Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22 de Abril de 2010 (proc. 1327/09)

Imprimir

Sumário:

1. A projecção da norma de concorrência nas alternativas de discricionariedade atribuída pelos artigos 164º e 165º do CCP à entidade que decide abrir o concurso, relativamente à fixação dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, aponta no sentido de vedar a formulação de critérios de qualificação que estabeleçam condições restritivas do acesso sem base justificativa.
2. Na definição do universo concorrencial e nos demais actos instrutórios, a entidade que toma a decisão de contratar não pode adoptar medidas restritivas da concorrência sem justificação adequada, necessária e equilibrada.
3. É por referência ao conteúdo do contrato a celebrar, aos deveres e sujeições por ele construídas, que se deve ponderar quais devem ser os níveis mínimos de capacidade técnica e financeira para se aceder ao concurso limitado por prévia qualificação.*
* Sumária elaborado pelo Relator
          

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
A Administração Regional de Saúde do Norte e a sociedade F... SA, respectivamente ré e autora na acção administrativa especial do contencioso pré-contratual a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, inconformadas com a sentença aí proferida em 6 de Janeiro de 2010, que julgou parcialmente procedente a acção, declarando a ilegalidade de duas normas do Programa do Concurso para a prestação de serviços de vigilância e julgando improcedente o pedido de ilegalidade de outras duas, interpuseram ambas recurso jurisdicional, cada uma na parte que lhe foi desfavorável.

A recorrente ARS alegou, tendo concluído do seguinte modo:
1ª Não há qualquer violação da norma do art 165º/3 do Código dos Contratos Públicos com consequências sobre a violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade;
2ª Mostra-se em harmonia com aqueles princípios as normas regulamentares constantes da alínea b) do art 7º do Programa do Concurso Limitado por prévia qualificação nº 12 /2009;
3ª Não é de acolher, pois, a convocação a que a douta sentença procede, nem em substância nem por identidade de razões do regime da exigência de coeficientes de liquidez financeira próprios das empreitadas públicas quando, como sucede no caso sub judice, estamos em domínio de contratação onde pontificam os recursos humanos e a mão-de-obra intensiva;
4ª No domínio da contratação de prestação de serviços de segurança, o prestador está em directa relação com o cliente e tudo quanto presta é praticamente mão-de-obra intensiva, sendo que na sua prestação os recursos humanos preenchem praticamente os 100% do que é prestado; ora, se a empresa de prestação de serviços não estiver dotada de grande capacidade financeira, autónoma, porque não pode socorrer-se da detida pela multiplicidade de fornecedores que consigo se articulem, pode soçobrar logo na sua capacidade de pagar as remunerações do trabalho, as prestações acessórias do trabalho, as contribuições para-sociais, seguros de trabalho e encargos de segurança social e tudo quanto a prestação de trabalho envolve;
5ª Não há assim, com a adopção do coeficiente de 0,15 qualquer violação da norma do art 165º/3 do Código dos Contratos Públicos.
6ª Não havendo convocação de tempo de antiguidade anterior à vigência do Dec-Lei nº 282/86, de 5-9 que impôs a obtenção do alvará para o exercício da actividade como condição de constituição e exercício da actividade, não está violada qualquer norma de protecção e não pode reputar-se ilegal a norma regulamentar que não refira expressamente a antiguidade por relação ao tempo posterior à detenção de alvará.
7ª Ao ter decidido como o fez, não obstante o labor de densificação do seu sentido, violou a douta sentença recorrida as normas dos arts 165º nºs 3 e 4, arts 1º nº 4 e 5º nº 6 do Código dos Contratos Públicos, e ainda o regime daquele DL 282/86, por ter reputado violados, quando a densidade das situações de facto o não impunha, os referidos princípios da concorrência e da proporcionalidade."

No recurso interposto pela F... conclui-se o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 6 de Janeiro de 2010, que julgou improcedentes os pedidos da autora, aqui recorrente, referentes à alínea c) do artigo 6.º e à alínea d) do artigo 7.º do Programa de Concurso, incluindo os correspondentes pontos do Anexo I, do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação n.º 12/2009, que tem por objecto a "(...) prestação de serviços de vigilância/recepção (...)", lançado pela Administração Regional de Saúde do Norte, IP (Ars).
2. O presente recurso jurisdicional tem também por objecto a decisão sobre matéria de facto, impondo-se a respectiva ampliação, nos termos supra descritos, de maneira a incluir os factos indicados nas alíneas a) a h) do ponto 8 supra das presentes alegações de recurso, relativo justamente à impugnação da decisão sobre matéria de facto, e tendo em consideração os meios de prova aí especificamente identificados (cfr. pp. 14 a 17, cujo conteúdo se dá, para este efeito, por integralmente reproduzido), tudo por via do disposto no artigo 149.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no artigo 712.º do Código de Processo Civil.
3. A norma constante da alínea c) do artigo 6.º do Programa de Concurso é ilegal, por violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, nos termos dos artigos 1.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, bem como por violação do artigo 165.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, sendo essa ilegalidade evidente e manifesta, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.
4. A norma constante da alínea c) do artigo 6.º do Programa de Concurso é ilegal, por violação do princípio da imparcialidade, nos termos do artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, sendo a ilegalidade evidente, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.
5. A norma constante da alínea d) do artigo 7.º do Programa de Concurso é ilegal, por violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, nos termos dos artigos 1.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, bem como por violação do artigo 165.º, n.º 3, do Código dos Contratos Públicos, sendo essa ilegalidade evidente e manifesta, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo.
6. Relativamente ao artigo 165.º, n.º 3, do Código dos Contratos Públicos, é evidente que os requisitos de capacidade financeira exigidos no Programa de Concurso são demasiado exigentes para a prestação de serviços que está em causa, faltando-lhes a adequação que aquele preceito reclama e revelando-se, por isso, desrazoável e injustificadamente excludentes, motivo pelo qual decidiu mal o Tribunal a quo.
7. As normas constantes das alíneas c) do artigo 6.º e d) do artigo 7.º do Programa do Concurso são claramente ilegais na medida em que impedem a concorrência de aceder a contratos públicos ou a procedimentos adjudicatórios que tenham por objecto prestações de valor superior à melhor experiência que os concorrentes revelem, o que impede o desenvolvimento destes últimos, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo, em ofensa aos artigos 1.º e 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, bem como por violação do artigo 165.º, n.os 1 e 5, do Código dos Contratos Públicos.
8. Os requisitos referidos nas conclusões anteriores são claramente ilegais por se assumirem, em rigor, como requisitos injustificadamente excludentes e não como requisitos justificados por razões de interesse público, razão pela qual decidiu mal o Tribunal a quo ao não ter declarado a ilegalidade de tal preceito concursal, com ofensa ao disposto no artigo 165.º, n.º 5, do Código dos Contratos Públicos.

A F... apresentou contra-alegações.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº1 do CPTA, pronunciou-se a fls. 906 a 909.

2. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Através de anúncio publicado no D.R. nº 75, IIª Série, de 17 de Abril de 2009, foi aberto concurso nº 1635/2009 para prestação de serviços de vigilância. - cfr. docs. 1 junto com a p.i.
b) Os locais onde serão prestados os serviços de vigilância, a iniciar a 1 de Julho de 2009, são os constantes do artigo 1º do Programa de Concurso, que se dá por integralmente reproduzido.
c) Os concorrentes têm de demonstrar possuir um número mínimo de 600 vigilantes inscritos no Ministério da Administração Interna em cada um dos últimos três anos dos quais 75% pertencentes aos quadros efectivos da empresa. - cfr. alínea c) do art. 6º do Programa de Concurso.
d) Os concorrentes têm de demonstrar possuir uma autonomia financeira média nos últimos três anos igual ou superior a 0,15. - cfr. art. 7º alínea b) do Programa de Concurso.
e) Os concorrentes têm de demonstrar uma liquidez geral média nos últimos três anos igual ou superior a 1,5. - cfr. art. 7º alínea c) do Programa de Concurso.
f) Os concorrentes têm de demonstrar ter um volume de negócios médio nos últimos três anos igual ou superior a 7.500.000 (sete milhões e quinhentos mil euros). - cfr. art. 7º alínea d) do Programa de Concurso.
g) A Ré pretende, para efeitos de qualificação, seleccionar 5 candidatos. - cfr. art. 5º nº 2 do Programa de Concurso.
h) O volume de negócios considerado óptimo é de 100.000.000 € (cem milhões de euros) - cfr. anexo ao Programa de Concurso que se dá por integralmente reproduzido.
i) A A. é titular do alvará nº 76 C emitido pelo Ministério da Administração Interna para o exercício da actividade de segurança privada. - cfr. doc. 5 junto com a p.i..
j) A A. realizou uma operação de fusão com a empresa F.... - facto não impugnado pelas partes.
l) A A. teve nos exercícios de 2005 a 2007 uma autonomia financeira média superior a 0,15. - facto admitido por acordo das partes.
m) A A. não teve ao seu serviço, excluindo a referida operação de fusão, nos anos de 2006 a 2008, 600 vigilantes. - facto não impugnado pelas partes.
n) A A. nos anos de 2005 e 2006 teve um volume de negócios médio inferior a 7.500.000 (sete milhões e quinhentos mil euros). - facto não impugnado pelas partes.
o) Apresentaram proposta ao concurso em apreço, para além da requerente, as seguintes empresas: - P...S.A; - S....S.A; - ... - Empresa de Segurança, S.A; - em agrupamento: C..., Serviços de Segurança e Vigilância, S.A. e ...., Serviços de Segurança, S.A. - cfr. P.A. junto aos autos.
p) O caderno de encargos refere que o preço base é de 92.840,00 €, tendo o contrato a duração de sete meses.
Em ampliação da matéria de facto, admitidos por acordo e constantes de documentos dos autos, consideram-se provados ainda os seguintes factos:
q) A. Fénix presta actualmente serviços de vigilância e de recepção em diversas unidades de saúde de natureza idêntica às que são objecto do concurso referido em a), prestando tais serviços nos seguintes locais: a) Centro de Saúde de Barão do Corvo - 1 vigilante das 08.00h às 20.00h TDU; b) CDP de Barão do Corvo - 1 vigilante das 08.45h às 17.00h TDU; c) Unidade de Saúde de Soares dos Reis - 1 vigilante das 08.00h às 20.301, TDU; d) Unidade de Saúde de Oliveira do Douro -1 vigilante das 08.00h às 20.30h TDU; - f) Unidade de Saúde Familiar das Camélias - 1 vigilante das 08.00h às 20.00 TDU; g) Unidade de Saúde de Avintes - 1 vigilante das 08.00h às 20.30h TDU; h) SASU de Soares dos Reis - 1 vigilante das 08.00h às 21,00h TDU,
r) Esses serviços são prestados desde momento anterior a 2006, tendo nesse ano sido lançado o último concurso adjudicado à A. sem que tenham sido exigidos os requisitos de capacidade técnica e de capacidade financeira que constam das peças procedimentais do concurso referia em a);
s) A prestação de tais serviços exige a permanência de oito vigilantes, o que implica, em função das limitações de tempo de permanência, a disponibilização efectiva de 12 vigilantes.
u) A A. tem prestado esses serviços relatados desde data anterior a 2006, sem qualquer interrupção, sem qualquer manifestação expressa de reparo e com condições de estrutura, número de vigilantes, autonomia financeira e os restantes indicadores idênticos aos que se apresentou ao concurso;
v) A Ré dirigiu recentemente vários convites à A. para a apresentação de propostas em procedimento de ajuste directo sem exigir qualquer requisito mínimo de capacidade financeira ou de capacidade técnica, sendo os serviços a prestar idênticos, ainda que de duração inferior, aos que estão em causa no procedimento identificado em a);
w) As propostas apresentadas pela A. em resposta a esses convites foram objecto de adjudicação pela Ré, sendo que a execução dos contratos não mereceu, até ao momento, quaisquer reparos formais da Ré;
x) Por ofício nº 63.284, de 16.12.2008, a Ré convidou a F... para apresentar proposta ao procedimento de ajuste directo n.° 22/2008, dirigindo-lhe o doc. de fls 61 dos autos;
z) Na mesma data e por ofício n.° 63.288, a Ré convidou a F... para apresentar proposta ao procedimento de ajuste directo n.° 30/2008, dirigindo-lhe o doc. de fls. 63 dos autos
aa) No âmbito de serviços de vigilância/recepção, no procedimento de ajuste directo n° 07/2009 a Ré convidou a A. a apresentar proposta para a prestação de serviços de vigilância em algumas unidades de saúde, enviando-lhe o documento de fls. 67 a 70 dos autos
ab) No procedimento de ajuste directo n.° 11/2009 a Ré convidou a A. para apresentar proposta para a prestação de serviços de vídeo - vigilância em algumas unidades de saúde, dirigindo-lhe o documento de fls 75 a 78 dos autos;
ac) No procedimento de ajuste directo n.° 16/2009 a Ré convidou a A. para apresentar proposta para a prestação de serviços de vigilância em algumas unidades de saúde, dirigindo-lhe o documento de fls. 82 a 88 dos autos;
ad) No quadro do procedimento de ajuste directo n° 28/2009 a Ré convidou a A. a apresentar proposta para a prestação de serviços de vigilância em algumas unidades de saúde, dirigindo-lhe o documento de fls. 90 a 93;
ae) A A. apresentou propostas em todos os procedimentos descritos, tendo todas as propostas sido objecto de adjudicação pela Ré sem que fossem exigidos os requisitos de capacidade financeira e de capacidade técnica que a Ré exige no procedimento identificado em a), sendo que os serviços continuam a ser prestados nessas unidades de saúde;
af) O volume de negócios exigido pela Ré representa, a preços correntes, aproximadamente, 960527 horas de vigilância por ano, o que equivale à disponibilização para efeitos de prestação de serviços de 504 vigilantes,
ag) Dá-se por reproduzido o teor do doc. de fls. 84 do p.a.

3.1. A sentença recorrida declarou a ilegalidade dos artigos 7º, alínea b) e 13º do Programa do Concurso e dos correspondes pontos do Anexo I do procedimento de concurso limitado por prévia qualificação nº 12/2009, que tem por objecto a prestação de serviços de recepção e vigilância em sete centros de saúde e julgou improcedente o pedido de ilegalidade dos artigos 6º, alínea b) e 7º, alínea d) do mesmo Programa de Concurso.
Estas normas estabelecem alguns dos requisitos mínimos destinados à qualificação dos candidatos ao referido concurso, mais propriamente, o requisito da autonomia financeira mínima - artigos 7º, alínea b) - o requisito da regra da antiguidade - artigo 13º - o requisito do numero de vigilantes mínimo - artigo 6º, alínea c) - e o requisito de volume de negócios mínimo - artigo 7º, alínea d).
Como ambas as partes recorreram, a autora, relativamente à parte que declarou a ilegalidade das normas que estabelecem os dois primeiros requisitos, e a ré, na parte que não confirmou a ilegalidade dos dois últimos, impõe-se um reexame da totalidade dos fundamentos da sentença recorrida, tendo em conta a argumentação contra ela erguida na fase de recurso, sendo porém certo que a mesma pouco difere da já invocada nas peças processuais que antecederam a decisão recorrida.

3.2. Considerando que estamos no domínio em que a entidade adjudicante desfruta de ampla liberdade de configuração do procedimento pré-contratual, apesar da existência de certos limites de vinculação procedimental, o ponto de partida para análise da correcção das ponderações por ela efectuadas na fixação dos mínimos de capacidade técnica e financeira dos potenciais candidatos ao concurso consiste em localizar e delimitar o âmbito de autonomia de acção que as normas procedimentais lhe conferem.
O procedimento escolhido pela entidade adjudicante foi o concurso limitado por prévia qualificação regulado nos artigos 162º a 192º do Código dos Contratos Públicos (CCP). A opção por este tipo de procedimento constitui já uma manifestação de um espaço de autonomia administrativa conferida pelas normas reguladoras dos procedimentos pré-contratuais. Com efeito, considerando o valor do contrato a celebrar, o artigo 18º do CCP atribui ao órgão competente para a decisão de contratar uma liberdade de escolha entre os procedimentos de concurso público e de concurso limitado por prévia qualificação.
A discricionariedade de escolha optativa conferida por esta norma tem implicação directas na optimização do principio da concorrência, uma vez que, contrariamente ao que se verifica no concurso publico, nesta outra forma procedimental o acesso ao concurso é limitado a quem preencher determinados requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira.
Por isso mesmo, o exercício da liberdade de escolha do procedimento não é arbitrário: há normas reguladoras dessa autonomia, como o artigo 38º do CCP, que impõe a fundamentação dessa decisão ou normas que a limitam internamente, como acontece com os princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e boa fé.
A faculdade de escolha de um ou outro procedimento, ainda que por natureza implique menor exigência de concorrência, não pode ser pois determinada com intuito de restringir a concorrência. No âmbito da margem de autodeterminação que o artigo 18º lhe deixa, cabe o órgão que decide contratar fazer uma ponderação valorativa dos interesses concorrentes e, se concluir que é necessário proceder-se a uma avaliação autónoma da capacidade técnica e financeira dos candidatos, deve então fundamentar de forma objectiva e não arbitraria a opção pelo concurso limitado.
Em princípio, o que move a opção pelo concurso limitado são os inconvenientes, em termos de custos financeiros e de tempo, causados por um procedimento de acesso a todos os interessados, com o é o caso do concurso público. Se este procedimento é aquele que garante maior concorrência, a verdade é que a previsão de um número elevado de participações não só pode acarretar custos elevados como também pode tornar mais moroso o procedimento pela necessidade de se ter que avaliar inúmeras propostas, algumas delas apresentadas por entidades não qualificadas. Só razões deste tipo, hierarquizadas à luz do interesse público específico a prosseguir através do contrato, é que podem ser relevantes na escolha do procedimento e não a intenção de afastar ou limitar o número de candidatos.
No caso dos autos, o acto inicial que formalizou a decisão de contratar, constante do documento de fls. 84 do p.a, não dá qualquer indicação sobre os fundamentos subjacentes à forma de procedimento escolhida, e não se pode dizer que tal a omissão seja irrelevante, pois nela podiam também estar compreendidos ou implícitos os motivos pelos quais se fixaram requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira tão fechados à concorrência.
A escolha do concurso limitado por prévia qualificação vinculou a entidade adjudicante às normas procedimentais reguladoras dessa forma de procedimento, designadamente à obrigatoriedade de estabelecer no programa de concurso requisitos mínimos de capacidade técnica e requisitos mínimos de capacidade financeira, para efeito de qualificação dos candidatos (cfr. art.164º, nº 1. al. h) e i) e nº 2 e art. 165º, nº 1, 2 e 3 do CCP). O concurso limitado há sempre, por definição, uma fase prévia de qualificação em que se avaliam a capacidade técnica e a capacidade financeira dos candidatos, sendo os seleccionados os únicos convidados a apresentar propostas.
Para além da vinculação procedimental, com inclusão de regras que impõem condutas obrigatórias, como a fixação do requisito mínimo de capacidade financeira traduzido pela expressão matemática constante do anexo IV do CCP (cfr.art. 165º, nº 2), decorre daquelas normas espaços de autonomia da entidade adjudicante na fixação dos requisitos de qualificação. Dessas normas procedimentais resulta uma medida abstracta de discricionariedade na escolha dos critérios que presidem à avaliação da capacidade técnica e financeira dos potenciais candidatos ao concurso. Desde logo, a entidade adjudicante dispõe da faculdade de escolher que a qualificação se faça apenas em função da capacidade técnica ou apenas em função da capacidade financeira (art. 164º, nº 5). Quanto à fixação dos requisitos mínimos da capacidade técnica, a lei apenas exemplifica alguns dos critérios que podem ser considerados, «designadamente», a experiência curricular, os recursos humanos, tecnológicos e de equipamento, o modelo e capacidade organizacionais, a capacidade de adopção de medias de gestão ambiental (cfr. art. 165º, nº 1 ,al. a), b) d) e e)). E relativamente à capacidade financeira, o nº 4 do artigo 164º atribui o poder de indicar requisitos mínimos suplementares ao estabelecido no anexo IV do CCP.
Tal como ocorre na discricionariedade administrativa globalmente considerada, também a discricionariedade procedimental tem os limites de normas reguladoras dessa autonomia, normas que estabelecem limites e direccionam o exercício da discricionariedade atribuída. Referimo-nos, quer aos princípios gerais da actividade administrativa, para que remete o art. 5º, nº 6 al. a) quer aos princípios específicos da contratação pública referidos no art. 1, nº 4 do CCP. A discricionariedade na fixação dos requisitos mínimos de qualificação não tem apenas por limite a fim visado pela norma que a confere, mas também determinados princípios, como a igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, transparência e concorrência. Estas normas de princípio incidem ou projectam-se no espaço de autonomia que aquelas normas atribuem às entidades adjudicantes, impondo certos cânones ou determinados parâmetros ao «iter» lógico que conduz à fixação dos critérios de avaliação da capacidade técnica e financeira dos candidatos.
A intervenção destes princípios nos espaços de conformação próprios da decisão administrativa cria um conflito apenas resolúvel através de uma ponderação: por um lado, temos as normas que conferem à entidade adjudicante autonomia para fixarem requisitos mínimos, por outro lado, temos as normas de princípio que estabelecem o efeito contrário, na estrita medida em que, pelo menos, parte dessa autonomia é por si excluída ou diminuída. O conflito entre estas normas, que aparecem como geradoras de efeitos incompatíveis, só é possível resolver-se através do método da ponderação desses efeitos, com base na especificidade das circunstâncias de facto que geram o conflito. A solução jurídica do caso depende, pois, dos termos em que é feita a contrapesagem dos factos e dos juízos de valoração a ela associados.
No caso dos autos, os princípios convocados para a regular a discricionariedade na fixação dos critérios objectivos de avaliação da capacidade técnica e financeira dos candidatos foram o princípio da concorrência e o princípio da proporcionalidade. Ambos os princípios são normas que, com a indeterminação e expansibilidade que os distinguem das normas regra, aparecem a limitar o exercício da autonomia procedimental que a lei conferem às entidades adjudicantes no domínio da contratação pública.
O princípio da concorrência, trave-mestra dos procedimentos contratação pública, é uma norma sobre o acesso ao procedimento que determina, dentro do imperativo de optimização em que se traduz a sua aplicação, o mais amplo acesso de todos os interessados em contratar ao respectivo procedimento pré-contratual. O princípio estabelece que a instrução do procedimento deve ser orientada pelo objectivo de garantir a mais ampla entrada de concorrentes: no procedimento de contratação pública, e no que respeita ao acesso de interessados, deve viabilizar-se o mais amplo acesso possível. O interesse público subjacente à norma de concorrência está bem implícito no seu enunciado: estimular o mercado e os operadores económicos a concorrerem, como opositores e em condições de igualdade, de modo a se poder seleccionar a proposta que melhores condições oferece para a satisfação do interesse específico que levou a entidade adjudicante a determinar-se ao negócio. O interesse da maior abertura ao mercado manifesta-se sobretudo na fase inicial, em que se formula o caderno de encargos e o programa de concurso, mas também tem projecções variáveis ao longo do procedimento.
A projecção da norma de concorrência nas alternativas de discricionariedade atribuída pelos artigos 164º e 165º do CCP à entidade que decide abrir o concurso, relativamente à fixação dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira, aponta no sentido de vedar a formulação de critérios de qualificação que estabeleçam condições restritivas do acesso sem base justificativa. Apesar da sua aparente legitimidade, não pode estabelecer-se critérios ou exigências limitativas do acesso ao procedimento sem que haja motivos justificados, racionais e razoáveis. A legitimidade jurídica das restrições à concorrência estabelecidas no programa de concurso depende, pois, da ponderação que se faça sobre as circunstâncias de facto relevantes para a celebração do contrato em expectativa.
O princípio da proporcionalidade, definido no nº 2 do art. 5º do CPA, é uma norma que numa relação de meio fim determina a medida certa, a «justa medida», e que no lado oposto estabelece a proibição do excesso, em qualquer das perspectivas em o mesmo se possa manifestar: falta de adequação, de necessidade e de equilíbrio. È um princípio de adequação, no sentido de que a medida adoptada para a prossecução do interesse público deve ser apropriada ou idónea ao fim ou fins a ele subjacentes; um princípio de necessidade, no sentido de não haver outro meio adequado para alcançar o fim que seja menos oneroso para a comunidade e para os particulares, designadamente no que se refere á limitação ou ablação de direitos e interesses legalmente protegidos; e um princípio de equilíbrio, no sentido de que a medida tomada tem que ser um meio razoável, de modo a que as vantagens intentadas não devam estar em notória desproporcionalidade como os custos incorridos.
A incidência da proporcionalidade na margem de autonomia atribuída à entidade adjudicante na contratação pública, em particular na fixação dos critérios objectivos da avaliação da capacidade técnica e financeira, é por demais evidente. Não fosse suficiente a relevância como princípio autónomo da norma procedimental, enuncia o nº 1 do artigo 165º do CCP, relativamente aos requisitos mínimos de capacidade técnica, que eles «devem ser adequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar», e o nº 3 do mesmo artigo, relativamente aos requisitos mínimos da capacidade financeira, a dizer que eles «devem reportar-se à aptidão estimada dos candidatos para mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar».
Neste contexto, a proporcionalidade afirma-se como uma norma reguladora da ponderação a efectuar entre os efeitos do princípio da concorrência e das normas atributivas da discricionariedade procedimental. Ou seja, exige-se à entidade adjudicante que, na definição do universo concorrencial e nos demais actos instrutórios, não adopte medidas restritivas da concorrência sem justificação adequada, necessária e equilibrada. A submissão à norma de proporcionalidade veda que se estabeleçam requisitos tão exigentes que resultem numa limitação manifestamente desproporcionada no mercado habilitada habilitado a participar no procedimento em causa.
Vejamos, então, se a entidade que decidiu abrir o concurso revelou falta de ponderação dos interesses em causa na fixação dos critérios de aferição da capacidade mínima para se aceder ao concurso. Não se trata, porém, de saber se esses critérios são os melhores possíveis, mas apenas um controle negativo de que não são adequados, indispensáveis ou razoáveis. A eficácia da proporcionalidade no domínio da discricionariedade não é a de apontar injuntivamente um sentido de decisão, mas apenas o de estabelecer parâmetros que não podem deixar de ser observados.

3.3. Para a celebração de um contrato de serviços de vigilância e recepção em sete centros de saúde e que tem por objecto a contratação de oito vigilantes, pelo prazo de sete meses e pelo preço base de 90.840€, foi determinado e enunciado no Programa do Concurso, para além do mais, que os potenciais candidatos só podiam aceder ao concurso limitado por prévia qualificação do possível contratante se, no mínimo: a) possuíssem 600 vigilantes inscritos no MAI, em cada um dos últimos três anos, dos quais 75% pertençam aos quadros efectivos da empresa (alínea c) do art. 6º); b) possuíssem autonomia financeira com um quociente igual ou superior a 0,15, obtido entre a divisão do capital próprio e o activo líquido total e apurada através da média dos últimos três anos (alínea b) do artigo 7º); c) e possuíssem um volume de negócios, apurado através da média dos últimos três anos de igual ou superior a 7.500 000.00 € (alínea d) do art. 7º).
Será que estes três requisitos de capacidade técnica e financeira mínima, isoladamente ou em conjunto, não são adequados, necessários e equilibrados à prévia selecção dos candidatos que reúnem as condições necessárias para a boa execução do contrato?
O requisito mínimo da capacidade técnica tem que ser adequado á «natureza das prestações objecto do contrato a celebrar» e o requisito mínimo de capacidade financeira tem que ser apto a «mobilizar os meios financeiros previsivelmente necessários para o integral cumprimento das obrigações resultantes do contrato a celebrar». A natureza das obrigações emergentes do contrato em expectativa surge aqui como um elemento importante na ponderação da adequação, indispensabilidade e razoabilidade dos critérios de averiguação da capacidade mínima dos candidatos. É por referência ao conteúdo do contrato a celebrar, aos deveres e sujeições por ele construídas, que se deve ponderar quais devem ser os níveis mínimos de capacidade para se aceder ao concurso.
Assim sendo, temos que considerar que qualquer daqueles requisitos é produto de ponderações desadequadas, desequilibradas e com sacrifício desnecessário da concorrência.
A exigência de 600 vigilantes ao serviço do potencial candidato é um elemento relevante para comprovar a dimensão do operador económico, mas não se mostra adequado à função do contrato, que exige apenas a contratação de oito vigilantes. Por certo que para fornecer este serviço não faltam empresas de segurança em condições de o prestar eficazmente, e portanto como possibilidade de inclusão no universo dos qualificáveis, sem que seja necessário dispor de tantos vigilantes. Não há razão justificativa para excluir da concorrência empresas que estão em condições de cumprir as obrigações emergentes do contrato só pelo simples facto de não terem tido o mínimo de 600 vigilantes nos últimos três anos. Se a capacidade técnica tem que estar única e exclusivamente ligada ao objecto do contrato, então não se pode considerar proporcional à satisfação das obrigações decorrentes de um contrato que exige o fornecimento de oito vigilantes a necessidade de ter disponíveis 600 vigilantes. E para se assim concluir nem sequer é necessário fazer-se a demonstração de que no mercado há muitas empresas com essa capacidade de recursos humanos, pois o objecto do contrato pode ser eficientemente satisfeito por operadores económicos de menor dimensão
A sentença recorrida considerou o requisito do número de vigilantes relevante para averiguar a "qualidade dos serviços" que serão prestados em sede de execução do contrato. Mas a qualidade dos serviços não é um elemento que possa ser avaliado em sede de capacidade técnica, uma vez que é um elemento que faz parte dos critérios de adjudicação. Se fosse tido em conta na fase de qualificação já não podia ser pontuado na fase de adjudicação, por assim o impede a parte final do nº 1 e o nº 3 do art. 75º do CCP. O Programa de Concurso considera factor de adjudicação, pontuado em 25%, a qualidade do nível de serviço, o que significa que a qualidade do serviço a executar é um elemento que só pode relevar na fase subsequente à avaliação da capacidade técnica e financeira dos candidatos. Se na análise do mérito das propostas não se pode em qualquer circunstância tomar em consideração, seja directa ou indirectamente, factores considerados na qualificação, a conclusão lógica é que os factores e subfactores de adjudicação, tais como a qualidade do serviço, não podem, ser considerados em sede de qualificação dos candidatos, uma vez que não respeitam à avaliação da capacidade técnica.
Também não é relevante à ponderação o argumento de que o mínimo de 600 vigilantes é elemento importante para "definir parâmetros de dimensão da empresa compatíveis com as exigências de um serviço ajustado e adequado à área da saúde". É verdade que a dimensão da empresa é um elemento indiciador da capacidade técnica para cumprir as obrigações resultantes de um contrato de prestação de serviços. Mas o número de 600 vigilantes aponta para a dimensão de um empresa desproporcional ao serviço a prestar, afastando empresas de menor dimensão com a mesma capacidade técnica de executar o contrato que as de grande de dimensão. E não há qualquer fundamento razoável para se dizer que a "área da saúde", por referência a outras áreas como as da educação ou da justiça, é tão exigente em termos de segurança que só uma empresa de grande tem capacidade para prestar tais serviços.
Apesar do Programa do Concurso, relativamente a este requisito, se reportar aos últimos três anos, os documentos necessários à sua comprovação fazem são relativos aos anos de 2005, 2006 e 2007. Ora, neste aspecto, tem razão a recorrente F... quando vê na exigência desse requisito diversas "incongruências" com o fim a que se destina. Com efeito, não é seguro que à data da qualificação a candidata ainda disponha do mínimo de 600 vigilantes ou que todos eles estejam disponíveis para a contratação, podendo mesmo candidatar-se quem á data do concurso não disponha de vigilantes nos seus quadros.
E se este requisito for ponderado com o requisito mínimo de quatro clientes nos últimos três anos, em serviços de idêntica natureza com facturação igual ou superior, e que também é relevante na avaliação da capacidade técnica, é manifesta a desproporção dos 600 vigilantes relativamente à necessidade do número de vigilantes para cumprir tais contratos, em que o mínimo são necessários 60 vigilantes.
Relativamente aos dois critérios adoptadas para preenchimento do requisito mínimo de capacidade financeira em litigio, o da autonomia financeira de 0,15 e o do volume de negócios de 7.500,000,00, nos anos 2005, 2006 e 2007, também se manifesta a falta da "justa medida" relativamente aquilo que é exigido, ou seja, a disponibilidade de meios financeiros necessários ao cumprimento integral do contrato.
O cumprimento das obrigações do contrato exige ao futuro contratante o pagamento das remunerações de oito vigilantes durante sete meses. Considerando o que o valor base do contrato é de 92.840,00 € é notório que esses vencimentos não deverão ser superiores a esse valor, sob pena do negócio ser insuportável para a empresa. E importante que a empresa contratante disponha de fundos suficientes para garantir o pagamento desses salários ou de eventuais indemnizações por incumprimentos. Mas para garantir o cumprimento dessas obrigações será necessário exigir que o capital próprio seja, pelo menos, de 15% do activo líquido ou que a empresa tenha tido no mínimo um volume de negócios de sete milhões e meio de euros?
Pela indicação dada no nº 3 do art. 165º do CCP, o que é essencial no requisito da capacidade financeira, não é a titularidade de capitais ou bens próprios, mas a garantia de que o candidato tem ao seu dispor, logo que necessário, os meios e recursos financeiros necessários ao cumprimento das obrigações do contrato. Se a solvabilidade dos candidatos é medida em função do valor do contrato, o que é confirmado pelo requisito mínimo obrigatório traduzido na expressão matemática constante do anexo IV, então os valores exigidos para a autonomia financeira e para o volume de negócio são excessivos e desnecessários.
A decisão recorrida, por comparação com o que acontece nos contratos de empreitada, em que se exige um rácio de 0, 15 (Portaria nº 971/200, de 27 de Agosto), entendeu que esse critério é desnecessário face ao preço base do contrato. Embora não o diga expressamente, subentende-se que nas empreitadas a necessidade de solvabilidade do empreiteiro é maior, em virtude dos investimentos que a execução do contrato o obriga a fazer. Trazer esse elemento à ponderação da razoabilidade deste critério é legítimo, pois constitui um ponto de referência para os parâmetros que devem ser considerados noutros contratos. Se a lei exige uma reserva de 15% de capitais próprios relativamente ao activo líquido para as empreitadas, em que os compromissos assumidos vão muito além do pagamento de salários, então, em contratos em que apenas os salários contam, o rácio terá que ser bem menor. A comparação põe em luz a manifesta desproporção desse critério relativamente aos meios financeiros previsivelmente necessários à execução do contrato. Nem se invoque que o diferente tipo de contratos afasta a comparação. A circunstância de a execução do contrato de segurança exigir quase exclusivamente mão-de-obra intensiva não é relevante perante os encargos em investimento que notoriamente as empreitadas comportam.
Por outro lado, estando em causa garantir a solvabilidade do contratante, não pode deixar de se considerar também a presunção de solvência do Administração e levar à ponderação a circunstância do pagamento dos serviços prestados ter que ser feito no prazo de 30 dias (art. 299, nº 1 do CCP), o que reduz para dois meses a necessidade de fundos disponíveis para o pagamento de salário de 8 vigilantes. Um facto que mais uma vez desequilibra a exigência de uma autonomia financeira de capitais próprios equivalente a 15% do activo.
Este argumento presta-se também a alertar para a irracionalidade da ponderação efectuada com a fixação do requisito do volume de negócios. A exigência de um volume de negócios de sete milhões e meio de euros deixa fora da concorrência operadores económicos que, em função do objecto do contrato, tinham condições para aceder ao concurso, ainda que eventualmente não obtivessem qualificação. Esse valor tem alguma correspondência com o requisito dos 600 de vigilantes, mas a inadequação deste reflecte-se directamente na desproporcionalidade deste, para além da "incongruência" acima referida com a comparação do requisito do número de clientes.
Há dois factos que tornam evidente essa conclusão.
O concurso visou qualificar candidatos, no modelo complexo, em que apenas são qualificados quem demonstre maior capacidade, e a execução desse modelo frustrou-se porque apenas se apresentaram cinco candidatos, número igual aos qualificáveis, sendo certo que um candidatou-se em agrupamento. A escassez de candidatos, que implicou uma qualificação automática (nº 4 do art. 181º do CCP), é um indício sintomático de que poucas empresas estariam em condições de cumprir tão apertada exigência e que, portanto, os critérios fixados foram desproporcionados ao contrato em causa.
Assim aconteceu com a candidata F.... que, mantendo desde 2006 contratos similares ao posto em concurso e sendo contratada por ajuste directo após a abertura do procedimento, foi excluída da qualificação automática por não demonstrar um volume de negócios igual a sete milhões e meio de euros nos exercícios de 2005 a 2007. O fim de interesse público a prosseguir com esses ajustes é o mesmo que determinou a ARS a decidir contratar e a abrir um procedimento com esse fim: necessidade de vigilância nos centros de saúde. Ora, se antes e após o início do concurso limitado, a F... foi escolhida como co-contratante para dar satisfação a essa necessidade, só pode ser porque a ARS considera que ela dá garantias de capacidade técnica e financeira suficientes para prestar tais serviços. Caso contrário, ter-se-ia de concluir que a entidade adjudicante não avaliou o grau de risco de incumprimento do contrato por razões técnicas e financeiras, com violação do princípio do interesse público.
Os três requisitos, isolados ou em conjunto, sopesando as circunstância de facto em que o contrato pode ser celebrado e executado, têm o efeito de excluir à concorrência empresas de segurança com capacidade técnica e financeira, adequada, necessária e equilibrada à boa execução do contrato a que se preordenou o procedimento concursal.

3.4. Por fim, está em controvérsia o requisito da antiguidade da empresa como elemento de ordenação dos candidatos qualificados. A recorrente F... defende que a antiguidade se deve contar da data em foi emitido o alvará e não a data em que a empresa foi constituída, tal como resulta do Anexo I na avaliação do requisito da experiência profissional; a recorrente ARS argumenta que não é necessário corrigir esse subfactor de qualificação porque o júri pode e deve considerar apenas a data da autorização para o exercício da actividade de segurança.
Como caso jurídico, a resolução desta questão não tem qualquer interesse porque, como já se referiu, atenta o diminuto número de candidatos opositores ao concurso, a qualificação foi automática e o júri não teve necessidade de aplicar a regra a antiguidade. Portanto, nem sequer se pode saber se a argumentação da ARS, no sentido de que a norma procedimental pode ser interpretada no sentido de que a data relevante é a data do alvará, tinha ou não consistência.
Em todo o caso, não se está perante uma situação de averiguar a correcção da ponderação e valoração de factos, tendo em vista a prevalência da norma de proporcionalidade: o problema não é de proporcionalidade, mas de transparência ou quando muito de violação da lei (art. 22º, nº 1 do DL nº 35/2004 de 21/2), por se dar relevo a uma data em que empresa ainda não podia funcionar.
Não parece que a norma afronte directamente a regra que exige autorização para a prestação de serviço de segurança: o que se subentende é que a referência à data da constituição da empresa deve equivaler à data em que ela foi autorizada a exercer funções, pois, só nesse momento é que pode exercer plenamente a função para que foi constituída. Tal interpretação não significa que a regra seja legal, pois está em desconformidade com o princípio da transparência referido no nº 4 do artigo 1º do CCP. Da norma da transparência decorre que as regras do procedimento deva ser claras e precisas, de modo a evitar dúvidas aos candidatos e vedar discricionariedades excessivas ou arbitrariedades às entidades adjudicantes. Basta ler a argumentação da ARS sobre esse ponto para imediatamente se conclui que a regra não foi estabelecida com o rigor imposto pela transparência, e por conseguinte, também é inválida.

4. Em conformidade com o exposto acordam em:
a) Negar total provimento ao recurso jurisdicional interposto pela R. ARSN. IP, confirmando-se a sentença na parte por ela impugnada;
b) Conceder total provimento ao recurso jurisdicional interposto pela A. F..., SA, e em consequência, revogar a decisão na parte por ela impugnada.
c) Julgar procedente a acção administrativa, declarando a ilegalidade dos artigos 6º, al. c), 7º, al. b) e d) e art. 13º do Programa do Concurso, em conjugação com as normas do Anexo I a que se referem esses artigos.
Custas em 1ª instância a cargo da Ré e da contra-interessada, com taxa de justiça fixada em função do valor resultante da tabela II anexa ao RCP;
Custas nesta instância a cargo da Ré ARSN, IP, com taxa de justiça fixada em função do valor resultante da secção b) da tabela I anexa ao RCP.

Notifique-se.
Porto, 22 de Abril de 2010
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador