Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Maio de 2011 (proc. 426/11)

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Sumário:

Dada sua relevância jurídica e social é de admitir a revista onde, no âmbito de um procedimento de concurso, se questiona até que momento pode o júri, unilateralmente, corrigir erros e lapsos detectados nas peças concursais e, também, importa apurar se um interessado, não tendo impugnado uma norma do programa do concurso, perde (ou não), a possibilidade de impugnar o acto final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessa norma.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:


I - RELATÓRIO
1.1.A..., S.A. vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 17-02-2011, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de 28-09-2010, que julgou "(...) procedente o pedido impugnatório", anulando "o acto de adjudicação," e condenou "a entidade pública demandada a excluir a empresa A... e a corrigir a fórmula relativa à pontuação constante do nº 3 do art. 13º do PC , alterando em consequência a Grelha 5 do relatório provisório no sentido de ser atribuído ao Concorrente nº 4 B... a pontuação de 20 e aos demais Concorrentes a pontuação de 18,1 pontos"-cfr. fls. 314-.
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, conclusões das suas alegações, nomeadamente, o seguinte:
"(...)
3.º Discute-se, pois, na presente acção se num procedimento de contratação pública, no qual vigoram os princípios da estabilidade e transparência das regras concursais, que determinam que, uma vez patenteadas aos potenciais interessados, as peças do procedimento tornam-se vinculantes, existindo um alegado lapso no Programa do Concurso, tal lapso (apenas) pode ser corrigido nos termos e nos prazos fixados no artigo 50.º do CCP ou se, ao invés, justifica-se a aplicação do artigo 148.º do CPA, podendo, consequentemente, tal lapso ser corrigido a todo o tempo.
4.º Mais se discute se, não tendo o interessado impugnado uma norma do Programa do Concurso, ao abrigo do artigo 100.º n.º 2 do CPTA, no prazo fixado no artigo 101.º do CPTA, pode fazê-lo, posteriormente, no âmbito de acção de impugnação de outros actos entretanto praticados no procedimento.
5.º Tais questões revestem relevância social fundamental já que são susceptíveis de se colocar em futuros procedimentos concursais, sendo essencial que os interessados saibam até que momento pode o Júri ou a Entidade Adjudicante, unilateralmente, corrigirem erros e lapsos detectados nas peças concursais, alterando, assim, as regras contidas naquelas e, bem assim, se, não tendo impugnado uma norma do programa do concurso, perderam (ou não) a possibilidade de impugnar o acto final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessa norma.
6.º Acresce que esta última questão já foi objecto de dois Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdãos de 26 de Agosto de 2009 processo 0471/09, e de 27 de Janeiro de 2011, processo 0850/10), em ambos se tendo decidido que a impugnação de normas do Programa de Concurso estava sujeita ao prazo fixado no artigo 101.º do CPTA, pelo que, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul proferido decisão em sentido contrário é manifestamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para acabar com a incerteza e instabilidade na resolução desta questão.
(...)
10.º Discute-se, pois, na presente acção se a omissão de um elemento que, por um lado, não integra um dos factores ou subfactores do critério de adjudicação e que, consequentemente, não tem qualquer influência na classificação e graduação das propostas e que, por outro lado, relativamente ao qual o caderno de encargos não impõe o cumprimento de quaisquer requisitos, tal omissão deve ser sancionada nos termos do artigo 146.º n.º 2 al. d) do CCP, determinando, consequentemente, a exclusão da proposta ou se, ao invés, deve ser entendida como uma formalidade não essencial da proposta que não determina a sua exclusão.
11.º Esta questão reveste de relevância social fundamental na medida em que é susceptível de se colocar em futuros procedimentos concursais, sendo fundamental que os Júris, quando confrontados com omissões na proposta, saibam se tal falta pode ou não ser relevada, ao abrigo do princípio que só a inobservância de formalidades essenciais justifica a exclusão da proposta.
12.º Termos porque deverá ser admitido o presente recurso de revista nos termos do disposto no Art.º 150º n.º 1 do CPTA.
(...)" - cfr. fls. 614 a 616
1.2. Os ora Recorridos Hospital Arcebispo João Crisóstomo e B..., Lda. não contra-alegaram.
1.3. Cumpre decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAC de Lisboa, de 28-09-2010, que julgou procedente o pedido impugnatório, interposto pela ora Recorrida B..., Lda.
Para assim decidir o TCA Sul considerou, no essencial, "(...) que a sentença recorrida decidiu correctamente, por ter ocorrido efectivamente violação do disposto no artº 11º/1/d) do PC e dos artºs 57º/1 e 146º/1/d), do CCP e do artº 148º do CPA, fundamentação com a qual concordamos, pelo que nestes dois aspectos que determinaram a procedência do pedido impugnatório não se verifica nenhuma das ilegalidades assacadas pelas mesmas recorrentes, nisto estando também de acordo a recorrida e o Digno Ministério Público".
Salientou, também, que "quanto ao segundo dos aspectos referidos, ocorrendo lapso manifesto da fórmula constante do ponto 3 do artº 13º do PC, que deveria ter sido corrigida nos termos do artigo 148º do CPA, não faz sentido pretender que acção era intempestiva quanto a esse aspecto, por não ter aplicação ao caso o disposto nos artºs 100º e 101º do CPTA e 50º do CCP, nos termos preconizados pelas recorrentes, pois que tal lapso manifesto podia/devia ter sido corrigido oficiosamente e a todo o tempo". (cfr. fls. 52 do Acórdão do TCA)
Já a Recorrente discorda do decidido no Acórdão do TCA Sul, pelas razões que explicita na sua alegação de fls. 544/580, enunciando como questões essenciais de direito a resolver as que referencia nos pontos 1º a 3º do Capítulo II, alínea a), a fls. 546.
Sucede, precisamente que, como sustenta a Recorrente, tais questões se revestem de especial relevância jurídica e social, na exacta medida em que, por um lado, a sua resolução implica a realização de operações exegéticas de alguma complexidade e, ao mesmo tempo, contendem com interesses comunitários particularmente importantes, uma vez que se trata de uma problemática susceptível de se colocar em muitos outros casos e que se prende, designadamente, com os princípios da estabilidade e da transparência das regras concursais, impondo-se a clarificação, por via jurisprudencial, de tais questões, indagando-se até que momento pode o júri, unilateralmente, corrigir erros e lapsos detectados nas peças concursais e, também, fixar se um interessado, não tendo impugnado uma norma do programa do concurso, perde (ou não) a possibilidade de impugnar o acto final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessa norma.
É, assim, de concluir que, no caso dos autos, se verificam os pressupostos de admissão da revista.


3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em admitir o recurso de revista do Acórdão do TCA Sul, de 17-02-2011, devendo proceder-se à pertinente distribuição dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Maio de 2011. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Luís Pais Borges - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.