Sumário:
I - A existência de uma relação de domínio ou de grupo em que se encontrem determinadas empresas, não obsta, por si só, a que estas participem, simultaneamente, num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas e distintas.
II - Só perante as circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas se deverá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo fundar-se o juízo neste sentido em mera presunção, decorrente daquela antecedente e originária relação de domínio.
Texto Integral:
Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL (IEFP) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150°, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Administrativo-Sul (TCAS), de 14.09.2010, que confirmou acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, pelo qual foi julgada procedente a acção de contencioso pré-contratual, contra ele intentada, por A... e B..., condenando o Réu, ora recorrente, a «abster-se de excluir as propostas das Autoras «A...» e «B...» do concurso público para fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Formação Profissional da Amadora e Centro de Emprego da Amadora" e a «proceder à avaliação das aludidas propostas de acordo com os critérios definidos no Programa de Concurso e no Caderno de Encargos, se não ocorrer outro motivo de exclusão das mesmas e, consequentemente, a ordenar em 10 lugar a proposta da «A...» e a adjudicar-lhe o fornecimento objecto do referido concurso».
O fundamento da decisão recorrida, confirmativa da proferida em 1ª instância, é, no essencial, o de que duas sociedades ligadas por relações jurídicas de domínio (100% do capital social de ambas detido por uma mesma SGPS) podem apresentar-se, separadamente, ao mesmo procedimento de concurso, sem que isso viole o disposto no art. 54°, nº 2 do Código dos Contratos Públicos (CCP), desde que apresentem propostas autónomas e diferenciadas, e não haja indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
Apresentou alegação (fls. 131 a 138, dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões:
A) DA ADMISSÃO DO RECURSO
1. No presente recurso excepcional de revista, o que está em causa é a apreciação de uma questão que se reveste de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, assim como a admissão do presente recurso é necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Especificadamente, saber se o facto de a "C... " ser detentora de 100% do capital social da "A..." e da "B..." - que apresentaram distintas propostas ao concurso em causa - não era, só por si, violador dos princípios da igualdade e da concorrência.
3. O presente Acórdão do TCA Sul, ora objecto de recurso de revista, considerou que o júri do concurso não podia excluir - como excluiu - propostas da "A..." e da "B..." com o único fundamento que a "C..." detinha 100% do capital social dessas empresas".
4. Relativamente a matéria em tudo idêntica, envolvendo os mesmo concorrentes "A..." e "B..." - no âmbito de outro concurso público o mesmo TCA Sul proferiu o Acórdão n.º 065/6110, de 31 de Agosto de 2010, em sentido precisamente inverso.
5. Na verdade, decidiu que "o facto de a Autora [a A...] e a B... pertencerem ao mesmo grupo de sociedades coligadas - a C..., em domínio total inicial, consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, previstos no n.º 4 do artigo 1.° do Código dos Contratos Públicos", acordando conceder provimento ao recurso interposto pelo IEFP, I.P. revogando a sentença recorrida e mantendo o acto de exclusão da "A..." e da "B..." do referido procedimento concursal (Cfr. Documento n.º 1)
6. Esta matéria foi também objecto de apreciação pelo TCA Sul no acórdão de 29.01.2009, no Proc. n.º 4105/08, quando decidiu: "a prática concertada entre duas (concorrentes] no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os dois concorrentes, (...) ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectivas propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta quo as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito de essa conjugação de propostas."
7. Assim como foi objecto de arresto de 4 de Junho de 2009 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se decidiu: "não é necessário que a concorrência seja efectivamente impedida, restringida ou falseada, nem que haja uma ligação directa entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objectivo anti-concorrencial quando é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas empresas em causa, (...) sempre que a empresa quo participa na concertação permaneça activa no mercado de referência, é aplicável a presunção de nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento da referida empresa no mercado".
8. Efectivamente, estas questões devem ser entendidas em termos de utilidade jurídica da revista, por um lado, porque a controvérsia poderá ultrapassar os limites do caso concreto com possibilidade de repetir-se em casos futuros e, por outro, de forma a garantir a uniformização na aplicação do direito.
9. O diverso entendimento jurisprudencial desta questão ofende o princípio da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.° da Constituição da República Portuguesa.
10. Assim se entende se verificam os pressupostos do n.º 1 do artigo 150.° do CPTA referente à admissibilidade do presente recurso.
B) DO RECURSO
1. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos, que o douto Acórdão proferido nos presentes autos incorreu em erro evidente em sede de aplicação do direito ao concluir pelo não provimento do recurso, porquanto a decisão de exclusão das propostas da "A..." e da "B..." do procedimento concursal, não contraria nem a lei nacional nem o invocado acórdão "Assitur", proferido pelo TJCE em 19 de Maio de 2009 (processo C-538107).
2. O artigo 29°, parágrafo primeiro, da Directiva 92/50/CEE, de 18 de Junho de 1992, do Conselho, para além das causas de exclusão nela previstas, não impede os Estados membros de preverem outras, desde que destinadas a garantir o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.
3. E foi essa a finalidade visada pela exclusão da "A..." e da "B..." do procedimento concursal, por violação do princípio da igualdade, na medida em que se verifica uma situação de vantagem relativamente aos outros concorrentes, que apenas puderam apresentar uma única proposta, em violação do artigo 14.º do Programa de Concurso e do n.º 7 do artigo 59.° do Código dos Contratos Públicos.
4. Com efeito, aquelas concorrentes, apesar de juridicamente distintas, são consideradas sociedades coligadas para efeitos concursais e de concorrência, por se encontrarem em situação de relação de grupo, sob domínio total da "C..." (cfr. artigos 481°, n. °1, 482°, alínea c) 488°, 491° e 503° do Código das Sociedades Comerciais).
5. Assim, formam uma única empresa, dispondo "a priori" no concurso, de uma nitidamente dupla e confortável vantagem, relativamente a todos os demais concorrentes, que se viram confinados a uma única proposta.
6. E, como essa situação envolvia inobservância do Programa do Concurso e do artigo 59º n.º 7 do Código dos Contratos Públicos, as respectivas propostas teriam forçosamente de ser excluídas, ao abrigo dos artigos 146.°, n.° 2, alínea i) e 70.°, n.° 1, alínea g) deste diploma.
7. Sobre a mesma matéria escreveu o TCA Sul TCA-SUL, no acórdão de 29.01.2009, Proc. n.° 4105/08 "(...) a prática concertada entre duas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes, (...) ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectivas propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito dessa conjugação das propostas".
8. Em suma, pode concluir-se que o facto de a "A... e da "B..." pertencerem ao mesmo grupo de sociedades coligadas - "C... (S.G.P.S.)", em domínio total inicial, consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, previstos no n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos.
9. Com efeito, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais, a "C... (S.G.P.S.)" tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas (à "A... e à "B..."), como expressamente resulta do artigo 503.° do Código das Sociedades Comerciais, o que implica uma direcção económica e comum.
10. É, pois, inequívoco que a sentença recorrida, além de ser omissa em relação ao regime jurídico resultante do Titulo VI (Sociedades coligadas) do Código das Sociedades Comerciais, interpretou, incorrectamente, o disposto no n.º 4 do artigo 1.°, artigo 52.°, artigo 53º, nº7, artigo 59º, alínea g) n.º 3, artigo 70.° e artigo 146.°, n.º 2, alínea g) do Código dos Contratos Públicos."
11. Assim, o Acórdão proferido nos presentes autos incorreu em erro evidente em sede de aplicação do direito ao concluir pela revogação da decisão recorrida, não encontrando eco nem na letra da lei, nem no espírito do legislador.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS MAIS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER O PRESENTE RECURSO DE REVISTA ADMITIDO E EM CONSEQUÊNCIA DEVE SER APRECIADO E JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO O ACÓRDÃO «A QUO».
SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA.
As recorridas A... e B... apresentam contra-alegação, na qual formularam as seguintes conclusões:
1. A questão que se coloca na presente revista é a de saber se sendo duas ou mais sociedades detidas em 100% por uma terceira sociedade, tal facto, por si só, as impede de concorrerem ao mesmo procedimento concursal, apresentado cada uma a sua proposta.
2. O douto Acórdão recorrido respondeu negativamente a esta questão, considerando que as disposições dos Art. 70º n.º 2 alínea g) e 146° n.° 2 al. i) do CCP não proíbem a participação simultânea em procedimentos concursais de empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si e, se proibissem, não poderiam ser aplicadas por serem contrárias ao direito comunitário.
3. Estribou-se o douto Acórdão recorrido no Acórdão Assitur de 19 de Maio de 2009, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Processo C - 538/07) o qual decidiu que é contrária ao direito comunitário uma disposição nacional que instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso.
4. Deste modo, a interpretação dos Art.s 70º n.º 1 al. g) e 146° n.° 2 al. i) do CCP feita pelo douto Acórdão recorrido é conforme ao direito comunitário.
5. Porém, se este Supremo Tribunal propender para o entendimento de que as referidas disposições consagram uma proibição absoluta de participação simultânea em procedimentos concursais de empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, deverá, nos termos do disposto no Art.° 234° do Tratado que institui a Comunidade Europeia (versão consolidada publicada no JOUE n.º C321E de 29/12/2006) submeter esta questão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
6. O conceito de "concorrente" em procedimentos concursais é o constante do artigo 53° do CCP.
7. Não existe qualquer lacuna no CCP que deva ser colmatada com recurso à aplicação analógica de outros preceitos legais.
8. As noções de "empresa", exarada no artigo 2.° da Lei n.º 18/2003 e de "sociedades coligadas", constante dos artigos 482º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, apenas se aplicam nos respectivos ramos de Direito.
9. O legislador do CCP não foi indiferente a estas definições, mas decidiu introduzir no CCP um conceito próprio de "empresas associadas" e apenas para proibir a participação destas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (cf. artigos 13° e 14°) e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos.
10. Por outro lado, o Art.° 54° n.º 2 do CCP apenas proíbe que os membros de um agrupamento possam ser concorrentes no mesmo procedimento ou integrar outro agrupamento concorrente.
11. Não caindo na sua previsão as situações em que duas sociedades são detidas em 100% por uma sociedade terceira, como bem decidiu o douto Acórdão recorrido.
12. Se o legislador do CCP quisesse ter proibido a participação no mesmo procedimento de sociedades detidas em 100% por uma sociedade terceira, previsto expressamente.
13. Concorrente é (apenas), uma entidade com personalidade jurídica, sendo irrelevantes eventuais relações de domínio ou de grupo entre dois ou mais concorrentes.
14. A... e B... têm personalidades jurídicas distintas e autónomas (cf. respectivas certidões permanentes com os códigos de acesso 5277-0834-3076 e 8532-0850-6578).
15. Pelo que, tanto A... como B... se consideram concorrentes.
16. A apresentação de propostas individuais por parte de A... e B... não consubstancia a apresentação de mais de uma proposta pelo mesmo concorrente.
17. Inexiste qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que proíba a participação, no mesmo concurso, de empresas que se encontrem entre si em relação de domínio ou de grupo.
18. O artigo 70º n.º al. g) do CCP apenas prevê a exclusão das propostas cuja análise revele a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
19. Apenas se se puder concluir pela existência de tais fortes indícios é que se justificará a exclusão das propostas, como bem decidiu o douto Acórdão recorrido (vide, no mesmo sentido, também o douto Acórdão de 25 de Março de 2010, proferido no processo 05806/09, disponível em www.dgsi.pt: "Não sendo proibida a participação simultâneo num mesmo procedimento adjudicatório de empresas que se encontram numa relação de domínio ou de grupo, e perante as circunstancias concretas que terá de se avaliar se foi falseada a concorrência." (sublinhado nosso).
20. Não só a nossa legislação efectivamente não proíbe a participação simultânea, no mesmo procedimento concursal, de entidades que se encontram numa relação de domínio ou de grupo, como não o poderia fazer, sob pena de violação do direito comunitário.
21. O TJCE no seu Acórdão Assitur, proferido em 19 de Maio de 2009 no processo C-538/07 decidiu que: "o direito comunitário opõe-se a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultâneo e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso." - o sublinhado é nosso)
22. A verificação de eventual acordo ou prática proibidos há-de traduzir-se na ocorrência de factos concretos que se consubstanciem nos pressupostos de facto exarados na norma do Art.º 4° da Lei n.º 18/2003.
23. A jurisprudência nacional (Acórdãos do TCAS de 29 de Janeiro de 2009 proferido no processo n.º 04105/08 e de 25 de Março de 2010, proferido no processo 05806109, disponíveis em www.dgsi.pt) e comunitária (Acórdão Assitur do TJCE, proferido em 19 de Maio de 2009 no processo C-53 8/07) entendem que para que as propostas possam ser excluídas com fundamento na existência de fortes indícios de práticas concertadas é necessário proceder a efectiva análise das propostas apresentadas por forma a aferir se existem semelhanças entre estas que permitam indiciar coordenação entre os concorrentes e comportamento paralelo.
24. Para concluir pela existência de uma prática concertada entre A... e B... no âmbito do concurso ajuizado a entidade adjudicante teria que ter identificado factos de que resultasse a existência de contactos entre elas, através dos quais estas tivessem coordenado a sua actuação por forma a adoptarem um comportamento susceptível de falsear as regras da concorrência, que tivessem agido em coordenação no sentido da elaboração das propostas e dos preços a apresentar ou que tivessem adoptado comportamentos paralelos traduzidos numa homogeneidade das propostas.
25. Teria ainda a entidade adjudicante de ter evidenciado a existência de causalidade entre a alegada coordenação entre as concorrentes e o comportamento paralelo.
26. O Relatório Final do Júri do Concurso é absolutamente omisso quanto a factos em que se consubstanciasse a concertação ou paralelismo de comportamentos entre A... e B... e relação causa efeito (cf. 15°) dos Factos Provados).
27. A jurisprudência nacional (Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Janeiro de 2009 e 25 de Março de 2010) tem entendido que a coordenação da actuação das concorrentes e a homogeneidade das propostas extraem-se, designadamente, dos seguintes elementos:
a. Identidade de Administrações;
b. Identidade do representante que apresentou as propostas;
c. Identidade da estrutura formal e gráfica das propostas;
d. Identidade dos preços apresentados;
e. Identidade de outros elementos constantes das propostas, designadamente, o número de trabalhadores propostos. Ora28. A... e B... têm sedes sociais e administrações distintas (cf. 13°) dos Factos Provados).
29. A proposta da A... está assinada pelo Presidente do Conselho de Administração ... e pela Administradora ... (cf. 18°) dos Factos Provados).
30. A proposta da Requerente B... está assinada pelo legal representante, ... (cf. 19°) dos Factos Provados).
31. O preço proposto pela A... para a refeição completa é de 2,04€ e para refeição em regime de mini-prato 1,73€ (cf. 20°) dos Factos Provados).
32. O preço proposto pelo B... para refeição completa é de 2,69€ e para refeição em regime de mini-prato 2,28€ (cf. 21°) dos Factos Provados).
33. As propostas apresentam uma estrutura gráfica semelhante apenas por exigência dos documentos concursais que impunham formulários pré-definidos e de preenchimento obrigatório.
34. Da confrontação das propostas apresentadas pelas concorrentes A... e B... decorre a absoluta divergência entre ambas, qualquer que seja a comparação efectuada.
35. Impondo-se a conclusão de que, no caso concreto, inexistem aspectos objectivamente indiciadores de ter havido qualquer espécie de articulação entre as empresas.
36. Assim, da análise das propostas não se retiram quaisquer indícios de acordo ou prática concertada entre A... e B... susceptível de falsear as regras da concorrência.
37. Em conclusão, deverá o presente recurso de revista ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantido o douto Acórdão recorrido.
2. Em acórdão da responsabilidade da formação prevista no art. 154, nº 6, do CPTA, foi admitido o recurso, por se reconhecer que a questão, nele suscitada, envolve especial complexidade jurídica, que tem a ver com a salvaguarda dos princípios que devem presidir aos procedimentos de contratação pública, previstos no art. 1 do CCP, em especial o princípio da concorrência e, por outro lado, se admitir a possibilidade de expansão da controvérsia, com repetição em casos futuros.
3. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, notificado para os efeitos do disposto nos arts 146, nº 1, do CPTA, pronunciou-se, nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do TCA Sul, que negou provimento ao recurso da sentença proferida pelo TAF de Sintra, que julgou procedente a acção de contenciosos pré-contratual intentada pelas ora recorridas contra o aqui recorrente.
A questão essencial por este suscitada traduz-se em saber se a apresentação separada ao mesmo procedimento de concurso de duas sociedades ligadas por relações jurídicas de domínio, cujo capital é detido na totalidade por uma mesma SGPS, constitui, só por si, facto violador dos princípios da igualdade e da concorrência.
Sustentando posição afirmativa, em oposição ao aresto recorrido, o recorrente imputa-lhe violação, por erro de interpretação e aplicação, destes princípios e dos arts 1º, nº 4; 52º 53º; 59º, nº 7; 70º, nº 2, g) e 146º, nº 2, i) do Código dos Contratos Públicos.
Alega, em síntese, que as recorridas, apesar de juridicamente distintas, são consideradas sociedades coligadas, para efeitos concursais e de concorrência, pelo que dispunham de notória vantagem relativamente aos demais concorrentes, impondo-se consequentemente a exclusão das respectivas propostas.
Em nosso parecer, o recurso não merecerá provimento.
2. A questão em apreço foi, recentemente, em situação em tudo idêntica, objecto de apreciação por este STA, no recurso de revista nº 0851/10, de 11/01/2011.
Nele se decidiu que:
"I - Não é proibida, só por si, a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontram entre si numa relação de domínio ou de grupo.
II - Só perante as circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas é que se terá de avaliar se foi falseada a concorrência, não se podendo fundar esse falseamento numa mera presunção decorrente da sua antecedente e originária relação de domínio."
Ora, em nosso parecer, o recorrente não logra aduzir quaisquer rasasses susceptíveis de fundamentar uma reapreciação do problema em termos diferentes dos doutamente estabelecidos naquele acórdão.
E tal como nele se fez notar também, não procede, em contrário, a invocação pelo recorrente do acórdão do TJUE de 4/6/2009, Proc. C-8/08, uma vez que ele não tem aplicação a situação dos autos:
"Essa situação, ou melhor, a questão que nele foi decidida, foi a do nexo de causalidade entre a concertação de empresas, decorrente de troca de informações no domínio das telecomunicações e a sua actuação no mercado, que o TJUE considerou existir, e ser anticoncorrencial, enquanto essas empresas se mantiverem activas, mesmo que só tenha havido uma única e longínqua troca de informações entre elas. Tendo, portanto, por base uma efectiva concertação (em determinado momento, que considerou prolongar-se) e não uma concertação presumida do simples facto da sua coligação jurídica".
3. Improcedendo, consequentemente, todas as conclusões das alegações do recorrente, devera ser negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão recorrido.
Notificada deste parecer do Ministério Público, a entidade recorrente veio apresentar resposta, na qual concluiu «como nas alegações de recurso», persistindo em que lhe deverá ser dado provimento.
Cumpre decidir.
4. O acórdão recorrido, tal como a decisão proferida em 1ª instância, deu como provada a seguinte matéria de facto: 1.º)O Réu lançou o Concurso Público Internacional n.º 2009.210.0031 para aquisição de serviços de fornecimento de refeições e serviços de bar para as instalações do Centro de Formação Profissional de Amadora e Centro de Emprego da Amadora, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.° 148, de 03 de Agosto de 2009 - cf. doc. 1 junto com a petição inicial; 2.º)No âmbito do qual, o critério de adjudicação definido foi o do mais baixo preço, conforme decorre do n.º 12 do anúncio (cfr. Fls. 327 do Dossier n.° 1 do P.A.), bem como do programa do concurso constante do n.° 1 do artigo 6.° - cfr. Fls. 145 do Dossier n.º 1 do processo instrutor (doravante designado P.A.); 3.º)Ao referido procedimento foram apresentadas propostas pelas seguintes concorrentes:
- ... -cfr. Fls. 329 e 330 - Dossier n.º 1 - cfr. Fls. 342 a 696 - Dossier n.º 2;
- ... -cfr. Fls. 331 e 332- Dossier n.º 1 - cfr. Fls. 697 a 1046- Dossier n.º 3;
- B... -cfr. Fls. 333 e 334- Dossier n.º 1 - cfr. Fls. 1047 a 1327- Dossier n.º 4;
- ... -cfr. Fls. 335 e 336- Dossier n.º 1 - cfr. Fls. 17720 2168- Dossier n.º 6;
- A... -cfr. Fls. 337 e 338- Dossier n. ° 1 - cfr. Fls. 1328 a 1771 - Dossier n.º 5;
- B... -cfr. Fls. 1659- 2170 a 2302- Dossier n.º 7;
- ... -cfr. Fls. 2303 a 2404 - Dossier n.º 7;
- ... -cfr. Fls. 2405 a 2569 - Dossier n.º 7; 4.º)A prestação do serviço que constitui o objecto do Concurso tem o seu início previsto para o dia 01.01.2010, sendo que o anúncio publicado no Diário do República prevê que o prazo contratual de 12 meses se conte da celebração do respectivo contrato - cf. ponto 7 doc. 1 e doc. juntos com a petição inicial; 5.º)A 18 de Novembro de 2009 o Júri elaborou o primeiro relatório preliminar do qual consta os resultados da análise e a avaliação das propostas apresentadas e a respectiva ordenação - cfr. fls. 2598 a 2607 - Dossier n.º 8; 6.º)No qual o Júri deliberou a exclusão das proposta das Autoras - cf. doc. 5 e 6 juntos com a petição; 7.º)Em 19 de Novembro de 2009, o júri procedeu à notificação dos interessados do primeiro relatório preliminar, para efeitos de audiência prévia - cfr. Fls. 2615 a 2631 - Dossier n.º 8; 8.º)Entre 20 e 25 de Novembro de 2009 foram apresentadas as respectivas pronúncias dos concorrentes no âmbito do procedimento quanto ao sentido provável da decisão - cfr. Fls. 2596 a 2687.1.57- Dossier n.º 8; 9º)As Autoras pronunciaram-se contra a sua exclusão - cf. doc. 7 junto com a petição; 10.º)Em 25 de Novembro de 2009 foi apresentada pelas Autoras, perante o Conselho Directivo do IEFP, impugnação administrativa para efeitos do disposto no artigo 267.° do C.C.P. - cfr. fls. 2687.1.31 a 1.41 - Dossier n.º 8 e doc. 8 11.º)A 18 de Dezembro de 2009, em sede de preparação de adjudicação, foi elaborado o segundo relatório preliminar, do qual constava, de novo, os resultados da análise e a avaliação das propostas apresentadas e a respectiva ordenação - cfr. fls. 2696 a 2700 - Dossier n.º 8; 12.º)A 21 de Dezembro de 2009, o júri procedeu a notificação dos interessados do segundo relatório preliminar, para efeitos de audiência prévia - cfr. fls. 2694 a 2714- Dossier n.º 8; 13.º)A 29 de Dezembro de 2009, o júri procedeu à elaboração do relatório final, da respectiva decisão final respeitante ao procedimento e consequente adjudicação concorrente ... - cfr. fls. 2715 a 2721 - Dossier n.º 8; 14.º)No qual é proposta a excluso das Autoras - cf. fls. 2715 a 2721 - Dossier n.º 8; 15.º)Nesse relatório pode ler-se:
" (...) a sociedade C... (SGPS), detentora de 100% do capital social dos sociedades A... e B..., para além do direito de dar instruções vinculantes, responde por todo o passivo destas últimas, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo intersocietário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo no dizer de vários, independente da respectiva fonte ou conteúdo (...).
Verifica-se, assim, uma relação de subordinação, devendo, par força do art. 2.° e 109, n.º 1 do Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho, ser considerada como uma única empresa."
Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou que mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes dos direitos ou poderes enumerados no n.º 1 do art.º 10.º" (art. 2.°, n.° 2 da Lei n ° 18/2003, de 11 de Junho).
Nestes termos, as sociedades A... e B..., apesar de juridicamente distintas, são, para efeitos concursais e de concorrência, consideradas coma uma única empresa, devendo ser excluídas as respectivas propostas, ao abrigo do disposto no art.º 146.°, nº 2, alínea i) e n.º 3, e art.° 70.°, n.º 2, alínea g) do Código dos Contratos Públicos (...) posto que se verifica violação:
- Do principio do igualdade, na medida em que se verifica uma situação de vantagem por parte dos sociedades A..., B..., e C..., perante as restantes concorrentes, que apenas puderam apresentar uma única proposta, em violação do art.º 14.° do Programa do Concurso, e do art.º 59.º, n.º 7 do Código dos Contratos Públicos (...).
- Do princípio da concorrência, porque, consubstanciando-se as propostas da A... e B..., S.A., duas propostas de uma "única empresa" - a C..., entre as mesmas não pode haver uma efectiva e sã concorrência ( ... )
Neste sentido, o júri propõe a exclusão dos concorrentes A... (...) e B... (...)"- cf. doc. 1 junto com a oposição da Contra-interessada; 16.º)O Júri propôs ainda a ordenação dos concorrentes (...) de acordo com o critério de adjudicação "o preço mais baixo":
1. ...
2. ...
3...." - cf. mesmo doc.; 17.º)A C... (SGPS) é detentora de 100% do capital das Requerentes - cf. www.portaldaempresa.pt/CVE/IES/ConsultaCertidao.aspx, com os números 8602-5320-
8331, 1551-7628-4679 e 2624-8238-2252; 18.º)A proposta da A... está assinada pelo Presidente do Conselho de Administração ... e pela Administradora ... - cf. doc. 2 junto com a petição; 19.º)A proposta da Requerente B... está assinada pelo legal representante, ... - cf. doc. 3 junto com a petição; 20.º)O preço proposto pela A... para refeição completa é de 2,04€ e para refeição em regime de mini-prato 1,73€ - cf. doc. 2 junto com a petição; 21.º)O preço proposto pelo B... para refeição completa é de 2,69€ e para refeição em regime de mini-prato 2,28€ - cf. doc. 3 junto com a petição; 22.º)O preço para a refeição completa proposto pela ... é de 2,12E, pela ... 2,17€ e pela ... 2,30€ - cf. doc. 9 junto com a petição.
4. A questão essencial a decidir consiste em saber se a ligação de duas sociedades por relações jurídicas de domínio, por ser o respectivo capital social integramente detido por uma mesma SGPS, constitui fundamento, por si só, para a exclusão daquelas sociedades do concurso, a que se apresentaram, isolada e separadamente, com propostas distintas.
O acórdão recorrido, confirmando a decisão proferida em 1ª instância, respondeu negativamente a essa questão, decidindo que, no caso sujeito, o júri do concurso em causa não poderia excluir, como excluiu, as propostas das ora recorridas A... e B..., com fundamento, exclusivamente, em que o respectivo capital social era detido a 100% pela sociedade C....
Mais decidiu o mesmo acórdão que as disposições do CCP, designadamente os artigos 70, nº 2, al. g) e 146, nº 2, al. i) desse diploma legal, não proíbem a candidatura das concorrentes nessas circunstâncias, e que, se o fizessem, não poderiam ser aplicadas, por serem, então, contrárias ao direito comunitário, já que, «no caso, não está demonstrada a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, sendo certo que as concorrentes "A..." e a "B..." que apresentaram, cada uma delas, uma única proposta (art. 53, do C.C.P.)».
Contra o assim decidido, o recorrente IEFP alega que, embora juridicamente distintas, as ora recorridas são consideradas, nos termos do Código Comercial [arts 482, al. c) e 486, nº 2, al. a)], sociedades coligadas, formando, para efeitos concursais e de concorrência, uma única empresa, que apresentou, afinal, duas propostas, assim dispondo de vantagem, relativamente aos demais concorrentes, que se viram limitados à apresentação de uma só proposta.
Tal situação - alega, ainda, o recorrente - envolvia inobservância do Programa do Concurso e do disposto no art. 59 ( Artigo 59º (Propostas variantes):
...
7 - Nos casos em que o programa do procedimento não permita a apresentação de propostas variantes, cada concorrente só pode apresentar uma única proposta.), nº 7, do CCP, e implicava, necessariamente, a exclusão das propostas das ora recorridas, por força do estabelecido nos arts 146 (Artigo 146º (Relatório preliminar):
...
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
...
i) Que violem o disposto no nº 7 do artigo 59º;
...), nº 2, al. i) e 70 (Artigo 70º (Análise das Propostas):
...
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
...
g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.
3 - A exclusão de qualquer proposta com fundamento no disposto nas alíneas e) e g) do número anterior deve ser imediatamente comunicada à Autoridade da Concorrência e, no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas, igualmente ao Instituto da Construção e Imobiliário. I.P.), nº 2, al. g) e nº 3, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da concorrência, consagrados no art. 1 (Artigo 1º (Âmbito):
...
4 - À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.
5 - ...), nº 4, do mesmo diploma legal.
Pelo que - acrescenta o recorrente - tal exclusão de propostas, em conformidade com tais normas do CCP, não viola o direito comunitário, uma vez que a Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Julho de 1992, relativa à coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos de serviços, não impede que, para além das possíveis causas de exclusão nela previstas (art. 29), os Estados-Membros prevejam outras, desde que destinadas a garantir o respeito por aqueles princípios da igualdade e da concorrência. E, neste sentido, invoca o acórdão "Assitur", proferido pelo TJCE, em 19.5.03, no proc. C-538/07.
Mas, como se verá, não lhe assiste razão.
Desde logo, o entendimento que defende não colhe qualquer apoio no invocado acórdão "Assitur", no qual se baseou, aliás, o acórdão sob impugnação.
Esse acórdão do TJCE, que decorre de pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação do referido art. 29 da referida Directiva 92/50/CEE do Conselho assim como dos princípios gerais do direito comunitário em matéria de contratos públicos, declarou que tal interpretação deve ser no sentido de que esse mesmo art. 29 «não obsta a que um Estado-Membro preveja, além das causas de exclusão que esta disposição comporta, outras causas de exclusão destinadas a garantir o respeito pelos princípios da igualdade e de tratamento e da transparência, com a condição de que tais medidas não ultrapassem o que é necessário para alcançar este objectivo» (sublinhado nosso).
E, nesta perspectiva, declarou, ainda, que «O direito comunitário opõe-se a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso».
Ora, como se referiu, é este o sentido interpretativo das referidas disposições do art. 29 da Directiva 92/50/CEE e dos arts 1, 70 e 146, do CCP - contrário, pois, à perspectiva do direito comunitário, declarada no citado acórdão do TJCE -, que a entidade recorrente defende, na respectiva alegação, e que foi adoptado para a exclusão das propostas apresentadas pelas ora recorridas A... e B... (cfr. nºs 13 a 15, da matéria de facto), com base, apenas, na circunstância de o respectivo capital social ser detido, integralmente, por uma outra sociedade [C... (SGPS)]. Pois que, «no caso - como decidiu o acórdão impugnado, em termos já definitivos (art. 150, nº 3 CPTA) - não está demonstrada a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência».
E, como bem considerou também o acórdão recorrido, só perante a existência de tais indícios seria lícita a exclusão das propostas das concorrentes ora recorridas [vd. citado art. 70/2/g) CCP].
Em sentido contrário, o recorrente persiste em defender que o facto de estas sociedades, apesar de juridicamente autónomas, se encontrarem coligadas, no âmbito da indicada relação de domínio, é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação por elas planeada e legítima, por si só, a presunção de que ocorre violação dos referidos princípios da igualdade e da concorrência, sem necessidade de prova material da ligação entre as duas concorrentes. E, em abono deste entendimento, invoca o acórdão do TJCE (caso "T-Mobile"), de 4.6.09, no proc. C-8/08.
Uma vez mais, porém, sem razão.
Desde logo, não colhe a invocação desta decisão do TJCE, que visou situação distinta da destes autos.
Com efeito, esse acórdão, que apreciou pedido de decisão prejudicial sobre o conceito de «prática concertada» do art. 81, nº 1 CE e o nexo de causalidade entre a concertação de empresas e a respectiva actuação no mercado, declarou:
1) Uma prática concertada tem um objectivo anticoncorrencial na acepção do artigo 81.º, n.º 1, CE quando, devido ao seu teor e à sua finalidade e tendo em conta o contexto jurídico e económico em que se insere, é concretamente apta a impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum. Não é necessário que a concorrência seja efectivamente impedida, restringida ou falseada nem que haja uma ligação directa entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objectivo anticoncorrencial quando é susceptível de eliminar as incertezas quanto a actuação planeada pelas empresas em causa.
2) No âmbito da análise do nexo de causalidade entre a concertação e a actuação no mercado das empresas que participam nessa concertação, nexo este que é exigido para demonstrar a existência de uma prática concertada na acepção do artigo 81.º, n.º 1, CE, o juiz nacional é obrigado, sem prejuízo da prova em contrário que cabe as empresas fazer, a aplicar a presunção de causalidade enunciada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual as empresas, quando continuam activas no mercado, levam em conta as informações trocadas com os seus concorrentes.
3) Na medida em que a empresa que participa na concertação permaneça activa no mercado de referência, a presunção do nexo de causalidade entre a concertação e a actuação no mercado dessa empresa é aplicável mesmo que a concertação se baseie numa única reunião das empresas em causa.
Em causa está, pois, situação em que o Tribunal de Justiça considerou existir efectiva concertação de empresas, no mercado das telecomunicações. Pelo que, diversamente do que sugere o recorrente, dele não resulta qualquer conforto para o entendimento, pelo mesmo recorrente propugnado, no sentido de que a existência de uma relação de domínio em que se encontram as recorridas A... e B... basta para que se presuma a respectiva concertação e consequente violação dos referenciados princípios da igualdade e da concorrência.
Para além disso, importa referir que essas concorrentes, embora se encontrem coligadas por força da mencionada relação de domínio ou de grupo entre elas existente, apresentaram propostas autónomas e substancialmente distintas, como decorre da factualidade apurada (cfr. nºs 18 a 21, da matéria de facto).
E, como já considerou, com apoio na doutrina (Vd. Mário Esteves de Oliveira, Agrupamentos de Entidades Adjudicantes e de Candidatos e Concorrentes em Procedimentos de Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública-II, Organização de Pedro Gonçalves, pp 129-132.), o acórdão desta 1ª Secção, de 11.1.2011, proferido em processo (851/10) com os mesmos intervenientes destes autos, em termos que são aqui inteiramente válidos,
...
As empresas coligadas mantêm a sua autonomia jurídica, que subsiste em todas as situações em que a mesma não seja afastada por lei. E, no âmbito da contratação pública, o Código dos Contratos Públicos não a afastou, pois que consagrou uma definição de concorrente alicerçada no conceito tradicional de personalidade jurídica, estabelecendo que é concorrente a "pessoa", singular ou colectiva, que apresente uma proposta (artigo 53.°), pelo que, tais pessoas, não estando agrupadas para efeitos de um concurso (de acordo com o estabelecido no artigo 54.°), são pessoas autónomas com propostas autónomas.
Este Código, não ignorando o conceito de sociedades coligadas estabelecido nos artigos 482.° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, assumiu um conceito próprio de empresas associadas, mas apenas, como salienta a recorrente, para proibir a participação destas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (...) e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos. Sendo certo que a associação, ou posição de domínio ou de grupo, que estabelece, tem de incluir no seu seio a empresa adjudicante, o que, in casu, se não verifica.
E, no que respeita a essa associação entre somente os concorrentes (excluindo, portanto, o adjudicante), o CCP só proíbe, na generalidade dos contratos, que os membros de um agrupamento possam ser concorrentes no mesmo procedimento ou integrar outro agrupamento concorrente (artigo 54.°, n.º 2), não caindo na sua previsão as situações em que duas sociedades detidas em 100% por uma sociedade terceira concorram autonomamente.
Assim sendo, e tal como, nesse acórdão já se decidiu, é de concluir que, na situação a que respeitam os presentes autos, não houve qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto cada uma das indicadas concorrentes, as ora recorridas A... e B... - sociedades comerciais autónomas - apresentou, apenas, uma proposta, e conformidade, portanto, com o estabelecido no citado art. 59, nº 7, do CCP.
Em suma: é de manter a decisão afirmada no acórdão recorrido, que fez correcta interpretação e aplicação do direito, sendo a alegação do recorrente totalmente improcedente.
5. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso de revista, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 31 de Março de 2011. - Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Jorge Artur Madeira dos Santos.