Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20 de Janeiro de 2011 (proc. 840/09)

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Sumário:

I. A não apresentação dos documentos de habilitação no prazo ou no modo para o efeito fixado importa a caducidade da adjudicação, sendo que se admite a possibilidade de ser concedido um prazo adicional para a apresentação de documentos de habilitação em falta no caso dessa falta resultar de facto que não seja imputável ao adjudicatário.
II. Cabe à entidade adjudicante emitir o juízo sobre se o facto impeditivo da apresentação atempada dos documentos é ou não imputável ao adjudicatário e, como tal, relevante, sendo que neste âmbito se admite como possível a invocação do justo impedimento enquanto contendo um princípio geral de direito com plena valia e aplicação neste domínio.
III. Do disposto nos arts. 81.º, n.º 1, al. b) e 86.º do CCP na sua conjugação com o demais quadro normativo em matéria de procedimentos de formação de contratos não deriva qualquer imposição à entidade adjudicante do dever de notificação ou de prolação dum novo convite ao adjudicatário quanto à junção da documentação em falta para efeitos de habilitação.
IV. Atente-se que a possibilidade de existir uma supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do art. 86.º do CCP pressupõe que se trate duma situação de mera irregularidade e quanto a documentação que foi junta ao procedimento [cfr. art. 132.º, n.º 1, al. g) do CCP na sua actual redacção] e nunca de permissão de suprimento quanto a uma total ou parcial omissão de instrução com junção de documentação para efeitos de habilitação quando estejamos perante omissão apenas imputável ao adjudicatário.
V. Não resultando apurado que em face dos avisos/esclarecimentos proferidos no procedimento hajam sido proferidos outros actos em matéria da habilitação que revelem conduta ou condutas que no confronto com a do acto impugnado importem violação dos princípios da concorrência, da transparência, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé e da prossecução do interesse público tem-se a infracção aos referidos princípios como insubsistente.*
* Sumário elaborado pelo Relator
       

Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.
RELATÓRIO

"F..., LDA.", devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 06.08.2010, que julgou improcedente a acção administrativa de impugnação urgente [contencioso pré-contratual] pela mesma deduzida nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA contra "AGÊNCIA NACIONAL COMPRAS PÚBLICAS, EPE" e as contra-interessadas "C..., LDA.", "C..., SA", "F..., LDA.", "E..., SA", "I..., SA", "E..., LDA." e "O..., LDA.", todas igualmente identificadas nos autos, na qual peticionava a declaração de nulidade dos actos proferidos pelo CA do ente público demandado no âmbito do procedimento concursal público para "selecção de fornecedores de produtos de higiene e de prestação de serviços de limpeza" (DR II.ª série, de 15.10.2008) em 05.03.2009 e 24.03.2009 que consideraram caduca a adjudicação à mesma relativa aos lotes 09) e 10).

Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 298 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: "...
1. A aqui Recorrente veio requerer, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a anulação do acto administrativo da Recorrida, Agência Nacional de Compras Públicas, de 5 de Março de 2009 que considerou caducada a adjudicação que lhe fora feita do fornecimento de produtos de higiene e de prestação de serviços de limpeza, após prévio concurso a que se reportam os presentes autos, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 86.º, do CCP, pela não apresentação, no prazo fixado no PC, das declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social, relativas ao último ano (apresentou apenas a declaração relativa ao mês 07/2008) e declarações de clientes com indicação dos valores; a falta destes documentos (ou a sua não apresentação nos termos solicitados no PC, o que equivale à sua não apresentação) impediu, ainda, a comprovação de duas das três condições técnicas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do PC;
2. E, ainda, da deliberação do mesmo Conselho de Administração, de 24 de Março de 2009, que manteve aquela primeira deliberação de caducidade da mesma adjudicação, após a reclamação apresentada atempadamente pela Recorrente para o Conselho de Administração da Recorrida;
3. No entanto, a douta sentença, não veio a dar provimento à acção;
4. Desde logo, a douta sentença não dá como matéria de facto provada, ao contrário do que deveria ter sucedido, que a Autora dispunha dos documentos de habilitação que a Recorrida entendia deverem ser entregues, quando tal resulta dos documentos juntos aos autos pela Recorrente, mais concretamente, os documentos n.ºs 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24.
5. Pelo que, a decisão proferida sobre a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada por forma a considerar como provado que a Recorrente dispunha dos documentos que a Recorrida pretendia nos termos da alínea e) do artigo 11.º do PC e ainda dos que se destinavam a comprovar duas das condições previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do PC, quando tal resulta dos documentos juntos aos autos pela Recorrente e já acima melhor identificados.
6. Acresce ainda que a douta sentença ao considerar improcedente a acção proposta pela Recorrente, violou o disposto no artigo 86.º, do CCP; e ainda os princípios da concorrência, transparência, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, boa fé e prossecução do interesse público, consagrados no CCP e no CPA;
7. Na verdade, o MM Juiz a quo não considerou, quando, salvo melhor opinião, deveria ter considerado, que a Recorrida deveria ter dado um prazo adicional à Recorrente para esta suprir as deficiências relativamente aos documentos de habilitação pretendidos.
8. Aliás, esta interpretação do artigo 86.º, do CCP, é aquela que veio a obter consagração numa recente alteração legislativa, e que veio tornar absolutamente clara a ratio daquele normativo, mais concretamente, através do Decreto-Lei 278/2009, de 2 de Outubro,
9. Ora, a não entrega dos documentos, nos termos solicitados pela Recorrida, pelo simples facto da Recorrente não ter interpretado correctamente quais os documentos a entregar, e ter-se convencido que estaria a entregar os correctos, o que motivou que tão pouco tivesse pedido qualquer esclarecimento à Recorrida, parece-nos, sem qualquer sombra de dúvida, uma situação enquadrável na ratio desta norma - e que esta alteração legislativa simplesmente veio clarificar.
10. Sucede que corroborando a tese defendida pela Recorrente, de que o cumprimento formal daquele normativo violava a sua ratio e os princípios da concorrência e da proporcionalidade, consagrados no CCP e no CPA, veio já a ser proferido um acórdão, no âmbito de um processo de contencioso pré-contratual e em que se impugnava um acto idêntico ao impugnado nos presentes autos, e num processo concursal promovida pela ora Recorrida;
11. Assim, neste Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 04.02.2010, do CA, 2.º Juízo, proferido no processo n.º 05832/10, pode ler-se que:
«II. O art. 86.º do Código dos Contratos Públicos, mesmo na redacção anterior ao Dec.-Lei n.º 278/2009, de 2 de Outubro, deve ser interpretado no sentido do adjudicatário que tenha apresentado documentos de habilitação irregulares ser ouvido antes da decisão sobre a caducidade da adjudicação.
III. Além disso, se as irregularidades forem de reduzida gravidade e ou passíveis de sanação, a entidade adjudicante deve conceder-lhe prazo razoável para esse efeito».
12. Acresce ainda que o MM.º Juiz a quo também não considerou que os esclarecimentos prestados pela Recorrida não violaram o princípio da igualdade, uma vez que, mais não foram do que o exercício de um dever da Recorrida por forma a evitar que em futuros procedimentos tais situações se repitam,
13. Ora, sucede que, salvo melhor opinião, o exercício deste dever pela Recorrida consubstanciava-se, pelo contrário, em conceder um prazo adicional aos concorrentes que, como a Recorrente, não tivessem procedido à entrega dos documentos de habilitação, por qualquer errónea interpretação no pedido formulado e que fosse susceptível de resolução nesse prazo adicional;
14. Por outro lado, o Tribunal a quo, entendeu que, a Recorrida não violou o princípio da igualdade pelo facto de ter concedido um prazo adicional para que os concorrentes pudessem apresentar certidão de registo comercial ou lhe disponibilizassem o respectivo código de acesso, por considerar que aqui não estávamos perante a mesma situação;
15. Sucede, que tal assim não o foi, uma vez que, a certidão de registo comercial solicitada era precisamente para comprovar que os concorrentes não se encontravam nas situações previstas nas alíneas b) e i), do artigo 55.º, do CCP, cfr. artigo 81.º, n.º 1, alínea b), do CCP, e conforme é aliás referido no próprio aviso;
16. Pelo que, ao tratar de forma desigual situações iguais, quando relativamente a determinados documentos de habilitação a Recorrida entendeu que tinham ocorrido dúvidas sobre como estes eram constituídos permitindo a sua entrega num prazo adicional violou a douta sentença o artigo 81.º, n.º 1, alínea b), conjugado com as alíneas b) e i), do artigo 55.º, e o artigo 86.º todos do CCP, e assim o princípio da igualdade;
17. Pelo que, deverá anular-se a douta sentença recorrida, por esta violar claramente os artigos 86.º, 81.º, n.º 1, alínea b), conjugado com as alíneas b) e i), do artigo 55.º, e o artigo 86.º todos do CCP e ainda os princípios da concorrência, transparência, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, boa fé e prossecução do interesse público, consagrados no CCP e no CPA ...".
Pugna pela revogação da decisão e total procedência da acção.

Dos RR., aqui recorridos, apenas a "AGÊNCIA NACIONAL COMPRAS PÚBLICAS, EPE" apresentou contra-alegações (cfr. fls. 327 e segs.), nas quais conclui nos termos seguintes:
"...
A) Por deliberações do Conselho de Administração da Recorrida, de 05.03.2009 e 24.03.2009, foi determinado, entre o mais, a caducidade da adjudicação efectuada às propostas apresentadas pela Recorrente nos Lotes 9 e 10 do «Concurso público para selecção de fornecedores de produtos de higiene e de prestadores de serviços de limpeza»;
B) Mais concretamente, a deliberação da Recorrida de 05.03.2009 determinou, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 86.º do Código dos Contratos Públicos - o «CCP» (na redacção originária dada pelo Decreto-Lei n.º 18/2008 de 29 de Janeiro), a caducidade da adjudicação efectuada às propostas apresentadas pela aqui Recorrente, nos Lotes 9 e 10 do Concurso, em virtude da «não apresentação, no prazo fixado no PC, das Declarações de Remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social, relativas ao último ano (apresentou apenas a Declaração relativa ao mês 07/2008) e Declarações de clientes com indicação dos valores; a falta destes documentos (ou da sua não apresentação nos termos solicitados no PC, o que equivale à sua não apresentação) impediu, ainda, a comprovação de duas das três condições técnicas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do PC».
C) Na verdade, e ao contrário do exigido na al. d) do n.º 1 do art. 11.º do PC [Declarações de clientes, em número mínimo de 4 (quatro), relativas a fornecimentos de produtos de higiene ou a prestação de serviços de limpeza, que tenham totalizado, desde 1 de Janeiro de 2007 até à data da apresentação da proposta, 20.000 € (vinte mil euros) - cfr. art. 5.º, n.º 1, al. e), ponto (i), do PC], a Recorrente declarou expressamente que apresentou «18 declarações de clientes, e em [apenas] três delas constavam valores que totalizavam os valores referidos nos pontos (i) e (ii), da alínea d) do artigo 5.º» (cfr. art. 26.º do requerimento inicial da providência cautelar apensa ao presente processo e art. 21.º da p.i.).
D) Logo, a Recorrente confessa que incumpriu o disposto nos arts. 11.º e 5.º do PC, mesmo após o Júri do Concurso, em resposta a um pedido de esclarecimento, do Concorrente n.º 1 Borman, ter frisado bem a necessidade das declarações em causa conterem os valores dos serviços prestados.
E) No que respeita aos documentos de habilitação exigidos na al. e) do n.º 1 do art. 11.º do PC [Declarações de Remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social pelo concorrente que concorra, pelo menos, a um dos lotes 9 a 16, relativas ao último ano, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação «DR-SS_xx-yy _[designação_empresa].pdf», onde xx deve indicar o mês e yy o ano a que se referem as declarações], a Recorrente entregou apenas uma declaração, uma vez que, segundo a Recorrente, «a redacção da alínea e), daquele n.º 2, do artigo 11.º induziu a aqui Recorrente na convicção de que seria necessária a entrega de apenas uma declaração, mesmo porque aí era referido que «(...) deverá ser enviada num ficheiro com a designação "DR-SS_xx-yy _[designação_empresa].pdf».
F) Esta argumentação não colhe, porquanto, no apontado preceito, são inúmeras as referências plurais às Declarações de remunerações, relativas ao último ano, pelo que nunca se poderá interpretar a al. e) do n.º 1 do art. 11.º do PC como sendo aí exigida apenas uma declaração das remunerações dos trabalhadores ao serviço dos concorrentes e por estes apresentadas à Segurança Social.
G) Aliás, a norma em causa é perfeitamente clara quando refere o seguinte: «deverá ser enviada num ficheiro com a designação "DR-SS_xx-yy _[designação_empresa].pdf, onde xx deve indicar o mês e yy o ano a que se referem as declarações».
H) Assim, não só a entrega por parte da Recorrente de apenas uma declaração de remunerações representa o incumprimento do disposto no art. 11.º, n.º 1, al. e), do PC, como a falta desses documentos de habilitação impediu a Recorrida de aferir e de dar por verificada a exigência constante do art. 5.º, n.º 1, al. e), ponto (ii), segundo a qual os concorrentes seleccionados deveriam ter tido ao seu serviço um «Número médio de trabalhadores efectivos afectos à prestação de serviços de limpeza nos últimos 12 meses [...] igual ou superior a 100 para os lotes 9 a 15».
I) E, ao contrário do alegado pela Recorrente, a «Informação Empresarial Simplificada (IES) referente ao ano de 2007», exigida nos termos da al. b), do n.º 1, do art. 11.º, do PC, não permitia à Recorrida aferir o número médio de pessoas ao serviço da empresa, porquanto o IES de 2007 comprova apenas que a Recorrente teve 290 trabalhadores em funções no ano de 2007, mas não atesta os requisitos exigidos nos arts. 11.º, n.º 1, al. e), e 5.º, n.º 1, al. e), ponto (ii), ambos do PC, ou seja, não demonstra que, durante o ano de 2008, o número médio de trabalhadores efectivos da Recorrente afectos à prestação de serviços de limpeza foi igual ou superior a 100.
J) Porque relevante, refira-se que os demais concorrentes seleccionados apresentaram as declarações de remunerações respeitantes a todos os meses do ano de 2008.
K) Face ao que antecede, é forçoso concluir que a Recorrente não cumpriu duas das três condições exigidas na alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do PC, pelo que a caducidade da adjudicação determinada pela Recorrida, em 05.03.2009, e confirmada em 24.03.2009, é plenamente válida.
L) Assim, não é verdade que a Recorrente «dispunha dos documentos de habilitação que a Recorrida entendia deverem ser entregues», e muito menos é verdade que isso resulte «dos documentos juntos aos autos pela Recorrente, mais concretamente, os documentos n.ºs 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24», conforme se constata, aliás, pela simples leitura dos pontos 3 a 11 da matéria de facto dada como assente.
M) E ainda que, por mera hipótese, a Recorrente possuísse os documentos de habilitação exigidos no Concurso, o certo é que os mesmos não foram entregues à Recorrida no prazo legalmente fixado para o efeito.
N) Ora, o erro na interpretação das disposições do PC relativas, quer aos requisitos de selecção dos concorrentes, quer aos próprios documentos de habilitação, é única e exclusivamente imputável à Recorrente, uma vez que, conforme se disse, e, aliás, se deixou aqui bem patente, as normas em causa são perfeitamente claras e inequívocas.
O) Por conseguinte, no presente caso, nunca poderia ser concedido à Recorrente o prazo adicional previsto no art. 86.º do CCP para suprimento de irregularidades nos documentos de habilitação (não) apresentados - até porque não é fisicamente possível suprir uma falha num documento que não se conhece e, em termos concursais, nem sequer existe!
P) Acresce que a Recorrente nem sequer alegou que a falta de apresentação dos referidos documentos de habilitação se ficou a dever a factos que não lhe podiam ser imputados, o que também impossibilita a concessão do aludido prazo adicional.
Q) Atendendo à imperatividade das normas concursais (cfr. entre outros, o douto Acórdão do TCA Sul, de 25.01.2007, Proc. N.º 2205/09, in www.dgsi.pt), e, sublinhe-se, perante a não invocação de qualquer razão impeditiva por parte da Recorrente, não poderia a Recorrida ter adoptado outra decisão que não fosse a de considerar caducada a adjudicação anteriormente efectuada às propostas da Recorrente, para os Lotes 9 e 10 do Concurso.
R) Em suma: à luz do disposto no art. 86.º do CCP (na sua redacção originária) a caducidade da adjudicação só não será «inexorável» se o adjudicatário invocar desde logo, com a apresentação dos documentos de habilitação ou da sua junção em língua portuguesa ou acompanhados de tradução devidamente legalizada, os factos que justificando essa apresentação tardia, demonstrem que a mesma não lhe foi imputável - valendo aqui a lógica subjacente à do justo impedimento - por forma a habilitar o órgão competente para a decisão de contratar a aferir da imputabilidade ou não do facto invocado e, julgando válidas as razões invocadas, conceder-lhe, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta (ver, neste sentido, o douto Acórdão do TCA SUL, de 05.11.2009, Proc. N.º 05506/09, in www.dgsi.pt).
S) Na verdade, e como ficou provado em Tribunal (cfr. pontos 3 a 11 da matéria de facto dada como provada), a caducidade da adjudicação deve-se, neste caso, a falhas - e não meras irregularidades - na apresentação dos documentos de habilitação (não foram entregues todos os documentos exigidos nas peças do procedimento) por parte da Recorrente, falhas essas que, comprovadamente, só a esta podem ser imputadas.
T) Com efeito, na p.i. apresentada junto do Tribunal a quo, a Recorrente confessa várias vezes que não entregou todos os documentos de habilitação, nos termos em que estes eram exigidos no programa do procedimento, por errada interpretação das regras do Concurso, sem que, contudo, tivesse feito, em momento algum, qualquer pedido de esclarecimento ao Júri do Concurso sobre as normas em causa.
U) Aliás, a Recorrente continua a confessar que a «não entrega dos documentos, nos termos solicitados pela Recorrida» deve-se ao «simples facto da Recorrente não ter interpretado correctamente quais os documentos a entregar, e ter-se convencido que estaria a entregar os correctos (...)» - cfr. quarto parágrafo da pág. 11 das suas Alegações de recurso.
V) Perante o exposto, carece de qualquer fundamento a alegada violação dos princípios gerais que regulam a actividade administrativa, nomeadamente os aplicáveis, em especial, à actividade de contratação pública, sendo, por isso, os actos impugnados perfeitamente legais.
W) Aliás, como se refere na douta sentença recorrida (cfr. pág. 35), «os princípios invocados (...) não pode[m] significar a violação das regras legais estabelecidas, nomeadamente o disposto no CCP, nomeadamente aquele artigo 86.º, n.º 1, que a ré violaria caso concedesse qualquer prazo adicional e/ou pedisse esclarecimentos à autora sobre aquelas suas omissões.
(...) In casu prevalece o princípio da legalidade, aliado ao princípio da transparência, da imparcialidade e até o da igualdade, pois a legalidade em causa assegura precisamente a prevalência destes princípios sobre a aparente desproporcionalidade que aquela legalidade foral impôs.
(...) é no cumprimento da lei ou segundo as regras pré-estabelecidas que a justiça se concretiza».
X) Atendendo a que os actos impugnados não padecem dos vícios que lhes são assacados, não pode deixar de improceder o pedido formulado pela Recorrente, como bem decidiu o Mmo. Juiz a quo ...".
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA veio apresentar parecer/pronúncia no sentido da improcedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 373/374 V.), o qual submetido a contraditório não mereceu tempestivamente qualquer resposta (cfr. fls. 375 e segs.).

Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, se pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) "ex vi" arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide "sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito".
As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela A., nos termos e pelos fundamentos dela constantes, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por desrespeito ao disposto conjugadamente nos arts. 81.º, n.º 1, al. b), 55.º, als. b) e i) e 86.º todos do CCP e ainda aos princípios da concorrência, transparência, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, boa fé e prossecução do interesse público consagrados no CCP e no CPA [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

3. FUNDAMENTOS

3.1.
DE FACTO

Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:

I) Por aviso publicado no DR n.º 200, II.ª série, de 15.10.2008, a requerida "Agência Nacional de Compras Públicas, EPE", através do anúncio de procedimento n.º 187/2008, abriu «Concurso público para selecção e fornecedores de produtos de higiene e de prestadores de serviços de limpeza», tendo por objecto "a celebração de um acordo quadro para a selecção de fornecedores de produtos de higiene e de prestadores e serviços de limpeza (incluindo o fornecimento de produtos de higiene) em todo o território nacional, Portugal Continental e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira";
II) Foram opositores ao mencionado concurso a A., "F..., LDA." e as seguintes contra-interessadas: "C..., LDA.", com sede na Rua..., em Lisboa; "C..., SA", com sede na Quinta..., em Castanheira do Ribatejo; "F..., LDA.", com sede na Rua..., em Lisboa; "E..., SA", com sede na Rua ..., em Lisboa; "I..., SA", com sede na Av.ª..., em Lisboa; "E..., LDA.", com sede na Rua..., em Lisboa; e "O..., LDA.", com sede na Rua..., em Lisboa.
III) Consta do artigo 05.º do Programa do Concurso, sob a rubrica de "Concorrentes", além do mais o seguinte:
«1. Serão admitidos os concorrentes que cumpram, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) (...);
b) (...);
c) (...);
d) (...);
e) Para os lotes 9 a 16, 2 (duas) das 3 (três) seguintes condições:
i) Mínimo de 4 (quatro) experiências em prestações de serviços anteriores semelhantes ao objecto do presente concurso, com um valor unitário mínimo de 50.000 € (cinquenta mil euros) para o Lote 16 e de 20.000 € (vinte mil euros) para os lotes 9 a 15, desde 1 de Janeiro de 2007 até à data da apresentação das propostas;
ii) Número médio de trabalhadores efectivos afectos à prestação de serviços de limpeza nos últimos 12 meses igual ou superior a 400 para o lote 16 e igual ou superior a 100 para os lotes 9 a 15;
iii) Certificação de qualidade segundo as normas NP EN ISO 9001:2000 ou ISO 14001 para processos relacionados com o objecto do concurso ...".
IV) Consta do artigo 11.º do Programa do Concurso, sob a rubrica "Documentos de habilitação", o seguinte:
«1. Cada concorrente seleccionado deve entregar no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação da decisão de selecção os seguintes documentos:
a) Declaração referida na alínea a), conforme Anexo VI disponível no portal https://concursos.ancp.gov.pt/dl18, e os documentos referidos na alínea b), ambas do n.º 1 do artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos;
b) Informação Empresarial Simplificada (IES) referente aos anos de 2006 e 2007, entregue para efeitos fiscais e comprovativo da entrega da referida declaração, que deverão ser enviados em ficheiro com a designação 'IES_[designação_empresa]_[ano].pdf';
c) Declaração do concorrente na qual indique, em relação aos dois últimos anos, os valores das rubricas das peças contabilísticas fundamentais, relativas aos produtos ou serviços objecto do presente concurso, utilizando o formulário do Anexo II a este programa de concurso, disponível no portal https://concursos.ancp.gov.pt/dl18, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'Anexo _II_[designação_empresa].xls';
d) Declarações de clientes, em número mínimo de 4 (quatro), relativas a fornecimentos de produtos de higiene ou a prestação de serviços de limpeza, consoante o(s) lote(s) a que concorram que tenham totalizado, desde 1 de Janeiro de 2007 até à data da apresentação da proposta, os valores referidos nos pontos (i) e (ii), da alínea d) do artigo 5.º deste programa de concurso, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'Declarações_Clientes_[designação_empresa]i.pdf';
e) Declarações de Remunerações de trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social pelo concorrente que concorra, pelo menos, a um dos lotes 9 a 16, relativos ao último ano, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'DR-SS_xx_yy_[designação_empresa].pdf', onde xx deve indicar o mês e yy o ano a que se referem as declarações;
f) Documento comprovativo da certificação de qualidade do concorrente para fornecimento de produtos de higiene ou prestação de serviços de limpeza, conforme o caso, em conformidade com as normas ISO 9001 e, se for o caso, ISO 14001 ou equivalente, que deverão ser enviadas em ficheiros com a designação 'ISO_19001_[designação_empresa].Pdf' e 'ISO_14001_[designação_empresa].pdf', respectivamente;
2. Para efectuar a entrega dos documentos identificados no número anterior o concorrente deve colocar os mesmos na área procedimentos respondidos - documentos de habilitação, disponível no portal https://concursos.ancp.gov.pt/dl18».
V) No relatório preliminar de análise e ordenação das propostas do qual a A. foi notificada em 06.01.2009, a mesma foi seleccionada para os lotes 9 e 10, respectivamente em 10.º e 9.º lugar e, nessa data, notificada também para efeitos de audiência prévia e, ainda, para apresentar os documentos de habilitação ao concurso, no prazo de 10 dias, nos termos exigidos pelo artigo 81.º do CCP e artigo 11.º do Programa do Concurso;
VI) E de entre outros documentos, com a notificação mencionada em V) no respeitante aos documentos a entregar no prazo de 10 dias, exigiu-lhe a R. a entrega de documentos e nos termos seguintes, aliás, notificação esta dirigida à totalidade dos concorrentes seleccionados:
- Declarações de clientes, em número mínimo de 4 (quatro) relativas a fornecimentos de produtos de higiene ou a prestação de serviços de limpeza, consoante o(s) lote(s) a que concorram, que tenham totalizado, desde 01.01.2007 até à data de apresentação da proposta, os valores referidos nos pontos (1) e (ii), da alínea d) do artigo 5.º deste Programa de Concurso, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'Declarações_Clientes_[designação_empresa]i.pdf', e
- Declarações de Remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social pelo concorrente que concorra, pelo menos, a um dos lotes 9 a 16, relativas ao último ano, que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'DR-SS_xx_yy_[designação_empresa].pdf'.
VII) Tendo a A. entregue à R. vários documentos de habilitação em 11.02.2009, prazo este correspondente ao terminus do prazo concedido pela requerida a todos os concorrentes após esta ter prorrogado o mesmo;
VIII) Porém, de entre os documentos mencionados em VII) a A. entregou, naquele prazo, «18 declarações de clientes e em apenas três (3) delas constam valores que totalizam os valores referidos no pontos (i) da alínea e) do artigo 5.º do programa do concurso», ou seja, as declarações relativas a experiências em prestações de serviços anteriores semelhantes ao objecto do concurso, com um valor unitário mínimo de 20.000 € dado ter a mesma sido seleccionada para os lotes 9 e 10;
IX) Também de entre os documentos mencionados em VII) a A. entregou, naquele prazo, uma declaração relativa ao mês 07/2008, para cumprimento do disposto no ponto (ii) da alínea e) do artigo 5.º do Programa do Concurso e da alínea e) do n.º 1, do artigo 11.º, do mesmo Programa do Concurso, ou seja, relativas às declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social respeitantes ao último ano;
X) Com fundamento no facto de a A. ter apresentado apenas os documentos e/ou as declarações mencionadas em VIII) e IX), a R. deliberou, em 05.03.2009, que caducou a adjudicação feita à A. relativamente ao objecto do concurso em causa e relativamente aos lotes 9 e 10 a que a mesma concorreu e para os quais a havia seleccionado, deliberação esta de que a A. foi notificada em 06.03.2009;
XI) E fundamentou ainda a R. tal deliberação pelo facto de a A., nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, do CCP, não ter apresentado as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social relativas ao último ano (pois apresentou apenas a declaração relativa ao mês 07/2008) e as declarações de clientes com indicação dos valores e, assim, a falta destes documentos (ou a sua não apresentação nos termos solicitados no «PC», o que equivale à sua não apresentação) impediu, ainda, a comprovação de duas das três condições técnicas constantes da alínea e), do n.º 1, do artigo 05.º do PC;
XII) Todavia, a A. apresentou à R., em 10.03.2009, uma exposição/reclamação com o seguinte teor:
«a) Que em relação ao solicitado na alínea e) do artigo 11.º do PC, foi enviada uma única declaração da Segurança Social por interpretação à letra da alínea "que deverá ser enviada num ficheiro com a designação 'DR-SS_xx_yy_[designação_empresa].pdf';
b) Em relação às Declarações de Clientes enviadas, na alínea d) do supra citado artigo não é exigido a indicação de valores.
Assim sendo, ficam devidamente provados duas das condições técnicas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do PC, a indicar:
1 - alínea e) i) provada pela página do IES de 2007 (prestação de serviço (p));
2 - alínea e) iii) provada pelo anexo enviado a 11.02.2009 (ISSO_9001_F....pdf) ...»;
XIII) Com a exposição/reclamação mencionada em XII) pretendeu a A. esclarecer a R. que apresentou os referidos documentos tal como havia entendido que os mesmos deveriam ser apresentados;
XIV) A A. havia juntado ao procedimento o IES do ano de 2007 e o anexo 'ISO_9001_F....pdf';
XV) Porém, a R., em apreciação daquela exposição/reclamação, deliberou, em 24.03.2009, manter a deliberação tomada em 05.03.2009, ou seja, considerando caducada a adjudicação dos lotes 9 e 10 feita à A.;
XVI) Todavia, apesar daquela deliberação mencionada em XV) a A. solicitou à R., em 30.03.2009, a concessão de um prazo adicional para apresentar os documentos em causa e que a mesma considerou em falta;
XVII) Por deliberação de 08.04.2009, o Conselho de Administração da R. decidiu nada haver a apreciar ou deliberar relativamente à solicitação da A. mencionada em XVI) por tal solicitação/impugnação mais não ser que a sua manifestação de discordância quanto aos fundamentos e ao sentido da decisão já tomada na deliberação de 05.03.2009 e mencionada em X);
XVIII) A A. juntou à sua proposta com que se apresentou ao concurso o anexo I, nos termos do artigo 57.º, do CCP e no qual consta que a A. se obriga a "... a apresentar a declaração que constitui o anexo II do referido Código, bem como os documentos comprovativos de que se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do n.º 4 desta declaração";
XIX) Em tal anexo I mais declarou a autora que "... tem pleno conhecimento de que a não apresentação dos documentos solicitados nos termos do número anterior, por motivo que lhe seja imputável, determina a caducidade da adjudicação que eventualmente recaia sobre a proposta apresentada e constitui contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 456.º do Código dos Contratos Públicos, a qual pode determinar a aplicação da sanção acessória de privação do direito de participar, como candidato, como concorrente ou como membro de agrupamento candidato ou concorrente, em qualquer procedimento adoptado para a formação de contratos públicos, sem prejuízo da participação à entidade competente para efeitos criminal ...";
XX) Em 12.03.2009, a R. publicou o seguinte esclarecimento: «A Agência Nacional de Compras Públicas, EPE (ANCP), preocupada com a elevada percentagem de concorrentes que não está a interpretar de forma correcta as suas obrigações no que respeita à apresentação dos documentos de habilitação no âmbito dos concursos públicos por si lançados, publicita informação sobre a matéria, esperando que a mesma possa contribuir para a redução deste tipo de deficiências em futuros procedimentos»;
XXI) E na mesma data, publicitou ainda a R.: «A Agência Nacional de Compras Públicas, EPE (ANCP), no âmbito dos procedimentos de formação de acordos quadro, tem vindo a constatar que uma elevada percentagem de concorrentes cujas propostas foram seleccionadas não está a interpretar de forma correcta as suas obrigações no que respeita à apresentação dos documentos de habilitação».
XXII) E ainda, publicitou a R. na mesma data: «Esta matéria é tanto mais sensível e merecedora de uma especial cautela por parte dos concorrentes seleccionados, posto que a falta de apresentação de qualquer dos documentos de habilitação solicitados no programa de concurso acarreta, necessariamente, a imediata caducidade da selecção, uma vez que, por falta de cobertura legal, não pode a ANCP conceder qualquer prazo adicional para a entrega de documentos em falta ou para ser completado qualquer dado omisso";
XXIII) Entretanto, em 25.02.2009, a R. publicou um outro aviso relativo à comprovação pelos concorrentes de não se encontrarem nas situações previstas nas alíneas b) e i) do artigo 55.º, do CCP, no sentido de ser obrigatoriamente feita mediante: a) Apresentação de certidões do registo comercial de todos os titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência, que se encontrem em efectividade de funções; b) Apresentação de certidão do registo comercial do adjudicatário, com todas as inscrições em vigor, ou disponibilização do código de acesso para a sua consulta «on line», nos termos previstos no n.º 2 do artigo 83.º do CCP, no n.º 5 do artigo 75.º do Código do Registo Comercial e no artigo 17.º da Portaria n.º 1416-A/2005, de 19.12, para comprovação da identidade dos titulares dos referidos órgãos e do pleno cumprimento da obrigação da alínea anterior;
XXIV) Mais esclareceu/informou a R., neste último aviso publicado, que os concorrentes deveriam apresentar a certidão do registo comercial ou a disponibilização do código de acesso, fixando-lhes o prazo até às 17 horas do dia 03.03.2009, sob pena de caducidade da adjudicação, nos termos do disposto no artigo 86.º, do CCP, que essa apresentação deveria ser feita através do canal "solicitar esclarecimentos" com o assunto: "Certidão do Registo Comercial";
XXV) A presente acção entrou em juízo no dia 06.04.2009.

3.2. DE DIREITO

Considerada a factualidade antecedente importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional "sub judice".

3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA

O TAF de Viseu em apreciação da pretensão anulatória deduzida pela A., aqui recorrente, concluiu, por um lado, pela procedência da excepção de inimpugnabilidade quanto à deliberação do ente público aqui recorrido tomada em 24.03.2009 e por outro lado, prosseguindo a acção quanto à aferição da legalidade da deliberação do mesmo ente tomada em 05.03.2009, pela inverificação das ilegalidades à mesma assacadas, pelo que improcedeu a acção.

3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Não pondo em causa o juízo feito quanto ao julgamento da matéria de excepção que assim se mostra transitado em julgado argumenta a A. que tal decisão judicial fez errado julgamento já que o acto deliberativo impugnado padece das ilegalidades que lhe foram imputadas nos autos pelo que assim não haver concluído o TAF de Viseu incorreu em violação do disposto conjugadamente nos arts. 81.º, n.º 1, al. b), 55.º, als. b) e i) e 86.º todos do CCP e ainda dos princípios da concorrência, transparência, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, boa fé e prossecução do interesse público consagrados no CCP e no CPA.

3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO

3.2.3.1.
DO ERRO NO JULGAMENTO DE FACTO
Invoca a recorrente que a decisão judicial recorrida incorreu em erro no julgamento de facto porquanto não deu como provado que a A. dispunha dos documentos de habilitação que a R. entendia deverem ser entregues, prova essa que estaria demonstrada pela análise dos documentos n.ºs 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 juntos aos autos, termos em que a factualidade apurada deveria ser alterada de molde a considerar como assente que a mesma dispunha dos documentos que a R. pretendia nos termos da alínea e) do art. 11.º do PC e ainda dos que se destinavam a comprovar duas das condições previstas na alínea e) do n.º 1 do art. 05.º do PC.
Vejamos.
Diga-se, de logo, que este fundamento improcede já que para a economia dos autos e do interesse/relevância para a decisão a proferir nos mesmos tal realidade factual mostra-se inócua e irrelevante.
Na verdade, a questão/fundamento que alegadamente esteve na origem da prolação do acto impugnado prende-se não com o facto de se saber se a A. possuía ou não os documentos em crise mas ao invés se os havia junto ou não ao procedimento concursal em presença em conformidade com as regras e exigências nele definidos e no prazo ali fixado.
O que importa considerar e relevar nesta sede é se a A. juntou ou não ao procedimento a documentação em questão em conformidade com o «PC». Por outras palavras, à luz do que se mostra decidido no procedimento e resulta do quadro normativo a atender apenas cumpre saber se os documentos foram ou não juntos àquele e não se a A. os detém pese embora os não haja junto.
Daí que o saber e determinar se a A. possuía aquela documentação e o incluir na factualidade apurada tal realidade tem-se como irrelevante por destituído de qualquer interesse, termos em que, sem necessidade de outros desenvolvimentos, se desatende o fundamento de impugnação em análise.

3.2.3.2. DO ERRO NO JULGAMENTO DE DIREITO
3.2.3.2.1. DA VIOLAÇÃO ARTS. 81.º, N.º 1, AL. B), 55.º, ALS. B) e I) e 86.º CCP
Deriva das alegações da recorrente que a decisão judicial objecto de impugnação efectuou incorrecta interpretação e aplicação do quadro normativo em epígrafe já que "a não entrega dos documentos" nos termos solicitados pela R. "pelo simples facto da Recorrente não ter interpretado correctamente quais os documentos a entregar, e ter-se convencido que estaria a entregar os correctos", o que terá motivado que não "tivesse pedido qualquer esclarecimento", deveria ter merecido por parte daquela a prolação de decisão a convidá-la a juntar os documentos em falta e não a emissão de acto com o conteúdo do impugnado.
Analisemos.
I. Resulta do art. 55.º do CCP (na redacção que à data dos factos vigorava) que não "... podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: ... b) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, no caso de se tratar de pessoas singulares, ou, no caso de se tratar de pessoas colectivas, tenham sido condenados por aqueles crimes os titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência das mesmas e estes se encontrem em efectividade de funções; ... i) Tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por algum dos seguintes crimes, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, no caso de se tratar de pessoas singulares, ou, no caso de se tratar de pessoas colectivas, tenham sido condenados pelos mesmos crimes os titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência das mesmas e estes se encontrem em efectividade de funções, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação: i) Participação em actividades de uma organização criminosa, tal como definida no n.º 1 do artigo 2.º da Acção Comum n.º 98/773/JAI, do Conselho; ii) Corrupção, na acepção do artigo 3.º do Acto do Conselho, de 26 de Maio de 1997, e do n.º 1 do artigo 3.º da Acção Comum n.º 98/742/JAI, do Conselho; iii) Fraude, na acepção do artigo 1.º da Convenção relativa à Protecção dos Interesses Financeiros das Comunidades Europeias; iv) Branqueamento de capitais, na acepção do artigo 1.º da Directiva n.º 91/308/CEE, do Conselho, de 10 de Junho, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ...".
Do n.º 1 do art. 81.º do mesmo código deriva, na parte que releva, que nos "... procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos de habilitação: ... b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.º ...", sendo que nos termos do enunciado no art. 83.º o "... adjudicatário deve apresentar reprodução dos documentos de habilitação referidos no artigo 81.º através de correio electrónico ou de outro meio de transmissão escrita e electrónica de dados ..." (n.º 1) na certeza de que quando "... os documentos a que se referem a alínea b) do n.º 1 e os n.ºs 2 a 4 do artigo 81.º se encontrem disponíveis na Internet, o adjudicatário pode, em substituição da apresentação da sua reprodução, indicar à entidade adjudicante o endereço do sítio onde aqueles podem ser consultados, bem como a informação necessária a essa consulta, desde que os referidos sítio e documentos dele constantes estejam redigidos em língua portuguesa ..." (n.º 2) e que quando "... o adjudicatário tenha prestado consentimento, nos termos da lei, para que a entidade adjudicante consulte a informação relativa a qualquer dos documentos referidos na alínea b) do n.º 1 ou nos n.ºs 2 a 4 do artigo 81.º, é dispensada a sua apresentação nos termos do n.º 1 ou a indicação prevista no número anterior ..." (n.º 3).
Por fim, decorre do art. 86.º (também na redacção vigente à data dos factos em apreciação) que a "... adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação: a) No prazo fixado no programa do procedimento; b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.º 8 do artigo 81.º; c) Redigidos em língua portuguesa ou, no caso previsto no n.º 2 artigo 82.º, acompanhados de tradução devidamente legalizada ..." (n.º 1) e que quando "... as situações previstas no número anterior se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação ..." (n.º 2), sendo que nos "... casos previstos nos números anteriores, o órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente ..." (n.º 3).
II. Visto e presente este quadro normativo do mesmo ressuma, por um lado, a obrigatoriedade por parte do adjudicatário da apresentação dos documentos de habilitação nos prazos fixados contratualmente ou em decisão da entidade adjudicante na certeza de que para comprovar a não verificação das situações descritas nas als. b) e i) do art. 55.º do CCP o adjudicatário deve apresentar certificado do registo criminal dos titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência da pessoa colectiva em causa (cfr. no actual quadro o art. 83.º-A do CCP introduzido pelo art. 02.º do DL n.º 278/09 em claro esclarecimento do anterior regime normativo).
E, por outro, a não apresentação dos documentos de habilitação no prazo ou no modo para o efeito fixado importa, em termos de consequência, a caducidade da adjudicação, sendo que apenas se admite a possibilidade de ser concedido um prazo adicional para a apresentação de documentos de habilitação em falta no caso dessa falta resultar de facto que não seja imputável ao adjudicatário.
Ora incumbe ou cabe à entidade adjudicante emitir o juízo sobre se o facto impeditivo da apresentação atempada dos documentos é ou não imputável ao adjudicatário e, como tal, relevante, sendo que neste âmbito se admite como possível a invocação do justo impedimento enquanto contendo um princípio geral de direito com plena valia e aplicação neste domínio.
III. Munidos dos considerandos antecedentes e revertendo ao caso em presença não se descortina, desde logo, em que medida a decisão judicial recorrida se mostra proferida em infracção do art. 55.º. als. b) e i) do CCP já que nem tais normativos foram na mesma objecto de qualquer referência ou aplicação nem, por outro lado, o acto impugnado e seus pressupostos fácticos e de direito no mesmo se estriba. Com efeito, atente-se que o fundamento para o operar da caducidade da adjudicação por falta de junção de documentos por parte da A., aqui recorrente, não diz respeito a omissão de apresentação de qualquer tipo de documento que se prenda com os exigidos pelas e nas als. b) e i) do citado artigo, nem a situação em questão com a mesma possa ser equiparada quer no plano dos factos quer no do direito.
Assim, não se vislumbra qualquer erro na e de aplicação deste normativo, na sua concatenação com o previsto na al. b) do n.º 1 do art. 81.º do CCP, preceito que de igual modo assim não se tem no caso como infringido por referência àquelas alíneas.
IV. Mas de igual modo não afigura como procedente o pretenso erro de interpretação e de aplicação dos arts. 86.º e 81.º, n.º 1, al. b) ambos do CCP já que manifestamente não assiste razão à A. na tese por si propugnada a qual, diga-se, não encontra no concreto quadro factual e jurídico sustentação suficiente.
É que a A. efectivamente não juntou ao procedimento concursal em presença a totalidade da documentação exigida e imposta em termos de habilitação pelos arts. 05.º e 11.º do «PC», o que a fez posicionar sob a alçada da previsão dos arts. 81.º e 86.º do CCP e assim incorrer na consequência ali prevista, ou seja, a da caducidade da adjudicação.
Na verdade, no âmbito do procedimento e em desrespeito das regras concursais temos que a A., aqui recorrente, apesar e não obstante haver sido notificada para juntar a documentação em falta [cfr. n.º VI) da factualidade apurada] acabou por juntar apenas parte dessa mesma documentação [cfr. n.ºs VII), VIII) e IX) da factualidade apurada], já que ficaram a faltar-lhe parte das declarações exigidas pelo «PC» relativas a experiências em prestações de serviços anteriores semelhantes ao objecto do concurso com um valor unitário mínimo de 20.000,00€ e, bem assim, as declarações relativas às remunerações dos trabalhadores ao seu serviço efectuadas à Segurança Social respeitantes ao último ano [apenas foi junta a referente ao mês Julho/2008] [cfr. n.ºs X) e XI) da mesma factualidade].
Daí que do facto de a A. deter a documentação que estaria em falta e de o ter alegadamente comprovado através da junção daquela documentação a este processo judicial e não ao procedimento concursal em questão não deriva ou se pode minimamente inferir que tenha ocorrido a ilegalidade assacada ao acto administrativo impugnado e muito menos que a decisão judicial recorrida que julgou improcedente tal fundamento haja sido lavrada com erro de julgamento, mormente, do quadro legal inserto nos arts. 81.º, n.º 1, al. b) e 86.º do CCP.
No nosso entendimento destes normativos e da sua conjugação com o demais quadro normativo vigente em matéria de procedimentos de formação de contratos não deriva qualquer imposição à entidade adjudicante do dever de notificação ou de prolação dum novo convite ao adjudicatário, além daquele que já havia feito [cfr. n.º VI) dos factos provados], quanto à junção da documentação em falta para efeitos de habilitação, tese propugnada pela A. e que não encontra naquele ordenamento base legal em que se estribe, na certeza de que no caso concreto a A. não alegou ou justificou minimamente a sua omissão de instrução procedimental de molde a fazer operar pronúncia por parte da entidade adjudicante no quadro do n.º 2 do art. 86.º do CCP, sendo certo que à luz do quadro factual apurado não se vislumbra estarmos em face de situação de défice de instrução que se possa reputar como não sendo imputável ao adjudicatário.
A apresentação de documentação para efeito de habilitação para além do prazo concursal terá de se mostrar legal ou concursalmente prevista ou permitida, mormente, em situações nas quais se mostrem preenchidos os pressupostos enunciados nos arts. 81.º, n.º 8, 83.º, n.º 4 e 86.º, n.º 2 todos do CCP na redacção vigente à data a que se reportam os factos em análise e ainda, actualmente, no art. 132.º, n.º 1, al. g) do CCP [na redacção introduzida pelo DL n.º 278/09].
Permitir a junção de documentação para efeitos de habilitação fora desse quadro de exigência e de previsão normativa poderá redundar na introdução nesta sede de factores de insegurança e incerteza, postergando eventualmente alguns princípios estruturantes da contratação pública.
Atente-se que a possibilidade de existir uma supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do art. 86.º do CCP pressupõe, desde logo, que se trate duma situação de mera irregularidade e quanto a documentação que foi junta ao procedimento [cfr. art. 132.º, n.º 1, al. g) do CCP na sua actual redacção] e nunca de permissão de suprimento quanto a uma total ou parcial omissão de instrução com junção de documentação para efeitos de habilitação quando estejamos perante omissão imputável ao adjudicatário tal como ocorre no caso vertente em que o mesmo foi notificado para juntar os documentos em falta, as regras concursais que determinavam e impunham tal comportamento eram e são claras, na certeza de que para o operar da consequência da caducidade da adjudicação por falta de instrução documental não se mostra necessário que tal constasse expressamente do «PC» e/ou de cominação a apor na notificação produzida pela entidade adjudicante visto a mesma já decorrer da lei (cfr. art. 06.º do CC) e para isso também nada relevam os anúncios e avisos produzidos pelo R. referidos sob os n.ºs XX) a XXIV).
Ao invés do sustentado pela A. também não se pode aceitar como integrando a previsão do n.º 2 do art. 86.º do CCP (quer na sua redacção original como na actualmente vigente) a situação de não entrega dos documentos nos termos solicitados pela entidade adjudicante motivada pelo simples facto do adjudicatário não ter interpretado correctamente quais os documentos a entregar e alegadamente ter-se convencido que estaria a entregar os documentos certos já que daí não se pode minimamente inferir ou sequer concluir que a omissão ilegal e indevida não lhe seja imputável.
Refira-se, ainda, que na situação em presença nos autos "sub judice" nem foi invocada qualquer ilegalidade consubstanciada na preterição de direito audiência prévia nem tal ilegalidade constituiu objecto de pronúncia na decisão judicial recorrida pelo que nesse segmento se mostra como insubsistente a alusão à situação factual e jurisprudência firmada no acórdão do TCA Sul de 04.02.2010 [Proc. n.º 05832/10] [conclusões 10.ª e 11.ª das alegações].
Improcede, pois, "in totum" este fundamento impugnatório, não enfermando a decisão judicial recorrida no segmento sindicado e quanto ao concreto fundamento de ilegalidade nela conhecido de erro no julgamento de direito.

3.2.3.2.2. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONCORRÊNCIA, TRANSPARÊNCIA, PROPORCIONALIDADE, JUSTIÇA, IMPARCIALIDADE, BOA FÉ E PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
I. Deriva desde logo do n.º 4 do art. 01.º do CCP que à "... contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência ...".
Nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa e de André Salgado Matos este princípio da concorrência reclama que se mostre assegurado ou garantido "... o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar, e que, em cada procedimento, seja consultado o maior número possível de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha ...", sendo que o mesmo "... visa, quer a salvaguarda do normal funcionamento do mercado e a protecção subjectiva dos concorrentes [... arts. 81.º, f), e 99.º, a), c) CRP], quer a melhor prossecução do interesse público que preside à celebração do contrato, na medida em que a concorrência permite em regra que aquela se faça nas melhores condições financeiras para a administração ..." (in: "Contratos Públicos - Direito Administrativo Geral", Tomo III, pág. 75).
Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira sustentam a este propósito que é "... na concorrência (no apelo e defesa do mercado, ínsitos nestes procedimentos), que assenta, na verdade, o valor nuclear dos procedimentos (mais ou menos) concursais: é a ela que estes se dirigem e é no aproveitamento das respectivas potencialidades que se baseia o seu lançamento.
Com a existência de um procedimento dirigido à concorrência assegura-se, na medida do possível, que, na satisfação de interesses administrativos que lhes estão cometidos (e que implicam dispêndio de dinheiros públicos ou cedência de bens ou utilidades administrativos), os entes públicos o façam da forma publicamente mais vantajosa possível.
E, quanto mais pessoas se apresentarem perante a Administração, como eventuais futuros contratantes, quanto mais pessoas quiserem negociar com ela, no mercado administrativo, melhor: maior será o leque de ofertas contratuais - e o leque de escolha da Administração - e mais procurarão os concorrentes optimizar as suas propostas.
É esta uma das razões por que os procedimentos concursais foram legalmente erigidos no principal modus negociandi do mercado administrativo.
Chamar a concorrência, lançar um concurso, pressupõe, portanto, considerar os concorrentes como opositores uns dos outros, permitindo-se-lhes que efectivamente compitam e concorram entre si, que sejam medidos (eles ou as suas propostas) sempre e apenas pelo seu mérito relativo, em confronto com um padrão ou padrões iniciais imutáveis ..." (in: "Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa. Das Fontes às Garantias", 2005, págs. 100 e 101; vide ainda, no mesmo sentido, Rodrigo Esteves de Oliveira em: "Os princípios gerais da contratação pública" in: «Estudos da Contratação Pública - I», pág. 67).
Importa, todavia, ter presente que, como sustenta Cláudia Viana, a "... concorrência é em sede de contratação pública, um resultado, que se obtém através da concretização dos princípios da igualdade e das liberdades comunitárias, enquanto regras que vinculam os Estados-membros na sua relação com os particulares. Esta tem sido, ..., a posição adoptada pelo Tribunal de Justiça, que tem feito assentar o regime da contratação pública na igualdade e nas liberdades de circulação, e não na concorrência, enquanto conjunto de regras dirigidas fundamentalmente às empresas ..." (in: "Os princípios comunitários na Contratação Pública", pág. 172).
II. Na sequência do quadro legal atrás explicitado sob o ponto antecedente temos, ainda, que vigora no direito concursal especiais exigências em matéria de transparência e do respectivo princípio, sendo que a transparência não se realiza apenas através do princípio da publicidade com a divulgação de tudo quanto possa contender ou relevar para os concorrentes se candidatarem e/ou formularem as respectivas propostas, mas igualmente mediante a concessão de efectivas garantias de publicidade de tudo e de todos os actos/condutas desenvolvidos ao longo de todo o procedimento e em todas as suas várias e múltiplas fases.
III. Quanto ao princípio da proporcionalidade importa reter que o mesmo se aplica a todas as espécies de actos emanados dos poderes públicos, sendo, inclusive, erigido como princípio com dignidade constitucional e com consagração ao nível do direito internacional e supranacional [v.g. cfr., arts. 05.º TUE e Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade anexo, 69.º, 296.º TFUE todos na versão decorrente do Tratado de Lisboa, sendo que o controlo da razoabilidade, da razoabilidade-adequação, proporcionalidade-necessidade é, hoje, uma imposição que recai sobre o julgador, sendo várias as decisões do «TJ» que disso fazem eco e apelo nas suas decisões - vide, entre outros, Acs. TJUE de 03.09.2009 (Procs. C-322/07, C-327/07 e C-338/07), de 02.03.2010 (Proc. C-135/08) in: «www.curia.europa.eu/jurisp/»].
Atente-se que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas.
Este princípio considerado em sentido lato pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos. Assim, importa considerar, enquanto sub princípios do mesmo constitutivos, a adequação das medidas aos fins (princípio da conformidade ou adequação de meios), a necessidade ou exigibilidade das medidas (princípio da exigibilidade ou da necessidade) e a proporcionalidade em sentido estrito ou «justa medida» (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
Socorrendo-nos da doutrina e entendimento sustentado por J.J. Gomes Canotilho temos que o princípio da adequação "... impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes ...", sendo que a "... exigência de conformidade pressupõe a investigação e prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção (...). Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim ...", ao passo que no princípio da exigibilidade, também conhecido como o da "menor ingerência possível" "... coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível ..." reclamando-se "... sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão ..." e aferindo-se a exigibilidade em termos materiais, espaciais, temporais e pessoais. E quanto ao princípio da proporcionalidade em sentido restrito o mesmo configura-se pela aferição ou medida sobre se o "... meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim ..." (in: "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", 7.ª edição, págs. 269/270).
Pronunciando-se sobre a concretização deste princípio refere Rodrigo Esteves de Oliveira que o mesmo tem o "... seu campo privilegiado de actuação ... no seio das relações jurídicas materiais, mas ele não deixa de ter importantes projecções e consequências nas relações procedimentais da contratação pública.
O que se exige então à entidade adjudicante (e ao júri) é que, considerando a função e objectivos do procedimento em causa, não adopte medidas restritivas da concorrência sem justificação suficiente e adequada para o efeito, exigência que vale desde logo na definição do universo concorrencial que seja admitido participar no procedimento. Assim, a entidade adjudicante não deve, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso tais ... que resultem numa limitação desproporcionada do mercado habilitado a participar nesse procedimento ..." (em loc. e ob. cit., pág. 104) (sublinhados nossos).
Referindo-se a este princípio Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos sustentam que o mesmo "... releva para os procedimentos pré-contratuais nas suas três dimensões de adequação, necessidade e razoabilidade (...). Da dimensão da adequação decorre que, dentro dos limites legais, deve ser escolhido o procedimento pré-contratual mais adequado ao interesse público a prosseguir; da dimensão da necessidade decorre que, na tramitação dos procedimentos pré-contratuais, apenas se devem efectuar as diligências e praticar os actos que se revelem indispensáveis à prossecução dos fins que legitimamente se visam alcançar; da dimensão da razoabilidade decorre a necessidade de ponderação dos custos e dos benefícios decorrentes da utilização de cada um dos procedimentos pré-contratuais para efeitos da sua escolha ..." (in: ob. cit., pág. 76).
IV. Já o princípio da justiça, nas palavras de J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "... aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da efectividade dos direitos fundamentais ..." (in: "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3.ª edição, pág. 925).
Não é, por conseguinte, por critérios de justiça abstracta que deve ser regulada a conduta da Administração mas sim por critérios objectivos e universais (cfr. Freitas do Amaral, in: "Direito Administrativo", vol. II, Lisboa 1988, pág. 201; M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in: "Código de Procedimento Administrativo" 2.ª edição actualizada, revista e aumentada, pág. 106, nota I).
O princípio em questão significa ou implica que a Administração pública deve, na sua actuação, harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados, comportando no seu seio, pelo menos três corolários, que se podem elencar em outros tantos princípios e que consistem:
a) No princípio da justiça "stricto sensu", segundo o qual todo o acto administrativo praticado com base em "manifesta injustiça" é contrário à Constituição e à lei ordinária e como tal é ilegal;
b) No princípio da igualdade;
c) E no principio da proporcionalidade (cfr. Freitas do Amaral, in: ob. cit., vol. II, Lisboa 1988, págs. 201 a 203).
Aliás como defende Marcelo Rebelo de Sousa no princípio da justiça conjuga-se a consecução da igualdade com a salvaguarda dos direitos fundamentais, pelo que o aludido princípio "... não apresentará, senão em casos-limite, autonomia jurídica em relação a outros princípios em que ele se desdobra (ou lhe são instrumentais), como os da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, da imparcialidade e da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos.
Ele constitui (...) uma última 'ratio' da subordinação da Administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa-fé e confiança no Direito ..." (in: "O concurso público na formação do contrato administrativo", págs. 24/25; cfr. M. Esteves de Oliveira e outros, in: ob. cit. pág. 106, nota I).
V. No que diz respeito ao princípio da imparcialidade, consagrado no art. 06.º do CPA, o mesmo constitui uma emanação do comando constitucional vertido no art. 266.º da CRP e visa não só proteger o particular contra a Administração, mas, igualmente, a própria Administração em relação aos seus funcionários e agentes, revestindo em sede de procedimento concursal de papel fundacional e fomentador, sendo reputado como princípio de valor reforçado. É nele, conjuntamente com o princípio da igualdade, que assenta o próprio sistema de aquisição de meios e de serviços por parte da Administração, a ponto de incumpri-los é, nas palavras de M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, "... pôr em causa a confiança e o crédito do público, do mercado em geral, no mercado administrativo, factores imprescindíveis da existência e eficiência deste ..." (in: ob. cit., pág. 87).
O princípio da imparcialidade ora objecto também de apreciação envolve dois aspectos diferentes já que:
a) Por um lado, traduz-se numa emanação ou corolário igualmente do princípio da justiça, enquanto encarado como dever da Administração Pública de actuar de forma isenta em relação aos particulares/concorrentes através de um comportamento recto que não favoreça os amigos nem prejudique os inimigos, exigindo do órgão decisor que a apreciação duma candidatura ou proposta seja feita sem atender a quaisquer interesses alheios àqueles que devem nortear a escolha da melhor proposta ou do melhor concorrente, mormente não podem ser atendidos afinidades políticas ou outras similares, simpatias ou preferência regionais ou locais, conhecimentos pessoais ou antigos, etc;
b) E por outro lado, consiste num meio de protecção da confiança do público nos órgãos da Administração, mercê de se traduzir na proibição imposta aos órgãos da Administração de intervierem em quaisquer procedimentos, actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou familiar, ou de pessoas com quem tenham relações de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou rectidão da sua conduta (cfr. Freitas do Amaral in: ob. cit., págs. 204 e segs.; Freitas do Amaral e outros in: "Código de Procedimento Administrativo Anotado", págs. 44 e 45; Marcelo Rebelo de Sousa in: "Lições de Direito Administrativo", págs. 151 a 155; Esteves de Oliveira e outros in: ob. cit., pág. 107; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., pág. 121; Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho in: "Código de Procedimento Administrativo Anotado", 5.ª edição, págs. 95/96).
Tal como defendem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira o princípio da imparcialidade consagrado no n.º 2 do art. 266.º da CRP constitui, tal como o princípio da igualdade, um limite material interno da actividade administrativa, sendo que "... a imparcialidade respeita essencialmente às relações entre a Administração Pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no n.º 1, consiste, em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionalmente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); b) o segundo, refere-se à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público ..." (in: "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2.ª edição revista e ampliada, vol. II, pág. 420).
O princípio da imparcialidade constitui claramente um limite interno à discricionariedade, impondo que a Administração não tome partido ou se incline ou beneficie uma parte em prejuízo de outra, antes tendo de se nortear na sua actuação segundo o ordenamento jurídico e com a finalidade da prossecução do interesse público que a motiva.
Como refere a este propósito Marcelo Rebelo de Sousa "... a função administrativa se caracteriza pela sua parcialidade ou vinculação ao princípio da prossecução do interesse público, e, ao mesmo tempo, pela sua imparcialidade ou dever de isenção dos titulares dos seus órgãos e agentes ..." (in: ob. cit., pág. 152).
V. Quanto ao princípio da boa fé temos que o mesmo tem actualmente assento expresso da lei ordinária (cfr. art. 06.º-A do CPA), constituindo também o mesmo um dos limites da actividade discricionária da Administração e bem assim dever pelo qual se devem reger as relações entre a Administração e os administrados.
Segundo tal princípio o órgão ou agente que actue no exercício de um poder público está impedido de agir de má fé, utilizando artifícios ou qualquer outro meio, por acção ou omissão, tendo em vista enganar o administrado, tal como este deve actuar e agir perante aquela segundo as regras da boa fé.
Tem-se o conceito de boa-fé, enquanto princípio geral de direito, como difícil de encerrar numa noção precisa e completa, constituindo o mesmo, antes, uma linha geral de orientação jurídica, um padrão ético-jurídico de avaliação das condutas humanas, como honestas, correctas, leais, no seu relacionamento entre si.
Como referem Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim "... conseguir dizer numa cláusula jurídica geral, quando é que isso ocorre, não só é impossível, como frustraria exactamente a função que estes princípios assumem, de «escape» ou de «travão» da ordem jurídica, que hão-de estar sempre abertos a novas aplicações.
Apesar de o princípio da boa-fé ser dotado de inúmeras potencialidades jurídicas, é possível, com Rui de Alarcão, resumi-las a dois vectores básicos: um, de sentido negativo, em que se visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais e incorrectos (obrigação de lealdade), e um de sentido positivo, mais exigente, em que se intenta promover a cooperação entre os sujeitos (obrigação de cooperação).
Naquele primeiro sentido, podem subsumir-se certas exigências típicas da boa-fé, tais como a inadmissibilidade, em certas condições, da invocação de vícios formais, a proibição de venire contra factum proprium (ou proibição de comportamento contraditório) - de acordo com a qual se veda (ou impõe) o exercício de uma competência ou de um direito, quando tal exercício (ou não exercício) entra em flagrante e injustificada contradição com o comportamento anterior do titular, por este ter suscitado na outra parte uma fundada e legítima expectativa de que já não seriam (ou o seriam irreversivelmente) exercidas ..." (in: ob. cit., págs. 109 e 110).
E mais à frente sustentam os mesmos Autores que "... a actuação de boa fé de um dos intervenientes no procedimento não convalidará, não fará desaparecer o vício invalidante de que sofre o acto administrativo: um deferimento a que falta um requisito legalmente exigido, por a Administração ter sugerido ao particular, e este ter confiado nela, que não o consideraria na sua avaliação, é anulável ....
A conduta administrativa, nesses casos, é certamente fonte de responsabilidade civil, mas não da convalidação jurídica do acto ilegal; este não deixa de ser anulável mesmo que represente o culminar de um comportamento procedimental correcto e leal da Administração ou que o seu destinatário tenha mantido ao longo do procedimento uma postura irrepreensível, ignorando violar qualquer disposição legal ..." (in: ob. cit., págs. 113 e 114).
VI. Por fim e quanto ao princípio da prossecução do interesse público temos que importa ainda considerar que no n.º 1 do art. 266.º da CRP se preceitua que a "... Administração Pública visa a prossecução do interesse público ...", sendo que em concretização daquele comando constitucional o legislador ordinário veio dispor também no art. 04.º do CPA, sob a epígrafe de "princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos", que compete "... aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos ...".
Como impressivamente refere a este propósito Marcelo Rebelo de Sousa a "... administração pública e o direito administrativo só podem compreender-se com recurso à ideia de interesse público ...", este "... é o norte da administração pública ..." (in: ob. cit., Tomo I, pág. 201).
A definição do que constitui o "interesse público" comporta quer uma perspectiva mais ampla sendo entendido como o "interesse colectivo", o "interesse geral duma determinada comunidade", o "bem comum", quer uma perspectiva mais restrita correspondendo, então, à "esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros".
Note-se que é na lei (Constituição e lei ordinária) que se mostram definidos os interesses públicos que devem ser prosseguidos obrigatoriamente pela Administração Pública não sendo esta a fazê-lo e estando-lhe vedada, sob pena de ilegalidade e de sujeição dos prevaricadores a outras sanções, a possibilidade de prossecução de interesses particulares, para além de que sobre a mesma impende também o dever de boa administração (cfr. art. 10.º do CPA - princípio da eficiência) e está limitada na sua actuação pelo princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos.
Nas palavras de M. Esteves de Oliveira e outros "... a «prossecução dos interesses públicos» seria ... o «volante» (ou o «acelerador») da Administração Pública: os «direitos e interesses protegidos» são as barreiras da estrada em que ela circula, levando-a a fazer, aqui e ali, «curvas» e desvios mais pronunciados, a optar por medidas menos radicalmente viradas para a satisfação do interesse público do que aquelas que se tomariam, se este fosse o único critério da sua determinação ..." (in: ob. cit., pág. 98).
Atente-se, todavia, que a noção e definição do que seja o "interesse público" se revela como sendo de conteúdo variável já que a sua concretização está dependente da evolução dos tempos ou do permanente devir, pelo que o que ontem constituía interesse público hoje poderá não sê-lo e o de hoje não o será possivelmente amanhã.
Refere ainda nesta sede Marcelo Rebelo de Sousa que "... a administração goza de uma ampla margem de livre decisão quanto ao «modus faciendi» da sua prossecução: um tribunal pode anular um acto da administração por ele prosseguir um interesse privado ou um interesse público diferente do definido por lei para o exercício da competência em causa, mas não pode anulá-lo, com fundamento no mesmo princípio, por considerar que ele não prossegue da melhor maneira o interesse público legalmente definido ..." (in: ob. cit., Tomo I, pág. 202).
VII. Munidos dos considerandos antecedentes e presente o que supra já se foi entendendo em matéria da pretensa infracção aos arts. 55.º. als. b) e i) e 81.º, n.º 1, al. b) do CCP temos que, revertendo ao caso em presença e à alegada infracção ou erro de julgamento quanto aos princípios em epígrafe, também este fundamento impugnatório improcede.
Desde logo e tal como supra se concluiu a situação conducente à caducidade da adjudicação feita à A. em nada se compara ou encontra paralelismo com a actuação havida por parte do R. com a apresentação/publicação de esclarecimentos gerais e avisos, os quais mais não são do que isso.
Atente-se que nada se revela como demonstrado e provado nos autos que no procedimento de formação de contrato em presença hajam sido utilizados ou produzidos neste particular actos ou condutas que revelem da parte da entidade adjudicante actuação com preterição dos princípios da concorrência, da transparência, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé e da prossecução do interesse público.
Nada resulta apurado que, em face dos avisos/esclarecimentos referidos em XX) a XXIV) dos factos provados, hajam sido proferidos outros actos no procedimento em matéria da habilitação dos adjudicatários que revelem conduta ou condutas que no confronto com a do acto aqui impugnado revele a violação tais princípios, na certeza de que os pressupostos factuais e de direito que estão não base da decisão de caducidade da adjudicação objecto de impugnação nos autos não são, como aludimos supra, compatíveis e enquadráveis nas previsões dos arts. 81.º, n.º 8, 83.º, n.º 4 e 86.º, n.º 2 todos do CCP [na redacção vigente à data a que se reportam os factos em análise] ou mesmo da do actual art. 132.º, n.º 1, al. g) do mesmo código [na redacção introduzida pelo DL n.º 278/09].
Aquilo que se infere, aliás, do procedimento em presença é uma mesma conduta ou linha de orientação para cada uma das mesmas situações em que incorreram os vários concorrentes e consequentes decisões de caducidade das decisões de adjudicação.
Atente-se que o definido no aviso datado de 25.02.2009 [n.ºs XXIII) e XXIV) da matéria de facto apurada] e proferido no uso dos poderes decorrentes dos arts. 81.º e 83.º do CCP não envolve qualquer tratamento que se implique infracção aqueles princípios já que a solicitação da apresentação do certidão do registo comercial prendia-se com a forma de comprovar a identidade dos titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência que se encontravam em efectividade de funções e, assim, controlar da observância do ónus de instrução no que tange aos documentos referentes às als. b) e i) do art. 55.º do CCP, exigência essa feita de modo não discriminatório e sem que envolvesse um alargamento do prazo para a junção dos documentos a que se reportavam aquelas als. b) e i) [certidões do registo criminal].
Com aquele aviso não se alargou, pois, o prazo de apresentação dos documentos exigidos naquelas alíneas para efeitos de habilitação já o que se determinou que fosse junto eram não as certidões de registo criminal que necessariamente teriam de ter sido juntas anteriormente e no tempo fixado no «PC» mas, ao invés, certidões do registo comercial enquanto documento novo e que foi reputado como necessário para aferir e controlar do efectivo cumprimento por parte das concorrentes da instrução quanto aos documentos referentes às als. b) e i) do citado normativo do CCP.
Daí que para além de o acto impugnado não se haver estribado na omissão de cumprimento da instrução documental do procedimento quanto aos documentos previstos nas referidas alíneas temos, também, que em termos procedimentais não se descortina que da exigência feita em termos gerais quanto à necessidade de junção de novo documento [no caso das certidões de registo comercial - n.ºs XXIII e XXIV dos factos provados] derive ou implique actuação/conduta que envolva infracção aos princípios da concorrência, da transparência, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé e da prossecução do interesse público, e muito menos que aquela infracção ocorra por referência e contraposição à caducidade da adjudicação por falta da junção dos documentos [legal e contratualmente exigidos para efeitos de habilitação] nos termos em que se estribou a decisão administrativa impugnada.
Importa referir, por fim, que a afirmação e a valia dos princípios concursais e procedimentais em presença não significa que hajam ou tenham de ser postergados regras elementares de procedimento (legais/concursais) prevalecendo de forma irrestrita e absoluta.
É que não raras vezes tais regras mais não são do que concretização e emanação de muitos daqueles princípios, princípios esses que importa serem em concreto harmonizados e compatibilizados entre si, potenciando os valores e objectivos que presidem à sua enunciação. *Sumariando, nos termos do n.º 7 do art. 713.º do CPC, concluiu-se da seguinte forma:
I. A não apresentação dos documentos de habilitação no prazo ou no modo para o efeito fixado importa a caducidade da adjudicação, sendo que se admite a possibilidade de ser concedido um prazo adicional para a apresentação de documentos de habilitação em falta no caso dessa falta resultar de facto que não seja imputável ao adjudicatário.
II. Cabe à entidade adjudicante emitir o juízo sobre se o facto impeditivo da apresentação atempada dos documentos é ou não imputável ao adjudicatário e, como tal, relevante, sendo que neste âmbito se admite como possível a invocação do justo impedimento enquanto contendo um princípio geral de direito com plena valia e aplicação neste domínio.
III. Do disposto nos arts. 81.º, n.º 1, al. b) e 86.º do CCP na sua conjugação com o demais quadro normativo em matéria de procedimentos de formação de contratos não deriva qualquer imposição à entidade adjudicante do dever de notificação ou de prolação dum novo convite ao adjudicatário quanto à junção da documentação em falta para efeitos de habilitação.
IV. Atente-se que a possibilidade de existir uma supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do art. 86.º do CCP pressupõe que se trate duma situação de mera irregularidade e quanto a documentação que foi junta ao procedimento [cfr. art. 132.º, n.º 1, al. g) do CCP na sua actual redacção] e nunca de permissão de suprimento quanto a uma total ou parcial omissão de instrução com junção de documentação para efeitos de habilitação quando estejamos perante omissão apenas imputável ao adjudicatário.
V. Não resultando apurado que em face dos avisos/esclarecimentos proferidos no procedimento hajam sido proferidos outros actos em matéria da habilitação que revelem conduta ou condutas que no confronto com a do acto impugnado importem violação dos princípios da concorrência, da transparência, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa fé e da prossecução do interesse público tem-se a infracção aos referidos princípios como insubsistente.

4.
DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional "sub judice" e, em consequência, manter a decisão judicial recorrida.
Custas nesta instância a cargo da A., aqui recorrente, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º "a contrario", 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.000,01€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].

Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC "ex vi" art. 01.º do CPTA).
Porto, 20 de Janeiro de 2011
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins