Sumário:
I - Se o aviso de abertura do concurso impunha que os documentos oferecidos pelos candidatos fossem «comprovativos» dos elementos relevantes para a apreciação do seu mérito, não merece censura o facto do júri ter desatendido aspectos cuja existência era duvidosa à luz dos documentos apresentados.
II - Os juízos de facto que o júri emitiu sobre o relevo merecido por certos documentos não são censuráveis se, tendo apoio no seu texto, não se mostrarem erróneos nem abstrusos.
III - O erro havido na pontuação de um parâmetro é irrelevante se a sua correcção não alterar o posicionamento do respectivo concorrente, continuando aproveitável o acto final de classificação.
IV - O exercício do direito de audiência não permite juntar os documentos que deviam ter sido oferecidos com o requerimento de candidatura a um concurso pessoal.
V - O prazo a fixar «entre 10 e 15 dias úteis», previsto no art. 32º, n.º 1, al. b), do DL n.º 204/98, de 11/7, podia ser fixado em 10 dias úteis.
VI - A circunstância do júri só pode ter definido e ponderado os factores e parâmetros de selecção após a publicação do aviso de abertura do concurso é irrelevante se, então, nenhuma candidatura fora ainda apresentada e nenhum dos candidatos requerera a divulgação daqueles critérios.
Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
B..., identificada nos autos, veio interpor contra o Presidente do Tribunal de Contas a presente acção administrativa especial, onde formulou os pedidos seguintes: a título principal, o de anulação de dois actos do demandado, ambos de 26/11/2010 - em que ele homologou a lista de classificação final de um concurso aberto para a admissão de consultores no referido tribunal, no qual a autora ficara posicionada em décimo quinto lugar, sendo treze os lugares a preencher, e em que homologou as deliberações do júri que desatenderam pretensões da autora - e o de condenação a alterar a lista de classificação final do concurso após se atender a documentos que a autora indicou; e, a título subsidiário, o de anulação de todo o procedimento concursal desde o aviso de abertura, inclusive, e o de condenação a refazer-se o procedimento «ab initio», aliás de molde a que o júri delibere sobre os critérios de avaliação antes de se publicar um novo aviso.
A autora imputou aos ditos actos vários vícios de forma e de violação de lei, dirigindo também a acção contra os catorze candidatos posicionados à sua frente na lista de graduação final.
Só a entidade demandada contestou, negando a existência dos vícios arguidos - embora admitisse que o júri errara ao pontuar a autora num determinado parâmetro - e concluindo pela improcedência total da acção.
A autora alegou, oferecendo nessa peça as seguintes conclusões:
1 - A regra do art° 34°, n° 4, do DL 204/98, de 11.07, é norma especial aplicável somente à participação de interessados no caso e momento procedimental previstos no n° 1 desse artigo.
2 - A participação de interessados na oportunidade do art° 38° do acima referido diploma rege-se pelos artºs 101º a 105° do Código de Procedimento Administrativo, em especial o art° 101°, n° 3, para os quais remete, expressamente, o art° 48° do DL 204/98.
3 - Ao não considerar e ponderar, como devia, os documentos apresentados pela A. na oportunidade referida na conclusão anterior, o júri preteriu formalidade (participação de interessados) essencial à correcta formação de vontade administrativa, originando VÍCIO DE FORMA que inquina os actos impugnados na presente demanda.
4 - A duração do prazo de apresentação de candidaturas prevista no art° 32°, 1, d), do DL 204/98 deve ser fixada dentro de limites que são entre 10 e 15 dias úteis, sendo a duração mínima de 11 dias úteis.
5 - Tendo, em Aviso de abertura de concurso, sido fixado, para o caso previsto no preceito referido na conclusão anterior, um prazo de apenas 10 dias úteis, foi obliterada uma formalidade essencial - a duração mínima do prazo concedido para a organização e apresentação de candidaturas, o que origina VÍCIO DE FORMA do procedimento concursal, que inquina os actos impugnados.
6 - Os critérios de apreciação e ponderação, referidos no art° 27°, 1, g), do DL 204/98 devem ser estabelecidos em reunião ou reuniões do júri realizadas e com acta ou actas lavradas até à publicação do aviso de abertura, como impõe a menção de que os mesmos delas constam, feita por referência à data do aviso, no mencionado preceito.
7 - A realização das referidas reuniões em data posterior à do aviso, mormente já no decurso do prazo de apresentação de candidaturas, e a posterior demora no lavrar, depositar e disponibilizar da(s) respectiva(s) acta(s) aos interessados, viola o preceito referido na conclusão anterior e envolve obliteração de parte do referido prazo, o que origina VÍCIO DE FORMA do procedimento concursal que, no caso dos autos, também inquina os actos impugnados.
8 - Sem prejuízo da Autonomia Técnica do júri, são sindicáveis as decisões deste, ou os momentos vinculados das mesmas, quando se afastem da exactidão dos pressupostos de facto, de critério racional ou razoável ou se evidenciam erros notórios ou grosseiros.
9 - Também o princípio do inquisitório, que preside ao procedimento administrativo e as demais normas que o regem, bem assim como as regras dos art°s 14° e 22° do DL 204/98 conferem ao júri de concurso um especial dever de se inteirar da exactidão dos factos relevantes para o exercício das suas atribuições, mormente aqueles factos, referidos pelos candidatos, que possam relevar para a apreciação do seu mérito.
10 - Na apreciação e valoração da candidatura da A., nomeadamente no respeitante ao método de selecção "Avaliação Curricular", o júri praticou erros notórios, alguns grosseiros, de aplicação dos seus critérios, nomeadamente confundindo uma pós-graduação com uma acção de formação, não considerando o tempo de exercício de funções dirigentes e o de funções de consultadoria, não cotando prelecções e subavaliando a duração de acções de formação; tais erros resultam de deficiente compreensão ou erro na tradução de documentos, de desconhecimento ou não reconhecimento de denominações e abreviaturas internacionalmente consagradas e de uso comum e generalizado na área técnico-profissional do recrutamento concursal, e de aplicação com carácter de inilibilidade de presunções que só seriam lícitas se elidíveis, nisso se afastando de critérios racionais e razoáveis.
11 - Em resultado, o júri classificou a A., e graduou-a, em função da errónea representação do seu currículo e do seu mérito que tomou em consideração, e não do currículo e mérito que a A. efectivamente possuía e que comprovou no momento da apresentação da sua candidatura e - em parte também - no momento da sua participação em sede de audiência de interessados.
12 - E classificou e graduou outros candidatos com base em apreciações erróneas, nisso prejudicando a graduação da A.
13 - Devido aos erros apontados, o júri fundou as suas decisões relativas à classificação da A. e à deliberação de graduação dos candidatos, e lista de classificação final do concurso, cujos actos homologatórios aqui se impugnam, em pressupostos de facto inexactos, desconformes com a realidade, que ferem as suas deliberações de erro nos pressupostos, que inquina os actos impugnados e se reconduz ao vício de violação de lei.
14 - Mostram-se violados, os art.°s 9°, n° 3 e 275°, 1, do Código Civil, do art°. 514º, 1, do Código de Processo Civil, os art.°s 3°, 4°, 6°, 6°- A, 7º, 1, b), 8°, 56°, 87°, l, 88°, 2, 89°, 90°, 101°, 3 e 103°, 2, b), do Código de Procedimento Administrativo, e nos art.°s 5°, 2, b) e c), 14°, 4, 22°, 1 e 2, 27°, 1, g), 31°, 4, 32°, 1, d), 34°, 4 e 44°, 4, do DL 204/98.
Apenas a entidade demandada contra-alegou, concluindo do modo seguinte:
a) Não ocorreu vício de forma pelo facto de o Júri não ter considerado os documentos apresentados pela Autora no exercício do seu direito de participação, atenta a sua apresentação extemporânea.
b) O prazo para apresentação de candidaturas fixado no aviso de abertura do procedimento respeitou a vontade da lei, pelo que inexiste o vício de forma alegado.
c) A definição e divulgação dos critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular ocorreu antes do termo do prazo para apresentação de candidaturas e, consequentemente, antes de o Júri ter conhecimento da identidade dos candidatos e de ter abordado os respectivos currículos, pelo que também inexiste o vício de forma alegado.
d) Também não ocorreu deficiente apreciação dos documentos apresentados pela Autora com a sua candidatura, com excepção do erro resultante do facto de se ter considerado à Autora um módulo temporal inferior a 3 anos respeitante ao exercício de funções dirigentes, quando o tempo efectivamente detido pela Autora no exercício dessas funções é de 3 anos, 1 mês e 10 dias.
e) Não ocorreu deficiente apreciação de documentos apresentados pela candidata C.... Neste domínio, quer a lei, quer as regras do concurso, foram observadas pelo Júri. Inexiste, assim, o vício de violação da lei alegado pela Autora.
f) Decorreu da vontade da lei a consideração como extemporânea da apresentação de documentos pela Autora, aquando do exercício do seu direito de participação na qualidade de interessada. Neste domínio, os actos impugnados não enfermam, também, do vício que lhe vem assacado.
Consideramos assentes os seguintes factos, pertinentes à decisão:
1 - Na 2.ª Série do DR de 29/2/2008, foi publicado o aviso de abertura do «concurso interno de ingresso para provimento de 13 lugares vagos da carreira unicategorial de consultor do corpo especial de fiscalização e controlo do quadro de pessoal da Direcção-Geral do Tribunal de Contas» - aviso esse que se compunha de 25 números e cuja cópia se encontra a fls. 50 a 53 dos autos.
2 - Aos 3/3/2008, o júri do concurso reuniu pela primeira vez para «definir os factores e critérios a aplicar nos métodos de selecção definidos no Aviso de abertura», como consta da acta n.º 1 do júri - cujo original se encontra no processo instrutor apenso e cuja cópia (embora incompleta) está a fls. 54 e ss. dos autos.
3 - Em 3/3/2008, nenhum dos candidatos apresentara as suas candidaturas ou requerera cópia da acta da 1.ª reunião do júri.
4 - A aqui autora candidatou-se ao dito concurso e fez acompanhar a sua candidatura de vários documentos, entre os quais aqueles cujas cópias constam de fls. 63 a 78 dos autos.
5 - A contra-interessada C... juntou documentos ao seu requerimento de candidatura, incluindo aqueles cujas cópias constam de fls. 96 e s., 193, 198 e s. e 200 e ss. destes autos.
6 - Em 19/3/2008 - conforme o carimbo de entrada na Direcção-Geral do Tribunal de Contas - o contra-interessado D... dirigiu ao Presidente do júri o requerimento cuja cópia consta de fls. 99 dos autos, pedindo que se acrescentasse ao «curriculum vitae» que anteriormente oferecera «a página do Diário da República» cuja cópia está nos autos a fls. 100.
7 - Da acta n.º 3 da reunião do júri, ocorrida em 3/10/2008, consta o seguinte:
«2.2 O júri passou então à análise do requerimento apresentado em 19/3/08 pelo candidato D... tendo deliberado não ser de deferir o pedido porquanto a situação em causa se traduziria no aperfeiçoamento da sua candidatura após o terminus do prazo para apresentação da mesma, facto este violador do disposto no art. 34º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.»
8 - Terminado o processo de selecção, o júri elaborou o projecto de classificação final e de ordenação dos candidatos, tendo-os notificado para dizerem, por escrito, o que se lhes oferecesse.
9 - A autora, que nessa lista de classificação e graduação figurava em 15.º lugar, pronunciou-se sobre ela nos termos que constam do processo instrutor apenso, juntando à sua pronúncia centenas de documentos.
10 - Como consta da acta n.º 11 da reunião do júri, cuja cópia está junta aos autos a fls. 38 a 48, o júri desatendeu os «751» documentos que a autora oferecera ao exercer o seu direito de audiência e considerou improcedentes as razões que ela aventara no sentido de se aumentar a sua classificação final e de se diminuir a classificação de outros concorrentes, salvo no que toca à «alteração da avaliação global da candidata E...», embora essa «alteração» não afectasse «a posição relativa dos candidatos».
11 - Em 26/11/2010, o Presidente do Tribunal de Contas apôs, sobre o rosto dessa acta n.º 11, o despacho «homologo».
12 - Ainda em 26/11/2010, o presidente do júri assinou a «lista de classificação final» do concurso, conforme documento cuja cópia consta de fls. 37 dos autos.
13 - Na mesma data, o presidente do Tribunal de Contas exarou sobre esse documento o despacho «homologo».
14 - No método de selecção «avaliação curricular», a autora fora pontuada nos termos que constam da respectiva «ficha», cuja cópia está junta aos autos a fls. 189 a 192.
15 - Nesse método de selecção, a candidata C... fora pontuada de acordo com a «ficha de avaliação curricular» cuja cópia consta de fls. 101 a 104 dos autos.
Passemos ao direito.
Através da presente acção administrativa especial, a autora acomete dois actos coevos, um dos quais culminou o concurso de pessoal a que ela se candidatara e em que ficou seriada em 15.º lugar - fora, portanto, dos treze lugares a preencher; e acomete-os arguindo vícios que distribuiu pelos pedidos principal e subsidiário. Ora, esta articulação subsidiária de pedidos - que é, afinal, a dos vícios respectivos - traduz a intenção da autora de se subtrair aos efeitos nefastos que, «ex vi» do art. 95º, n.º 2, lhe poderiam advir da procedência de algum dos vícios localizados no início do procedimento. E essa vontade da autora deve ser observada, motivo por que começaremos por averiguar se, como ela afirma, o júri errou ao desatender certos documentos e ao analisar e sopesar outros - erros esses que se teriam comunicado aos actos impugnados, ferindo-os com um vício de forma, por ofensa do direito de participação, e com violações de lei.
Principiemos pela matéria dos arts. 31º e ss. da petição, onde se alude a uma «violação do direito de participação da autora, enquanto interessada». Aqui, dir-se-ia «prima facie» que a autora criticara duplamente a actuação do júri: por ele «só em aspectos de pormenor» lhe ter respondido e por haver desconsiderado todos os setecentos e cinquenta e um documentos (esta foi a contagem do júri) que ela oferecera com a sua pronúncia. Mas aquela primeira crítica é vaga, porquanto não esclarece que outros «aspectos» seriam ainda merecedores de resposta; e tal indistinção, somada ao facto da autora não ter assumido claramente a dita crítica como um efectivo e real vício do acto, obriga a concluir que, em bom rigor, nenhum vício aí se encontra arguido. Assinale-se, não obstante, que uma eventual arguição desse vício, tal e qual ele nos aparece, nunca frutificaria em virtude da Administração não ter de responder ponto por ponto a tudo o que lhe seja oposto por ocasião do exercício do direito de audiência (neste sentido, «vide» o aresto deste STA de 15/11/2006, proferido no recurso n.º 634/06).
Portanto, o único vício verdadeiramente arguido no mencionado «situs» da petição é o que concerne à desconsideração dos documentos que acompanharam o exercício do direito de audiência. O júri fundou a sua atitude de rejeição dos documentos no art. 34º, n.º 4, do DL n.º 204/98, de 11/7 - norma que recusa aos candidatos a possibilidade de juntar documentos «que pudessem ter sido apresentados dentro do prazo previsto para a entrega das candidaturas». E, na medida em que a proibição contida naquele preceito respeita a concorrentes que exerçam o direito de audiência a propósito da sua prevista exclusão do concurso, a autora sustenta que a norma não lhe era aplicável - já que a pronúncia que emitiu, e que os documentos rejeitados acompanharam, não se ligava a uma sua exclusão potencial.
Literalmente, a autora parece ter alguma razão. O referido art. 34º, n.º 4, rege para a «exclusão de candidatos» (cfr. a epígrafe do artigo) e ela, ao pronunciar-se, não o fez por esse motivo. Mas é possível ver no art. 34º, n.º 4, a expressão de uma regra geral ainda extensível a todos os casos de exercício do direito de audiência no âmbito dos concursos de pessoal; ou, pelo menos, impor-se-á aplicar aos demais casos desse exercício uma solução igual à do art. 34º, n.º 4, fazendo-o a partir doutras normas.
Com efeito, os documentos atendíveis no concurso deviam acompanhar o requerimento de candidatura ou admissão («vide» o art. 30º, n.º 1, do DL n.º 204/98 e o n.º 11 do aviso de abertura do concurso dos autos); e uma apresentação ulterior de documentos só seria possível e útil se eles se destinassem a comprovar factos anteriormente «referidos» pelos candidatos e se o júri, discricionariamente, lhes exigisse a apresentação de tais documentos (cfr. o art. 14º, n.º 4, do aludido diploma onde, ao dizer-se que o «júri pode (...) exigir», se lhe reconhece a liberdade de «exigir» ou não).
A autora disse (de modo singelo na petição inicial, repetidamente na alegação) que os documentos juntos aquando da audiência e desatendidos pelo júri respeitavam a factos que alegara «in initio», porque constantes do oferecido «curriculum vitae». Mas a pretensão dela - a de que tais documentos fossem necessariamente admitidos e valorados - deparava-se com dois obstáculos: «primo», o de o júri lhe não ter exigido a junção dos documentos, pelo que a autora, ao oferecê-los, tomou uma iniciativa que a lei aplicável verdadeiramente não previa; «secundo», e sobretudo, o de o júri sempre deter a faculdade, aliás dificilmente sindicável em termos práticos, de admitir ou não os documentos em causa.
Contra isto, a autora sai do plano do art. 14º, n.º 4, do DL n.º 204/98 e argumenta com a previsão geral dos interessados, aquando do exercício do seu direito de audiência, juntarem os documentos que creiam pertinentes (art. 101º, n.º 3, do CPA). É, contudo, óbvio que os documentos referidos neste preceito nunca poderiam ser os inicialmente exigíveis (neste sentido, e v.g., «vide» o acórdão deste STA de 6/3/1997, proferido no recurso n.º 37.100). O que bem se compreende, pois, em procedimentos como o dos autos, cada candidato concorre contra todos os demais e tem, por isso, um prazo certo para apresentar e instruir as suas candidaturas, findo o qual elas ficam estabilizadas. Esta necessidade de se estabilizar as candidaturas - que imediatamente flui do art. 30º, n.º 1, do DL n.º 204/98 - impossibilita que os concorrentes as enriqueçam na fase da audiência; sob pena desta, ao arrepio da sua natureza e dos seus fins, não abrigar uma pronúncia do interessado sobre o modo de resolver o concurso (com a fisionomia que ele fora adquirindo e apresente), e antes se converter num pretexto para o refundar «de profundis», levando à repetição de operações do concurso que se mostrassem acertadas perante os dados documentais contemporâneos delas. Aliás, e no limite, a tese da autora propiciaria sucessivos regresos a passos procedimentais anteriores, isto em função dos documentos novos que, em cada uma das fases da audiência, os interessados fossem juntando; ora, o facto deste resultado ser absurdo condena de imediato a ideia que o possibilita.
Nesta conformidade, o júri andou bem ao desconsiderar a multidão de documentos que a autora juntou aquando da sua audiência. E a dúvida sobre se o preceito então invocado pelo júri era, deveras, o ideal mostra-se absolutamente irrelevante em face da certeza de que o júri decidiu de forma correcta e inatacável à luz do bloco legislativo aplicável. Improcede, assim, o vício de forma que esteve em apreço.
Intimamente ligado a esse vício formal, a autora arguiu um vício de violação de lei - o erro nos pressupostos que adviria do júri, ao desconsiderar os documentos por si oferecidos na fase da audiência, ter avaliado o mérito dela em termos desconformes à realidade. Assim, e na própria perspectiva da autora, este vício dependia do que se decidisse sobre o vício de forma fundado na não atendibilidade daqueles documentos; de modo que, se este vício procedimental não existisse, também a mencionada violação de lei não existiria.
É patente que a autora incorreu num lapso de qualificação jurídica ao sucessivamente entrever, numa mesma conduta do júri, um vício de forma e de fundo. Mas é inútil insistir neste ponto, já que a certeza, «supra» obtida, de que não existe o vício de forma logo acarreta a inexistência da violação de lei que dele absolutamente dependia. Pelo que também soçobra a arguição deste erro nos pressupostos.
Relativamente a alguns dos documentos juntos com a sua candidatura, a autora defende que o júri os ponderou mal, assim praticando várias violações de lei. Consideremos agora estas denúncias, que traduzem o núcleo essencial dos ataques que ela dirige aos actos impugnados.
Na sua primeira reunião, e de acordo com o n.º 19 do aviso de abertura do concurso, o júri definiu e ponderou os factores e os subsequentes parâmetros que relevariam na «avaliação curricular», indicada como um dos três «métodos de selecção» previstos. E os factores eleitos foram a habilitação académica (HA), a experiência profissional genérica (EPG), a experiência profissional específica (EPE) e a formação profissional (FP).
No que concerne a este último factor, o júri, para além de adiantar que não ponderaria a frequência de acções de formação que não trouxessem «qualquer mais-valia para o exercício do cargo» a prover, esclareceu que, «na ausência de explicitação do número de horas de cada acção», se consideraria «um dia de formação como correspondendo a 3h30 e, na falta de indicação específica da duração das acções», se presumiria «a duração de um dia», qualquer que fosse a sua extensão.
Note-se, aliás, que esse critério do júri relativo aos dias e às horas tinha arrimo directo no n.º 11, al. f), do aviso de abertura do concurso, onde se dispunha que os requerimentos de candidatura deviam ser logo «acompanhados» dos «documentos comprovativos das acções de formação profissional complementar e da respectiva duração (em horas)». E refira-se ainda que esta necessidade dos documentos comprovativos do mérito dos candidatos acompanharem os seus requerimentos iniciais tornava inúteis todos os extemporaneamente oferecidos para o mesmo fim.
Segundo a autora, seis documentos que tempestivamente apresentou, comprovativos da frequência de acções de formação, foram erroneamente valorados pelo júri, que teria contado mal, nuns casos, os dias por que tais acções perduraram e, em todos os casos, o número das respectivas horas de formação. E isso seria particularmente visível em relação a três desses documentos, cuja referência explícita ao número de CPE's completadas evidenciava que, ao invés do decidido pelo júri, o número das horas de formação lhes era equivalente.
Mas a autora não tem razão, como seguidamente veremos.
Quanto ao número de dias, o júri adoptou o critério de apenas considerar os dias de formação que os diplomas comprovativos da frequência das acções explicitamente indicassem como abrangidos por elas. Esse critério era conforme àquilo a que o júri se autovinculara na sua 1.ª reunião - onde previra, conforme atrás dissemos, a «falta de indicação específica da duração das acções» e o modo mínimo como essa «falta» seria encarada. Ora, e relativamente às acções de formação comprovadas pelos documentos cuja cópia consta de fls. 73, 74 e 76 (indicados pela autora sob os ns.º 14, 15 e 17), nada absolutamente garantia que elas se tivessem desenrolado durante todos ou alguns dos dias localizados no intervalo entre os do seu início e do seu termo. Quando muito, e relativamente à acção documentada a fls. 74, admite-se que o facto de aí se dizer que ela ocorrera de «May 17 to 29 1992» sugeria que também se realizara algures no intermédio entre 17 e 29 de Maio de 1992. Mas, mesmo aqui, permanecia-se perante uma «falta de indicação específica da duração» da acção - e «específica» tinha aí o sentido de «explícita» ou «concreta» - facto que obrigava o júri a desconsiderar o intervalo entre as mencionadas datas e a concluir, como fez, que a acção só seguramente abarcara os dois dias explicitados. E, se o júri não errou quanto ao número de dias dessas três acções de formação, também nenhum erro se lobriga no número de horas - implicado no número de dias - que correspondentemente lhes atribuiu.
Vejamos agora as três acções de formação cuja carga horária teria sido, na óptica da autora, deficientemente captada pelo júri - e a que se referem os documentos cujas cópias constam de fls. 75, 77 e 78 (indicados pela autora sob os ns.º 16, 18 e 19). O primeiro desses documentos referia que tinham sido completadas «15 CPE's»; e os outros dois diziam que as acções eram elegíveis até 21 ou 15 «CPE credits» - embora esta elegibilidade dependesse do grau de frequência e do oferecimento de documentação necessária. Aqui, a autora assevera que esses CPE's significam horas de formação, motivo por que o júri teria errado ao vislumbrar, em cada uma das acções, somente sete horas de actividade formativa.
Porém, a autora esquece que o n.º 11, al. f), do aviso de abertura do concurso impunha que a «duração» das «acções de formação profissional complementar» fosse expressa «em horas». Se a referência à «duração» precisa dessas acções devia fazer-se «em horas», é porque não poderia efectuar-se através de outras unidades de medida, mesmo que estas lhes fossem convertíveis. Deste modo, a alusão às CPE's, feita naqueles três documentos, não comunicava a duração exacta das acções, à luz das regras do concurso; pelo que o júri agiu com acerto ao socorrer-se do critério subsidiário que criara para os casos em que se ignorasse o número exacto das horas de cada acção - e ao atribuir, assim, sete horas de formação a cada uma das referidas três acções.
No que respeita ao factor «habilitação académica», o júri deliberou graduá-lo de acordo com a nota de classificação da licenciatura, que poderia ser majorada «de um valor por uma ou mais pós-graduações» em áreas tidas por relevantes. Ora, e relativamente ao diploma cuja cópia consta de fls. 63 dos autos (documento junto à petição, com o n.º 7), a autora crê que ele comprova uma sua «pós-graduação de duração de seis semanas lectivas, com apresentação de dissertação escrita e culminando num exame oral, no termo das seis semanas»; pelo que o júri deveria ter elevado a sua «habilitação académica» dos 14 valores da sua licenciatura para 15 valores - em vez de, como fez, se limitar a valorar tal diploma como comprovativo de sete horas de formação profissional.
Mas a autora equivoca-se, já que o documento não contém nem comunica os factos que ela diz caracterizarem o curso e que permitiriam qualificá-lo como uma pós-graduação. Sendo assim, o júri andou bem ao reportar o documento de fls. 63 ao factor «formação profissional»; e também não errou na consideração dos dias e horas atendíveis - como resulta do que, acerca de documentos análogos, «supra» já explicámos.
A propósito do factor «experiência profissional genérica», o júri, na sua 1.ª reunião, deliberou criar o parâmetro «exercício de funções dirigentes na Administração Pública e/ou de gestão no sector empresarial» (ponderando-se «o desempenho efectivo de funções técnicas superiores ou de chefia em áreas de consultadoria jurídica, económica, financeira, de auditoria ou de gestão») e pontuá-lo abstractamente com um valor se esse exercício fosse até três anos e com dois valores se fosse por mais de três. Ora, a autora diz que o júri errou na análise de três documentos que ofereceu - cujas cópias constam de fls. 64, 65 e ss. e 72 dos autos (juntos sob os ns.º 8, 9 e 13) - na medida em que deles resultaria que exercera funções dirigentes do tipo atendível no concurso por mais de três anos, merecendo receber, nesse parâmetro, dois valores em vez do único que lhe foi atribuído.
Neste ponto, a autora tem razão - e a própria entidade demandada lha reconhece ao admitir que o documento de fls. 64 comprova que ela «exerceu durante mais de 3 anos funções dirigentes» («vide» o art. 35º da contestação) e ao conceder (no fim dessa peça processual e na 4.ª conclusão da sua contra-alegação) que a pontuação de um valor, recebida pela autora nesse parâmetro, devia ser de dois.
Realmente, tal lapso do júri é claro, pois o documento de fls. 64 refere o exercício de funções dirigentes, pela autora, entre 1/6/2003 e 11/7/2006, ou seja, durante mais de três anos. E a certeza de que a autora devia ser pontuada com dois valores no parâmetro em causa torna inútil apreciar se - como ela defende, e ao invés do que o júri considerou - os documentos de fls. 65 e ss. e 72 também comprovavam um exercício de funções dirigentes que relevasse no concurso; pois, comprovassem-no ou não, ela já não obteria, no aludido parâmetro, pontuação superior aos dois valores que o documento de fls. 64 entretanto lhe faculta.
Mas este lapso do júri não implica necessariamente a anulação dos actos. Na verdade, refazendo-se as contas a partir dos dois valores que ao parâmetro são devidos, constata-se que a pontuação final da autora, embora aumentada, é ainda inferior à do candidato imediatamente graduado à sua frente - pois fica-se em 13,453. Ora, o que releva para efeitos da validade do resultado do concurso não é tanto a pontuação que a autora atinja, mas antes o posicionamento que obtenha na lista de graduação final; de modo que o acto continuará aproveitável enquanto tal posicionamento não for subvertido. Isto significa que a ilegalidade que entrevimos é, por si só, inócua; podendo, todavia, relevar se outra houver que, somada àquela, implique uma diferente graduação da autora. Torna-se, assim, ainda mais premente prosseguir na análise dos demais vícios arguidos.
No que respeita ao factor «experiência profissional específica», o júri, na 1.ª reunião, propôs-se ponderar «a experiência profissional adquirida quando a natureza das tarefas e as áreas funcionais» coincidissem ou se aproximassem «da natureza das tarefas e áreas funcionais relativas ao conteúdo funcional dos lugares a prover» ou fossem «especialmente relevantes para o seu bom exercício»; e, para o efeito, estabeleceu uma fórmula que incluía o parâmetro «exercício de funções de consultadoria», que seria pontuável com 6, 13 ou 16 valores consoante tal exercício fosse inexistente, inferior a nove anos ou igual ou superior a nove anos. Ora, o júri considerou que a autora não comprovara o exercício de funções de consultadoria, razão por que lhe atribuiu seis valores nesse parâmetro. Mas a autora discorda, com base no conteúdo dos documentos cuja cópia consta de fls. 64, 65 e ss. e 72 dos autos (os oferecidos sob os ns.º 8, 9 e 13).
Na óptica da autora, o documento de fls. 64, ao informar que ela exerceu funções na «F...» como «Special Adviser», provaria o seu desempenho de funções de consultadoria. Já para a entidade demandada não é assim, porque o documento apenas indica que a autora exerceu as funções de «assessor especial» num «departamento de gestão de recursos» («Resource Management Department») daquela organização.
E cremos que o júri julgou com acerto este ponto; sobretudo se repararmos que só eram atendíveis no concurso os documentos «comprovativos» dos elementos tidos por relevantes, e não também os que suscitassem dúvidas (cfr. o n.º 11, al. g), do aviso de abertura). É que a equivocidade do nome «Special Adviser» não garantia absolutamente que o cargo exercido pela autora correspondesse a funções de consultadoria. Ademais, a aparente inclusão do cargo na estrutura de um departamento de gestão de recursos apontava para que as funções exercidas não fossem as de consultor. Perante tudo isto, o juízo de facto que o júri enunciou a propósito do documento cuja cópia se encontra a fls. 64, recusando ver nele a demonstração de que a autora exercera funções de consultadoria, concorda objectivamente com o teor do documento, não merecendo censura.
E algo de semelhante tem de dizer-se quanto aos documentos de fls. 65 a 71. A seu propósito, a autora afirma que eles simultaneamente demonstram «o exercício de um cargo dirigente por mais de três anos» e «o exercício de funções de consultadoria por mais de três anos». Mas, e quanto a este último aspecto, a alegação da autora logo claudica por imputar, à mesma actividade, o exercício de funções de direcção e de consultadoria - na medida em que o exercício de umas é normalmente incompatível com o das outras e essa incompatibilidade se depreende da acta nº 1 da reunião do júri, onde tais funções foram divididas pela experiência profissional específica e genérica. Ora, afigura-se-nos que o júri decidiu bem ao considerar que os aludidos documentos não provavam que a autora exercera na «G...» funções de consultadoria; pois eles mostram que o processo de recrutamento da autora pela «G...» visou e produziu a sua admissão como «responsável» pela «Área de Responsabilidade de Auditoria» da empresa. Objectar-se-á, porventura, que o documento de fls. 71, que discrimina a «retribuição» da autora no mês de Abril de 1996, refere que ela então detinha, na «G...», a «categoria profissional» de «consultor» - dado este que permitiria recuperar o «exercício de funções de consultadoria». Contudo, porque totalmente se ignora o conteúdo funcional dessa «categoria», justifica-se a dúvida sobre se ela deveras corresponde a actos de consultadoria - pois nem sempre o aparato das designações profissionais corresponde fielmente às actividades designadas. Dúvida avolumada pelo pormenor de se não saber como é que a autora acedeu a tal «categoria», já que o processo de recrutamento dela, aludido nos documentos anteriores, apontava para o exercício de funções dirigentes, como dissemos «supra».
Ora, perante tudo isto, o júri não estava em condições de emitir um juízo de certeza quanto ao facto da autora ter exercido na «G...» funções de consultadoria; e, face a essa dúvida, advinda de uma insuficiência demonstrativa imputável à autora (pois os documentos deviam ser «comprovativos» dos elementos que os candidatos considerassem relevantes para a demonstração do seu mérito - n.º 11, al. g), do aviso), o júri tinha de pontuar o parâmetro em questão com seis valores, tal e qual fez.
A autora também sustenta que o documento cuja cópia consta de fls. 72 comprovava o seu exercício de funções de consultadoria - por ter trabalhado numa agência especializada das Nações Unidas (a «H...») como «Internal Auditor». Ora, e também aqui, a pretensão da autora logo vacila pela circunstância dela qualificar as mesmas funções como «dirigentes». Todavia, a entidade demandada não negou explicitamente (no art. 37º da contestação) que o trabalho como «Internal Auditor» traduzisse, realmente, o exercício de funções de consultadoria; mas aduziu que tais funções nunca pontuariam no parâmetro em causa já que, referindo-se à área funcional das «telecomunicações», estavam demasiado longe «das tarefas e áreas funcionais relativas ao conteúdo funcional dos lugares a prover» e não eram «especialmente relevantes para o seu bom exercício» - como se exigia no ponto 2.1.3 da acta da 1.ª reunião do júri.
Em boa verdade, não sabemos se a desvalorização - para efeitos de prova do exercício de funções de consultadoria - do documento cuja cópia está a fls. 72 adveio do júri entender que ele não provava esse exercício ou de considerar que as funções de consultadoria, embora demonstradas, eram alheias ao conteúdo funcional do cargo a prover. Mas, fosse por um motivo ou pelo outro, a posição do júri não merece censura.
Com efeito, não se pode asseverar que a expressão «Internal Auditor» absolutamente garanta que a autora exerceu funções de consultadoria na «H...», motivo por que o documento cuja cópia consta de fls. 72 não é «comprovativo» delas e a pontuação do parâmetro está correcta. Mas, se acaso o júri aí entreviu um exercício de funções de consultadoria, tomando-as como irrelevantes no concurso devido à regra inserta no n.º 2.1.3 da acta da sua 1.ª reunião, nada lhe poderíamos também objectar, já que o confronto entre a experiência profissional específica e as tarefas dos lugares a prover é matéria que este STA não pode, em princípio, sindicar - salvo havendo, na decisão do júri, um erro clamoroso que aqui se não detecta.
Em suma: os documentos oferecidos pela autora e que ela considera mal analisados e ponderados não eram claramente «comprovativos» - como se exigia no n.º 11, al. g), do aviso de abertura do concurso - de que ela exercera a actividade de consultadoria; ou, pelo menos, o documento de fls. 72 não demonstrava a relevância, para os lugares a prover, das funções nele referidas. Pelo que não merece censura o juízo do júri que decidiu pontuar com seis valores o parâmetro a que nos vimos referindo.
Diga-se ainda que também não colhe a ideia da autora, inovadoramente introduzida na sua alegação, de que o júri devia ter usado poderes inquisitórios que suprissem a insuficiência probatória dos documentos por ela oferecidos - ou que recusassem aptidão demonstrativa a documentos provindos doutros candidatos. Não só porque se trata de vício cuja arguição tinha de ser feita «in initio litis» e não o foi, mas também porque uma tal actuação do júri ofenderia uma fundamental regra do concurso - a de que a prova documental era da responsabilidade de cada candidato e tinha de ser realizada num certo tempo - e atentaria contra o basilar princípio da estabilidade das candidaturas
Improcedem, portanto, todos os vícios de violação de lei que a autora arguiu a partir dos documentos que juntou à sua petição sob os ns.º 7, 8 e 13 a 19; e o lapso do júri referente à pontuação atribuída ao parâmetro «exercício de funções dirigentes» (documentos juntos por ela sob os ns.º 9 a 12) terá, ou não, efeitos invalidantes consoante o que a seguir decidirmos.
Vejamos agora uma outra perspectiva do ataque da autora à actuação do júri, na qual ela assevera que o júri actuou de modo censurável ao apreciar duas outras candidaturas - as dos concorrentes C... e D..., que terminaram posicionados, respectivamente, nos 5.º e 14.º lugares.
Quanto a este último, a autora denuncia que o júri admitiu um «documento» (a «nota biográfica» cuja cópia está junta aos autos a fls. 100) extemporaneamente oferecido através do requerimento mencionado a fls. 99 - admissão que seria demonstrativa de que o júri tratou a autora com maior «severidade e rigor», isto é, segundo critérios desiguais. Mas, como se vê da acta n.º 3 da reunião do júri, tal requerimento foi indeferido, tendo-se o júri recusado a admitir a junção ao procedimento daquela «nota biográfica». E este facto destrói «a radice» a denúncia da autora.
É certo que o júri acabou por considerar, relativamente ao dito candidato, os elementos que a «nota biográfica» demonstraria. Mas isso deveu-se à circunstância do júri entender que esses elementos já integravam o acervo documental que o mesmo concorrente juntara à sua candidatura. Ora, este derradeiro juízo do júri não vem questionado pela autora, já que o vício por ela arguido se cinge ao pretenso deferimento do requerimento que nos aparece a fls. 99; e a certeza de que esse requerimento foi, afinal, indeferido conduz, «recte», à improcedência do vício.
Quanto à concorrente C..., a autora censura a sua classificação em três domínios.
O primeiro deles respeita aos onze valores que lhe foram atribuídos pelo «exercício de funções técnicas superiores» - em virtude do júri haver entendido que ela desempenhara tais funções por um período entre nove e doze anos. Na óptica da autora, o documento cuja cópia consta de fls. 96 dos autos mostra que essa candidata não preenchia, sequer, os nove anos de serviço em funções públicas exigidos pelo n.º 8.2 do aviso de abertura do concurso - pelo que devia ter sido excluída; ou, pelo menos, tal documento mostra que essa concorrente merecia obter zero valores no aludido parâmetro.
Contudo, é óbvio que a candidata C... foi bem admitida no concurso, desde logo porque ela comprovou («vide» o documento cuja cópia se encontra a fls. 193 dos autos) ter mais de seis anos de serviço na carreira docente universitária - em conformidade com o que se previa no n.º 8.2, «in fine», do aviso de abertura do concurso. Para além de que ela demonstrara possuir mais de nove anos de serviço em funções públicas - como veremos de seguida.
Com efeito, e no que respeita ao exercício, por aquela candidata, de «funções técnicas superiores» por mais de nove anos, o documento cuja cópia está a fls. 198 evidenciava que ela, para além dos 8 anos, 9 meses e 4 dias em que exercera funções provida em categorias tidas como de técnico superior, exerceu ainda na Direcção-Geral do Tribunal de Contas, mediante contrato a termo certo, funções equiparadas às de técnico superior de 2.ª classe durante 1 ano, 10 meses e 18 dias. Ora, e como afirma a entidade demandada, o desempenho destas últimas funções tinha de merecer atenção no âmbito da «experiência profissional genérica», pois nenhuma regra do concurso recusava relevância à experiência que adviesse de um contrato a termo certo. Sendo assim, a candidata C... demonstrou que exercera funções técnicas superiores por mais de nove anos, razão por que o júri andou bem ao atribuir-lhe 11 valores no parâmetro correspondente.
O segundo domínio em que a autora discorda da classificação atribuída à candidata C... tem a ver com os 16 valores que ela recebeu pelo exercício, durante mais de nove anos, de funções de consultadoria; pois ela teria menos de nove anos de serviço em funções públicas e o tempo em que trabalhou com contrato a termo certo corresponderia a um estágio e não integraria funções de consultadoria - motivos que, segundo a autora, obrigavam a excluir a dita candidata ou, pelo menos, a atribuir-lhe, no parâmetro em causa, um máximo de 13 valores (pelo exercício de funções de consultadoria por menos de nove anos).
Já atrás recusámos a ideia de que a candidata C... devesse ser excluída; mas também soçobram as demais críticas da autora, resumidas no anterior parágrafo. É que o documento cuja cópia consta de fls. 200 e ss. deste processo - uma «declaração de conteúdo funcional», emanada do Tribunal de Contas e oferecido com a candidatura dessa concorrente - permite imputar à mesma candidata o exercício de funções de consultadoria durante os mais de nove anos em que ela serviu no Tribunal de Contas. De modo que o juízo de facto que, desse documento, o júri extraiu não se mostra erróneo ou abstruso, merecendo antes persistir. E esta conclusão não cede devido à circunstância da referida candidata, num tempo inicial do período considerado no documento, estar em estágio. Não só pelo que se dispunha no art. 1º, n.º 1, do DL n.º 159/95, de 6 de Julho - que «o tempo de serviço legalmente considerado como estágio para ingresso na denominada carreira Técnica Superior» contava «para efeitos de progressão e de promoção na categoria de ingresso da respectiva carreira, desde que o funcionário ou agente nela» obtivesse «nomeação definitiva» (o que terá sucedido com a candidata C..., como se deduz do documento junto a fls. 198 dos autos) - mas também, e sobretudo, porque não há uma forçosa incompatibilidade entre estar-se em estágio e nele se exercerem tarefas de consultor; ao invés, caso esta actividade seja inerente às funções em que se estagie, será provável, senão mesmo certo, que o estagiário então desempenhasse funções no âmbito da consultadoria. Ponderando tudo isto, conclui-se não estar demonstrado que o júri tenha incorrido em erro ao valorar como «exercício de funções de consultadoria» todo o tempo, afinal superior a nove anos, em que a candidata C... servira no Tribunal de Contas. Pelo que improcede o vício que consistiria na atribuição, a essa candidata, de 16 valores no parâmetro respectivo.
O terceiro e último domínio em que a autora censura a notação da candidata C... prende-se com o facto do júri ter valorado duas vezes o mestrado dela - majorando a sua habilitação académica e fazendo pontuar a tese respectiva, que a concorrente publicara, no parâmetro «potencial científico-técnico» (que se integrava no factor «experiência profissional genérica»). A entidade demandada acha que o júri andou bem nesse ponto; e cremos que tem razão.
Com efeito, o júri autovinculara-se a aumentar em dois valores, a partir da classificação da licenciatura, a «habilitação académica» dos candidatos que dispusessem do grau de Mestre. E isso sucederia independentemente da dissertação por eles apresentada para adquirirem esse grau denotar, ou não, algum «potencial científico-técnico» reconduzível a uma «experiência profissional genérica» relevante no concurso. Sendo assim, a circunstância da tese de mestrado revelar aquele «potencial» era algo que acrescia, «ab extra», ao grau académico obtido; e o júri, ao valorar esse acréscimo, não actuou da forma redundante que a autora censura, antes se limitando a reter um aspecto que o grau académico, «a se», não comunicava. Improcede, pois, o vício a propósito denunciado pela autora; o qual, aliás, sempre seria irrelevante, na medida em que a influência dele na pontuação devida à candidata C... nunca seria de molde a classificá-la abaixo da posição que a autora obteve no concurso.
Está agora adquirido que não se verifica nenhum dos vícios em que a autora alicerçou os «petita» - anulatório e reconstitutivo - enunciados a título principal. E importa doravante analisar os vícios no procedimento que fundam e explicam os pedidos subsidiários.
Segundo a autora, o concurso dos autos está viciado «ab origine» porque o art. 32º, n.º 1, al. b), do DL n.º 204/98, de 11/7, dispunha que «o prazo para apresentação de candidaturas» seria fixado, no aviso de abertura, «entre 10 e 15 dias úteis», o que afastaria a possibilidade de o fixar nos «10 dias úteis» que o aviso estabeleceu. Em prol desta sua tese, a autora assinala que aquilo que está «entre» dois limites nunca se confunde com estes; mas olvida que isso só é necessariamente assim se os limites introduzirem uma descontinuidade relativamente àquilo que delimitem. Ora, nada logicamente veda que um prazo a fixar «entre 10 e 15 dias» se fixe em 10 ou em 15. E a prova disso é que a lei, por vezes, faz acompanhar fórmulas desse género do termo «inclusive» («vide», v.g., o art. 10º, n.º 6, do DL n.º 200/2007, de 27/5); pois, se esse acrescento legal da palavra «inclusive» não envolve uma qualquer «contradictio in adjecto» - e, se disséssemos que envolve, desrespeitaríamos o disposto no art. 9º, n.º 3, do Código Civil - temos de reconhecer que os prazos do género podem incluir os seus limites mínimo e máximo.
O que anteriormente afirmámos mostra a possibilidade lógica e semântica de se fixar em 10 dias o prazo em questão. Mas, «in casu», essa possibilidade de origem cristalizara-se em algo juridicamente necessário. O corpo do dito art. 32º dispunha, no seu n.º 1, que o prazo para apresentação de candidaturas se fixaria «dentro dos seguintes limites» - seguindo-se três alíneas, a última das quais previa a fixação do prazo «entre 5 e 7 dias úteis, para os concursos limitados». Ora, se a interpretação da autora vingasse, teríamos que a al. c) era absurda - por conceder poderes para se fixar um prazo que, à partida, só poderia ser de 6 dias. Assim, e porque devemos entender que o legislador soube exprimir-se em termos adequados (art. 9º, n.º 3, do Código Civil), concluímos que o prazo da al. c) podia ser de 5, 6 ou 7 dias; e, se o prazo dessa alínea abrangia os seus limites, o mesmo se passava nas outras - sendo legal, à luz do art. 32º, n.º 1, al. b), do DL n.º 204/98, fixar o prazo para apresentação de candidaturas nos «10 dias» que o aviso de abertura do concurso previu. É, pois, flagrante a improcedência deste vício.
O último vício a conhecer denuncia que o júri só tardiamente definiu e divulgou «os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular», pois fê-lo na sua 1.ª reunião, ocorrida em 3/3/2008 (segunda-feira), quando o aviso da abertura do concurso fora publicado em 29/2/2008 (a sexta-feira anterior) - sendo a partir desta data que se contava o prazo para a apresentação das candidaturas. E, na perspectiva da autora, este comportamento do júri teria violado o regime instituído pelo DL n.º 204/98, de 11/7, «maxime» o seu art. 27º, n.º 1, al. g) - onde se dispunha que o aviso de abertura devia conter a «indicação de que os critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular e da entrevista profissional de selecção, bem como o sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, constam de actas de reuniões do júri do concurso, sendo a mesma facultada aos candidatos sempre que solicitada».
«Ante omnia», convém assinalar que a referida «indicação» estava contida no aviso de abertura do concurso, como se dizia no seu n.º 19. Portanto, o problema ora em causa cinge-se ao pormenor da 1.ª reunião do júri, em que este definiu e ponderou os critérios de apreciação das candidaturas, se ter realizado no primeiro dia para a apresentação destas - pois o «prazo de 10 dias úteis» começava no primeiro dia útil seguinte ao da publicação do aviso («ex vi» do art. 279º, al. b), do Código Civil).
Era, decerto, desejável que o júri tivesse efectuado essa sua primeira reunião - na qual identificou e ponderou os factores e parâmetros - antes do início do prazo para apresentação das candidaturas. E isto por dois motivos: para que nenhumas dúvidas pudesse haver de que o júri realizara essa tarefa na ignorância da identidade dos candidatos e do teor das candidaturas - de modo a absolutamente se assegurar as suas isenção e imparcialidade; e para que os candidatos nenhum atraso pudessem sofrer no seu conhecimento dos factores e parâmetros atendíveis - de modo a não se embaraçar a elaboração dos requerimentos de candidatura. Portanto, uma preliminar actuação do júri afastaria quaisquer dúvidas sobre se ela fora parcial ou embaraçante. Mas deve dizer-se que estes predicados só seriam atribuíveis a tal conduta do júri posterior à publicação do aviso se fosse certo que ela criara um risco de parcialidade ou um embaraço real aos concorrentes.
Ora, o facto da sobredita 1.ª reunião do júri ter sucedido no primeiro dia do prazo para apresentação das candidaturas não inquina o concurso dos autos. Então, o júri desconhecia a identidade dos candidatos e, «a fortiori», o teor das respectivas candidaturas - só apresentadas depois - não se podendo dizer que o momento em que o júri assim deliberou criara um perigo efectivo de ele se comportar de maneira parcial. E, por outro lado, a autora não chegou a dizer que, devido ao momento dessa 1.ª reunião, vira premido o seu prazo para se candidatar, razão por que não o fizera nas melhores condições. Inexiste, portanto, motivo para censurar o júri relativamente à data em que efectuou aquela sua 1.ª reunião, já que ela satisfaz os critérios que estabelecemos no anterior parágrafo.
Aliás, a jurisprudência deste STA tem considerado irrelevante, no que toca à eficácia e à imparcialidade do júri, que este estabeleça os critérios de ponderação e apreciação após o início do prazo para se apresentarem as candidaturas, desde que o faça antes do seu termo e ainda na ignorância da identidade dos candidatos (cfr., v.g., o acórdão de 18/3/2010, proferido no recurso n.º 781/09). E, respeitando aqui essa orientação, conclui-se pela improcedência do vício ultimamente em apreço.
Deste modo, todos os ataques que a autora dirige aos actos impugnados soçobram, à excepção de um; mas este, na medida em que é impotente para alterar o posicionamento dela na lista de classificação final, não pode ter efeitos viciantes, como já explicámos - impondo-se aproveitar tais actos, que permanecerão indemnes na ordem jurídica.
Nestes termos, acordam em julgar totalmente improcedente esta acção administrativa especial e em absolver a entidade demandada do pedido.
Custas pela autora.
Lisboa, 6 de Outubro de 2011. - Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - José Manuel da Silva Santos Botelho.