Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24 de fevereiro de 2012 (proc. 1957/10)

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Sumário:

I - A mera alegação, sem concretização de factos, referente apenas à composição do capital social e dos órgãos sociais entre a entidade adjudicante e uma das empresas do consórcio a quem foi adjudicado o concurso público para concepção, fornecimento e construção de uma central de valorização orgânica [objecto do concurso em causa] não implica a violação dos princípios da imparcialidade, isenção e transparência.
II - Estes princípios só podem ser considerados violados desde que se aleguem, concretizem e provem factos concretos indiciadores da sua violação, e não meras considerações e generalidades que não se conseguem sequer concretizar.*
* Sumário elaborado pelo Relator

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 - RELATÓRIO:

CONSTRUÇÕES E. ... S.A. com sede no Parque Industrial de ..., Vimieiro, e A. ... - VALORIZAÇÃO E TRATAMENTOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. com sede na Praça ..., Braga, inconformadas com a decisão proferida no TAF de Braga em 02/11/2011 que julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual que intentaram contra B. ... - VALORIZAÇÃO E TRATAMENTOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. e, em que são contra interessadas I. INGENIERIA S.A., A...., S.A. (doravante A...), DST. ... S.A. (doravante DST) e AE. ..., LTD, interpuseram o presente recurso jurisdicional concluindo da seguinte forma:
«I) A sentença a quo julga improcedente a acção interposta pelas recorrentes porquanto considera que as propostas apresentadas em consórcio pelas sociedades A..., SA (...) e DST. ..., SA (DST) não têm que ser excluídas por aplicação dos artºs 70º, nº 2, b) e f), 146º, nº 2, c), 55º, j), todos do CCP, e 44º, nº 1 CPA, não tendo ocorrido qualquer violação dos princípios da igualdade, transparência e concorrência.
II) A recorrente, na PI, alegou factos que evidenciam a violação de disposições legais e regulamentares, que demonstram o profundo envolvimento das entidades concorrentes na elaboração das peças procedimentais e que demonstram a existência de informações susceptíveis de falsear as regras da transparência, concorrência e igualdade, conforme disposto no art. 1º, nº 4 CCP.
III - A recorrida é uma empresa intermunicipal que integra o sector empresarial local, sendo regida pelo disposto na Lei nº 53-F/2006, estatutos da sociedade, regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais, sendo-se-lhe ainda aplicável o regime do Decreto-Lei nº 558/99, na sua última redacção, e o regime jurídico do gestor público, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 71/2007.
IV - O presidente do conselho de administração da recorrida é G. ..., pelo que se lhe aplica o Estatuto do Gestor Público - art.º 47, nº 4 da Lei 53-F/2006. No mesmo sentido, vd. parecer da Procuradoria-Geral da República 39/2009.
V - Daí que se lhe aplique todo o regime relativo a incompatibilidades e impedimentos tratado nos arts. 20º a 22º do Estatuto do Gestor Público, nomeadamente a incompatibilidade prevista no artº 21º, nº 2, porquanto G. ... foi designado como administrador não executivo da recorrida: "Os gestores com funções não executivas exercem as suas funções com independência, oferecendo garantias de juízo livre e incondicionado em face dos demais gestores, e não podem ter interesses negociais relacionados com a empresa, os seus principais clientes e fornecedores e outros accionistas que não o Estado".
VI - G. ... é presidente do conselho de administração da recorrida.
VII - G. ... é presidente do conselho de administração da sociedade consorciada e concorrente, A....
VIII - A consorciada A... detém uma participação social do capital da sociedade G. .. - Águas e Resíduos, SA, da qual é administrador G. ..., que por sua vez, detém uma participação de 49% no capital social da AGERE - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, da qual também é administrador G. .... A AGERE - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM, da qual é administrador G. ..., é detentora de uma participação no capital social da ré. Por outro lado, a G. - Águas e Resíduos, SA e a consorciada (D...), têm como administrador comum J. ..., sendo a sociedade D... detentora de uma participação no capital social da G. - Águas e Resíduos, SA.
IX - Evidentemente, existem interesses negociais paralelos aos da recorrida em questão. O presidente do conselho de administração da recorrida é também presidente do conselho de administração de uma contra-interessada que se propõe a fornecer serviços à recorrida através da execução do contrato para concepção, fornecimento e construção de central de valorização orgânica que está na origem dos presentes autos.
X - O presidente do conselho de administração da recorrida, enquanto tal, tem interesses paralelos e alternativos aos da recorrida porquanto pretende ver-se-lhe atribuída a vitória no concurso e consequente celebração de contrato público, a fim de obter lucro para a sua sociedade, da qual é accionista, passível de distribuição aos sócios.
XI - Entre outros, o objecto social da A... é a indústria de construção civil e a empreitada de obras públicas: este é o núcleo da sua actividade, bem demonstrativo do interesse paralelo de G. ... enquanto administrador da recorrida e que lhe está vedado pelo Estatuto do Gestor Público.
XII - Face aos poderes que decorrem dos arts. 405º e 406º do CSC, é evidente que G. ... tem acesso à plenitude de informações relacionadas com todo o procedimento e com toda a fase de formação da vontade de contratar por parte da recorrida, em todas as suas vertentes - o como, o quando, o porquê, o de que modo.
XIII - O acesso a estas informações constitui forte indício de distorção de concorrência através de partilha de informação ou cooperação tácita entre a recorrida e as consorciadas contra-interessada, permitindo a substituição dos riscos da competição pelo acesso às informações com relevo superior para a confirmação tanto do procedimento em moldes adequados e no interesse da contra-interessada, como da proposta desta em moldes previamente conhecidos e de encontro ao procedimento, atento o conhecimento do mesmo e maior tempo de preparação para a apresentação.
XIV - A celebração do contrato público para concepção, fornecimento e construção de uma central de valorização orgânica entre a entidade recorrida e as contra-interessadas A... e D... é frontalmente violadora do disposto nos arts. 70, nº 2, f) e g) do Código dos Contratos Públicos, do artº 21º, nº 2 do Estatuto do Gestor Público, aplicável aos administradores do sector empresarial local ex vi artº 47º, nº 4 da Lei 53-F/2006, determinando a exclusão da proposta 3 e 3V: assim deveria ter interpretado a lei a sentença a quo. Subsidiariamente, e sem prescindir, de igual modo a deliberação de anúncio de procedimento nº 913/2008 é anulável, por aplicação do art. 135º CPA.
XV - A sentença a quo considera não ter havido violação dos princípios da transparência, concorrência, igualdade e imparcialidade.
XVI - Louva-se no acórdão do STA, proc. 0851/10, cujo factualidade diverge da dos presentes autos, uma vez que trata da ligação entre duas empresas concorrentes que não têm qualquer ligação com a entidade adjudicante, ao contrário dos presentes autos.
XVII - Louva-se também no acórdão do mesmo tribunal, proc. 55/09, em que há uma associação entre um privado que é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, classificada de utilidade pública administrativa, com a entidade adjudicante para concorrer a um concurso por esta aberto. Ora aqui, não há qualquer identificação possível com a factualidade presente, uma vez que tanto a sociedade A... como a sociedade D... são sociedades comerciais que têm como escopo o lucro, e portanto, particular interesse qualificado na adjudicação do contrato.
XVIII - É às entidades sobre as quais recai a suspeita de comportamentos violadores dos princípios da imparcialidade, transparência, igualdade e concorrência que cabe fazer a prova de que não os violaram, nunca à recorrente. Há, aqui, uma inversão do ónus de prova, de acordo com a doutrina mais autorizada e recente sobre o tema e em conformidade com a jurisprudência comunitária: "a quarta ideia fundamental que se retira do Acórdão Assitur é a de que a prova da "inexistência de influência" cabe às empresas em causa (...) Há portanto aqui uma espécie de inversão do ónus da prova".
XIX - A al. j), do artº 55º visa prevenir relações mal-sãs entre a entidade adjudicante e os concorrentes, evitando a posição privilegiada de quem contacta com a elaboração das peças procedimentais, como é o evidente caso do presidente do conselho de administração, que tem tarefas de supervisão e gestão permanentes, um conjunto completo de tarefas permanentes e interventivas com impacto na vida da sociedade.
XX - A comunhão de administradores (presidente de conselho de administração) entre a recorrida e a consorciada permite, por inerência dos poderes que detêm, o conhecimento de mais informação que os restantes interessados, quer das condições de facto relativas à execução do contrato, quer das condições e termos da futura adjudicação; a possibilidade de moldagem das peças de procedimento de acordo com a conveniência da consorciada; o conhecimento antecipado das peças de procedimento por força do contágio necessário de informações; a vantagem económico-financeira da proposta. O presidente do conselho de administração está na posse e tem acesso a todo o dossier procedimental do concurso, orientando a sua elaboração, definindo as necessidades às quais o concurso proverá.
XXI - A identidade comum de administração das empresas - adjudicante e consorciada - a um nível qualificado (identidade de presidência do conselho de administração) denota com intensidade a violação dos princípios da concorrência, transparência, igualdade.
XXII - No mesmo sentido, os acórdãos do STA de 13-01-2005, do TCAN de 03-11-2005 e 16-11-2006 e do TCAS de 25-03-2010. Por maioria de razão, se vem impedido de participar no mesmo concurso as empresas que tenham administrador comum com conhecimento das duas propostas antes da abertura pública, também a empresa cujo presidente do conselho de administração preside o conselho de administração da entidade adjudicante não pode tomar parte no concurso, uma vez que este tem pleno conhecimento prévio de todos os requisitos e condicionantes da proposta, tendo toda a facilidade em proporcionar informações para a sua própria empresa interessada.
XXIII - Pelo que vêm violados, destarte, os arts. 70º, nº 2, f) e g) do CCP, o que deve determinar a exclusão da proposta do consórcio composto pelas sociedades A... e D..., correndo por estas o ónus da prova de demonstrar a não violação dos referidos preceitos legais - este é o sentido no qual a lei deveria ter sido interpretada pelo tribunal a quo.
XXIV - A sentença a quo considera que não foi alegada factualidade subsumível ao disposto no art. 44º, nº 1, al. a) CPA, "para lá da factualidade alegada nos itens 1. a 16.".
XXV - Os itens 10 e 11 demonstram que G. ... é administrador da recorrida e da contra-interessada A.... O administrador é um representante orgânico da sociedade (163º CCiv) pelo que vem preenchida a norma do art. 44º, nº 1, al. a), quando impede a participação em procedimento administrativo, acto ou contrato público, de qualquer pessoa que nele tenha interesse por si ou como representante de outra pessoa, sobretudo tendo em conta que não foi pedida a escusa por tais motivos por parte de G. ....
XXVI - Pelo que, subsidiariamente, deveria ser declarada anulada a deliberação do conselho de administração da recorrida relativa ao procedimento de concurso público internacional para celebração do contrato que serve de base aos presentes autos à proposta consorciada da A... e D....
XXVII - Atenta a data de consignação dos trabalhos de empreitada e o prazo de execução dos mesmos, verifica-se a impossibilidade objectiva de condenação à prática do acto devido por parte da Administração, seja a exclusão das propostas consorciadas 3 e 3V e adjudicação do concurso à proposta da recorrente, classificada logo de seguida. Tal facto é gerador de danos emergentes e lucros cessantes, independentemente de respeitarem a interesse contratual negativo ou positivo.
XXVIII - Em conformidade, impõe-se a aplicação do preceituado no art. 102, nº 5 CPTA, conforme demandado previamente, nos moldes da decisão recentemente expressa pelo acórdão do TCAN de 04-11-2011».

Apenas a recorrida B. - VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. apresentou contra-alegações concluindo do seguinte modo:
«1. Os segmentos da matéria de facto dada por assente que assumem maior relevância para a boa resolução das questões colocadas pelas Recorrentes - que giram em torno da existência de pontos de contacto, ao nível das participações capitalísticas e da composição de órgãos sociais, entre a Recorrida e as empresas do consórcio formado pelas sociedades A..., SA e D.., SA - são os que ficaram vertidos nos nºs 10º a 16º da secção "II - A) Factos Provados" da impugnada sentença e que, em rigor, se limitam a reproduzir aquilo que se encontra inscrito e publicitado em sede de registo comercial relativamente às versadas sociedades, conforme documentação carreada ao processo.
2. Ora, afigura-se perfeitamente claro que tal factualidade só por si, isto é, desacompanhada em absoluto de outros quaisquer factos que porventura pudessem indiciar, denunciar ou comprovar uma hipotética conduta censurável ou proibida à face do regime jurídico da contratação pública - factos esses que, sublinhe-se, não foram alegados e muito menos provados (pela simples razão de que não existiram, nem existem) - não envolve nenhuma incompatibilidade, impedimento ou transgressão de vinculações ou comandos legais.
3. Na verdade, não existe na lei da contratação pública, nem na lei geral das sociedades comerciais, nem tão pouco no quadro normativo conformador do sector empresarial local, qualquer disposição que determine a exclusão de propostas ou o impedimento de concorrentes em consequência de questões relacionadas com as estruturas de capital social e/ou com a composição de órgãos sociais.
4. Saliente-se, em todo o caso, que quando as Recorrentes apontam para a aplicabilidade do regime jurídico do sector empresarial local e do estatuto do gestor local - Lei 53-F/2006, de 29 de Dezembro - estão completamente equivocadas, porquanto a Recorrida não só não é uma empresa municipal ou intermunicipal, como também não foi criada, enquadrada ou abrangida pelo regime definido por essa lei ou sequer pelo diploma que a precedeu, Lei 58/98, de 18 de Agosto.
5. Diferentemente, a Recorrida é uma sociedade comercial, criada pelo DL 117/96, de 06 de Agosto, alterado pelo DL 471/99, de 06 de Novembro, para gerir e explorar, em regime de concessão, o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Baixo Cávado e que se rege pelas disposições previstas nesse diploma, que incluiu em anexo os seus estatutos, e pela Lei geral das sociedades comerciais, enquadrada ainda pelos DL 379/93, de 05 de Novembro e DL 294/94, de 16 de Novembro e pelo próprio contrato de concessão.
6. Não obstante isso, ainda que se perspectivasse como viável, o que de maneira nenhuma sucede, a possibilidade de aplicação do regime jurídico do sector empresarial local e a sua eventual articulação subsidiária com determinadas disposições do estatuto do gestor público, a realidade é que não se encontra prevista ou tipificada nesses ou noutros diplomas qualquer constrição legal baseada na ponderação das estruturas de capital social e/ou da composição de órgãos sociais de entidades adjudicantes e/ou concorrentes/interessados do concurso e dotada de virtualidades excludentes em relação à participação nesse procedimento.
7. As relações capitalística e societárias descritas nos nºs. 10º a 16º da secção "II - A) Factos Provados" da recorrida sentença, devidamente inscritas e publicitadas no competente registo comercial, enquadram-se com toda a normalidade na lei que rege a actividade societária e reflectem uma realidade corrente e comum, assumida e promovida pelo Estado, aos diversos níveis da sua estrutura, central, regional e local, com vista a convocar para determinadas áreas de actividade - maxime, de fornecimento de bens e de exploração de serviços de interesse público e comunitário -, que tradicionalmente lhe estão confiadas, a iniciativa e o investimento privados.
8. Independentemente disso, haverá que repudiar a estratégia algo insidiosa adoptada pelas Recorrentes com vista a apresentar em termos monolíticos e absolutizados as restrições legais de acumulação na mesma pessoa de cargo de administrador não executivo de uma empresa multimunicipal (e não intermunicipal), como é o caso da Recorrida, com outros cargos em diferentes entidades societárias, procurando deslocar - de forma, aliás, indevida e infundada - a questão dos impedimentos/causas de exclusão da participação em procedimento concursal relativo à contratação pública para o campo da aventada (e rejeitada) aplicabilidade do artigo 21º, nº 2 do Estatuto do Gestor Público (DL 71/2007, de 27 de Março), norma para a qual as Recorrentes propõem uma interpretação que não tem qualquer arrimo ou apoio na letra e no espírito da lei e nem tão pouco é abonada pelo parecer da PGR que se permitem citar (Parecer da PGR nº 39/2009).
9. Uma leitura minimamente atenta do DL 71/2007, de 27 de Março, não pode deixar de conduzir ao reconhecimento de que o estatuto do gestor público assenta na dicotomia entre gestor público com funções executivas e gestor público com funções não executivas, sendo justamente dentro dessa linha de pensamento que consagra no artigo 20º, nº 2, a regra da exclusividade do exercício de funções do gestor executivo, enquanto em matéria de incompatibilidades imputadas ao gestor público com funções não executivas apenas prevê nos nºs 2 e 3, do artigo 22º, a proibição do exercício de outras actividades, temporárias ou permanentes, na mesma empresa ou em empresas privadas concorrentes no mesmo sector.
10. Sublinhe-se também que a haver no DL 71/2007, de 27 de Março, alguma disposição passível de assumir afinidade com o caso em análise, essa norma seria a relativa às situações em que na actuação deliberativa ocorrem interesses impeditivos, ou seja, o artigo 22º, nº 7, preceito que estabelece para essas situações um tratamento decalcado do artigo 44º do CPA, sendo certo que esta matéria foi escrupulosamente respeitada no caso dos autos, já que o membro do Conselho de Administração visado, Sr. G. ..., não interveio em nenhuma das deliberações, actos ou assuntos conexionados com o procedimento concursal, tendo mantido em relação a ele um afastamento total, como atestam as actas desse Conselho de Administração - vide docs. juntos aos autos com a contestação sob os nos 3 e 4 e item no 8 da secção "II - A) Factos Provados" da sentença.
11. Vale isto por dizer que mesmo que se conjecturasse a possibilidade da aplicação in casu do regime jurídico do sector empresarial local e do estatuto do gestor público - o que de todo se afasta e rejeita, por falta de cabimento - e fosse qual fosse a extensão e alcance que se atribuísse à regra de subsidiariedade prevista no nº 4, do artigo 47º, da Lei 53-F/2006, de 29 de Dezembro (cujo primeiro elemento conformador se encontra logo na contextura das regras definidas nos precedentes nºs 1 a 3), nada promana das suas disposições que alguma vez pudesse levar a uma alteração ou modificação da irrepreensível operação de interpretação, valoração e qualificação jurídico-legal a que o julgador a quo submeteu a factualidade dada como provada nos autos.
12. Quanto à problemática da interpretação e aplicação dos princípios enunciados no artigo 1º, nº 4 do CCP, a saber, princípio da transparência, da igualdade e da concorrência, a Recorrida louva-se na melhor e mais bem fundada ciência com que o Meritíssimo Juiz deixou exposto na impugnada sentença aquele que se considera ser o seu correcto entendimento, acompanhando por inteiro o julgador quando este se pronuncia no sentido de que a eventual verificação de uma situação de ofensa dos indicados princípios não dispensaria nunca - antes exigiria sempre - a alegação e prova dos factos consubstanciadores dessa pretensa violação.
13. O mesmo se diga no tocante à reclamada preterição do disposto no artigo 44º, nº 1, al. a), do CPA, ou seja, o suposto desrespeito pela observância de impedimento à intervenção no procedimento do concurso, pois que também aqui se constata que as recorrentes não alegaram nem demonstraram nenhum facto do qual se extraia, sequer indiciariamente, que algum órgão ou agente abrangido por impedimento tenha praticado no procedimento em apreço qualquer acto, seja ele qual for.
14. Acresce a isto que se encontra documentalmente comprovado nos autos que o membro não executivo do Conselho de Administração, Sr. G. ..., em relação ao qual se colocou a questão suscitada pelas recorrentes, não interveio em nenhuma das deliberações relativas ao procedimento do concurso, incluindo obviamente a deliberação adjudicatória, tendo mantido um afastamento total do procedimento e das suas incidências, como é referido nas competentes actas desse Conselho de Administração - vide docs. juntos aos autos com a contestação sob os nos 3 e 4 e item no 8 da secção "II - A) Factos Provados" da douta sentença.
15. Revela-se, assim, francamente abusiva e inaceitável a interpretação que as recorrentes pretendem fazer do facto de a recorrida ter no seu órgão colegial de administração um membro não executivo que o é também de outros órgãos colegiais de administração de sociedades com ela relacionadas ao nível das já descritas participações sociais.
16. Isto não apenas em razão das virtualidades decorrentes das características do cargo exercido (cargo não executivo), da colegialidade desses órgãos de gestão e da própria lógica e autonomia da conformação de cada um deles, mas também pela diferenciação de natureza substantiva que pode ser estabelecida entre essas sociedades.
17. Por outro lado, na matéria de facto que o Tribunal deu por assente - vide secção "II - A) Factos Provados" da douta sentença - não existe nenhum segmento do qual se possa depreender, ainda que remotamente, que o consórcio formado pelas sociedades A..., SA e D..., SA, ou outro qualquer participante ou interessado no concurso em menção tenha, seja a que título for, directa ou indirectamente, prestado assessoria ou apoio técnico à recorrida - e muito menos que esta o tenha recebido de quem quer que seja - na preparação e elaboração das peças procedimentais.
18. Aliás, as recorrentes não alegaram em nenhum local, fosse ele articulado, requerimento ou outro, qualquer facto acerca de questões conexionadas com a preparação e elaboração das peças do concurso ou com contactos ou relações, formais ou informais, de assessoria ou apoio técnico que pudessem ter algum ligação com o concurso, com o seu objecto, com os seus preliminares, com o seu lançamento ou com outras incidências.
19. Por conseguinte, a única conclusão possível em relação à propugnada aplicação do artigo 55º, al. j), do CCP, é a de que a versada norma não tem manifestamente nenhuma pertinência com o caso em apreço nos autos.
20. Finalmente, não pode deixar de ser rebatida a pretensão relativa ao accionamento do mecanismo previsto no artigo 102º, nº 5 do CPTA, pois que, como é sabido, esse mecanismo depende da verificação cumulativa e ordenada - i.é., segundo uma ordem de precedência - de dois requisitos básicos que não ocorrem no caso vertente, a saber: (i) o reconhecimento pelo julgador da procedência da invocação dos vícios imputados ao acto impugnado, susceptível de conduzir ao deferimento do pedido formulado pelo autor e (ii) a constatação da existência de uma situação de impossibilidade absoluta que obste à satisfação daquilo que foi peticionado por esse mesmo autor». *O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artº 146º do CPTA, não emitiu qualquer pronúncia. *Nos termos do disposto no artº 36º, nºs 1 e 2 do CPTA, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

2 - FUNDAMENTOS

2.1.MATÉRIA DE FACTO

Da decisão recorrida resultam assentes os seguintes factos:
«A entidade demandada B. - Valorização e Tratamentos de Resíduos Sólidos, SA., fez publicar, no Diário da República, II série, nº 247, de 23.12.2008, um anúncio de procedimento nº 913/2008 que tem por objecto a celebração de um contrato público para concepção, fornecimento e construção de central de valorização orgânica - Unidade de Tratamento Mecânico e Biológico de Resíduos Sólidos Urbanos - a executar no aterro sanitário da B. - cfr. doc. 1 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A entidade demandada B. - Valorização e Tratamentos de Resíduos Sólidos, SA., fez publicar, no Diário da República, II série, nº 24, de 04.02.2009, um aviso de prorrogação nº 59/2009 - cfr. doc. 3 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A entidade demandada B. - Valorização e Tratamentos de Resíduos Sólidos, SA., fez publicar, no Diário da República, II série, nº 55, de 19.03.2009, um anúncio de concurso nº 162/2009 - cfr. doc. 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A entidade demandada B. - Valorização e Tratamentos de Resíduos Sólidos, SA. é uma empresa intermunicipal que integra o sector empresarial local, constituída pelo DL nº 117/96, alterado pelo DL nº 471/96, que tem como objecto social a exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do baixo Cávado, mediante concessão outorgada por contrato administrativo celebrado com o Estado Português, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga com o nº e NIPC ... - cfr. doc. 6 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
As autoras apresentaram proposta ao concurso, a qual foi admitida - cfr. doc. nº 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Em 08.10.2010, as autoras, na sequência da notificação do relatório preliminar, em sede de audiência prévia, emitiram pronúncia, na qual concluíram pela exclusão do procedimento concursal das propostas apresentadas pelo consórcio constituído pelas sociedades A..., SA e D..., SA. - cfr. doc. nº 5 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O júri elaborou relatório final, datado de 21.10.2010, onde concluiu manter as conclusões do relatório preliminar, não excluindo qualquer proposta e mantendo a proposta de adjudicação da proposta nº 3V apresentada pelo consórcio constituído pelas sociedades A..., SA e D..., SA - cfr. doc. nº 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O conselho de administração da Ré deliberou proceder à adjudicação da proposta nº 3V ao consórcio formado pelos concorrentes A..., SA e D... - cfr. doc. nº 4 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
As autoras foram notificadas da referida deliberação por ofício datado de 25.10.2010.
A Ré, entidade adjudicante, tem como presidente do conselho de administração G. .... - cfr. doc. nº 6 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A consorciada A..., SA tem como presidente do conselho de administração G. ... - cfr. doc. nº 7 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A consorciada A..., SA detém uma participação social do capital social da sociedade "G. - águas e resíduos, SA" da qual é administrador G. ... - cfr. doc. nº 8 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A sociedade "G. - águas e resíduos, SA" detém uma participação de 49% no capital social da "Agere, EM", da qual é administrador G. ... - cfr. doc. nº 9 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
A "AGERE, EM", é detentora de uma participação no capital social da Ré.
A sociedade "G. - Águas e Resíduos, SA" e a consorciada D..., SA têm como administrador comum J. ....
A D..., SA é detentora de uma participação no capital social da "G. - águas e resíduos, SA".
A petição inicial relativa à presente acção deu entrada, via site, neste Tribunal, a 11.11.2010.
No dia 20.12.2010 foi celebrado o contrato público entre a aqui ré e o consórcio constituído pelas contra-interessadas A..., S.A. e D..., S.A., referente ao procedimento referido em 1. - cfr. doc. junto aos autos no dia 04.07.2011 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
No dia 20.12.2010 foi assinado o auto de consignação de trabalhos - cfr. doc. junto aos autos no dia 04.07.2011 que aqui se dá por integralmente reproduzido».

2.2 - O DIREITO:
O recurso jurisdicional interposto pelas recorrentes será apreciado à luz dos parâmetros estabelecidos nos artºs 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs. 3 e 4, e 685º-Aº todos do C.P.C. aplicáveis ex-vi do artº 140º do CPTA.

QUESTÕES A DECIDIR:
Em causa está saber se a adjudicação ao consórcio formado pelas contra interessadas A..., SA e D..., SA padece das ilegalidades apontadas pelas recorrentes, sendo que, neste recurso jurisdicional as mesmas abandonaram a ilegalidade referente à falta de fundamentação, restando apenas a violação do disposto no artº 55º, al. j) do CPP, reiterando as recorrentes que aquelas deviam ter sido excluídas do procedimento nos termos do disposto nos artºs 70º, nº 2, als. b) e f), 146º, nº 2, al. c), do mesmo diploma legal.

(i) Quanto a estas ilegalidades, para além das numerosas citações jurisprudenciais e doutrinais, as recorrentes acabam na essência deste recurso por manter os mesmos argumentos [que foram levados à matéria assente] que vêm invocando desde a petição inicial, ou seja:
-a ré tem como presidente do conselho de administração G. ...;
-a consorciada A... tem também como presidente do conselho de administração G. ...;
-a consorciada A... detém uma participação social do capital da G. - Águas e Resíduos, SA, da qual é administrador G. ...;
-a G. - Águas e Resíduos, SA, detém uma participação de 49% no capital social da "AGERE", da qual é administrador G. ...;
-a Agere - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM é detentora de uma participação no capital social da ré;
-a G. - Águas e Resíduos, SA e a D... têm como administrador comum J. ...; e
-a D... é detentora de uma participação no capital da sociedade G. - Águas e Resíduos, SA.
Vejamos:
Dispõe a al. j), do artº 55º do Código dos Contratos Públicos que "Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que (...) tenham, a qualquer título, prestado, directa ou indirectamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento".
Por sua vez, no artº 70º, nº 2, als. b) e f) sob a epígrafe "análise das propostas" consagrou-se que:
"(...) 2. São excluídas as propostas cuja análise revele: (...)
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência (...).
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis (...)".
Por último e para a questão que ora nos interessa decidir, no artº 146º, nº 2, al. c) sob a epígrafe relatório preliminar dispõe-se:
"(...) 2. No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(...)
c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55º (...).
E quanto à questão relativa à exclusão da proposta apresentada pelas contra-interessadas por violação das normas supra citadas, continuam as recorrentes a entender que alegaram "factos que demonstram a participação e o envolvimento das contra interessadas na preparação e elaboração das peças do procedimento e indícios evidentes e flagrantes de existência de informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência, pelo facto de uma das consorciadas A... S.A. e a entidade adjudicante terem como Presidente do C.A. G. ... [a quem no seu entender se aplica o regime do Gestor Público previsto na Lei nº 53-F/2006, designadamente do que respeita ao regime de incompatibilidades - cfr. nº 2 do artº 21º do referido Estatuto, onde se estipula que "os gestores com funções não executivas exercem as suas funções com independência, oferendo garantias de juízo livre e incondicionado em face dos demais gestores e não podem ter interesses negociais relacionados com a empresa, os seus principais clientes e fornecedores e outros accionistas que não o Estado"-, quando é certo que não se trata de uma empresa municipal, stricto sensu, mas sim uma sociedade comercial criada pelo DL nº 117/96 de 06/08, com as alterações introduzidas pelo DL nº 471/99 de 06/11, com vista a gerir e explorar, em regime de concessão, o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Baixo Cávado, que se rege pelos respectivos Estatutos, contrato de concessão e DL's 379/93 de 05/11 e 294/94 de 16/11.
E o facto assente e que ninguém nega nos autos [resulta de forma inequívoca e pública das certidões constitutivas das sociedades] de uma pessoa em concreto ser Presidente da entidade adjudicante e simultaneamente de uma das empresas consorciada, não pode significar, sem mais, designadamente, quando não são alegados quaisquer factos em concreto nesse sentido, que haja "flagrante existência de interesses negociais relacionados com a recorrida", nem que seja "por modéstia um fortíssimo indício de partilha de informação ou de uma prática concertada".
E, efectivamente, não é alegado nenhum facto que permita concluir que a adjudicação do contrato público para concepção, fornecimento e construção de uma central de valorização orgânica [objecto do concurso em causa] às contra-interessadas tivesse sido violadora daqueles normativos, uma vez que dos autos não resulta que os mesmos saíam beliscados no que quer que seja, pois, para além das alegações referentes à composição do capital social e dos órgãos sociais, nada mais é invocado que suporte a alegada violação daqueles normativos.
Aliás, feita uma leitura atenta do relatório técnico de avaliação e do relatório final e respectivos anexos, é fácil constar que o júri do concurso procedeu com extremo rigor na análise das várias propostas apresentadas, fundamentando cada tomada de posição e correspondente notação, sem se escudar em esclarecer devidamente a posição assumida em cada um dos itens analisados, verificando-se ainda que o Presidente do CA não teve qualquer participação ou influência na feitura destes relatórios [pelo menos as recorrentes não o alegam sequer, tecendo simples generalidades, muitas delas, utilizando, inclusive, os conceitos jurídicos constantes dos artigos que consideram violados].
Aliás, talvez por isso, as recorrentes não tenham encontrado fundamento para justificar a violação dos referidos normativos, em factos concretos.
Por outro lado, também não se percebe a alegação feita pelas recorrentes quando pretendem a anulação do anúncio do procedimento, uma vez que tal alegação se mostra destituída de qualquer fundamento.
Improcede, pois, este segmento de recurso.

(ii) Da preterição dos princípios da transparência, da concorrência, da igualdade e da imparcialidade:
Estes princípios, que apesar de visarem realidades diferentes se mostram umbilicalmente ligados, são como não poderia deixar de ser, basilares do Estado de Direito e, por isso, também de todos os diplomas legais, com incidência especial, para o que aqui nos interessa, na contratação pública, prevista no Código dos Contratos Públicos - cfr. artº 1º, nº 4.
São pois, princípios caracterizadores da figura do concurso público, interligados com outros como sejam, os da justiça, isenção, boa fé, transparência, todos eles impostos à entidade adjudicante, sob pena de se desvirtuar a natureza de direito público de qualquer procedimento.
Ou seja, no âmbito de um concurso público, todos os opositores devem ter o mesmo tratamento, ter acesso a todos os elementos, de forma igualitária e sem reservas, e serem avaliados de acordo com os mesmos padrões de referência, sem distinções ou favorecimentos, pois só assim se pode garantir a legalidade, a insuspeição, a igualdade de tratamento, isenção, justiça, imparcialidade, concorrência e boa fé.
Talvez, por isso, o nº 4 do artº 1º do CCP refira que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência", significando a utilização do vocábulo especialmente uma aplicação reforçada desses princípios. O princípio da concorrência constitui, pois, a trave mestra do direito comunitário, apresentando-se como um objecto norteador na construção do espaço económico europeu. É, por isso, um bem público essencial que não se compadece com práticas que ponham em causa o interesse público em função de "nichos" de interesses particulares.
Daí que a actuação das entidades adjudicantes deve procurar assegurar sempre, a prevalência do princípio da concorrência, e pautar-se pela imparcialidade, transparência, não discriminação, e isenção em todo o desenrolar do procedimento.
E em relação ao princípio da concorrência, repete-se, pretende-se com a sua consagração, um amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em concorrer e que cada procedimento aglutine o maior número de possível interessados, salvaguardando sempre o normal funcionamento do mercado, a protecção dos concorrentes e a prossecução do interesse público.
Assim sendo, é obvio que a concorrência em sede de contratação pública é um resultado que se obtém através da concretização dos princípios da imparcialidade, igualdade e transparência, funcionando como um elemento dinamizador do mercado, visando que ninguém seja impedido de apresentar a sua candidatura em procedimento concursal e de a ver avaliada de acordo com o seu valor intrínseco, despojado de quaisquer outros interesses.
Por outro lado, consagrou-se expressamente no nosso texto constitucional [artº 266º, nº 2] que "os órgãos e agentes administrativos ...devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções".
Refere a este propósito Freitas do Amaral in Dtº Administrativo, V. II, pág. 201 que este princípio significa que "a Administração pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados".
E continua salientando que este princípio comporta três corolários que se desdobram em três princípios: a) princípio da justiça "stricto sensu"; b) princípio da igualdade e, c) princípio da proporcionalidade. Viola o princípio da justiça "stricto senso" todo o acto administrativo praticado com manifesta injustiça, ou seja, quando a Administração impuser ao particular um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, ou usar de dolo ou má fé é ilegal.
Ora, na posse de todos estes conceitos jurídicos e sua interpretação, não vislumbramos da matéria de facto assente que as recorrentes tenham sofrido qualquer condicionalismo na apresentação da sua proposta [por referência aos demais opositores] nem que a mesma tenha sido objecto de tratamento parcial, discriminatório, desigual, tudo com o objectivo de pôr em causa a livre concorrência e beneficiar outras entidades, em especial o consórcio a quem foi adjudicado o concurso.
Aliás, as recorrentes não invocam sequer que tenha havido qualquer "atropelamento" na fixação das regras procedimentais, nem tratamento desigual na avaliação das propostas, nos seus vários itens, donde se pudesse concluir pela violação do princípio da imparcialidade.
Também não alegam quaisquer factos de onde se possa inferir que a entidade adjudicante tenha procedido sem transparência na formação da vontade, do conteúdo, na forma e no fim prosseguido, limitando-se mais uma vez e de forma repetitiva a tirar ilações subjectivas do que poderá ter sucedido pelo facto do Presidente do CA ser a mesma pessoa, quer na entidade adjudicante, quer numa das empresas do consórcio ganhador.
Só que, a violação dos princípios da transparência e da imparcialidade, não se concretizam com meras alegações sem fundamento provado, sob pena de, se assim, fosse, bastasse uma qualquer alegação para afastar uma proposta que poderia ser a mais válida, pondo assim em causa o princípio da concorrência a que supra nos referimos.
Nem alegaram, mais uma vez, que no decurso de todo o procedimento, desde o acto d abertura até ao de adjudicação, tenha havido qualquer influência, por mais ténue que fosse, pelo facto de o Presidente do CA da entidade adjudicante ser também Presidente da consorciada A... e demais factos dados como provados relacionados com participações sociais das empresas.
Daí que se concorde com a análise feita a este respeito pela decisão recorrida, designadamente quando se socorre do Ac. do STA de 25/03/2009, in rec. nº 55/09, quando aí se refere.
«III - A protecção jurídica do princípio da imparcialidade da actividade administrativa não tem forçosamente de ser efectuada de forma abstracta, com imposição da observância do princípio da transparência, impedindo que se criem situações em que haja risco ou perigo de quebra do dever de imparcialidade, designadamente atribuindo efeito anulatório a factos que não envolvem uma efectiva violação desse princípio, mas têm ínsito o risco ou perigo da sua violação.
IV - Como efeito, constitui protecção suficiente daquele princípio atribuir relevância invalidante apenas às concretas violações do princípio da imparcialidade que se demonstrarem efectivamente.
V - A participação de organismos públicos como concorrentes em concursos para adjudicação de prestação de serviços, mesmo quando eles têm «relações especiais» com a entidade adjudicante, não foi proibida no âmbito do princípio da transparência adoptado no art. 8º do DL nº 197/99 e não se encontra qualquer disposição que revele uma idêntica intenção legislativa de antecipação de protecção do princípio da imparcialidade, pelo que é de concluir que se pretendeu restringir essa protecção através do princípio da transparência apenas nos concretos casos indicados.
VI - A opção por uma mais intensa ou menos garantística forma de protecção do princípio da imparcialidade insere-se no âmbito da discricionariedade legislativa, que só pode ser questionada se se detectar alguma violação de norma de hierarquia superior."
Daí que, repetimos, não é suficiente, sob pena de se porem em causa outros princípios basilares da contratação pública, utilizar expressões como "fortíssimo indício de partilha de informações" [que informações???], "concertação de interesses" [que interesses???], "prestação de informações" [quais???], "cooperação tácita"[???], "situação de vantagem hipotética ou potencial", sem qualquer suporte factual.
Assim como não estamos em presença de qualquer situação que só pudesse ser demonstrada através de "espionagem industrial" como alegam as recorrentes, para justificar o entendimento de que deve haver, no caso concreto, lugar à inversão da regra do ónus da prova.
Igualmente não tem aqui aplicação o citado comentário tecido por Rodrigo Esteves de Oliveira, in Empresas em Relação de Grupo e Contratação Pública, Revista de Contratos Públicos, nº 2, 2011, Cedipre, pois este comentário feito no âmbito do Acórdão Assitur do TJUE parte do princípio de que foi constatado um facto suspeito, o que no caso não se mostra comprovado, pois inexiste qualquer prova de que tenha havido informações privilegiadas, ou participação na preparação do procedimento, até porque se assim fosse, esta eventual e hipotética transmissão de informações, poder-se-ía colocar em qualquer procedimento mesmo que não existisse esta "comunhão" de administradores.
Se as recorrentes entendiam que houve alguma situação de favorecimento, tácita ou implícita, teriam que a ter alegado de forma concreta, baseada em factos e não em meras hipóteses ou conjecturas, como fizeram ao longo deste processo pré-contratual.
Atento o exposto, importa manter a decisão recorrida também no que a este segmento do recurso diz respeito.

(iii) Por último e no que tange à alegada violação do disposto na al. a), do nº 1 do artº 44º do CPA, mais uma vez podemos, adiantar que não assiste qualquer razão às recorrentes.
Vejamos então o conteúdo desta norma:
«Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração nos seguintes casos: a) Quando neles tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa (...)».
E a arguição e declaração de impedimento encontra-se regulada no artº 45º do mesmo diploma, estando os efeitos da arguição do impedimento e da declaração do impedimento previstos respectivamente nos artigos 46º e 47º.
Por seu turno, dispõe ainda o artº 50º que «Os actos ou contratos em que tiverem intervindo titulares de órgãos ou agentes impedidos são anuláveis nos termos gerais».
Estamos, pois, perante regras que visam proteger, em abstracto, a garantia do cumprimento do princípio da imparcialidade, o mesmo sucedendo com outras disposições legais, como seja o artº 44º e segs do mesmo Código que consagra diversas medidas com essa mesma finalidade.
Só que, mais uma vez, a alegação genérica formulada pelas recorrentes não permite concluir que tenha havido qualquer impedimento por parte do titular do órgão - no caso do Presidente do CA - em participar no procedimento; ao invés, o que resulta dos elementos trazidos aos autos é que ele não teve qualquer intervenção neste procedimento desde o início até ao final.
E daí que se concorde com a decisão recorrida quando termina afirmando que, inexistindo alegação de factos concretos inexiste também fundamento para a produção de prova, dado que, efectivamente, a produção de prova só pode ser efectuada quando existam questões concretas que importem averiguar e não quando apenas existem generalidades, subjectivas, sem suporte factual.
Face ao exposto, improcede na totalidade o presente recurso, ficando deste modo, prejudicado o conhecimento da questão relacionada com o disposto no nº 5, do artº 102º do CPTA, que as recorrentes pretendiam ver analisada.

3 - DECISÃO:
Nestes termos acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso interposto.

Custas a cargo das recorrentes.
Notifique.
DN.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº138.º, nº 5 do CPC "ex vi" artº 1, do CPTA).

Porto, 24 de Fevereiro de 2012
Ass. Maria do Céu Neves
Ass. Fernanda Brandão
Ass. José Augusto Araújo Veloso