Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18 de Fevereiro de 2011 (proc. 1503/10)

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Sumário:

1. A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., não se verifica quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes.
2. Uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil).
3. Não se verifica a caducidade do direito de acção se o interessado impugnou o acto de adjudicação no prazo de um mês a que alude o artigo 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depois de ter sido notificado desse acto e sem pôr em causa o programa do concurso mas apenas a falta de divulgação atempada de elementos essenciais.
4. Em todo o caso, a aceitação sem reservas do programa do concurso ou de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contratos, não implica a perda do direito de impugnação de qualquer acto do procedimento, que o interessado entenda lesivo dos seus direitos ou interesses, com fundamento em ilegalidade decorrente da aplicação daquele preceito regulamentar considerado ilegal", por força das disposições conjugadas dos artigos artigo 52º, nºs 1 e 3, e 100º, n.º1, do mesmo diploma.
5. Viola os princípios da estabilidade objectiva do procedimento, da publicidade e da transparência, da igualdade e da imparcialidade, consagrados nos artigos 1º, n.º4, 132º, nº 1, al. n), e 139º, Código de Contratos Públicos, artigo 266º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, artigo 2º da Directiva 2004/18/CE, artigos 4º, 5º, 6º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo, a divulgação, apenas na fase de apreciação das propostas, da "Lista de preços de referência" e dos "Critérios de avaliação do factor qualidade técnica da proposta", onde se introduziram inovações em relação ao que constava do Programa do Concurso.*
* Sumário elaborado pelo Relator
     

Texto Integral:

EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A C..., S.A. veio interpor, a fls. 178 e seguintes, o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 28.09.2010, a fls. 153 e seguintes, pela qual foi julgada procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela S..., S.A. para anulação da deliberação da Assembleia Geral da ora Recorrente, de 20.04.2010, que procedeu à adjudicação da empreitada de construção do "Hotel...", ao concorrente "Consórcio..., SA", bem como, em ampliação do objecto da acção, para a anulação do contrato de empreitada de obras públicas celebrado na sequência dessa adjudicação.
Invocou para tanto que a sentença é nula por falta de fundamentação e omissão de pronúncia e que, em todo o caso, errou ao julgar não verificada a excepção de caducidade do direito de acção, violando assim o disposto no artigo 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e fez também errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 132º, nº 1 al. n) e 139º do Código de Contratos Públicos.

Não foram produzidas contra-alegações.

A fls. 217 e seguintes, foi lavrado despacho pela M.ma Juiz a quo a afastar a existência de qualquer nulidade na sentença recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
a) O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença do Tribunal a quo que julgou procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela ora recorrida, S..., S.A. - que determinou a anulação da deliberação da Assembleia Geral da C..., S.A., de 20.04,.2010, que procedeu à adjudicação da empreitada de construção do "Hotel ..." ao "consórcio..., S.A.", assim como a anulação do contrato de empreitada celebrado na sequência dessa adjudicação.
b) A sentença recorrida omite questões que devia conhecer, faz incorrecta apreciação da matéria de facto e dos meios probatórios juntos com os articulados, e faz também errado julgamento da matéria de facto, incorrendo, em consequência, em erro na aplicação do direito aos factos, assim como manifesto erro de julgamento.
c) A sentença não elenca todos os factos que, tendo especial relevância para os presentes autos, resultaram provados.
d) A especificação de todos os factos provados afigurava-se essencial para que a recorrente - e, também, o Venerando Tribunal Superior - pudesse examinar a exactidão da correcção ou incorrecção do julgamento,
e) Da mesma maneira, também era absolutamente necessário que tivesse sido exposta a fundamentação que sustentasse o julgamento de toda a matéria de facto - o que não aconteceu.
f) A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.
g) A sentença recorrida não sendo declarada nula, deve a mesma ser revogada, alterando-se o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo de modo a apreciar toda a matéria de facto trazida aos autos pelas partes.
h) Na douta sentença recorrida o MMº Juiz a quo não se pronunciou sobre certas questões que devia apreciar, incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia a que se refere a primeira parte da alínea d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no art. 140º do CPTA.
i) Houve omissão de pronúncia, tanto na matéria da invalidade apontada à deliberação impugnada - tomada na Assembleia Geral da C..., S.A., de 20.04.2010, que adjudicou a empreitada ao consórcio..., S.A" - bem como no que respeita à eventual alteração do modelo de avaliação das propostas - Critérios do factor Qualidade Técnica da Proposta e da Lista de Preços Unitários de Referência.
j) Não se compreendem, nem foram especificadas, as razões pelas quais o MMº Juiz a quo considera que o modelo de avaliação foi efectivamente alterado, de forma inovatória e a que o levou a considerar que a Lista de Preços de Referência modificou o modelo de avaliação e não corresponde às percentagens estabelecida no artigo 12º do Programa do Concurso.
k) Por se verificar a nulidade cominada na primeira parte da alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável aos presentes autos ex vi do disposto no art. 1º do CPTA, requer-se que a mesma seja declarada com os devidos efeitos legais.
l) Os critérios de avaliação do factor Qualidade Técnica da Proposta foram devidamente publicitados, pela recorrente, no programa do concurso (cfr artigo 12º),
m) O documento nº 11 que foi junto com a petição referia-se àqueles critérios, correspondendo às percentagens expressas no artigo 12º do programa, ou seja, o documento traduzia expressões reflexivas do Júri que, apenas, acompanhavam as percentagens previamente estipuladas,
n) A recorrente não alterou ou substituiu o vertido no artigo 12º do programa , nem subverteu a respectiva aplicação daquele artigo.
o) A recorrente não introduziu, no concurso em apreço, uma pauta de avaliação de subfactores, com novos elementos ou elementos que devessem ter sido dados a conhecer aos concorrentes em fase prévia àquela em se deu a sua inserção na plataforma electrónica do concurso.
p) Por se verificar a nulidade cominada na primeira parte da alínea d) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável aos presentes autos ex vi do disposto no art. 1º do CPTA, requer-se que a mesma seja declarada com os devidos efeitos legais.
q) A ora recorrente suscitou a excepção da caducidade, da acção de contencioso pré-contratual dos presentes autos, por considerar que a mesma foi intentada para além do prazo de um mês a contar da data do conhecimento do acto (cfr. artigo 101º do CPTA).
r) A recorrida impugnou, ainda que implicitamente, o programa do concurso (art. 12º) - o que, conforme conta do art. 101º do CPTA, implicava que a recorrida tivesse intentado a acção dos presentes autos no prazo aí indicado, o que não fez.
s) Pelo exposto, a sentença recorrida fez errada subsunção dos factos ao direito, ao não considerar que a recorrida não impugnou o Programa do Concurso - ainda que implicitamente - e, por via disso, devia ter decidido que a acção era intempestiva, considerando procedente a excepção de caducidade.
t) A introdução de factores, subfactores, critérios e micro-critérios pelo Júri no concurso em apreço estava sujeita a determinados limites - materiais e temporais .
u) Os limites materiais foram respeitados pela recorrente, logo não se colocava, sequer, a questão de aferir da tempestividade dos mesmos - como fez a douta sentença recorrida.
v) A ratio do art. 132º, nº 1 n) do C.C.P., conjugado com o 139º não visam retirar a discricionariedade técnica ao júri na avaliação dos critérios, por mais concretizados que eles estejam.
w) A entidade recorrente respeitou, no concurso dos autos, os parâmetros fixados na abertura do concurso, os subparâmetros ou subfactores e os limites da respectiva discricionariedade.
x) Não foram, portanto violados pela recorrida, os princípios legais e concursais que a douta sentença recorrida, ao considerar procedente a presente acção de contencioso pré-contratual, assim considerou (os princípios, da igualdade, da transparência, da concorrência, da legalidade e da boa-fé), nem o disposto nos art. 132º, nº1 139º do C.C.P.
y) A ratio do art. 132, nº 1 n) não visa retirar a discricionariedade técnica ao júri na avaliação dos critérios, por mais concretizados que eles estejam
z) A deliberação, tomada na Assembleia Geral da C..., S.A. ,que adjudicou a empreitada dos presentes autos ao consórcio "D..., S.A." não está ferida de qualquer do vício e, portanto, a sua anulabilidade carece de fundamento legal.
aa ) A douta sentença recorrida considerou que o contrato de empreitada é inválido, mas não determinou os exactos fundamentos de direito que determinaram a sua decisão.
bb) A sentença recorrida fez, também em relação ao contrato de empreitada, errónea interpretação dos factos e não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - violando o disposto no artigo 668º, nº 1, al. b) do CPC aplicável ex vi art. 140º do CPTA.
cc) A douta sentença recorrida não só fez, com o devido respeito, errónea aplicação do direito aos factos, assim incorrendo em erro de julgamento, como também fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 132º, nº 1 al. n) e 139º do CCP e do art. 101º do CPTA.

1.1. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Invoca a recorrente nesta parte que a sentença recorrida não se pronunciou sobre certas questões que devia apreciar, incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia a que se refere a primeira parte da alínea d) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no art. 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Mas em razão.
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., está directamente relacionada com o comando que se contém no n.º 2 do art.º 660.º, servindo de cominação ao seu desrespeito: o juiz deve resolver na sentença todas as questões (não resolvidas antes) que as partes tenham suscitado; não se verifica esta nulidade quando a sentença aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não tenha em conta todos os argumentos apresentados pelas partes (neste sentido ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03.07.2007, recurso 043/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).
No caso concreto a sentença apreciou as questões que lhe foram suscitadas, uma excepção, a caducidade do direito de acção, e os vícios imputados ao acto impugnado, em concreto, a violação de princípios como o da igualdade e da transparência na formação de contratos públicos.
Decidiu em sentido contrário ao pretendido pela ora Recorrente e desconsiderando os seus argumentos.
Poderia eventualmente existir erro de julgamento ou deficiente fundamentação, mas não nulidade da sentença (ver a este propósito também o recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-03-2010, recurso n.º 0964/09).

1.2. A nulidade da sentença por insuficiência e incorrecto julgamento da matéria de facto:

Refere a este propósito a Recorrente que a sentença não elenca todos os factos que, tendo especial relevância para os presentes autos, resultaram provados, pelo que é nula, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Vejamos.
Uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).
No caso concreto foram alinhados alguns factos, os tidos por relevantes, e, como se disse, apreciaram-se os vícios imputados ao acto impugnado, pelo que não existe a apontada nulidade.
O que não significa ter havido deficiência no alinhamento da matéria de facto, com veremos de seguida.

2. A matéria de facto
.
A Recorrente defende que a sentença recorrida ignorou os seguintes "factos" relevantes:
1- o facto de a recorrida ter aceite o programa do concurso, sem quaisquer reservas, bem como o de que esta se apresentou em tempo ao concurso aceitando o disposto no respectivo programa (cfr. art. 75º da petição contestação e processo administrativo, do qual não consta qualquer reserva da recorrida - inserida nas mensagens da plataforma electrónica);
2- o facto provado da recorrida não ter pedido a lista de preços de referência antes de saber que não era a primeira classificada, ou seja, antes de lhe ser notificado o conteúdo do Relatório Preliminar ( cfr. consta do processo administrativo - mensagem da recorrida na plataforma electrónica de 22.03.2010 - doc. 2 junto com a contestação);
3- o facto provado de que a recorrida só invocou a necessidade de conhecer a lista de preços de referência muito depois de ter preparado a sua proposta (cfr. artigo 20º da contestação - " A autora só se lembrou de invocar a necessidade de conhecer a lista de preços de referência muito depois de ter preparado e entregue a sua proposta" - e processo administrativo - do qual não consta nenhum pedido inserido na plataforma electrónica antes de 22.03.2010);
4- o facto de nenhum dos outros concorrente ter solicitado a lista de preços de referência (conforme consta do processo administrativo, no qual não existe qualquer mensagem inserida na plataforma electrónica nesse sentido e, também, do art. 24º da contestação);
5- o facto provado de que a recorrida, pese embora tenha expressamente impugnado a deliberação da Assembleia Geral da C..., de 20.04.2010, também impugnou, necessária e implicitamente, o disposto no artigo 12º do Programa do Concurso, porquanto considerou que a lista de preços de referência devia ser disponibilizada, na sequência daquele artigo 12º, aos concorrentes.
6 - o facto provado de que todos os concorrentes tomaram conhecimento da lista de preços de referência em 22.03.2010 (cfr. artigo 10º da petição e de acordo cm o processo administrativo, sendo que foi colocada essa mensagem na plataforma electrónica em 22.03.2010);
7 - o facto provado de que o doc. 11 junto com a p.i - relativo ao Factor Qualidade Técnica da Proposta - corresponde às percentagens já expressas no art. 12º do programa e, portanto, que não altera ou substitui o vertido no art. 12 º do programa do concurso (cfr. docs. 2, 11 junto com a p.i.);
A matéria de facto a ter em conta é aquela que se mostra "relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida" - n.º 1 do artigo 511º do Código de Processo Civil.
Ora, desde logo, não se vê relevo para o facto indicado no 4º parágrafo. A circunstância de nenhum concorrente ter pedido, antes da Autora, a lista de preços de referência, não tem qualquer interesse para determinar se o dono da obra estava ou não obrigado, tendo em conta os princípios que regem os concursos públicos, a dar a conhecer essa lista a todos os candidatos, antes da análise das propostas, pois as questões a resolver no caso concreto são, e só, para além da caducidade do direito de acção, a invocada violação desses princípios.
A matéria articulada nos parágrafos 5º e 7º são análise jurídica e conclusiva; não se referem aí factos, para além do facto, tido em conta na sentença, de a Autora ter impugnado a deliberação de 20.04.2010.
Quanto ao conhecimento da lista de preços de referência, mencionado no parágrafo 6º, há que distinguir o conhecimento formal do conhecimento informal.
Quanto ao conhecimento formal dessa lista, ficou provado que ocorreu, para todos, em 22.03.2010 - alínea F) dos factos provados na sentença.
Quanto ao conhecimento "informal" antes desta data, esse facto apenas poderia resultar do articulado inicial cuja prova interessava à Autora e no que toca à Contra-Interessada vencedora do concurso.
Mas nenhum elemento dos autos permite concluir que se fez prova desse facto.
Por outro lado, o facto negativo de que nenhum candidato teve conhecimento antes da referida data da lista de preços em apreço também não resulta de nenhum elemento dos autos nem se vê como seria possível fazer a prova desse facto negativo.
A matéria constante dos parágrafos 2º e 3º não traz qualquer novidade em relação ao que ficou provado na sentença que não seja mera conclusão.
Com efeito, ficou provado na alínea E) o momento em que a Autora solicitou que lhe fosse dada a conhecer a lista de preços de referência.
Finalmente, quanto à matéria de facto constante do primeiro parágrafo, assiste, mas apenas em parte, razão à Recorrente.
O ter-se a Autora apresentado a concurso é um facto que ficou provado sob a alínea B) da sentença. Que se apresentou em tempo é conclusivo e retira-se do facto, dado como provado, de a sua proposta ter sido considerada pelo dono da obra e graduada, em segundo lugar.
Mas embora a aceitação, neste caso tácita, do programa do concurso por parte da Autora seja uma conclusão, a mesma terá de ser retirada, no contexto do caso concreto, do facto, alegado e provado nos autos, de não ter apresentado qualquer reclamação.
Facto este que é relevante do ponto de vista do enquadramento jurídico dado pela Recorrente ao caso, um enquadramento jurídico que é plausível.
Este facto deverá, por isso, ser alinhado nos factos provados.
Assim como se deverá fazer constar na matéria de facto provada a data da entrada em juízo da presente acção, o que foi considerado na sentença a propósito da questão da caducidade mas não foi autonomizado como facto provado.
Quanto à fundamentação do julgamento da matéria de facto, ela foi indicada de forma suficiente, embora sucinta:
"Considerando o posicionamento assumido pelas partes nos respectivos articulados e o teor dos documentos juntos aos autos, incluindo PA apenso junto em suporte informático"
Tanto basta para se julgar devidamente fundamentada a decisão quanto à matéria de facto.

Temos assim como provada a seguinte matéria de facto relevante:
A) A ora Ré lançou o concurso público para a "Empreitada de Construção do Hotel...", a executar no concelho do Porto, mediante anúncio publicado no DR, II Série, nº 246, parte L, de 22.12.2009 (Anúncio de procedimento nº 5706/2009), sendo tal concurso também publicitado no JOUE.
B) A ora A. "S..., S.A." apresentou-se ao concurso em causa, tal como as ora contra-interessadas, em consórcio..., entre outros concorrentes, tendo apresentado as propostas que constam do PA junto em suporte informático, que aqui se dão por reproduzidas.
C) O art. 12º do Programa do Concurso, dispunha nos seus nºs 1, 3, 4, 4-a) e 4-b) o seguinte, quanto ao critério de adjudicação das propostas:
"1. As propostas são analisadas em todos os seus atributos representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação e termos ou condições.
2. (...)
3. A aplicação dos critérios de adjudicação das propostas atenderá à seguinte
metodologia e ponderações:
i. Classificação "muito boa" - 20 (vinte) pontos
ii. Classificação "boa" -- 16 (dezasseis) pontos
iii. Classificação "satisfatória"- 12 (doze) pontos
iv. Classificação "aceitável" - 8 (oito) pontos
v. Classificação "fraca" - 4 (quatro) pontos
vi. Classificação "muito fraca" - 0(zero) pontos
Pontuações alternadas poderão ser atribuídas a situações de avaliação intermédias. 4. A adjudicação do objecto do concurso é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta a fórmula
Pt = 0.40 x Pr + 0.50 x VT + 0.10 x Pz
Onde, Pt =Pontuação Total
Pr = Classificação do Preço
VT = Classificação da Componente Técnica da Proposta
Pz = Classificação do Prazo
considerando as seguintes avaliações parciais:
a) Factor Preço (Pr) - 40% (quarenta por cento)
Pr = 0.75 x Pg + 0.25 x Pu em que:
a1) Preço Global (Pg) - 75%
(...)
a2) Coerência dos Preços Unitários (Pu) - 25%
Avaliação comparativa e coerência dos preços unitários relativamente ao padrão definido pelos preços unitários, que constituem a lista de preços de referência.
A metodologia consistirá na pontuação ponderada dos desvios individuais de cada preço unitário relativamente aos de referência, pela seguinte fórmula:
0 < Di < 15% Pu = Soma (12965 Di - 2913.8 Di + 12.111 Di + 19.983) x Pdi
Di >15% Pui = 0
Onde, Pu - Pontuação relativa à coerência dos preços unitários
Di - Valor absoluto do desvio percentual do preço unitário em análise, relativamente ao de referência.
Pdi - Peso percentual do total do artigo em análise, fixado pelos valores de referência.
b) - Factor qualidade técnica da proposta (VT) - 50% (cinquenta por cento)
VT = 0.25 x MDJ + 0.35 x PT + 0.10 x PGS + 0.20 x PGA + 0.10 GQ, em que:
b1) Memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra (MDJ)... 25%
b2) Programação dos trabalhos, sua coerência e garantias para o seu cumprimento (PT) ..................................................................................................................35%
PT = 0. l0 x p1 + 0.10 x p2 + 0.075 x p3 + 0.075 x p4
b2.1) Memória justificativa e descritiva do faseamento proposto (p1)........ 10%
b2.2) Plano de trabalhos (p2) ..................................................... 10%
b2.3) Plano de mão-de-obra (p3).................................................. 7.5%
b2.4) Plano de equipamento (p4) .................................................. 7.5%
b3) Plano de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (PGS) ................ 10 %
Adaptação do plano às condições da obra e lista de planos de monitorização e prevenção
b4) Plano de Gestão Ambiental (PGA) .............................................20%
Programa preliminar de gestão ambiental, compilação do sistema documental de garantia de cumprimento dos requisitos ambientais e certificados do sistema de gestão ambiental implementados (Certificação ISO e Verificação EMAS)
b5) Gestão da Qualidade (GQ) ...................................................10%
Plano preliminar de gestão da qualidade e documentação do sistema de gestão da qualidade para o empreendimento."
C1) A Autora não apresentou qualquer reserva ao Programa do Concurso.
D) O Júri elaborou o Relatório Preliminar de Análise de Propostas, que disponibilizou aos interessados em 4.03.2010, através da plataforma de contratação electrónica com a referência nº 77887, no qual, além do mais, classificou a proposta das ora contra-interessadas D..., em consórcio, em 1º lugar, com 17,114 pontos, e a da ora Autora em 2º lugar, com 16,390 pontos.
E) Notificada, tal como todos os outros concorrentes, para exercer o seu direito de audiência prévia sobre o teor do aludido relatório preliminar, a A. apresentou requerimento em 5 de Março de 2010, no qual solicitou o seguinte: "Relativamente ao factor de avaliação preço (Pr), constante no artigo 12º do Programa de Concurso, particularmente no que respeita ao sub-factor "coerência dos preços unitários" (Pu), gostaríamos de saber qual a lista de preços unitários de referência que foi utilizada na Vossa análise, ou que nos indiquem como podem ser obtidos esses preços de referência, uma vez que não nos foi fornecida nenhuma lista de preços unitários de referência juntamente com o Relatório Preliminar, nem com as restantes peças constituintes do procedimento" - cfr. doc. 2 junto com a contestação da Ré.
F) Nessa sequência, em 22.03.2010, e apenas nessa altura, foram disponibilizados "elementos complementares ao Relatório Preliminar", através da plataforma de contratação electrónica com a referência nº 83887 (cfr. PA junto em suporte informático), sob a forma dos seguintes anexos:
Anexo I - "Lista de Preços Unitários de Referência"
Anexo II - "Critérios de Avaliação do Factor Qualidade Técnica da Proposta", nos termos que constam do doc. 11 junto com a p.i., cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.
G) O Júri fixou um novo prazo de 5 dias úteis para os concorrentes se pronunciarem em sede de audiência prévia.
H) Após a referida audiência prévia dos concorrentes, o Júri elaborou Relatório Final de igual teor ao doc. 3 junto com a contestação da Ré, constante de fls. 98 a 113 dos autos, em que propôs a adjudicação da empreitada em causa ao agrupamento "D..., S.A.", pelo valor de 6.502.500,00 € (seis milhões, quinhentos e dois mil e quinhentos euros), o qual não inclui o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor.
I) Por deliberação da Assembleia Geral da ora Ré, de 20/04/2010, foi decidido adjudicar a empreitada em causa ao agrupamento "D..., S.A.", de acordo com a proposta apresentada e pelo valor de 6.502.500,00 € (seis milhões, quinhentos e dois mil e quinhentos euros).
J) Em 5 de Maio de 2010 foi celebrado o contrato de empreitada.
K) A consignação da obra deu-se em 20 de Maio de 2010.
L) Os trabalhos de demolição tiveram início em 21 de Maio de 2010.
M) O articulado inicial da presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 21.05.2010, por correio electrónico - fls. 2 e 3.

Enquadramento jurídico.

1. A excepção de caducidade.

Defende a Recorrente que a presente acção foi intentada para além do prazo de um mês a contar da data do conhecimento do acto.
No seu entender a Autora, ora Recorrida, impugna nos presentes autos, de forma implícita, o artigo 12º do Programa do Concurso. O que não pode fazer, dado ter aceite o programa do concurso sem reservas e por ter decorrido mais de um mês desde que teve conhecimento do mesmo. Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou, sustenta, o disposto no artigo 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Mas sem razão.
O que a Autora põe em causa nos presentes autos não é o Programa do Concurso nem, em particular, mesmo de forma implícita, o disposto no artigo 12º desse Programa que se refere a "Análise e critérios de adjudicação das propostas".
A autora insurge-se e imputa ao acto de adjudicação os vícios de violação dos princípios pré-contratuais como sejam os da transparência, publicidade, igualdade e estabilidade do concurso, pelo facto de não terem sido dados a conhecer até à fase de elaboração das propostas a lista de preços de referência e os critérios de avaliação do factor de qualidade técnica das propostas, conforme decorre dos artigos 12º e 24º da petição inicial.
Como o que a Autora ataca nos presentes autos não é o Programa do Concurso, nem implicitamente, mas a deliberação de adjudicação, é por referência ao conhecimento deste acto que se deve aferir da tempestividade da acção.
Ora, como se decidiu, o acto impugnado data de 20.04.2010 pelo que tendo a presente acção sido instaurada em 20.05.2010, a mesma é claramente tempestiva, pois que foi instaurada dentro do prazo de um mês estabelecido no art. 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Em todo o caso, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.11.2010, recurso n.º 0795/10, com o qual se concorda inteiramente e que aqui se dá por reproduzido, a "falta de impugnação de um preceito do programa de concurso ou de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contratos, permitida pelo nº 2 do art. 100º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não implica a perda do direito de impugnação de qualquer acto do procedimento, que o interessado entenda lesivo dos seus direitos ou interesses, com fundamento em ilegalidade decorrente da aplicação daquele preceito regulamentar considerado ilegal", por força das disposições conjugadas dos artigos artigo 52º, nºs 1 e 3, e 100º, n.º1, do mesmo diploma.
A Autora dispunha, por isso, de legitimidade e estava em tempo para atacar a deliberação impugnada ainda que implicitamente pusesse em causa o próprio Programa do Concurso.
Improcede, por esta via o recurso jurisdicional.

2. O acerto da sentença quanto ao mérito da acção.

Como se refere na sentença recorrida, a Autora, ora Recorrida, impugna nos presentes autos a deliberação da Assembleia Geral da Ré, ora Recorrente, de 20/04/2010, pela qual foi decidido adjudicar a "Empreitada de Construção do Hotel ...", objecto do concurso público aberto nos termos do Aviso de procedimento nº 5706/2009, ao agrupamento formado pelas ora contra-interessadas "D..., S.A.", de acordo com a proposta apresentada e pelo valor de 6.502.500,00 €.
E as ilegalidades imputadas a este acto, a inquinar os demais actos subsequentes, são as de violação dos princípios da transparência, da igualdade (igualdade de tratamento e não discriminação) e da concorrência, dos quais são corolários os princípios da legalidade, da imparcialidade, da justiça, da publicidade, da estabilidade do concurso, da proporcionalidade, da boa-fé e da prossecução do interesse público (artigo 266º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, artigo 2º da Directiva 2004/18/CE, artigos 4º, 5º, 6º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo e artigos 1º, n.º 4, 132.º, n.º 1, alínea n), e 139º do Código de Contratos Públicos).
Isto em virtude de, segundo invoca a Autora, a "Lista de preços de referência" e os "Critérios de avaliação do factor qualidade técnica da proposta" não terem sido dados a conhecer à Autora, nem aos demais concorrentes, com excepção do agrupamento constituído pelas ora contra-interessadas D..., na fase de elaboração das propostas, mas apenas após o Relatório Preliminar de Análise de Propostas. E que além dos referidos princípios, foram violados os do CCP.
Apreciando.
Estabelece o art. 132º, nº 1, al. n) do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º nº 18/2008, de 29.01, com as alterações entretanto introduzidas, que o programa do concurso público deve indicar "o critério de adjudicação, bem como, quando for adoptado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os factores e os eventuais subfactores relativos aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respectivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos factores ou subfactores elementares, a respectiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais."
Por sua vez, estabelece o art. 139º do Código de Contratos Públicos, quanto ao modelo de avaliação das propostas, o seguinte:
"1 - No caso de o critério de adjudicação adoptado ser o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas deve ser elaborado de acordo com o disposto nos n.ºs 2 a 4.
2 - A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada factor ou subfactor elementar, multiplicadas pelos valores dos respectivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada factor ou subfactor elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse factor ou subfactor.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas a apresentar, com excepção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respectivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número."
Com estas regras, semelhantes às constantes do regime legal anterior, visou-se assegurar o respeito pelos princípios, entre outros, da estabilidade objectiva do procedimento, da publicidade e da transparência, da igualdade e imparcialidade.
O princípio da estabilidade objectiva do procedimento impõe que "as regras e dados constantes das peças do procedimento (cuja noção se encontra no artigo 40º do CPP), como o programa ou caderno de encargos, devem manter-se inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos, sendo proibida e ilegítima a sua alteração (eliminação, aditamento, modificação ou desconsideração). (...) Em suma, "as regras do jogo não devem ser alteradas depois de os dados estarem lançados" - Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios gerais da contratação pública, in Estudos de Contratação Pública, volume I, Coimbra Editora, 2008, páginas 84-85.
Outro dos princípios fundamentais que regem o procedimento dos concursos públicos é precisamente o da publicidade, princípio este que se encontra ligado a outros princípios que devem conformar o mesmo procedimento: os princípios da imparcialidade, da transparência e da igualdade (veja-se a este propósito Margarida Olazabal Cabral, Concurso Público nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1997, pp. 82-85).
Por força do princípio da transparência, "Os interessados devem... poder retirar do "modelo de avaliação das propostas" as informações necessárias e úteis à concepção e apresentação da sua melhor proposta, ou seja, devem poder retirar dele os dados necessários para conhecer o que é que as entidades adjudicantes irão tomar em consideração para apurar a proposta mais competitiva, e em que medida ou em que peso."- Rodrigo Esteves de Oliveira, obra citada, página 101. Ou como ensina Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, Almedina, 2001, página 584: O princípio da transparência "... postula, em síntese, que a Administração Pública ... não lhes pode sonegar informação". E como refere Maria Teresa de Melo Ribeiro, in O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública, Almedina, Coimbra, p. 191, este princípio surge como "uma forma de garantir, preventivamente, a imparcialidade da actuação da Administração".
O princípio da igualdade "impõe à entidade adjudicante uma conduta estritamente igual para todos os concorrentes e candidatos, impedindo-a de tomar medidas (directas ou indirectas) de discriminação (jurídica ou fáctica) que possam beneficiar ou prejudicar ilegitimamente (é dizer sem justificação suficiente) qualquer ou quaisquer deles" - Rodrigo Esteves de Oliveira, obra citada, página 92.
O princípio da imparcialidade que por vezes se confunde com o da igualdade, veda à entidade que lança o concurso situações objectivas que possam pôr em causa a sua isenção relativamente a qualquer dos concorrentes e "impõe ainda, e de um modo especial, o dever por parte da Administração Pública de ponderar todos os interesses públicos e os interesses privados equacionáveis para o efeito de certa decisão antes da sua adopção" - Diogo Freitas do Amaral, obra citada, página, 580.
Reportando-nos ao caso concreto, a sentença recorrida fez um bom resumo da matéria relevante:
Como resulta quer do Anúncio do concurso (ponto 12), quer do art. 12º, nº 4 do Programa do Concurso, o critério de adjudicação do objecto do concurso em causa é o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta a fórmula indicada no referido nº 4 do art. 12º do Programa do Concurso, segundo a qual os factores de ponderação a ter em conta são o preço, qualidade técnica da proposta e prazo, com os coeficientes de ponderação de 40%, 50% e 10%, respectivamente.
Quanto ao factor preço, na sua avaliação seria de ter em conta o subfactor "preço global", a que correspondia a ponderação de 75%, e o subfactor "coerência dos preços unitários", com a ponderação de 25%, sendo que quanto a este último subfactor, a sua avaliação era feita com referência ao "padrão definido pelos preços unitários, que constituem a lista de preços de referência", consistindo a metodologia de avaliação na "pontuação ponderada dos desvios individuais de cada preço unitário relativamente aos de referência", de acordo com a fórmula estabelecida no art. 12º, nº 4, alínea a2) do Programa de Concurso.
Relativamente ao factor qualidade técnica da proposta (VT), a fórmula de avaliação estabelecida no Programa de Concurso (art. 12º, nº 4, alínea b)) tinha em conta os subfactores "Memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra (MDJ)", "Programação dos trabalhos, sua coerência e garantias para o seu cumprimento (PT)", "Plano de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (PGS)", "Plano de Gestão Ambiental (PGA)" e "Gestão da Qualidade (GQ)", com as ponderações respectivas aí previstas. Ainda de acordo com o estabelecido no citado art. 12º, nº 4, alínea b) do Programa de Concurso, no subfactor "Programação dos trabalhos, sua coerência e garantias para o seu cumprimento (PT)", com o coeficiente de ponderação de 35%, eram considerados os parâmetros "Memória justificativa e descritiva do faseamento proposto (p1)" - 10%, "Plano de trabalhos (p2)" - 10%, "Plano de mão-de-obra (p3)" - 7.5% e "Plano de equipamento (p4)" - 7.5%.
E ficou provado que apenas em 22.03.2010, após elaboração do Relatório Preliminar de Análise de Propostas e sua notificação aos concorrentes para efeitos de audiência prévia, e na sequência de pedido da Autora, ora Recorrida, de que fosse informada sobre a lista de preços unitários de referência utilizada pelo Júri na sua análise, é que foi por este disponibilizada na plataforma de contratação electrónica quer a "Lista de Preços Unitários de Referência", quer os "Critérios de Avaliação do Factor Qualidade Técnica da Proposta" (cfr. supra alíneas D) a F) da factualidade provada).
Ora as citadas normas e princípios obrigam a que na apreciação das propostas se não introduzam subcritérios ou subfactores já depois de conhecidos os concorrentes e as suas propostas, pois que só assim será possível impedir a introdução de factores de diferenciação e de valoração em função do conhecimento dessas propostas e só assim será possível evitar a possibilidade de um tratamento desigual e injusto dos concorrentes, beneficiando uns em detrimento de outros. Como se refere na sentença recorrida.
E como já era entendimento jurisprudencial em face do regime legal anterior.
Assim, lê-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.02.2004, recurso nº 01495/03:
" (...)
IV - A fixação de sub-critérios, subfactores ou micro-critérios está sujeita a limites intrínsecos e de ordem temporal.
(...)
VII - Depois de apresentadas as propostas, envolve a criação de sub-critérios a eleição de elementos ou aspectos da proposta susceptíveis de receber especial pontuação, por isso poder fazer suspeitar de que se quis afeiçoar a avaliação às características de alguma daquelas."
Os limites intrínsecos visam evitar que por via indirecta se viole a regulamentação do concurso, através duma substituição dos critérios plasmados no Programa por outros critérios ou bitolas de aferição. Os subcritérios têm de ser fiéis aos critérios de que dimanam, e por isso, como se salientou na sentença recorrida:
a) Devem resultar de uma verdadeira necessidade de densificar, concretizar ou desenvolver os critérios-base, e mostrar-se adequados ao desempenho dessa função;
b) Não podem, pela sua novidade ou independência relativamente aos critérios-base, substituir-se a estes nem subverter a respectiva aplicação.
c) Não podem conduzir a uma perda de objectividade, ou a um ganho de liberdade de apreciação, em comparação com o que seria a aplicação simples dos critérios standard.
Entendimento este sublinhado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2006, recurso n.º 0597/05 (sumário):
"Nos procedimentos pré-contratuais para adjudicação de contrato de empreitada de obras públicas a comissão de análise das propostas pode seleccionar os elementos a ponderar em cada factor ou sub factor enunciado no programa de concurso, sem introduzir inovações, e deve estabelecer métodos que permitam tornar mais objectivo e transparente o seu trabalho, mas estas diligências só serão válidas se tiverem carácter abstracto e temporalmente se situarem antes da comissão conhecer as propostas, sob pena de violar o princípio da imparcialidade."
E basta o mero perigo ou risco de postergação desses valores e princípios para inquinar a actividade do órgão administrativo.
Como se sumariou no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4.02.2004, recurso nº 01495/03: "A benefício da transparência, que constitui um anteparo da imparcialidade, não podem os júris ou comissões dos concursos estabelecer sub-critérios ou outros elementos relevantes para a classificação e graduação das propostas posteriormente à apresentação destas pelos concorrentes, bastando para este efeito o mero perigo de quebra da isenção e objectividade."
E no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 12.11.2003, recurso n.º 031806:
"II - A mencionada violação da transparência consuma-se pela criação do risco ou perigo de quebra do dever de imparcialidade, que é consequência do estabelecimento de uma zona envolvente desse bem jurídico que alarga o seu campo de incidência; não é, assim, necessário que o recorrente demonstre que a violação da transparência teve reflexos concretos no acto decisório - sem prejuízo de o recorrido fazer a prova de que tais reflexos não existiram."
Ora, voltando ao caso concreto, e como bem se decidiu, o que resulta dos "Critérios de Avaliação do Factor Qualidade Técnica da Proposta", disponibilizados pelo Júri do concurso aos concorrentes apenas em 22.03.2010, nos termos documentados no doc. 11 junto com a p.i. (cfr. al. F) da factualidade provada), é que ali são definidos de forma inovatória os atributos a considerar na avaliação de cada um dos subfactores desse factor Qualidade Técnica da Proposta, fazendo-lhes corresponder uma escala de pontuação de 0 a 20, sendo que quanto aos subfactores "b3) Plano de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (PGS)", "b4) Plano de Gestão Ambiental (PGA)" e "b5) Gestão da Qualidade (GQ)", os atributos a considerar de acordo com o definido no art. 12º, nº 4, als. b3), b4) e b5) foram desdobrados, sendo-lhes atribuídos coeficientes de ponderação autónomos, como que se convertendo tais atributos em novos subfactores, relativamente a cada um dos quais foi também definido um conjunto ordenado de diferentes atributos a que se fez corresponder uma escala de pontuação, de 0 a 20, tendo-se eleito certos aspectos das propostas susceptíveis de receber uma especial pontuação.
Assim, com os referidos "Critérios de Avaliação do Factor Qualidade Técnica da Proposta", definidos já na fase de avaliação das propostas, como a entidade demandada reconhece, alterou-se efectivamente o modelo de avaliação das propostas fixado no art. 12º, nº 4 do Programa de Concurso, assim tendo sido infringido o disposto no art. 132º, nº 1, al. n), conjugado com o art. 139º, ambos do Código de Contratos Públicos, bem como os princípios invocados pela Autora da transparência e imparcialidade, da igualdade e da concorrência, da publicidade, da estabilidade do concurso, da boa-fé e da prossecução do interesse público (artigo 266º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, artigo 2º da Directiva 2004/18/CE, artigos 4º, 5º, 6º e 6º-A do Código de Procedimento Administrativo, e artigo 1º, n.º4, do Código de Contratos Públicos).
Igualmente traduz a violação desses preceitos e princípios o facto de a "Lista de Preços Unitários de Referência" ter sido divulgada apenas na mesma fase de avaliação dos concorrentes, já que constituindo a mesma um elemento fundamental na avaliação do subfactor "Coerência dos Preços Unitários" do factor Preço, a mesma deveria integrar os documentos do concurso e ser disponibilizada aos concorrentes na fase de apresentação das propostas, e não na fase de avaliação das mesmas, como aconteceu.
Significativo a este propósito é o que a Entidade Demandada disse a este propósito na sua contestação, no artigo 45º:
"... o que varia são as circunstâncias que os concorrentes tiveram de considerar face à localização da obra - pois trata-se de uma empreitada a realizar no "Centro Histórico da Cidade do Porto", com muitos condicionalismos de carácter especial associados (tais como a impossibilidade de circulação e passagem na via pública a determinadas horas; o acompanhamento policial aos veículos pesados de transporte de betão e de bombagem; o meio de elevação do betão a utilizar; o desperdício de betão conforme os diferentes elementos a betonar, etc..."
E no artigo 46º:
"E, pelas especiais condições desta empreitada em concreto é que os rácios nestas circunstâncias são muito mais elevados do que fornecer betão armado numa zona de mais fácil acesso ou, até, num descampado:"
Aqui é que bate o ponto.
Antes de os concorrentes perceberem as condições específicas da empreitada devia ser o dono da obra, a ora Recorrida, face aos aludidos princípios, a deixar claro que estava a ter em conta, na definição do Programa do Concurso e nas demais peças relevantes, essas condições especiais.
E, sobretudo, em que medida estava a ter em conta essas condições especiais da execução da empreitada.
Ora, particularmente, em relação os preços unitários os candidatos - e não se tendo provado que houve em concreto tratamento de favor em relação a um concorrente, o ganhador, em detrimento dos demais -, o certo é que apenas depois de ultrapassada a fase de apresentação das propostas e já na fase de apreciação das mesmas, foi dado a conhecer um elemento imprescindível para se saber qual o exacto entendimento do dono da obra sobre as condições específicas da empreitada, através da divulgação, só nessa fase, da "Lista de Preços Unitários de Referência".
Os concorrentes ficaram assim impedidos de retirar, dos elementos fornecidos até à fase de apresentação das candidaturas, os dados necessários para conhecer o que é que a entidade adjudicante iria tomar em consideração para apurar a proposta mais competitiva, e em que medida ou em que peso (cfr. - Rodrigo Esteves de Oliveira, obra citada, página 101).
Conclui-se, como na sentença recorrida, que a deliberação de adjudicação impugnada viola os aludidos preceitos e princípios legais, pelo que deve ser anulada, o que determina igualmente a invalidade do contrato celebrado na sequência da adjudicação em causa que deve também por isso ser anulado.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida.

Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente. *Porto, 18 de Fevereiro de 2011
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins
Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves