com depósito interior", mediante Anúncio nº 1850/2010, publicado no Diário da República, nº 88, II Série, de 6 de maio de 2010 (cfr doc nº 2 junto com a petição inicial e processo administrativo);
D) O anúncio do concurso referido na alínea anterior foi publicado na plataforma eletrónica (cfr processo administrativo);
E) O Concurso Público referido na alínea C) regeu-se pelo Programa de Concurso (PC) e Caderno de Encargos (CE) (cfr processo administrativo e doc nº 2 junto com a petição inicial);
F) O Concurso tem por objetivo a aquisição de contentores plásticos para óleos alimentares usados com depósito interior (cfr Cláusula 1ª do Caderno de Encargos junto como doc nº 3 com a petição inicial);
G) O Caderno de Encargos respeitante ao "Concurso Público para fornecimento de contentores plásticos para óleos alimentares" discrimina na Parte II - Cláusulas Técnicas, as características técnicas do fornecimento (cfr doc nº 3 da petição inicial) e são elas:
Contentores plásticos para OAU com depósito interior
Contentor exterior:
Material: Polietileno de alta densidade
Cor contentor: Castanho
Cor da boca: laranja (RAL 2008)
Dimensões: altura - 1,8m ± 5% largura - 1,0m ± 5% cumprimento - 1,2m ± 5%
Bacia de retenção: capacidade > 20 litros
Placa metálica com logótipo da A........... a 2 cores.
Na boca do contentor incluir o texto -Deposite aqui os óleos alimentares usados sempre em garrafa de plástico devidamente fechados‖.
Identificação em Braille do contentor como sendo para OUA
Contentor interior:
Material: Polietileno de alta densidade
Cor contentor: preto/cinza
Tampa: Polietileno de alto densidade de cor laranja. (RAL 2008)
Capacidade: > 300 litros
Equipado com rodas para facilitar a movimentação
H) Do anúncio do concurso consta que o valor do preço base do procedimento é de 190.000,00€, que o prazo contratual é de 60 dias a contar da celebração do contrato e não é admissível a apresentação de propostas variantes (cfr fls não numeradas do processo administrativo);
I) Como critério de adjudicação foi fixado o da proposta economicamente mais vantajosa de acordo com o modelo de avaliação constante do artigo 9º do Programa de Concurso (cfr fls não numeradas do processo administrativo);
J) A Autora é uma sociedade comercial que tem por objeto o comércio, a importação, a exportação e a representação de artigos e equipamentos para proteção ambiental (cfr doc n° 1 da petição inicial);
K) A Autora apresentou a sua proposta e não foi admitida a concurso (cfr ponto 3. do Relatório Preliminar de Análise de Propostas constante de fls não numeradas do processo administrativo);
L) O júri decidiu propor a exclusão de todos os concorrentes e de anular o procedimento (cfr ponto 4. do Relatório Preliminar de Análise de Propostas constante de fls não numeradas do processo administrativo);
M) Foi feita a audiência prévia, tendo a Autora apresentado os seus argumentos e pedido a admissão da sua proposta ao concurso (cfr fls não numeradas do processo administrativo);
N) Em 2010.10.14, o júri do concurso suspendeu a elaboração do relatório final do procedimento, devido à apresentação da ação judicial ora em análise (cfr fls não numeradas do processo administrativo);
O) Em 2010.06.04 a Autora intentou o presente processo de contencioso pré-contratual.
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso, tendo-o feito a fls. 402, no sentido da sua improcedência.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.
3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Houve erro na apreciação da matéria de facto ?
3.2. Houve violação do artº 659.3. CPC ?
3.3. As especificações técnicas são ilegais ?
4.1. Veio a recorrente impugnar a matéria de facto fixada, alegando que "deveria ter sido dada como assente e considerada pelo Tribunal a quo, mas que não o foi, com inegável relevo para a questão a decidir, v. g. a vertida nos arts. 12.°, 13.°, 17.°, 18.° a 20.°, 34.° e 35.° da petição inicial".
Aquando da inquirição das testemunhas, o depoimento das mesmas foi gravado. Assim sendo, por força do artº 685-B.2. CPC, o recorrente tinha o ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sob pena de imediata rejeição do recurso. Esta exigência não se destina apenas ao Tribunal conseguir mais facilmente localizar a fundamentação da recorrente (o que no caso dos autos seria bastante simples, pois só foram inquiridas duas testemunhas), mas também permitir à recorrida indicar outras passagens da gravação que infirmem o invocado.
Como a recorrente não indicou as passagens da gravação em que se funda, o recurso tem de ser rejeitado nesta parte, por força do artº 685-B.2. CPC.
Quanto aos factos invocados no artº 14 das alegações de recurso, os mesmos são irrelevantes para a correta decisão da causa.
Quanto aos factos invocados no artº 16 das alegações de recurso, a situação é a mesma da verificada acima, ou seja, como a recorrente não indicou as passagens da gravação em que se funda, o recurso tem de ser rejeitado na parte em que se funda na prova testemunhal, por força do artº 685-B.2. CPC.
Contudo, a recorrente alega ainda (ponto 3 do artº 16 das alegações de recurso) matéria que se pode dar como provada como base no doc. 5 junto com a p. i..
Assim sendo, porque o documento retrata o facto que se pretende provar, ao abrigo do artº 712.1.a) CPC, mais se adita o seguinte facto:
P) A empresa "O........... Portugal - Soluções ............" lançou no mercado, em início de 2010, um contentor destinado à deposição seletiva de óleos alimentares usados, designado por "C................", com 1.8m de altura, 1.0m de largura e 1.2m de comprimento - doc. 5 junto com a p. i..
4.2. Para haver a violação do artº 659.3. CPC nos termos apontados pela recorrente, ela teria de alegar em que partes dos dois depoimentos eles foram contraditórios, qual a versão que o Tribunal recorrido aceitou, para se ver se essa opção foi ou não fundamentada. Ora, nada disto tendo sido feito, não se pode dar como verificada a violação do referido preceito.
4.3. O artº 49 do CCP diz, sobre as especificações técnicas:
"1 - As especificações técnicas, como tal definidas no anexo VI da Diretiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março, e no anexo XXI da Diretiva n.º 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março, devem constar do caderno de encargos e são fixadas por forma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
2 - Sem prejuízo das regras técnicas nacionais obrigatórias, desde que sejam compatíveis com o direito comunitário, as especificações técnicas devem ser fixadas no caderno de encargos:
a) Por referência, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais ou a qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização, acompanhadas da menção «ou equivalente»;
b) Na falta de qualquer dos referenciais técnicos referidos na alínea anterior, por referência a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, de cálculo e de realização de obras e de utilização de materiais, acompanhadas da menção «ou equivalente»;
c) Em termos de desempenho ou de exigências funcionais, incluindo práticas e critérios ambientais, desde que sejam suficientemente precisas para permitir a determinação do objeto do contrato pelos interessados e a escolha da proposta pela entidade adjudicante;
d) Nos termos referidos na alínea anterior, baseando a presunção da conformidade com aquele desempenho ou com aquelas exigências funcionais na remissão para as especificações a que se referem as alíneas a) e b).
3 - As especificações técnicas podem ainda ser fixadas, simultaneamente, por referência aos elementos referidos nas alíneas a) e b) do número anterior para certas características e em termos de desempenho ou de exigências funcionais para outras características.
4 - Não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respetivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referência, fixadas de acordo com o disposto nas alíneas a) ou b) do n.º 2, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações.
5- Quando as especificações técnicas de referência tenham sido fixadas nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2, não podem ser excluídas propostas relativas a obras, a bens ou a serviços, desde que estejam em conformidade com normas nacionais que transponham normas europeias, com homologações técnicas europeias, com especificações técnicas comuns, com normas internacionais ou com qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização, se estas especificações corresponderem ao desempenho ou cumprirem as exigências funcionais fixadas no caderno de encargos.
6 - No caso referido no número anterior, cabe ao concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que a obra, o bem ou o serviço conforme com a norma corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais fixadas pela entidade adjudicante.
7 - Quando as especificações técnicas sejam fixadas em termos de desempenho ou de exigências funcionais que digam respeito a práticas e critérios ambientais, o caderno de encargos pode prever especificações pormenorizadas ou, em caso de necessidade, parte destas, tal como definidas pelo rótulo ecológico europeu ou por qualquer outro rótulo ecológico, desde que:
a) Essas especificações sejam adequadas à definição das características dos bens ou serviços objeto do contrato a celebrar;
b) Os requisitos do rótulo sejam elaborados com base numa informação científica;
c) Os rótulos ecológicos sejam desenvolvidos por um procedimento em que possam participar todas as partes interessadas, tais como os organismos governamentais, os consumidores, os fabricantes, os distribuidores e as organizações ambientais; e
d) Sejam acessíveis a todas as partes interessadas.
8 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o caderno de encargos pode indicar que se presume que os bens ou serviços munidos de rótulo ecológico satisfazem as especificações técnicas nele definidas, sem prejuízo de a entidade adjudicante dever aceitar qualquer meio adequado de prova para o efeito apresentado pelo concorrente.
9 - Para efeito do disposto nos n.os 4, 6 e 8, o concorrente pode apresentar um dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio de um organismo reconhecido.
10 - Entende-se por organismo reconhecido os laboratórios de ensaio ou de calibração e os organismos de inspeção e de certificação que cumprem as normas europeias aplicáveis.
11 - As entidades adjudicantes devem aceitar certificados de organismos reconhecidos estabelecidos noutros Estados membros.
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excecional, a fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção «ou equivalente», aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos n.os 2 a 4, as prestações objeto do contrato a celebrar.
14 - Sempre que possível, as especificações técnicas devem ser fixadas por forma a contemplar características dos bens a adquirir ou das obras a executar que permitam a sua utilização por pessoas com deficiências ou por qualquer utilizador."
Resulta desta disposição legal que a entidade adjudicante não pode fixar as especificações técnicas que lhe aprouver, antes está condicionada por regras. Dizem a este respeito Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pág. 363:
"A seleção das especificações técnicas a incluir no caderno de encargos não é uma tarefa do livre alvedrio do órgão adjudicante (a quem cabe a aprovação das peças do procedimento), estando juridicamente sujeita a determinados requisitos legais.
Pode, por um lado, estar sujeita à observância de uma escala hierárquica de normalização técnica - ou, como diz a lei, das especificações técnicas de referência - desenhadas nas alíneas a e b) do artº 49.2 do CCP com a seguinte ordenação decrescente:
- a regras técnicas nacionais que sejam obrigatórias, desde que compatíveis com o direito comunitário;
- a normas nacionais que transponham normas europeias;
- a homologações técnicas europeias;
- a especificações técnicas comuns;
- a normas internacionais;
- a qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização;
- a normas nacionais;
- a homologações técnicas nacionais;
- a especificações técnicas nacionais;
Assinala-se todavia que a própria lei, nas alíneas a) e b) do artº 49.2., dispõe - em defesa do princípio geral da concorrência - que as prescrições técnicas formuladas por remissão para essas regras, normas, homologações, especificações e referenciais devem ser sempre acompanhadas da menção "ou equivalente", alternativa que deve ler-se como respeitando às características ou exigências funcionais da especificação em causa (não a esta mesma).
É o que resulta claramente do facto de o nº 4 desse artº 49 permitir que o concorrente que não tenha oferecido obras, produtos ou serviços com as prescrições técnicas exigidas nas tais especificações de referência venha demonstrar que "as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações".
As especificações técnicas do caderno de encargos podem também ser descritas - como se prevê na alínea c) do artº 49.2 do Código - por referência não a produtos ou serviços normalizados, mas ao seu desempenho ou exigências funcionais, quando tais características sejam suficientemente precisaspara determinação do objeto do contrato e escolha da proposta adjudicatária.
Aqui, como contrapartida do que se passa no caso anterior com a permissão de apresentação "equivalente", permite-se aos concorrentes que ofereçam nas suas respetivas obras, bens ou serviços conformes com mas especificações de referência, desde que estas respondam às exigências funcionais das prescrições técnicas do caderno de encargos, cabendo-lhe porém fazer prova adequada e suficiente dessa correspondência.
As duas referidas modalidades de seleção e descrição das especificações técnicas devem considerar-se alternativas, sem precedência de qualquer uma delas, como o inculcam a alínea d) do nº 2 do artº 49 e o respetivo nº 3.
Neste último, o legislador previu que pudesse usar-se simultaneamente os dois processos, definindo-se no caderno de encargos algumas características do produto ou serviço a contratar por referência a especificações normalizadas, outras através das exigências relativas ao seu desempenho funcional e ambiental."
Atento o que acaba de ser dito, é manifesto que a determinação das dimensões dos contentores por referência a medidas concretas, escolhidas pela entidade adjudicante, sem referência a nenhuma regra de normalização conhecida, nem por desempenho ou exigências funcionais, não cumpre com as exigências do artº 49.
Mais acontecendo que não tendo nenhum dos concorrentes mostrado ter disponível um contentor com as medidas em causa (que, por coincidência, aparentemente, apenas existem num produto de uma empresa que não concorreu e, com as medidas exatas ao centímetro), a fixação de tais medidas, sem razão aparente que transpareça do processo administrativo junto aos autos, constitui manifesta violação do princípio da concorrência.
Não está em causa se a recorrida pretendeu ou não prejudicar um conjunto de empresas ou beneficiar outras, o que está em causa é que, objetivamente, o concurso tem de permitir à generalidade das empresas que atuam no mercado a possibilidade de apresentarem as suas propostas, o que não ocorre no caso dos autos.
Impõe-se pois anular as especificações técnicas e ordenar a sua reformulação, em termos tais que cumpram com as exigências legais.
5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar procedente o recurso, revogar a Sentença recorrida e:
5.1. Declarar a ilegalidade das especificações técnicas do caderno de encargos em causa na parte das dimensões dos contentores.
5.2. Condenar a entidade recorrida a reformular as especificações técnicas, nos termos expostos.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
Lisboa, 12 de Abril de 2012
Paulo Carvalho
Ana Celeste Carvalho
Cristina dos Santos (Declaração de voto: Salvo o devido respeito pela tese que obteve vencimento, a consequência da desconformidade do Caderno de Encargos relativamente ao regime da fixação de especificações técnicas (artº49 nºs 2 a), b), c), 4, 5 CCP) com reflexos na inoperatividade do critério de adjudicação (proposta economicamente mais vantajosa, alínea I do probatório) origina a nulidade da Parte II- Cláusulas Técnicas (alínea G do probatório ) e, consequentemente, a nulidade de todo o procedimento por falta de um seu elemento essencial, nos termos do artº 133º nº1 CPA)