Sumário:
1. No artigo 61.º, n.º 5 do Código dos Contratos Públicos, não se exige um formalismo especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões, cumprindo-se este preceito se da proposta se retira, expressa e inequivocamente, o modo como foi efectuado esse suprimento.
2. Não se mostra violado o disposto no artigo 57º, n.º2, do Código de Contratos Públicos e, por isso, não se pode excluir com esse fundamento uma proposta que não apresentou, em separado, uma lista de preços unitários, se nesse caso a empresa concorrente deu a conhecer os preços que propunha para cada item da empreitada através do preenchimento da plataforma electrónica que a entidade adjudicante pôs à disposição de todos os concorrentes para o efeito.
3. Num contrato de empreitada em que se estabelece, no caderno de encargos, o prazo fixo de 420 dias para a execução da obra, é uma proposta variante a que oferece um prazo de execução de 56 semanas, motivo pelo qual deve ser excluída essa proposta no caso, como o presente, em que no programa do procedimento se vedava a apresentação de propostas variante, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 59º, n.º 7, 70º, n.º 2, alínea b), e 146º, n.º 2, alínea f), do Código de Contratos Públicos.
4. Sendo o único critério do concurso o preço mais baixo e excluída a proposta que apresentou a proposta variante de prazo, deve ser julgada procedente a acção em que, para além da anulação do acto de adjudicação da obra à empresa que apresentou tal proposta, se pede também a adjudicação da obra à autora, a empresa que apresentou a segunda proposta de preço mais baixo, logo a seguir à proposta a excluir.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
O Município de Ovar, interpôs, a fls. 111 e seguintes, o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 30 de Setembro de 2010, a fls. 95-106, que julgou totalmente procedente a acção de contencioso pré-contratual que a Construções ..., L.da intentou contra o município ora recorrente para impugnação dos actos administrativos relativos ao procedimento de concurso público da empreitada de obra pública ""EDIFÍCIO SEDE DA JUNTA DE FREGUESIA DE S. JOÃO DE OVAR", aberto pelo Município de Ovar, através do Anúncio de Procedimento n° 4897/2009, Diário da República, n.° 201, Série II, de 16 de Outubro de 2009, e em que foi adjudicada a empreitada à Contra-Interessada G...- Construções, L.da.
Invocou para tanto que a sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 61º, n.º7, alínea a), e 146º, n.º2, alínea j), do Código de Contratos Públicos.
A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da sentença impugnada.
O Ministério Público neste Tribunal pronunciou-se também pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
1.ª Conforme se afirma no douto Acórdão n.º 166/2009 do Tribunal de Contas, proferido, em 20.11.2009, no proc. n.º 1314/09,
"...o que o artigo 61.º, n.º 7, do CCP, pretende é que os documentos que constituem a proposta - indicados na alínea b) do n.º 1, do artigo 57.º do CCP -, contenham o modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra.
Ora, tal desiderato consegue-se, também, através da indicação, expressa e inequívoca, dos itens e preços apresentados na proposta, resultantes daquela correcção, já efectuada, e aceite, pelo dono da obra."
2.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a arguição da violação do preceito do art. 67-1/a, porque «se pode aceitar que se cumpriu minimamente o requisito previsto [...], porquanto o valor (€ 846,56) relativo ao artigo 8.2.2.4 está incorporado no preço da proposta e consta do mapa de quantidades, e na lista de preços da proposta é indicada a quantidade "1,00" e o respectivo preço unitário (€ 1.000) para o artigo 19.16.02».
3.ª Pela mesma razão, deveria o Tribunal a quo ter julgado não violado o comando da al. a) do mesmo artigo e número, dado que, da proposta da Contra-Interessada, decorre inequivocamente como vão ser supridos os ditos erros ou omissões.
4.ª Na verdade, pela própria natureza dos artigos em causa («fornecimento, montagem e aplicação de revestimento exterior [...]» e «fornecimento e montagem de toda a instalação eléctrica [...]»), o suprimento só pode ser efectuado por um único modo: pelo fornecimento, montagem e aplicação daqueles bens, na quantidade e pelos preços enunciados na proposta.
5.ª A falta de indicação específica dos termos ou da forma daquele suprimento não obsta a que deva considerar-se que essa indicação é expressa e inequívoca, porque expressamente e inequivocamente constam da proposta as quantidades e preços unitários daqueles artigos.
6.ª De resto, só os vícios graves podem justificar a exclusão de propostas, sendo certo que, no caso vertente, não houve lesão ou perigo de lesão dos direitos ou interesses dos demais concorrentes nem da Entidade Adjudicante.
7.ª Mostram-se, assim, ofendidos, por erradas interpretação e aplicação, os preceitos dos artigos 61-7/a e 146-2/j do Código dos Contratos Públicos.
A sentença fixou como provada a seguinte matéria de facto, sem reparos nesta parte:
A) A Autora é uma empresa que se dedica à construção civil.
B) Por aviso publicado no Diário da República, n.° 201, Série II, datado de 16 de Outubro de 2009, foi aberto pela Câmara Municipal de Ovar, o Concurso Público para a Empreitada de obra pública do "Edifício Sede da Junta de Freguesia de S. João de Ovar". C) O critério de adjudicação definido foi o do "mais baixo preço".
D) Ao referido procedimento foram apresentadas propostas por 29 empresas discriminadas no ponto 11 da PI.
E) Em sede de preparação de adjudicação o júri do procedimento elaborou o relatório preliminar deliberando apenas admitir as Concorrentes nºs 2, 3, 4, 5, 7, 10, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 14, e efectuando a seguinte ordenação das propostas segundo critério de adjudicação do mais baixo preço:
1. G...- CONSTRUÇÕES, SA;
2. CONSTRUÇÕES..., LDA;
3. E..., LDA;
4. J..., LDA;
5. Q..., LDA;
6. C... - CONSTRUÇÕES CIVIS, LDA.
7. CONSTRUÇÕES E..., SA;
8. H... CONSTRUÇÕES, SA;
9. S..., SA.
10. T..., LDA;
11. N...- SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, SA;
12. V..., LDA;
13. C...- CONSTRUÇÕES, LDA;
14. S..., LDA;
15. E..., SA;
16, N...- ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, SA;
17. N..., LDA;
18. N...- ESTUDOS, PROJECTOS E OBRAS, LDA;
19. P..., LDA;
20. V..., LDA.
F) O conteúdo do relatório preliminar foi oportunamente notificado aos concorrentes, para efeitos de audiência prévia ao abrigo do artigo 147.º do C.C.P.
G) O Júri do Concurso elaborou a Lista dos Erros e Omissões do Caderno de encargos, aprovados e expressamente aceites pela entidade adjudicante.
H) Os concorrentes foram notificados pela entidade adjudicante através da plataforma electrónica de que «o artigo 19.16.2 deverá constar na lista de erros e omissões final, devendo estar designado como omissão/erro corrigido a posteriori e com a indicação do respectivo valor.
I) Os concorrentes foram igualmente notificados pela entidade adjudicante através da plataforma electrónica que "De acordo com a decisão publicada na plataforma electrónica, "o artigo 8.2.2.4 deverá constar na lista de erros e omissões final, devendo estar designado como erro corrigido a posteriori e com a indicação do respectivo valor".
J) Em 8 de Fevereiro de 2010, em sede de audiência prévia, a Autora apresentou reclamação quanto ao Relatório Preliminar, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 123°, n.º 1, aplicável ex vi do disposto no artigo 147°, ambos do CCP, opondo-se relativamente à admissão da proposta G...- CONSTRUÇÕES, SA e intenção de adjudicação à mesma da empreitada em causa.
K) A Entidade demandada respondeu à respectiva reclamação através do Relatório Final, datado de 30 de Março de 2010, nos seguintes termos:
(...)
L) Em 7 de Abril de 2010, a Autora foi notificada da decisão da Entidade de adjudicação da empreitada de obra pública ""EDIFÍCIO SEDE DA JUNTA DE FREGUESIA DE S. JOÃO DE OVAR", em causa nos autos à concorrente G...- CONSTRUÇÕES, SA
Enquadramento jurídico
I - O pedido de anulação do despacho de adjudicação.
Como se refere na sentença recorrida, foi pedido, a título principal, a anulação do acto de adjudicação relativo ao procedimento por concurso público da empreitada de obra pública ""EDIFÍCIO SEDE DA JUNTA DE FREGUESIA DE S. JOÃO DE OVAR", aberto pelo Município de Ovar, através do Anúncio de Procedimento n° 4897/2009, Diário da República, n.° 201, Série II, de 16 de Outubro de 2009, à concorrente G...- CONSTRUÇÕES, SA, Procedimento, com consequente exclusão da proposta da Concorrente G... e adjudicação da empreitada em causa à Autora por ser a proposta classificada em 2.º lugar, atendendo ao critério do mais baixo preço.
Entende a autora, ora Recorrida, que o acto deve se anulado uma vez que, em vez de adjudicar a obra em causa à Contra-Interessada, o acto impugnado deveria ter decidido a sua exclusão do concurso por quatro motivos:
1º A falta de apresentação da lista detalhada e autonomizada dos termos de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra, violando o disposto no artigo 61º, n.º 7, alínea a), do Código de Contratos Públicos.
2º A falta de apresentação, como documento autónomo, da lista de preços unitários, desrespeitando o disposto no artigo 9.3 do Programa do Procedimento e no artigo 57º, n.º 2, alínea a), do Código de Contratos Públicos.
3º A previsão de um prazo de execução de 392 dias, contrariando o prazo de execução estipulado no artigo 1.4 do Programa do procedimento, de 420 dias, e, assim, em desrespeito pelo disposto nos artigos 59º, n.º7, e 70º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Contratos Públicos.
4º O incorrecto preenchimento do formulário, nos termos previstos no Anexo I da Portaria n.º 701-G/2008, o que é também fundamento de exclusão, nos termos do disposto no artigo 13º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25.6.
Vejamos.
1º A falta de apresentação da lista detalhada e autonomizada dos termos de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra, violando o disposto no artigo 61º, n.º 7, alínea a), do Código de Contratos Públicos.
Relativamente ao primeiro ponto, defende a Autora, ora Recorrida, que a proposta da Contra-Interessada G...- CONSTRUCÕES não respeita o disposto no artigo 61°, n.° 7, alínea a) do Código dos Contratos Públicos, por não apresentar a lista detalhada e autonomizada dos termos de suprimento dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante.
A Entidade demandada defende-se sustentando que a falta de referência aos erros e omissões foi suprida pela integração dos itens em causa e dos respectivos valores na proposta da concorrente vencedora do concurso.
Dispõe o n.º 7, do artigo 61.º do Código de Contratos Públicos:
«Nos documentos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º [documentos que da proposta], os concorrentes devem identificar, expressa e inequivocamente:
a) Os termos do suprimento de cada um dos erros ou das omissões aceites nos termos do n.º 5 (...);
b) O valor, incorporado no preço ou preços indicados na proposta, atribuído a cada um dos suprimentos a que se refere a alínea anterior.»
E no caso concreto não é controvertido que a Concorrente G... omitiu na lista de erros e omissões a referência ao artigo 8.2.2.4; e não indicou, nessa lista, qualquer quantidade para o artigo 19.16.02.
Sucede que na respectiva proposta consta o mapa as quantidades e o preço unitário (846, 56 euros) para o item 8.2.2.4; assim como consta a quantidade (1) e o preço unitário (mil euros) para o artigo 19.16.02.
Sobre esta questão, suscitada em situações idênticas, pronunciou-se o Tribunal de Contas, em recentes acórdãos, reiteradamente no mesmo sentido (ver na página http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm ):
Em primeiro lugar temos o Acórdão do Tribunal de Contas n.º 166/2009, de 20.11.2009, processo n.º 1314/09 da 1ª Secção, do qual se extrai o respectivo sumário:
"1. Nos termos do art.º 61.º, n.º 5 do Código dos Contratos Públicos, o órgão competente para a decisão de contratar deve pronunciar-se sobre os erros e omissões identificados pelos concorrentes, até ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas.
2. Por seu turno, os concorrentes devem, de acordo com o disposto no n.º 7 do referido artigo, identificar expressa e inequivocamente, os termos do suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pela entidade adjudicante.
3. A lei não exige um formalismo especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões, desde que da proposta se retire, expressa e inequivocamente, o modo como foi efectuado esse suprimento.
4. A não apresentação do modo de suprimento dos erros e omissões em listas separadas, tal como o júri do procedimento entendeu, não pode ser considerada como circunstância justificativa da exclusão de propostas.
5. Uma vez que o critério de adjudicação era o do preço mais baixo, e que o concorrente excluído apresentava a proposta com menor preço, a ilegalidade verificada alterou o resultado financeiro do contrato, com agravamento do respectivo valor para a entidade adjudicante, o que constitui fundamento de recusa de visto nos termos do art.º 4.º, n.º 3, al. c) da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto.
Seguindo esta orientação surgiu depois o Acórdão do Tribunal de Contas nº 2 /10, de 26.01.2010, processo nº 2097/09 da 1ª Secção, onde se refere, de mais relevante, o seguinte:
"2. 1. Efectivamente, e como se assinala na alínea M) do probatório e na Nota Técnica indicada na alínea N) da mesma peça, os concorrentes indicados na alínea I), apresentaram as suas propostas incluindo, nelas, as Listas de Preços Unitários reformuladas e integrando os erros e omissões aceites pelo dono da obra, mas sem que tenham identificado, em qualquer lista apresentada em separado, o modo de suprimento desses erros e omissões aceites.
O que o artigo 61º, nº7 do CCP, pretende, é que os documentos que constituem a proposta - indicados na alínea b) do nº1, do artigo 57º do CCP -, contenham a identificação, expressa e inequívoca, do modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra.
Ora, como este Tribunal decidiu no Acórdão nº 166/09, de 20 de Novembro de 2009, tal desiderato consegue-se, também, através da indicação, expressa e inequívoca, dos itens e preços apresentados na proposta, resultantes daquela correcção, já efectuada, e aceite, pelo dono da obra.
Como se referiu no citado aresto, não exige a lei um formalismo especial, para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões, desde que, da proposta, se retire, expressa e inequivocamente, o modo como foi efectuado esse suprimento.
A "identificação expressa e inequívoca" poderá, por exemplo, ser conseguida através de destaque específico dos itens afectados e a alterar, designadamente em termos gráficos.
Porém, o que importa relevar é que a proposta deve conter, de forma explícita e inequívoca, os valores corrigidos, correcta e rigorosamente inseridos nos capítulos e itens de medição, pois que, desse modo, se pode aferir o modo de suprimento dos erros e omissões aceites.
É que a proposta é, nos termos do artigo 56º do CCP, a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
A apresentação do modo de suprimento dos erros e omissões em listas separadas - como parece ser o entendimento do júri do procedimento - poderá ser uma maneira, aparentemente, mais "fácil", para aferir esse suprimento.
Todavia, essa forma de apresentação, não será, até, aconselhável em termos de "gestão futura" da obra, uma vez que dificultará o enquadramento e a identificação dos trabalhos.
Do que acaba de se dizer, logo se alcança que não ocorreu a circunstância invocada para a exclusão dos concorrentes supra identificados na alínea I) do probatório, ou seja o incumprimento do artigo 61º, nº7, als. a) e b), do CCP."
A confirmar o primeiro acórdão, foi lavrado o Acórdão do Tribunal de Contas n.º 18/2010, de 15.06.2010, processo n.º 1314/2009, do Pleno da 1ª Secção):
"Com efeito, e como bem se afirma no acórdão recorrido, o art.º 61.º, n.º 7, do C.C.P., apenas obriga a que os documentos constitutivos da resposta e indicados no art.º 57.º, n.º 1, al. b), daquele mesmo diploma legal contenham o modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra. E tal exigência cumpre-se mediante a indicação, expressa e inequívoca, dos "itens" e preços corporizadores da proposta e resultante da correcção efectuada e aceite pela entidade adjudicante.
Não se retira da norma contida no art.º 61.º, n.º 7, do C.C.P., a obrigação de seguimento de alguma fórmula especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões. Importa, isso sim, que da proposta resulte, expressa e inequivocamente, o modo de efectivação do referido suprimento, sendo que, para tanto, bastará a indicação, nas atinentes propostas, dos elementos requeridos e já em conformidade com os erros e omissões, identificados e aceites pela entidade adjudicante.
Ou, dito de outro modo, e secundando o acórdão recorrido, importa, isso sim, "que a proposta contenha, de forma explicita e inequívoca, os valores corrigidos, correcta e rigorosamente inseridos nos capítulos e itens de medição", permitindo, deste modo, a aferição da forma de suprimento dos erros e omissões aceites."
Finalmente, neste mesmo sentido, temos o Acórdão do Tribunal de Contas n.º 36/2010, de 21.10.2010, processo n.º 1046/2010, da 1ª Secção, em que é requerente do visto prévio o ora Recorrente, Município de Ovar.
"1.2.
Como este Tribunal vem decidindo [vd., entre outros, o Ac. nº 18/2010, de 15.06., I Secção/PL, in Recurso Ordinário nº 35/2009], a norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, apenas obriga a que os documentos constitutivos da proposta e indicados no artigo 57º, nº 1, alínea b) daquele mesmo diploma legal, contenham o modo de suprimento de cada um dos erros e omissões aceites pelo dono da obra. E tal exigência cumpre-se mediante a indicação, expressa e inequívoca, dos "itens" e preços corporizadores da proposta e resultantes da correcção efectuada e aceite pela entidade adjudicante.
Não se retira, pois, da norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, a obrigação de seguimento de alguma fórmula especial para a evidenciação do modo de suprimento dos erros e omissões. Importa, isso sim, que da proposta resulte, expressa e inequivocamente, o modo de efectivação do referido suprimento, sendo que, para tanto, bastará a indicação, nas atinentes propostas, dos elementos requeridos e já em conformidade com os erros e omissões identificados e aceites pela entidade adjudicante.
Ainda em linha com o afirmado, e na esteira de entendimento já expresso por este Tribunal em outro lugar, adiantaremos que a expressão "identificação expressa e inequívoca" contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, até poderia sugerir o recurso a algum destaque "físico/gráfico" dos "itens" a alterar, aquando da apresentação ao dono da obra por parte dos concorrentes, dos erros e omissões.
Porém, e seguramente, tal "cautela" mostra-se desnecessária aquando da apresentação da proposta, já integrada dos erros e omissões aprovados e aceites pelo dono da obra.
1.3.
No reforço do concluído em III. 1.2., e na apreensão do melhor sentido contido na norma contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, adiantam-se ainda as considerações seguintes:
a.
O artigo 57º, nº 1, alínea b) do CCP, manda que a proposta seja integrada por documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham atributos com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
E o nº 2, daquela norma, dispõe, entre o mais, que caso o procedimento se reporte à formação do contrato de empreitada ou de concessão de obras públicas, a proposta deve ainda incluir uma lista de preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstos no projecto de execução;
O carácter exemplificativo da norma citada [art.º 57º, do CCP] permite, assim, concluir que a expressão legal "identificação expressa e inequívoca" contida no artigo 61º, nº 7, do CCP, se dirige a uma multiplicidade de contratos com natureza diversa e até questões de índole meramente técnica, mas ainda inseridas no domínio da contratualidade;
E este facto legitima, de um lado o apelo do legislador à expressão legal "identificação expressa e inequívoca" e, do outro, justifica a injunção daí decorrente;
b.
Por outro lado, a apreensão do sentido e fundamento das expressões "expressa e inequivocamente" contidas no artigo 61º, nº 7, do CCP, impõe também a convocação dos elementos "responsabilidade e responsabilização".
Nesta parte, e na explicitação da inovação normativa decorrente do CCP, diz José Manuel de Oliveira Antunes (1):
"Todos os diplomas anteriores sobre o regime de empreitadas de obras públicas, responsabilizam expressamente a entidade adjudicante - o dono da obra - pelos erros e omissões do projecto que ele próprio se encarregou de elaborar ou mandou elaborar.
O empreiteiro era subsidiariamente responsável por tais erros e omissões, apenas e tão-só, na medida em que depois da adjudicação e consignação da obra, teria um prazo para os detectar e identificar junto do dono da obra. Isto, ainda assim, se os erros e omissões fossem detectáveis nesse prazo, pela leitura e análise do projecto, conjugada com a posse dos locais pelo empreiteiro".
Trata-se, pois, de uma solução que compromete os concorrentes com a detecção de erros e omissões já na fase pré-contratual (2) e, sublinhe-se, ainda em fase concorrencial.
A solução legal vertida no art.º 61.º, n.º 1, do C.C.P., ao disciplinar a identificação dos erros e omissões ainda em fase pré-contratual e balizar, temporalmente, a respectiva apresentação [até ao quinto sexto do prazo fixado para a apresentação das propostas], está, assim, em linha com a necessidade de, definitivamente, viabilizar a justa responsabilização dos intervenientes que, de alguma forma, contribuem para uma tramitação procedimental destituída do rigor exigido e geradora de prejuízo. Preocupação que, de resto, se mostra consagrada e adequadamente regulada no Código dos Contratos Públicos [vd. art.ºs 376.º e 378.º].
c.
Por último, e ainda na consolidação do fundamento que subjaz ao emprego das expressões "expressa e inequivocamente", cumpre adiantar que estas também se suportam na ingente necessidade de prevenir e evitar os bem conhecidos "trabalhos a mais" ou trabalhos adicionais, fórmula "expedita" de suprir projectos e programas sem o rigor técnico exigido, a que se seguiam substanciais agravações de preço a suportar pelas entidades adjudicantes.
Do exposto [vd. alíneas a), b) e c)] se conclui que as expressões "expressa e inequivocamente" contidas no artigo 61º, nº 7, do CCP, não se cingem à adopção de meras formalidades, porventura relacionadas com a forma [exclui-se a substancia] de apresentação da proposta, mas visam, isso sim, a salvaguarda da posição titulada pela entidade adjudicante e, mui particularmente, na vertente material ou financeira."
Não podemos ignorar esta Jurisprudência, constante e firme, do Tribunal de Contas. Desde logo pelos seus consistentes argumentos.
Mas também porque, a seguir entendimento oposto, sufragado na decisão ora recorrida, ficaria a Administração numa situação de impasse, inadmissível, na celebração de contratos públicos.
Na verdade, se seguisse nos procedimentos de contratação pública o entendimento do Tribunal de Contas e aceitasse propostas nas condições da Contra-Interessada, evitava a recusa do necessário visto deste tribunal, mas sujeitava-se à anulação dos actos de adjudicação pelos tribunais administrativos.
Se pelo contrário, seguisse o entendimento sufragado pela ora Recorrida, mais formalista, não obteria o necessário visto do Tribunal de Contas.
Reportando-nos de novo ao caso concreto, da proposta da Contra-Interessada, consta o mapa as quantidades e o preço unitário (846, 56 euros) para o item 8.2.2.4; assim como consta a quantidade (1) e o preço unitário (mil euros) para o artigo 19.16.02.
O modo de suprimentos destes erros também resulta evidente: pelo fornecimento, montagem e aplicação destes itens nas quantidades e pelos preços propostos.
Tanto basta para se alcançar o objectivo pretendido pelo legislador, de salvaguardar a posição titulada pela entidade adjudicante.
Deverá portanto, ao contrário do decidido em primeira instância, considerar-se não verificado este vício no acto de adjudicação.
Dado que o processo fornece já todos os elementos para apreciação das demais questões suscitadas, cumpre conhecer, em substituição do Tribunal a quo, as questões que ficaram prejudicadas na decisão recorrida - n.º 3 do artigo 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Dado que essas questões foram amplamente debatidas nos articulados, não se vê necessidade de ouvir as partes sobre as mesmas, nos termos do n.º 5 do mesmo diploma.
2º A falta de apresentação, como documento autónomo, da lista de preços unitários, desrespeitando o disposto no artigo 9.3 do Programa do Procedimento e no artigo 57º, n.º 2, alínea a), do Código de Contratos Públicos.
Resulta do disposto artigo 57º, n.º 2, alínea a), do Código de Contratos Públicos, e estava consignado no artigo 9.3 do Programa do Procedimento, que as propostas deviam ser acompanhadas da "Lista de preços unitários de todas as espécies de trabalho previstas no projecto de execução".
No caso concreto a Contra-Interessada não apresentou, como documento autónomo, a lista de preços unitários mas essa lista consta da plataforma electrónica contratada pela Câmara Municipal de Ovar, devidamente preenchida pela Contra-Interessada.
Num contrato, como o presente, em que o preço é determinante dado o critério de escolha ser precisamente o "preço mais baixo", torna-se evidente que a lista de preços unitários é um elemento essencial das propostas.
Mas este argumento do caso concreto é mais formalista do que substancial.
Efectivamente o que importa para as disposições invocadas é que a entidade adjudicante possa comparar as propostas e controlar a execução da empreitada.
Como se discursa no Acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2010, de 16.12.2009, no recurso extraordinário n.º 2/09 para uniformização de jurisprudência:
"No fundo, haverá que ponderar se a omissão ocorrida inviabiliza a análise comparativa dos preços apresentados pelas propostas, ou se é susceptível de se repercutir na boa execução da empreitada."
Embora dizendo respeito a um quadro jurídico distinto - Decreto -Lei n.º 59/99, de 2 de Março - esta reflexão tem aqui perfeitamente cabimento.
Na mesma linha de argumentação, anti-formalista, segue a doutrina de Rodrigo Esteves de Oliveira, em "Os princípios gerais da contratação pública", nos "Estudos de Contratação Pública" (CEDIPRE), I volume, Coimbra Editora, 2008, página 111: "...haverá uma situação de irrelevância do vício de procedimento sempre que (e na medida em que) os fins específicos que a imposição legal (ou regulamentar) da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados, ainda que por outra via".
No caso concreto, a entidade adjudicante teve a possibilidade de, embora não pela apresentação formal de uma lista autónoma de preços unitários, saber os preços propostos pela Contra-Interessada para cada item da empreitada, através do preenchimento que esta fez da plataforma electrónica disponibilizada para todos os concorrentes.
Ficou assim alcançado o objectivo visado pelo preceito legal e pela norma do Procedimento do Concurso, agora em análise.
E não se diga que ficam deste modo afectados, menos ainda de forma relevante, os princípios que regem os concursos públicos, designadamente, os princípios da igualdade e da transparência.
O princípio da igualdade é respeitado porque todos os concorrentes apresentaram propostas de preços unitários para a empreitada, o que era essencial, embora por meios diversos, o que era despiciendo face aos objectivos legais.
O princípio da transparência também não é beliscado porque a proposta da Contra-Interessada ficou disponível na plataforma electrónica tanto para a entidade adjudicante como para os demais concorrentes.
Conclui-se, pois, que também por esta via não padece o acto de adjudicação de vício invalidante.
3º A previsão de um prazo de execução de 392 dias, contrariando o prazo de execução estipulado no artigo 1.4 do Programa do procedimento, de 420 dias, e, assim, em desrespeito pelo disposto nos artigos 59º, n.º 7, e 70º, n.º 2, alínea b), ambos do Código de Contratos Públicos.
O prazo para a execução da obra ficou definido no Programa do Procedimento e no Caderno de Encargos nestes termos:
"O prazo contratual é de 420 dias contados nos termos do disposto no n.º1 do artigo 362º do CPP."
No plano de trabalhos da proposta da concorrente GABIMARÂO - Construções, S.A., a Contra-Interessada, prevê-se um prazo de execução de 56 semanas.
E no Relatório do Júri que decidiu a não exclusão desta proposta, justifica-se tal decisão com o seguinte argumento: neste caso deve-se ter em conta as semanas completas e as semanas que resultam da soma dos dias para além da semana completa.
E apresenta-se o quadro n.º 4 como ilustrativo desta explicação.
Sucede que nesse quadro, explicativo da contagem do prazo de 420 dias, de Março de 2010 a Abril de 2011, aparece o número de 55 semanas completas e 5 semanas de dias para além das semanas completas, o que perfaz um total de 60 semanas.
Ora o número de 56 semanas, apresentado como prazo pela Contra-Interessada, nenhuma correspondência tem com estes números.
Não se desconhece o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 10-01-2006, processo 01070/04, segundo o qual, "Não envolve qualquer alteração "de cláusulas do caderno de encargos" a proposta em que o concorrente nela indica como prazo de execução da obra o prazo de 21 meses quando na alínea p) do ponto 5.1.1 das Condições Especiais do Caderno de Encargos expressamente se indicava o prazo de "25 meses" como significando um prazo limite ou um prazo máximo dentro do qual a empreitada teria de ficar concluída."
Simplesmente no caso ali em análise, o prazo previsto no caderno de encargos era claramente um prazo máximo, o que aqui não sucede, pois foi indicado um prazo fixo, em dias (e não em semanas).
A concorrente G... deveria ter feito, aquilo que a ora Recorrida fez, indicar na sua proposta exactamente o prazo que constava do Programa e do Caderno de Encargos.
Nos termos do disposto nos artigos 59º, n.º1, e 74º, n.º1, alínea b), e n.º 2, do Código de Contratos Públicos, mostra-se claro que o prazo de execução da obra é um aspecto do contrato a celebrar e que é variante uma proposta de prazo diferente do prazo indicado pela entidade adjudicante.
Ora a apresentação de propostas variantes estava expressamente vedada pelo artigo 7º do Programa do Concurso.
Motivo pelo qual, como defende a Autora, a proposta da Contra-Interessada deveria ter sido excluída, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 59º, n.º7, 70º, n.º 2, alínea b), e 146º, n.º2, alínea f), do Código de Contratos Públicos.
O que significa a procedência da acção desde logo quanto ao pedido de anulação do acto de adjudicação.
4º O incorrecto preenchimento do formulário, nos termos previstos no Anexo I da Portaria n.º 701-G/2008, o que é também fundamento de exclusão, nos termos do disposto no artigo 13º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25.6.
Na procedência da acção, no que toca ao pedido de anulação do acto de adjudicação, pelo fundamento acabado de analisar, fica prejudicado o conhecimento deste último fundamento.
II. O pedido de adjudicação da empreitada à Autora, ora Recorrida
Excluída que deveria ter sido a proposta da Contra-Interessada, outra solução não restava no concurso que não fosse adjudicar a obra em apreço à ora Recorrida, como se decidiu, uma vez que o único critério da adjudicação era o do mais baixo preço e o preço proposto por esta concorrente era o mais baixo, logo a seguir ao da concorrente que deveria ter sido excluída, nos termos supra expostos.
O mesmo é dizer que também este pedido se mostra fundado, procedendo, assim, a acção na totalidade.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida que também assim decidiu, embora com fundamentos diversos, designadamente no que toca aos vícios do acto de adjudicação.
Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida, embora por fundamentos diversos.
Custas pelo Recorrente. *Porto, 27 de Janeiro de 2011
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
(1) CCP, Regime de Erros e Omissões, Almedina, Outubro de 2009, pág. 28.
(2) vd., ainda, José Manuel Oliveira Antunes, obra citada, pág. 88.