Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Setembro de 2010 (proc. 652/10)

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Sumário:

Dada a sua relevância jurídica é de admitir a revista em que a questão a dirimir passa, designadamente, por fixar o sentido e o alcance do nº 4 do artº. 139º do CCP, interessando apurar, em especial, se tal preceito consagra ou não a garantia " da isolabilidade das propostas", proibindo que a entidade adjudicante estabeleça critérios, factores ou sub-factores de avaliação que não sejam independentes entre si e, em especial, que estabeleçam atributos que não sejam colhidos exclusivamente da proposta em avaliação.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

 
I - RELATÓRIO
1.1. O Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 17-06-2010, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de 22-02-2010, que julgou "procedente, por provado, o pedido de anulação do acto de adjudicação, praticado no âmbito do concurso público para a aquisição de serviços para o Desenvolvimento e Implementação do Sistema de Monitorização da Satisfação dos Utentes do IEFP, por vício de violação de lei, por ofensa do art. 139°, n° 4 do CCP (... )" - Cfr. fls. 616 e 505-.
No tocante à admissão da revista, o Recorrente refere, nas conclusões da sua alegação, nomeadamente, o seguinte:
"(...)
8ª Transparece, assim, do supra exposto, com toda a evidência, a relevância jurídica e a importância fundamental da questão suscitada pelo douto Acórdão ora recorrido, face à necessidade premente de uma correcta e melhor aplicação do direito às situações frequentes que decorrerão da adopção do entendimento sustentado naquele Acórdão, que em muito extravasa a situação do concurso público objecto dos autos, estendendo-se, em geral, a toda a contratação pública e com uma relevância essencial no contencioso pré-contratual.
9ª Por conseguinte, a interpretação e aplicação do direito da contratação pública subjacente à douta consideração do Acórdão recorrido releva que estamos perante uma situação que justifica a admissão do presente recurso de revista, nos termos do disposto no art° 150°, n° 1 do CPTA.
(...)" - Cfr. fls 10 das alegações
1.2. Por sua vez, a ora Recorrida, A..., pronuncia-se pela não admissão do recurso de revista, salientando, designadamente, nas suas contra-alegações, o seguinte:
"(...)
Sucede, porém, que, salvo melhor opinião, o recurso não versa sobre questão susceptível de integrar um recurso de revista, pelo que deve ser liminarmente rejeitado.
(...)
In casu, apoia-se a Recorrente na relevância jurídica e inerente capacidade de extensão da controvérsia, alegando para tanto que a interpretação incorrecta que o Tribunal a quo realizou da norma contida no n°4 do artigo 139° do CCP deve ser esclarecida, sob pena da sua adopção em procedimentos futuros de contratação pública.
Com o devido respeito, que muito é, a interpretação descrita pela Recorrente não fundamentou nem determinou a decisão de 1ª ou de 2ª instância.
(...)" - Cfr. fls. 2 e 3 das contra-alegações
1.3. Cumpre decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2.Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAC de Lisboa, de 22-02-2010, que julgou procedente o pedido de anulação do acto de adjudicação, praticado no âmbito do concurso público para aquisição de serviços para o Desenvolvimento e Implementação do Sistema de Monitorização da Satisfação dos Utentes do IEFP, por violação do n° 4, do artigo 134° do CCP.
Para assim decidir, o TCA Sul considerou, no essencial, que "(...) em procedimentos de natureza concorrencial, como é o caso dos concursos públicos, o adjudicatário deve ser escolhido [exclusivamente] em função das características ou dos atributos da sua proposta, pelo que os elementos que irão determinar essa escolha devem estar pré-definidos de tal forma que permita aos concorrentes adaptar as suas propostas aos interesses da entidade adjudicante, maximizando dessa forma as hipóteses da sua proposta vir a ser escolhida, garantindo, por outro lado, que não ocorrerá violação do princípio da imparcialidade".
Referiu também, que "no caso do presente recurso, esses princípios foram ostensivamente postergados, pelo que a fórmula de avaliação das propostas contida no n° 10 do artigo 6° do Programa do Concurso viola efectivamente o disposto no artigo 139°, n° 4 do CCP, tal como ajuizou a sentença recorrida". -Cfr. fls. 616-.
Já o Recorrente discorda do decidido, por entender, designadamente, que o Acórdão recorrido não só não procedeu à correcta análise da fórmula de avaliação das propostas quanto ao factor preço contida no n° 10 do art°. 6° do Programa do Concurso como também perfilha uma errada interpretação do citado n°4, do artigo 139°.
Ora, efectivamente, é de admitir a revista atenta a especial relevância jurídica das questões levantadas pelo Recorrente.
Com efeito, trata-se aqui de matéria que envolve alguma dificuldade ao nível da interpretativo, concretamente, no que toca, desde logo, à fixação do sentido e alcance do questionado n° 4, do artigo 139°, interessando apurar, designadamente, se tal preceito consagra ou não a garantia da "isolabilidade das propostas", vedando a utilização de quaisquer dados que dependessem, directa ou indirectamente, dos atributos das propostas aposentadas pelos candidatos, com excepção dos da proposta a avaliar, ou seja, proibindo que a entidade adjudicante estabeleça critérios, factores ou sub-factores de avaliação que não sejam independentes entre si e, em especial, que estabeleçam comparações entre atributos que não sejam colhidos exclusivamente da proposta em avaliação.
Por outro lado, tal matéria reveste-se de particular importância em termos da contratação pública, com especial enfoque no âmbito do contencioso pré-contratual, podendo as questões em análise vir a repetir-se noutros casos, o que bem evidencia a capacidade de expansão da controvérsia subjacente ao presente recurso, o que tudo demanda a intervenção clarificadora deste STA.
É, assim, de concluir pela verificação dos pressupostos de admissão da revista (cfr. n° 1, do artigo 150º do CPTA).


3- DECISÃO
Nestes termos, acordam em admitir o recurso de revista interposto pelo Recorrente do Ac. do TCA Sul, de 17-6-10, devendo proceder-se à pertinente distribuição dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Setembro de 2010. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Maria Angelina Domingues.