Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Outubro de 2011 (proc. 1108/09)

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Sumário:

I - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se sendo dessas, salvo as que forem de conhecimento oficioso (art. 660°/2 do CPC).

II - Portanto, se o recorrente, nas conclusões da alegação, restringiu o objecto do recurso (art. 684°/3 CPC) ao problema da aplicação, ao concurso público em causa, do disposto art. 47°, nº 2 da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, no enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, o acórdão que apreciou unicamente essa questão.

 

Texto Integral:

 Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

 1. "A...", já devidamente identificada nos autos, vem arguir a nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão de fls. 865-88, dizendo:
1.°- A questão objecto da presente Revista é a de saber se um concorrente a um Concurso Público para a Prestação de serviços pode recorrer à capacidade de outras entidades para preencher o requisito de capacidade financeira exigido pelo Programa do Concurso.
2.°- Sendo que da resposta positiva a esta questão decorre necessariamente a obrigação da entidade adjudicante considerar a capacidade financeira dessa entidade terceira e, da resposta negativa, a conclusão inversa.
3.°- E assim foi, concretamente identificada na conclusão 9° do requerimento de recurso apresentado em 30 de Setembro de 2009 e colocada pela Recorrente, ora Reclamante:
«A questão de saber se um concorrente pode, em procedimento destinado à formação de um qualquer tipo de contrato de prestação de serviços, recorrer à capacidade financeira de um terceiro é uma questão de interpretação de uma directiva comunitária que poderá ressurgir em futuros procedimentos de formação de contratos e que reclama por isso a apreciação do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do direito. »
4° Este Colendo Tribunal, no douto Acórdão que admitiu a presente Revista, decidiu:
« (...) Efectivamente, a questão que a Recorrente suscita no presente recurso - e que passa, designadamente, por apurar se o art. ° 47º, n.° 2 da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março de 2004 é ou não é aplicável aos contratos de serviços incluídos no Anexo II-B da referida Directiva, como era o caso do concurso dos autos - é uma questão de relevância social fundamental, por, designadamente, ser susceptível de colocar-se repetidamente, numa matéria importante, como é o caso dos concursos públicos internacionais para a prestação de serviços. »
(Cf. página 3 do douto Acórdão que admitiu a Revista).
5.º- Decidiu, pois, na esteira do alegado pela Recorrente, que a questão da aplicabilidade do art. 47º nº 2 da citada Directiva aos contratos do seu Anexo II B era uma das questões relevantes para a decisão a proferir.
6.°- Mas não se circunscreve a tal questão:
«(...) passa designadamente, por apurar se o artº 47. nº 2 da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de Março de 2004 é ou não é aplicável aos contratos de serviços incluídos no Anexo II-B da referida Directiva (...)». (sublinhado nosso)
7.°- A resposta à questão objecto da presente revista impõe, designadamente que este Tribunal proceda a uma interpretação do Decreto-Lei 197/99 em conjugação com os princípios da Concorrência e demais princípios que regem as normas procedimentais relativas à contratação pública, no sentido de determinar se é, ou não admissível o recurso a meios externos para demonstrar a verificação dos requisitos de capacidade financeira de um determinado concorrente.
8.°- E tal questão foi concretamente suscitada nas conclusões e, de acordo com o Acórdão que admitiu a Revista reveste assinalável complexidade jurídica e justifica a intervenção do STA.
9.°- E concretamente identificada pelo TJUE que refere:
«(...)46. (...)a Directiva 2004/18 não obriga os Estados Membros a aplicar o seu artigo 47°, nº 2, também aos contratos relativos a serviços constantes do anexo IIB desta última.
Contudo, a mesma directiva não impede os Estados-Membros e, eventualmente as entidades adjudicantes de preverem (...) a sua aplicação»
10.°- Ao circunscrever a sua decisão à questão respondida pelo TJUE que, repete-se, constituía apenas uma das vertentes da questão suscitada, este Supremo Tribunal incorreu em omissão de pronúncia.
11.º- Designadamente ao deixar de decidir se, face à omissão do DL 197/99 nesta matéria, era ou não admissível o recurso a meios externos para demonstração da capacidade financeira de um concorrente.
12.°- Omissão que, respeitosamente, se solicita a V. Ex.ªs se dignem sanar.
2. Notificadas do requerimento, as demais partes nada vieram dizer.

Cumpre decidir.
3. O acórdão do TCA (fls. 697-703) que foi objecto do presente recurso de revista contém várias decisões: (i) procedência do recurso do despacho que fixou o valor à causa; (ii) improcedência do alegado erro de julgamento por suposta violação do art. 16º, n° 3, al. i) do Programa do Concurso e do princípio da concorrência; (iii) improcedência do invocado erro de julgamento, por violação do art. 47°, n° 2 da Directiva 2004/18/CE, da decisão que considerou que, no caso concreto, a recorrente não podia socorrer-se da capacidade financeira, de um terceiro, na circunstância da empresa "B...".
Esta última teve por base duas pronúncias distintas: primeira, "que ainda que se entenda que o art. 47°, n° 2, preenche os requisitos de clareza, de precisão, de suficiência e de incondicionalidade, produzindo um efeito directo na nossa ordem jurídica, sempre se terá de concluir que ele não é aplicável ao concurso público em causa nos autos, não podendo, por isso, ter sido violado pela entidade adjudicante"; segunda "e não prevendo o DL n° 197/99, de 8/6, que um concorrente possa beneficiar da capacidade financeira de outras empresas não tinham de ser consideradas as contas do B...".
Ora, na alegação do presente recurso de revista, como resulta, sem espaço para dúvidas, das respectivas conclusões, transcritas a fls. 764-767, a recorrente só atacou a sentença na parte em que considerou que o art. 47°, n° 2 da Directiva 2004/18/CE é aplicável ao Concurso Público Internacional em apreço.
Nenhuma crítica fez a qualquer das outras pronúncias emitidas pelo acórdão recorrido.
Deste modo, de acordo com o previsto no art. 684°/3 do CPC (aplicável "ex vi" do art. 140° CPTA), a recorrente restringiu o objecto do recurso a esta única pronúncia, sendo que, em tudo o mais, o aresto transitou em julgado.
Por isso, não havendo qualquer outra de conhecimento oficioso, este Supremo Tribunal só tinha o dever de resolver essa questão (art.660°, n° 2 do CPC, aplicável "ex vi" do art. 140° CPTA) e só dela se ocupou, com precedência de recurso prejudicial junto do TJUE.
O mesmo é dizer que não assiste razão à requerente, na arguição de nulidade do acórdão deste Supremo Tribunal, proferido a fls. 865-868, por omissão de pronúncia, por ter deixado de decidir se, face à omissão do DL n° 197/99, era ou não admissível o recurso a meios externos para a demonstração da capacidade financeira. Essa questão não só não fazia parte do objecto do recurso, mas também estava já definitivamente decidida pelo acórdão recorrido, mediante pronúncia transitada em julgado.

4. Pelo exposto, acordam em indeferir a arguição de nulidade.
Custas pela requerente.
Lisboa, 4 de Outubro de 2011. - António Políbio Ferreira Henriques (relator) - Alberto Augusto Oliveira - Américo Joaquim Pires Esteves.